A análise científica de qualquer fenômeno pode ocorrer, pelo

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A análise científica de qualquer fenômeno pode ocorrer,
pelo menos, de três modos diferentes. O primeiro é o estudo
do fenômeno pela análise experimental do comportamento.
O segundo modo de efetuar a análise científica do comportamento complexo é por meio da simulação do comportamento e dos processos responsáveis por ele, usando
organismos ou computadores. Na simulação, embora não
se consiga uma análise experimental direta do comportamento, obtém-se um auxiliar na compreensão sobre o
desenvolvimento de determinado comportamento e um
suporte para interpretações do comportamento complexo.
Uma terceira forma para compreender o fenômeno complexo, especialmente aqueles que, por alguma razão não
podem ser submetidos à análise experimental direta, é a
interpretação (Schlinger Jr., 1998).
Os fenômenos complexos são analisados de acordo com
um conjunto de princípios ou leis derivadas da análise
experimental do comportamento mais simples, mas relacionada com o fenômeno.
No laboratório, a análise do comportamento é feita pela
análise experimental do comportamento. Na clínica, ao fazer análise do comportamento complexo, usa-se a interpretação. Porém, a interpretação só pode ser realizada com a
fundamentação da pesquisa básica desenvolvida no laboratório. Pode-se, então, concluir que um terapeuta comportamental necessita conhecer os princípios e leis que
governam os comportamentos e acompanhar o desenvolvimento e os avanços da pesquisa básica e aplicada.
A técnica de Modelagem é resultante de estudos de laboratório que pretedem, inicialmente, instalar uma resposta
no sujeito experimental, como pressionar a barra, para o
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Terapia Comportamental
rato, e bicar um disco, para o pombo, para estudar como essas respostas podem
estar sob o controle de determinadas variáveis. O método de aproximações sucessivas deve ser usado no laboratório para que as respostas selecionadas para estudo
sejam rapidamente adquiridas, dando início ao estudo experimental.
“O condicionamento operante modela o comportamento como o escultor modela
a argila” (Skinner, 1953). Nessa metáfora está contida a idéia da necessidade de
preexistência de um conjunto de respostas no organismo, as quais podem ser
rearranjadas até que ocorra uma nova resposta ou uma classe delas. Um comportamento operante é o resultado de um processo de Modelagem.
Com o uso da Modelagem procura-se ampliar o repertório comportamental
de um organismo por meio da aquisição de novas respostas.
Na brincadeira “Quente e frio" pode-se esconder um objeto sob a almofada
que está no chão, ao lado de um sofá e duas poltronas; ao lado oposto há um
armário com gavetas e uma mesa com duas cadeiras. A criança recebe a seguinte
instrução: “Procure um bonequinho semelhante a esse que está escondido na sala.
Quando você estiver longe do lugar onde está o bonequinho, vou dizer ‘Está frio/,
quando você estiver se aproximando do lugar onde está o bonequinho, vou dizer “Está m orno/ e quando você estiver bem perto do lugar onde está o
bonequinho, vou dizer: ‘Está quente/”
A criança se aproxima da mesa do lado oposto à almofada e o terapeuta diz
“Está frio/' A criança olha em direção à almofada e o terapeuta diz “Está morno.” A
criança dá alguns passos em direção ao armário e o terapeuta diz “Está frio.” Ela
então olha em direção ao sofá, próximo da almofada e o terapeuta diz “Está morno.” Ela se vira de costas para o sofá e o terapeuta diz “Está frio.” Ela agora dá
vários passos em direção ao sofá e o terapeuta diz “Está esquentando.” A criança
levanta a almofada do sofá e o terapeuta diz “Está frio.” A criança olha em direção
à almofada e o terapeuta diz “Está quente.” e então a criança levanta a almofada e
encontra o bonequinho.
Nessa brincadeira, lidam-se com duas classes de respostas:
1. As respostas que gradualmente se aproximam da resposta final de levantar
a almofada e encontrar o bonequinho (elas têm o mesmo efeito no ambiente;
todas são seguidas das pistas verbais: “Está morno.” “Está quente.”);
2. As respostas que se afastam da resposta final (todas têm o mesmo efeito
no ambiente; são seguidas pela pista verbal: “Está frio.”). Nessa brincadeira,
não foi modelada uma nova resposta pois todas faziam parte do repertório
comportamental da criança, apenas foi modelado o comportamento de
procurar e encontrar o bonequinho. Com a ajuda das pistas verbais, a criança
foi conduzida a emitir a resposta que produzia um efeito de encontrar o
boneco mais rapidamente. O uso de pistas verbais pode favorecer o aparecimento mais rápido da resposta final que já faz parte do repertório da
criança. Modelar o comportamento da criança significa reforçar respostas
intermediárias para gerar uma nova resposta.
No jogo denominado “Rouba Queijo” fica mais evidente a Modelagem de uma
nova resposta. Esse jogo contém um tabuleiro com uma mureta semifechada nos
Modelagem
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dois cantos opostos (a casa de cada rato). Cada jogador fica com um rato (vermelho
ou verde). Cada rato tem um pequeno ímã, colado na direção da cabeça, voltado
para baixo. Os queijos são dados pequenos espalhados pelo tabuleiro. Cada jogador recebe uma haste de plástico comprida o suficiente para atingir o outro lado
do tabuleiro. Cada haste possui um ímã na ponta, voltado para cima. A tarefa de
cada jogador é comandar o rato para deslocar-se no tabuleiro, levando os dados
(queijos) para dentro de sua casa. Para conseguir isso, os jogadores devem enfiar a
haste por baixo do tabuleiro e conectar o ímã da haste com o ímã de seu rato; dessa
forma, ao movimentar a haste sob o tabuleiro, estará também movimentando o
seu rato sobre o tabuleiro (resposta A). O vencedor será o jogador que levar mais
queijos para dentro de sua casa.
As crianças, de acordo com as idades, apresentam dificuldades diferentes para
aprender a manejar o rato. Tome-se como exemplo uma criança de sete anos. Ela
coloca sua haste sob o tabuleiro; seu rato está dentro de sua casa; a criança enfia a
haste sob o tabuleiro de modo que o ímã fique do lado oposto do seu rato (resposta B). O terapeuta diz: “O ímã da haste está muito longe do seu rato.”A criança puxa
a haste na sua direção, tornando os ímãs mais próximos, porém sem conectá-los
(resposta C). O terapeuta diz: “O ímã da haste está aqui (aponta sobre o tabuleiro),
ainda está um pouco longe do seu rato.” A criança desloca a haste, aproximando
os ímãs, sem conectá-los (resposta D). O terapeuta aponta, em cima do tabuleiro,
o local aproximado em que o ímã da haste se encontra e diz: “Está mais perto! Se
você puxar a haste nessa direção, o ímã da haste pode grudar no ímã do seu rato.”
(o terapeuta desloca o dedo na direção do ímã do rato). A criança puxa a haste,
olha por baixo do tabuleiro e conecta o ímã no rato, puxando a haste e deslocando
o rato (resposta A). O terapeuta diz: “Olha! O ratinho está andando!” A haste, ao
ser deslocada, deve permanecer reta e produzir o efeito de puxar o rato (resposta
A). Se a criança entortar a aste (resposta E), o ímã de baixo se desconecta do ímã
do rato e o rato não se desloca (efeito da resposta). O terapeuta diz: “A haste deve
ficar retinha para não soltar o rato”. A criança coloca a haste reta e puxa o rato
(resposta A). O terapeuta diz: “Você pegou o rato!” A criança desloca o rato e perde-o no meio do caminho ao entortar a haste (resposta E). O terapeuta espera
uma nova resposta da criança. Ela empurra a haste sob o tabuleiro, mais próxima
dos ímãs, sem conectá-los (resposta C). O terapeuta nada diz. Aqui, nem o brinquedo nem o terapeuta reforçam a criança. A criança aproxima a haste do seu rato,
sem conectar os ímãs (resposta D) e o terapeuta diz: “Está pertinho!” A criança
conecta os ímãs e o terapeuta diz: “Você pegou o rato!” A criança puxa a haste reta,
deslocando o rato e o terapeuta diz: “Você está puxando o ratinho!” A criança entorta a haste (resposta E) e o terapeuta nada diz, porém o rato não é deslocado e a
criança tenta conectar novamente os ímãs. Pode-se observar que o próprio brinquedo fornece o resultado imediato da resposta: com a emissão da resposta A
(conectar os ímãs e puxar com a haste reta) o rato se desloca; com a emissão das
respostas B, C, D, E, o rato não se desloca, mas algumas dessas respostas são
conseqüenciadas pelo terapeuta, por estarem mais próximas da resposta terminal. Se a criança emitir a classe de respostas incorretas (aquela, cujas respostas
são inefetivas para deslocar o rato), como: colocar o ímã da haste longe do ímã do
rato, colocar o ímã da haste próximo ao ímã do rato, colocar o ímã da haste ao
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Terapia Comportamental
lado do ímã do rato, colocar o ímã da haste exatamente sob o ímã do rato e entortar a haste de modo a desconectar os dois ímãs, então, o rato não será deslocado.
Para as respostas que se aproximam da resposta terminal A (conectar os ímãs e
deslocar o rato), o terapeuta fornece elogios descritivos e, dessa forma, modela o
comportamento da criança por aproximações sucessivas, emitindo a classe de respostas complexas e funcionais. O brinquedo fornece a conseqüência imediata das
respostas, de uma maneira “tudo ou nada”. Ou a criança emite a resposta (A), que
tem o efeito de deslocar o rato e é reforçada pelo deslocamento do rato, ou ela
emite as respostas (B, C, D, E) que têm como efeito o não-deslocamento do rato.
Nessa condição, como é grande o número de respostas que tem como efeito o
não-deslocamento do rato, ao deixar o reforçamento apenas por conta do brinquedo, percebe-se que a maioria das crianças pode desistir do brinquedo.
Porém, se o pai ou o terapeuta modelam o comportamento da criança por
intermédio de aproximações sucessivas da resposta A, a criança será reforçada
por grande número de emissões (por exemplo, as respostas C, D, E), o que manterá
o seu comportamento de persistir com o brinquedo (permanecer emitindo um
número maior de respostas, cada vez mais próximas da resposta terminal).Aumentase a probabilidade de emissão de deslocar o rato. Quando isso ocorrer, a criança
será reforçada, pelo efeito da resposta (deslocar o rato) e pelo elogio descritivo do
pai ou terapeuta. Outras respostas, inefetivas para deslocar o rato, podem ser emitidas, alternando-se com a resposta funcional. Somente a resposta funcional é reforçada pelo terapeuta e pelo brinquedo, prevendo-se que ocorrerá um aumento
na freqüência dessa resposta.
Em outras palavras, se a criança emitir a classe de respostas (A) que é funcional
para deslocar o rato, ou seja, se a criança colocar o ímã da haste sob o ímã do rato
e deslocá-la sem desconectá-la do ímã, então, o rato será deslocado e aumentará a freqüência dessa classe de respostas. O terapeuta colabora com o feed b ack
imediato fornecido pelo brinquedo, elogiando o desempenho da criança, como
“Você conseguiu pegar o ratinho!”
Foi adquirida uma resposta complexa que não existia no repertório da criança,
a qual foi modelada pelas aproximações sucessivas da resposta esperada. O comportamento motor exigido nesse jogo é muito complexo e dificilmente ocorrerá
sem a Modelagem, para as crianças mais novas que ainda não adquiriram essas
habilidades.
No laboratório ocorre a possibilidade de controle mais rigoroso das variáveis.
O experimento de Modelagem do comportamento de pressionar a barra de um
rato, colocado na Caixa de Skinner, com tamanho suficiente para ele dar vários
passos dentro dela, possibilita uma compreensão melhor dessa técnica.
Essa caixa possui uma barra metálica redonda, na parede direita, lado interno,
que se desloca para baixo, produzindo um clique, sob a leve pressão da pata do
rato. Na parede do lado externo direito há o bebedouro com água e o pescador que
mergulha na cuba d'água quando a barra se abaixa. Ao soltar a barra, o pescador sobe
trazendo uma gota d'água em sua concha. Olhando pelo lado interno, a concha,
ao subir, se ajusta num orifício ao nível do assoalho, tornando a gota disponível ao
rato (ver Guidi e Bauermeister, 1968).
Modelagem
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Como fazer com que um rato, privado de água, obtenha gotas de água, como
função do seu comportamento de pressionar a barra?
As instruções de laboratório oferecidas por Guidi e Bauermeister (1968) descrevem as etapas a serem ensinadas para o rato pressionar a barra.
Liberar uma gota de água no bebedouro. Colocar o rato na caixa experimental
e esperar o animal encontrar a gota d'água deixada no bebedouro. Liberar cinco
gotas para fazer o treino de bebedouro; agora o rato localiza a água. Especifica-se
a resposta: pressão da barra. Deve-se reforçar as aproximações sucessivas a uma
resposta na barra que tenha uma topografia de fácil observação e que não dispenda
esforço desnecessário ou tempo inútil. O mais comum é o rato operar a barra com
uma ou duas patas e pode ser utilizado um critério de pressionar a barra, por seis
vezes consecutivas, para considerar que terminou a Modelagem e o rato adquiriu
a nova resposta.
Matos e Tomanari (2002), ao descreverem a técnica de Modelagem, assinalam
como parte da técnica o uso do método de aproximações sucessivas ou mudanças
graduais que é empregado sempre que se pretende ensinar um desempenho complexo; quando o sujeito a quem se pretende ensinar algo apresenta dificuldades
especiais, como problemas de desenvolvimento ou déficit de repertório; ou quando
os pré-requisitos necessários para aquilo que se pretende ensinar a ele estão
ausentes do repertório do sujeito.
Ao destacar a importância da Modelagem para ampliar o repertório comportamental de um organismo pela aquisição de novas respostas, utiliza-se a análise
de laboratório para, em seguida, mostrar a sua aplicação na clínica.
No laboratório, os comportamentos mais prováveis do rato, na caixa experimental, como operante livre, durante a aplicação da técnica de Modelagem do
comportamento de pressão à barra, podem ser classificados em dois grupos:
Grupo I-Algumas respostas que, quando emitidas, aumentam a probabilidade
de emissão da resposta de pressão à barra:
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Esticar a cabeça em direção à barra, no canto oposto à barra;
Deslocar-se do lado oposto, em direção à barra;
Farejar a concha de água;
Levantar-se e tocar com as patas a parede que contém a barra;
Farejar a barra;
Tocar uma pata na barra sem pressão;
Tocar duas patas na barra sem pressão;
Colocar uma ou duas patas sobre a barra, exercendo leve pressão;
Colocar uma ou duas patas sobre a barra, exercendo pressão média sem
deslocamento;
• Colocar uma ou duas patas sobre a barra, exercendo pressão suficiente para
abaixar a barra;
• Colocar uma ou duas patas ou focinho sobre a barra, abaixando completamente a barra e, depois, soltando-a.
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Terapia Comportamental
Grupo II - Algumas respostas que, ao serem emitidas, diminuem a probabilidade de emissão da resposta de pressão à barra:
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Ficar em pé, no lado oposto à barra e de costas para ela;
Farejar o canto da caixa oposto à barra;
Deslocar-se na direção oposta à barra;
Levantar-se e apoiar as patas na parede oposta à barra;
Farejar, em qualquer ponto da caixa, ficando de costas para a barra.
Ao se usar a água como reforço, deve-se trabalhar com um rato privado de água.
Cada um dos comportamentos do Grupo I, quando emitidos, podem ser
seguidos de água desse modo: liberar água, logo após o comportamento do rato
de esticar a cabeça em direção à barra, estando ele ao lado oposto à barra. Isso
poderá produzir um aumento na freqüência dessa resposta ou aumentar a probabilidade de emissão de respostas da mesma classe; portanto, deve-se atentar
para reforçar esse comportamento poucas vezes e esperar uma outra resposta
do rato, mais próxima à resposta de pressão à barra, para liberar água. Ao mudar,
gradualmente, a resposta a ser seguida por água com o critério de que a próxima
resposta deve ter aproximação cada vez maior da classe de respostas de pressão
à barra, modelam-se as respostas do rato para aproximações cada vez maiores da
resposta final.
O procedimento pelo qual se executa o método de aproximações sucessivas
é denominado reforçamento diferencial. Ao se reforçar diferencialmente, as respostas do Grupo I são selecionadas para serem seguidas por água, enquanto as
respostas do Grupo II não são seguidas por água. Ao mudar gradualmente a resposta seguida de água (Grupo I), no intuito de uma aproximação cada vez maior
da resposta de pressão à barra, algumas das respostas do Grupo I vão reduzindo
sua freqüência até que a nova resposta ocorra. As respostas do Grupo II entram
em extinção.
A Modelagem consiste em:
1. Definir o comportamento terminal que o organismo deve emitir. Exemplo:
pressão à barra;
2. Especificar a conseqüência que se segue às respostas consideradas como
Grupo I, aquelas que, ao serem seguidas por uma conseqüência possivelmente reforçadora, aumentam a probabilidade de emissão das respostas
mais próximas ao comportamento terminal;
3. Colocar em hierarquia as respostas do Grupo I a serem seguidas por conseqüência positiva (da mais distante até a mais próxima do comportamento
terminal). A importância de esperar a emissão de uma resposta, cada vez
mais próxima da resposta terminal, é fundamental para a Modelagem.
Reforçar muitas vezes a mesma resposta pode implicar o risco de sua fixação, dificultando a emissão de outra resposta;
4. Extinguir as respostas do Grupo II, ou seja, não conseqüenciar positivamente a emissão de respostas que sejam muito distantes da resposta
final ou “diminuir" a probabilidade de ocorrência dessa resposta;
Modelagem
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5. Escolher respostas que fazem parte do repertório do organismo para iniciar
a modelagem. O rato, ao ser colocado na caixa, emite respostas do Grupo I e
do Grupo II. Liberar água contingente às respostas do Grupo I, hierarquicamente, e não liberar água ao ocorrerem as respostas do Grupo II, favorece
a aquisição de uma nova resposta do organismo, a qual não fazia parte de
seu repertório comportamental;
6. Aumentar a freqüência do comportamento terminal como pressão à
barra para liberar água contingente, apenas a essa resposta, depois de
sua emissão;
7. Planejar uma conseqüência para uma resposta do início da hierarquia e,
em seguida, esperar a emissão da resposta final, dificulta a Modelagem
pois a resposta esperada pode não ocorrer por causa do salto muito grande
entre a resposta inicial e a resposta terminal.
Pouco reforço pode reduzir o responder em geral. Não se pode modelar comportamentos, esperando grandes mudanças de respostas para liberar uma conseqüência positiva. A conseqüência positiva para pequenas mudanças de respostas
favorece a aquisição de respostas novas.
É fácil entender o dilema dos pais que esperam a criança se comportar da
maneira esperada para poder elogiar porque desconhecem o poder da modelagem. Enquanto o comportamento terminal desejado não ocorre, punem, por meio
de broncas ou outras formas, muitos dos comportamentos intermediários e mais
próximos do comportamento esperado, acreditando que a criança não quer fazer
o que é esperado dela. Um possível efeito desse comportamento dos pais sobre o
comportamento da criança é uma redução na freqüência dos comportamentos
mais próximos ao comportamento esperado e aumento dos comportamentos incompatíveis com ele. Dessa forma, ao tentar ensinar o filho a se comportar de determinado modo, estão ensinando um outro comportamento, diversas vezes, muito
distante do comportamento que desejam ensinar.
Usa-se o termo resposta para uma ação, quando se supõe não ter sido estabelecida uma relação entre os estímulos antecedentes, os conseqüentes e a resposta.
Usa-se o termo comportamento para uma ação, quando se supõe ter sido estabelecida uma relação entre os estímulos e a resposta.
“Com portam ento é um a relação entre estímulos (antecedentes e conseqüentes)
e um a resposta” (Banaco, 1999, pág. 135).
O termo classe especifica um conjunto de elementos que apresentam uma
propriedade ou característica comum (Skinner, 1935).
A expressão classe de respostas é comumente usada, em Análise do Comportamento, para especificar um conjunto de respostas que tem um resultado funcional comum (Cuvo, 2000). As classes funcionais são compostas por membros
controlados pela mesma conseqüência. Essa expressão foi usada seguindo essas
orientações.
Na pesquisa básica, encontra-se, mais freqüentemente, a descrição da Modelagem como uma técnica utilizada pelo experimentador para facilitar a aquisição
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Terapia Comportamental
de uma resposta a ser adquirida pelo organismo porque foi selecionada para ser
estudada pelo pesquisador.
Por outro lado, no ambiente natural, a Modelagem ocorre em muitas situações,
favorecendo a seleção natural pelas contingências.
Os analistas comportamentais consideram que a Modelagem do comportamento funciona exatamente da mesma forma que a evolução das espécies
(Baum, 1994).
Quando a mãe ensina o bebê a falar, é comum a criança ser reforçada por sons
que, sucessivamente, se aproximam do som correto esperado.
Nas situações em que ocorrem as contingências naturais que modelam novas
respostas, pode-se destacar o comportamento motor do bebê. Ao fazer uma série
de movimentos descoordenados para pegar um objeto, inicialmente, o bebê tem
dificuldades. Faz vários movimentos que passam mais longe ou mais próximos do
objeto até que, casualmente, esbarra no objeto e, então, os movimentos mais amplos que conduziam a mão da criança para longe do objeto vão se extinguindo e
observa-se um aumento na freqüência dos movimentos que aproximam a mão da
criança do objeto, até que o bebê consiga agarrá-lo. Daí em diante, decresce o
número de respostas motoras que conduzem a mão do bebê para longe do objeto
e aumenta a freqüência dos comportamentos motores que conduzem a mão da
criança cada vez mais próxima do objeto até que ocorre a aquisição da nova resposta de pegar um objeto na primeira tentativa. Assim se desenvolvem algumas
habilidades viso-motoras.
Na clínica, a Modelagem de respostas é muito utilizada, isoladamente ou em
combinação com outras técnicas.
Se o reforço aumenta a probabilidade da resposta que é reforçada, como cada
resposta pode aumentar de freqüência, na Modelagem, se uma resposta nunca é
repetida exatamente igual? É liberado um estímulo que se segue à resposta, segundo um critério de reforçamento diferencial das respostas, o qual gradualmente mais se aproxima da resposta terminal a ser adquirida. Mesmo quando ocorre a
resposta de pressionar a barra, o rato pode fazer isso de diferentes maneiras: pressionar a barra com duas patas, com uma, mordendo e pressionando ou subindo
nela. Cada uma dessas respostas é diferente, mas todas têm a mesma função pressionar a barra e receber uma gota d’água contingente à emissão que realizou.
Todas são membros da mesma classe de respostas funcionais.
Chega-se em um nível de análise intermediária no qual não são consideradas
as respostas individuais e nem o comportamento em geral, mas as classes de respostas definidas por propriedades comuns (Skinner, 1935).
A propriedade comum a todas as respostas de pressionar a barra é a sua conseqüência, ou seja, exercer uma pressão determinada que feche o circuito provocando um clique e o abaixar do pescador que mergulhará na cuba d’água. Definir
classes de respostas em termos de efeitos ambientais comuns constituiu a base
para registrar respostas da classe e para programar as conseqüências delas. Deve
ainda ser observado se as conseqüências modificam a probabilidade de respostas
na classe selecionada. E, só então chamá-la classe operante: se foi afetada pelo
modo que funciona no ambiente (Catania, 1998).
Modelagem
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O método de aproximação sucessiva na técnica de Modelagem é bem fundamentado no trabalho de Verplanck (1956) com seres humanos. Foram usados estudantes do curso superior. Eram liberados pontos, pelo experimentador, para
conseqüenciar alguns comportamentos, como: coçar a orelha com a mão direita,
sorrir, maneirismos faciais e dizer determinadas classes de palavras. Por intermédio do uso dos pontos como reforçador condicionado foi possível modelar
uma variedade de comportamentos dos sujeitos.
Um conjunto de respostas pertence à mesma classe quando o reforçamento
de uma das respostas da classe fortalece todas as outras respostas da classe e quando
o não-reforçamento de uma resposta da classe enfraquece todas as outras respostas da mesma classe (Staats e Staats, 1963).
O comportamento de dispersão da criança que faz parte da queixa de muitos
pais e professores é interessante para ser analisado.
A dispersão tem sido descrita como uma dificuldade da criança de se concentrar
numa determinada tarefa, por exemplo, lição de casa. Tem-se notado que a criança,
frente à lição de casa, emite um conjunto de comportamentos denominados pelo
rótulo de dispersão”, como: levantar da cadeira, apontar o lápis, derrubar o lápis e
apontá-lo novamente, derrubar a borracha, abaixar-se para pegar a borracha,
escorregar da cadeira e entrar embaixo da mesa, mexer no lápis, olhar em direção
à janela, olhar as unhas, rolar o lápis na mesa, pegar um brinquedo, olhar em direção a
qualquer estímulo sonoro ou visual que esteja ocorrendo no ambiente, mesmo
que seja de baixa intensidade, entre outros.
Concentração é o comportamento incompatível com dispersão. Ao se concentrar na lição, a criança emite uma outra classe de respostas, como: colocar o
material na escrivaninha, abrir a agenda, abrir o caderno na página da lição, pegar
o lápis, ler as instruções da tarefa e escrever por um determinado tempo, alternando com os comportamentos de ler instrução e escrever, até que a lição seja
concluída.
Enquanto a criança se dispersa, a mãe espera que ela emita o comportamento
terminal que é a classe de respostas nomeada como concentração. É muito comum a mãe dizer que fica nervosa quando a criança se dispersa. Desse modo,
cada resposta da classe de respostas nomeada como dispersão é comumente seguida de bronca e atenção. A mãe fica brava com a criança, imediatamente após a
emissão de alguns de seus comportamentos de dispersão, como o de escorregar
sob a mesa, dizendo: “Senta direito e faça a lição.”. A mãe se torna mais ansiosa
quando vê que o tempo está passando e a criança continua engajada nos comportamentos incompatíveis com execução da lição de casa. Desse modo, a cada emissão dos comportamentos de dispersão, a mãe passa a brigar com a criança. O efeito
mais comumente observado dessas brigas na hora da lição é o aumento na freqüência dos comportamentos da classe dispersão e redução na freqüência dos
comportamentos da classe denominada concentração.
O que está ocorrendo nessa situação?
A interpretação dos dados pelas hipóteses sobre a análise funcional da interação
mãe-criança, utilizando os princípios desenvolvidos em laboratório, identifica alguns
possíveis fatores que mantêm a classe de respostas nomeada como dispersão.
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Terapia Comportamental
A análise do comportamento complexo envolve a análise de uma superposição
de “variáveis” que interagem entre si. Não mais se restringe a uma análise funcional envolvendo uma única variável, como no laboratório, onde é possível isolar as
variáveis relevantes para estudo. São levantadas hipóteses interpretativas sobre a
interação de variáveis múltiplas.
Por meio da observação e interpretação dos dados, é possível prever que a
bronca, contingente a cada uma das respostas que fazem parte da classe dispersão,
pode funcionar como atenção para esses comportamentos e aumentar sua freqüência. Os relatos oferecidos pelos pais parecem corroborar esta hipótese.
A classe de respostas, nomeada como “estar concentrado fazendo a lição”, não é
emitida no contexto de dispersão; ou porque não faz parte do repertório comportamental da criança, ou porque foi punida pela mãe. Se ocorrer alguma resposta
da classe concentração, como: sentar-se frente ao material acadêmico, olhar em
direção ao caderno, pegar o lápis ou olhar em direção ao livro, esses comportamentos, embora fazendo parte da hierarquia de respostas que se aproximam cada vez
mais do comportamento de estar concentrado fazendo a lição, comumente não
são reforçados porque, muitas vezes, a mãe espera a emissão do comportamento
terminal de fazer a lição e não reforça as respostas intermediárias.
Desse modo, a mãe não reforça nenhum dos comportamentos da classe concentrar-se, a não ser o comportamento terminal, sendo que o pouco reforço pode
reduzir o responder. Ainda, se uma das respostas de uma determinada classe não
for reforçada, as outras respostas da mesma classe podem ser enfraquecidas.
Ficar brava com a criança, quando emite algumas respostas da classe fazer
a lição (esperando que a criança escreva), pode reduzir a freqüência dessa classe e
diminuir a probabilidade desse comportamento ocorrer.
Observa-se uma diminuição na freqüência do comportamento que a mãe quer
ensinar para a criança e um aumento na freqüência dos comportamentos que a
mãe quer eliminar (as respostas que fazem parte da classe nomeada como dispersão de respostas).
As brigas durante a lição podem estabelecer um pareamento de estímulos
aversivos (gritos e broncas) com a classe de respostas “estar concentrado” e favorecer a redução dessa classe de respostas e o aparecimento de respostas de fugaesquiva frente ao material acadêmico. Nessa condição, o procedimento envolvido,
torna-se efetivo para a instalação das respostas de fuga-esquiva. Pode ocorrer um
pareamento dos estímulos sinalizadores para grito e bronca com o material acadêmico e favorecer o aparecimento de comportamentos respondentes. As respostas da classe “dispersão” são duplamente reforçadas: positivamente por meio da
atenção liberada pela mãe e negativamente pela interrupção, ou evitação, do estímulo aversivo, quando a criança evita ou foge da briga ou do contato com o material acadêmico.
Paralelamente, ocorre uma punição das respostas que fazem parte da classe
concentração (pegar o lápis, olhar em direção ao livro, sentar-se frente ao material e outros) porque, ao observar esses comportamentos, a mãe pode interpretálos como parte da classe de respostas “dispersão”, uma vez que a criança não está
nem escrevendo e nem estudando.
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O dilema da mãe é: ser responsável por ensinar o filho a fazer as tarefas, observando que cada vez mais a criança se dispersa. Quanto mais aumenta o desconforto da mãe, as brigas podem aumentar de intensidade e freqüência. Quando as
brigas aumentam, mais aversivo se torna o contexto de fazer lição e, em decorrência, aumentam os comportamentos de fuga-esquiva. A mãe quer ensinar a
criança a fazer a lição e ter prazer por estudar e está ensinando a criança a evitar
enfrentamentos e a detestar fazer lição.
Mãe e criança se encontram numa situação aparentemente sem saída, produzindo um círculo vicioso com tendência a piorar, se nada for feito para alterar
esses padrões de comportamento da mãe e da criança.
Na clínica, o terapeuta vai levantar dados sobre as situações em que os comportamentos da classe “dispersão” ocorrem. Efetua uma análise funcional interpretativa do comportamento e identifica as possíveis “variáveis” que dificultam a
aquisição da classe de respostas “concentrar-se”.
Situação no consultório: o terapeuta apresenta para a criança um material
acadêmico semelhante ao ministrado na escola e na lição de casa e dá a seguinte
instrução: “Faça essa atividade.” Observa o comportamento da criança. Na maioria
dos casos ocorrem respostas de dispersão como respostas de fuga-esquiva.
O terapeuta inicia a Modelagem das respostas que fazem parte da classe concentrar-se. A criança derruba o lápis e escorrega sob a mesa permanecendo nessa
situação por mais tempo que o necessário para pegar o lápis. O terapeuta escreve,
sem olhar para a criança, ignorando o seu comportamento (derrubar o lápis e
escorregar sob a mesa são consideradas respostas que fazem parte da classe “dispersão”). A criança vai sentar-se com o lápis na mão e o terapeuta olha para a
criança e sorri (ele considera essa resposta como membro da classe de respostas
“concentrar-se”). A criança rola o lápis sobre mesa e o terapeuta escreve os comportamentos que observa, ignorando essa resposta da classe “dispersão”. A criança
deita a cabeça sobre os braços e o terapeuta ignora o comportamento que considera fazer parte da classe “dispersão”. A criança levanta a cabeça, pega o lápis e o
terapeuta sorri para ela (levantar a cabeça e pegar o lápis são da classe de respostas “concentrar-se”). A criança escreve a primeira palavra e o terapeuta diz: “Que
letra bonita! Você fez as letras bem redondinhas, todas do mesmo tamanho e ficaram todas em cima da linha. Que capricho! (“escrever” é membro da classe “concentrar-se”). A criança escreve outra palavra e o terapeuta diz “Está certinha essa
palavra. Que garoto esperto! A criança derruba o lápis e o terapeuta não olha em
direção à criança. Ela levanta e pega o lápis e o terapeuta olha em direção à criança. Ela anda pela sala e mexe no porta-lenço e o terapeuta ignora esses comportamentos. A criança olha em direção ao terapeuta e ele olha na direção dela. A criança
anda em direção à mesa e o terapeuta sorri para ela. A criança vai se sentar e o
terapeuta diz “Gostei da sua letra. Você consegue fazer as letras bem em cima da
linha!” A criança escreve outra palavra e o terapeuta diz: “Você escreveu certo
e com a letra redondinha. Está muito bom!” A criança escreve outra palavra e o
terapeuta diz: “Estou gostando. Tudo certo e bem feito.” O terapeuta pede para
a criança escrever uma frase (aumentou a dificuldade da tarefa). A criança derruba a
borracha, levanta, anda pela sala e o terapeuta ignora os comportamentos da criança.
A criança pega a borracha e o terapeuta sorri para a criança. A criança vai sentar-se
132
■
Terapia Comportamentai
e o terapeuta diz “Junte esses pedacinhos (sílabas simples escritas em quadradinhos
de borracha) e descubra que palavrinha você formou. Cada palavra nova que descobrir, escreva nessa folha, uma embaixo da outra. É um joguinho; cada palavra
nova que descobrir você ganha um ponto; um ponto, quando estiver escrita de
modo correto; um ponto, quando todas as letrinhas da palavra estiverem do mesmo tamanho e um ponto quando todas as letrinhas estiverem em cima da linha.”
O terapeuta reduziu a dificuldade da tarefa para modelar outra classe de respostas: escrever palavras corretamente.
Exemplo da interação terapeuta-criança:
Criança: Junta as sílabas e lê a palavra formada.
Terapeuta: “Essa palavra existe? O que é?”
Criança: Responde certo.
Terapeuta: “Isso mesmo, um ponto. Agora pode escrevê-la.”
Criança: Junta as sílabas e escreve correto.
Terapeuta: “Ótimo! Um ponto porque descobriu uma palavra nova, um ponto
porque escreveu de modo correto, um ponto porque as letras estão redondinhas e
todas do mesmo tamanho e um ponto porque todas as letrinhas estão em cima da
linha. Agora junte essas.”
Criança: Junta as sílabas e escreve.
Terapeuta: “Um ponto porque você descobriu uma palavra nova, um ponto
porque escreveu certinho e um ponto porque as letras estão redondinhas. Aqui,
duas letrinhas caíram pra baixo da linha.”
Criança: Junta novas sílabas e escreve, diz “Vou contar quantos pontos eu tenho.
Tenho sete pontos.”
Terapeuta: “Agora tem um ponto porque descobriu uma palavra nova, um ponto
porque escreveu certo, um ponto porque as letras estão redondinhas e um ponto porque as letrinhas estão todas em cima da linha.”
Criança: “Agora eu tenho onze pontos.”
Terapeuta: “Isso mesmo. Está aumentando. Agora você pode escolher se quer
fazer mais palavrinhas ou se quer mudar de atividade.”
Criança: “Quero fazer mais. Quero ficar com quinze pontos.”
Os comportamentos da classe de respostas “dispersão” foram extintos e os
comportamentos de aproximações a fazer a tarefa foram gradualmente reforçados até que ocorreu o comportamento de fazer a tarefa de modo concentrado.
Aumentou-se a freqüência das respostas que fazem parte da classe de respostas
“concentrar-se”.
Essa mudança ocorre apenas no consultório porque a criança está sob o controle de estímulos específicos: na presença do terapeuta, as respostas que fazem
parte da classe de respostas “concentrar-se” são reforçadas e as respostas que da
classe “dispersão” não são reforçadas.
Na presença da mãe e da professora, o inverso ocorre.
Para a criança aumentar a freqüência de respostas da classe “concentração” é
necessário ensinar à mãe a se comportar de modo semelhante ao terapeuta. Orientar o professor também ajuda na generalização de respostas.
Um outro exemplo pode ajudar a mostrar como a Modelagem se aplica a
qualquer tipo de comportamento. Escolheu-se o comportamento motor de uma
criança de 6 anos.
Modelagem
■
133
Ela apresenta, inicialmente, dificuldade em estruturar desenho, pintar dentro
de limites e pintar cobrindo todo o desenho.
A escola considera a criança com dificuldades motoras ampla e fina.
Exemplo da interação terapeuta-criança:
Terapeuta: “Quero que você faça um desenho.”
Criança: “Não quero desenhar. Não gosto. Não sei desenhar.”
Terapeuta: “Desenho não tem certo e errado. Você pode desenhar como quiser.
Se eu quiser desenhar um pato fazendo uma bola amarela e um bico laranja
eu posso. Se eu achar que é mais fácil fazer um desenho olhando em outro desenho, posso começar a treinar desse modo.”
ATIVIDADE - DESENHO LIVRE
Pode-se considerar alguns aspectos relacionados com a execução de um
desenho livre:
1. Imaginar como é a forma daquilo que eu quero reproduzir graficamente;
2. Reproduzir um traçado que tenha alguma semelhança com a forma
escolhida;
3. Escolher as cores para pintar;
4. Pintar dentro dos limites;
5. Cobrir todos os brancos da folha na área do desenho.
Exemplo de interação terapeuta-cliente:
Terapeuta: “Tente fazer um desenho parecido com esse e depois você fará um
outro, sem olhar o desenho; só imaginando o que quer fazer.”
Criança: Inicia o desenho olhando o modelo e escolhe as cores.
Terapeuta: “Você fez os traços firmes e escolheu bem as cores. Gostei da combinação de cores.”
Criança: Continua desenhando.
Terapeuta: “Olha como você pintou bem dentro do desenho, sem sair do
contorno!”
Criança: Desenha mais devagar nas proximidades do contorno e não risca fora.
Terapeuta: “Olha como você cobriu essa parte e não deixou nenhum branquinho!”
Criança: Criança cobre os branquinhos que ficaram sem cor em outros lugares.
Terapeuta: “Gostei do seu desenho. Você fez com muito capricho.”
Nessa situação, a criança foi encorajada a emitir qualquer resposta, por exemplo,
fazer um traçado, olhando outro desenho.
Comportamentos não reforçados:
1. Sair do contorno do desenho;
2. Pintar rápido sem cobrir todos os espaços em branco.
Comportamentos diferencialmente reforçados:
1.
Pintar dentro do contorno (foi apontado o local em que estava ocorrendo
pintura dentro do contorno e a criança passou a fazer movimentos menores
e mais lentos para conseguir não sair em outros espaços);
134
■
Terapia Comportamental
2. Cobrir os lugares onde a pintura ficou riscada e deixando a mostra o branco
da folha.
A criança passou a executar personagens de desenhos que via na televisão.
Fez rápido e riscado, mas de forma criativa e contando as estorinhas. Nessa fase,
pareceu ter perdido o medo de errar, ou seja, não mais verbalizava “não sei”. Aceitou
fazer quase tudo e muitas vezes pedia para desenhar e permanecia bastante tempo
nessa atividade. A criança desenhava e nenhuma crítica ocorria. Segundo informação dos pais, em sua história de vida, a criança vivenciou muitas situações onde se
sentia avaliada por meio de perguntas que, dependendo da resposta, eram seguidas
por críticas.
A ausência de crítica, nas sessões de terapia, favoreceu o aparecimento do comportamento de desenhar e, na medida em que era elogiada, passou a aumentar
a freqüência dos comportamentos de pintar dentro dos contornos do desenho e
cobrir toda a área desenhada.
Nas Figuras 8.1 e 8.2 a seguir, podem-se observar as mudanças que ocorreram no
comportamento de desenhar da criança, comparando dois de seus desenhos: um
na fase inicial do atendimento terapêutico e outro na fase final do trabalho, após
aproximadamente um ano. Foram trabalhados com a criança comportamentos de
persistência ao fazer tarefas e aumento gradual da resistência à frustração, ou seja,
nas situações em que a criança considerava que o desenho não estava bom, ela se
torna capaz de continuar desenhando em vez de desistir. Foram também
identificadas outras queixas paralelamente trabalhadas.
O treino certamente favorece a aquisição de habilidades motoras, mas é difícil
admitir que essa criança apresenta um problema motor acentuado, como foi colocado na queixa inicial. Ao se comparar as Figuras 8.1 e 8.2, levantam-se algumas
hipóteses iniciais sobre os problemas da criança:
1. Pequeno problema relacionado ao motor fino por falta de treino (baixa
freqüência do comportamento de desenhar);
2. Pequeno problema motor fino causado por uma pequena imaturidade
neurológica;
3. Pequeno problema motor fino, aparente e não real. Como era criticada
frente a muitas classes de respostas, ela desenvolveu medo de crítica, de
errar, de se expor e de ser avaliada; emitir o comportamento de desenhar
que era de baixa freqüência, expunha a criança às situações de não competência, as quais desejava evitar, acabando rápido; fazer rápido implica
em riscar sem cobrir o papel e com movimentos ágeis e amplos. Essa classe
de respostas diminue a probabilidade de se obter um produto que seja
descrito como pintar com movimentos curtos, sem sair dos limites e pintar de modo a cobrir todo o papel.
A primeira e a segunda hipóteses não parecem as mais prováveis.
O professor costuma observar os produtos das diferentes classes de respostas,
mas a maioria deles não desenvolveu habilidades por prováveis falhas em seus
cursos de formação para efetuar uma análise funcional sobre a aquisição das respostas motoras. Se, ao observar um produto de comportamento, levanta-se um
Modelagem
■
135
conjunto de hipóteses sobre as variáveis ambientais que interferiram nessa aquisição, revelam-se algumas questões importantes sobre a classe de respostas envolvidas no comportamento de desenhar e como essas são mantidas:
1. Sob quais condições ocorreu a aquisição dessa classe de respostas;
2. Quais os eventos que antecediam e conseqüenciavam essa classe de
respostas;
3. Quais os possíveis efeitos decorrentes desses fatores ambientais;
4. Quais os fatores sobrepostos e identificados para auxiliar a análise do
comportamento complexo;
5. Como fazer uma análise funcional dos comportamentos;
6. Quais os microexperimentos realizados para o teste de cada uma das
hipóteses levantadas para a identificação das hipóteses mais prováveis;
7. Que procedimentos ou intervenções terapêuticas são elaborados para alterar o comportamento de desenhar, aproximando o produto, das respostas que fazem parte da classe “desenhar” daquela criança, com o produto
das respostas do grupo, no qual a criança está inserida. Em outras palavras,
que tipo de intervenções irão favorecer a classe de comportamentos que
contém respostas como: desenhar com traços firmes e boa estruturação
das formas, movimentos curtos que resultam num traçado dentro dos limites
e cobrindo todos os pontos brancos da pintura.
Ao levantar uma hipótese sobre um problema motor aparente, o professor pode
desenvolver habilidades para lidar com ele.
Alguns tipos de intervenção terapêutica, possíveis durante a emissão de uma
classe de respostas denominada “desenhar”, nas sessões de terapia, envolvem a
Modelagem com o uso de elogio descritivo.
Exemplos de elogios descritivos:
• “Você está fazendo traços firmes e gostei da combinação de cores.”
• “Você está fazendo movimentos curtinhos e assim a pintura não sai do
contorno do desenho.”
• “Olha! Você cobriu todos os branquinhos!”
• “Está ficando muito bonita essa pintura!”
• “Essa cor azul combinou com a vermelha.”
• “Você capricha mesmo!”
• “A pintura ficou encostada no contorno e não saiu.”
O elogio descritivo tem uma importante função: ao trabalhar com organismos
verbais, pode-se modelar comportamentos que envolvem o fazer, elogiando descritivamente as respostas emitidas. Descrever o comportamento elogiado pode ter
um efeito mais rápido na sua aquisição e na sua manutenção. A experiência clínica
mostra como a criança aumenta rapidamente a freqüência das respostas descritas
e elogiadas. Quando o terapeuta diz “Você está fazendo movimentos curtinhos
(descreve a resposta da criança) e desse modo a pintura não sai” (descreve o produto da resposta de fazer movimentos curtos), a criança, na maioria das vezes,
emite o comportamento descrito pelo terapeuta. É provável que isso ocorra porque
a criança identifica qual a resposta que é responsável por aquele produto.
136
■
Terapia Comportamental
A Figura 8.1 mostra o desenho 1 da criança, resultante de respostas da classe
“desenhar” com pouca estruturação e pintar com movimentos amplos. Foi observado, na maior parte do desenho, um desempenho da criança com movimentos
rápidos e amplos que teve como efeito uma estrutura de forma menos elaborada,
com riscos grandes que saíam dos contornos e deixavam grandes espaços descobertos, produzindo uma pintura rala; em pequenos espaços do desenho foi
observada uma pintura em vermelho e preto, onde a superfície estava completamente coberta. Como intervenção, usaram-se os exemplos sobre elogio descritivo citados anteriormente.
A Figura 8.2 mostra o desenho 2, realizado trinta sessões após a realização
do desenho 1. O desenho 2 é produto da emissão da classe de respostas “dese-
Figura 8.1 - Desenho 1 de uma crian­
ça com dispersão e aparente problema
motor.
Figura 8.2 - Desenho 2 feito
pela mesma criança da Figura
8.1, após 30 sessões de terapia.
Modelagem
■
nhar com boa estruturação” e “pintar com movimentos curtos que produzem
uma pintura dentro dos contornos e com todos os espaços em branco, da área
interna, preenchidos”.
Nas sessões que se seguiram ao desenho da Figura 8.1, foram usados os elogios
descritivos, nas quais se pode observar um aumento gradual na freqüência das
respostas da classe” desenhar com estruturação” e “pintar com movimentos curtos
permanecendo dentro dos contornos e preenchendo todos os espaços em branco”.
O desenho da Figura 8.2 foi um dos últimos de uma série na qual a criança
demonstra a aquisição do novo repertório de comportamento.
MODELAGEM DO COMPORTAMENTO VERBAL
O uso, no ambiente natural, do reforçamento diferencial durante o desenvolvimento da fala do bebê demonstra como o comportamento dos pais modela o
aparecimento de sons da língua, cada vez mais refinados.
A criança diz “A.”, aponta o copo d’água e recebe água. O som de “A” é inicialmente um mando. A criança diz “Aga.” e recebe água. Ocorre um certo número
de respostas com sons aproximados ao som de água. É fortalecida uma classe de
respostas verbais com sons próximos ao som de água.
Uma Modelagem perfeita dessa classe de respostas por meio de reforçamento
diferencial é mais difícil de ser feita pelos pais que darão o copo d’água frente a
algumas das respostas da classe, sem usar o critério de aperfeiçoamento gradual
do som (Staats e Staats, 1963). Esses autores supõem que os pais, embora não diferenciem os sons para reforçar, podem reforçar rapidamente os sons mais corretos
e menos rapidamente os sons pouco corretos.
Uma outra hipótese relaciona-se ao comportamento dos pais de repetir o que
a criança diz com som correto. Os pais oferecem modelos à criança e é possível
que repetir corretamente o que a criança diz, demonstrando alegria, possa favorecer a discriminação do som emitido e a criança repita novamente o som para
tentar igualar ao modelo.
A Modelagem e a imitação se combinam para favorecer o desenvolvimento
dos sons no comportamento verbal.
Em estudos de laboratório sobre Modelagem do comportamento verbal destaca-se o experimento de Catania, Matthews e Shimoff (1982) com estudantes
universitários. A tarefa dos sujeitos era pressionar dois botões que liberavam pontos ocasionalmente e eram trocados por dinheiro. Quando uma luz azul estava
acesa sobre o botão da esquerda, vigorava um esquema de razão randômica; quando
uma luz estava acesa sobre o botão da direita, o esquema em vigor era de intervalo
randômico. Ocorria um intervalo entre as mudanças de esquemas, no qual os sujeitos completavam sentenças sobre seu desempenho, para cada botão: “A maneira
de ganhar pontos com esse botão é... ” As respostas escritas eram modeladas com
reforço diferencial pelos pontos trocados por dinheiro. A resposta a ser modelada
podia ser pressionar rápido para um dos botões e pressionar devagar para o outro
botão. As taxas de respostas mudavam nas direções correspondentes ao comportamento verbal modelado, independente das contingências em vigor.
138
■
Terapia Comportamental
Supõe-se que, nesse estudo, a Modelagem do comportamento verbal, em algumas das situações, produziu pistas falsas sobre as contingências em vigor, produzindo uma m udança de com portam ento apenas tem porária ou mais
prolongada, dependendo de como o sujeito pudesse descobrir, posteriormente,
que seguia uma pista falsa.
No ambiente natural, o indivíduo pode questionar as pistas verbais e identificar
as contingências dependendo de um conjunto de fatores. Porém, em muitas situações clínicas, observa-se que a criança pode ficar sob o controle de uma regra ou
um conceito e tornar-se menos sensível às contingências. Daí a importância da
terapia para alterar essas condições.
A Modelagem do comportamento verbal na clínica envolve diferentes situações
e pode ocorrer uma combinação de procedimentos. Pode-se modelar a resposta
de um indivíduo a falar sobre seus problemas mais difíceis de serem ditos.
Por que é difícil falar sobre determinado assunto? A criança pode supor que,
ao falar sobre ele, causaria a desaprovação ou crítica do terapeuta. Omitir informações pode ser um padrão de comportamento modelado em sua história de vida
e ocorre agora na sessão de terapia.
O terapeuta, ao usar a Modelagem pelo reforçamento diferencial, pode selecionar como resposta inicial, o relato verbal sobre qualquer conteúdo. Dessa forma,
aumenta a classe de respostas geral que é falar. A habilidade do terapeuta na Modelagem de respostas favorece o uso de reforçamento diferencial em pequenas graduações para não correr o risco da criança passar muitas sessões falando sobre
amenidades ou querendo jogar, como respostas de esquiva. Bloquear gradualmente
esses comportamentos de fuga-esquiva pode ter um efeito, juntamente com o uso
da Modelagem, de aumentar a emissão da classe de respostas verbais, nomeada
como falar sobre si.
Com esse objetivo, o terapeuta pode reduzir a freqüência de determinadas classes
de respostas verbais e gradualmente aumentar a freqüência de outra classe que
contenha respostas verbais, por exemplo, falar sobre os meus problemas.
Enquanto o cliente fala de assuntos que, na sua história de vida, foram seguidos
de crítica e desaprovação, nenhuma crítica e desaprovação ocorrem frente ao terapeuta. Falar sobre esses assuntos pode aumentar de freqüência e tornar acessível,
ao terapeuta, importantes conteúdos para analisar funcionalmente.
Quando o terapeuta começa a se comportar com o cliente de modo diverso ao
que outras pessoas fizeram com ele, no passado, o terapeuta pode começar a modelar um novo repertório comportamental (mais adaptativo para o cliente). Na medida que esse novo repertório é desenvolvido, o cliente pode começar a emitir o
mesmo comportamento funcional, no ambiente natural, na presença de estímulos funcionalmente similares. Se outras pessoas, no ambiente natural, reforçarem
as mesmas respostas que foram reforçadas pelo terapeuta, então, as mudanças que
ocorrem dentro do contexto da relação terapêutica serão generalizadas para o ambiente natural (Rosenfarb, 1992).
O comportamento verbal, modelado ou governado por contingências é sensível
às conseqüências, do mesmo modo que o comportamento não-verbal. O comportamento verbal modelado pelas contingências pode, mais freqüentemente, ser
acompanhado do comportamento não-verbal correspondente. Se o que dizemos
Modelagem
■
139
for modelado, faremos o que dissemos. Se nos disserem o que temos que fazer, o
que faremos não decorre necessariamente do que dizemos, mesmo quando falamos
exatamente o que nos disseram para dizer (Catania, 1998).
Embora encontrem-se poucos trabalhos nessa área que permitam conclusões
mais expressivas, as observações clínicas parecem apoiar em parte, algumas das
conclusões apresentadas por Catania (1998).
Na experiência clínica, pode-se exemplificar com um caso de adolescente com
queixa de problemas escolares. Ele apresentava dificuldade de concentração durante o estudo, porém, a grande dificuldade estava relacionada com a organização
do tempo de estudo. Planejava estudar e, a cada dia, se percebia emitindo comportamentos de fuga-esquiva. Dizia para si mesmo e para os pais que iria estudar e
emitia os comportamentos de dormir, sair, ver TV; ouvir música etc., em vez de
fazer aquilo que planejou e disse.
O terapeuta ensinou o cliente a fazer uma análise funcional da situação e identificar as alternativas de comportamento para alterar esses comportamentos. Descreveu também pesquisas e situações clínicas mostrando a dificuldade que existe,
em muitas situações, na correspondência entre o dizer e o fazer. O terapeuta sugeriu um desafio: que ele fizesse um trato com o terapeuta para realizar o que
disse, com relação ao horário de dormir e estudar para a próxima prova. Foi também mencionado, que é maior a probabilidade de haver correspondência entre o
dizer e o fazer quando se tem que mostrar para alguém (pais ou terapeuta) o resultado daquilo que se conseguiu fazer. Ficou acertado que o cliente enviaria em ails para o terapeuta no transcorrer da semana antes da próxima sessão.
O cliente enviou o primeiro e-m ailcom o assunto “dizer Xfazer”, onde descrevia
o horário de dormir (foi exatamente o que havia dito em sessão), sem mencionar
nada sobre o estudo.
O terapeuta responde: “Dito e feito.” Parece que conseguiu muito rápido. Gostei
muito.
O próximo e-m ailveio após dois dias: “Planejei estudar Geografia após o almoço.
Acabei dormindo. Acordei e tinha academia. Voltei e fui ao cinema. Cheguei e fui
estudar das 21 até às 23:30 horas. Fui muito bem na prova de Geografia. Consegui
tirar uma nota bem maior que na prova anterior.”
Terapeuta responde especificando o assunto: “Sucesso é bom!” E escreve:
“Você conseguiu estudar por um tempo prolongado e isso foi excelente. Continuo
gostando.”
Não houve nenhuma menção ao fato do cliente ter emitido uma série de comportamentos de fuga-esquiva antes de ter estudado. Havia sido analisado que o
estudo deveria acontecer antes dos comportamentos de lazer e o lazer ocorrer
após o estudo. Embora isso não tivesse acontecido, o terapeuta estava modelando
a aquisição de um novo padrão de comportamento (estudar a quantidade de matéria necessária para a prova e depois ocorrer o lazer) e, portanto, deveria aceitar e
reforçar qualquer resposta que estivesse próxima do comportamento terminal
esperado (que fosse membro da mesma classe).
Dizer que o cliente não deveria ter dormido à tarde e nem ido ao cinema poderia funcionar como desaprovação para emissão do comportamento de estudar,
que realmente ocorreu. Essa desaprovação poderia ser uma reprodução do pa-
140
■
Terapia Comportamental
drão de comportamento dos pais. É importante que o terapeuta não emita comportamentos semelhantes aos comportamentos dos pais, os quais possam estar
dificultando o processo pois, se isso ocorrer, poderáhaver generalização dos comportamentos de casa para o consultório e não o inverso, como se almeja.
No próximo exemplo, é feita a análise de um trecho de sessão sobre a interação
terapeuta-cliente com uma criança de 9 anos, que apresentava brigas intensas
com o irmão, como uma das queixas (Regra, 2000).
Foi solicitado à criança para contar uma briga com o irmão para que se planejasse algum truque a ser feito em casa na hora da briga, a fim de se aprender a evitar
brigas e ganhar na situação. Ocorre o seguinte diálogo entre terapeuta e criança:
Criança: “Estava deitada na cama da minha mãe vendo TV. Ele (o irmão) no
computador, fazendo barulho com o joguinho. Pedi para diminuir o som e ele não
parou. Pedi outra vez, ele não diminuiu. Gritei e fui lá para diminuir, ele gritou:
‘Não toca af. Diminuí o som e começou a briga, um batendo no outro. Minha mãe
pede pra parar, a gente não pára. Aí eu fico cansada e vou pro meu quarto.”
Terapeuta: “Vamos fazer de conta que você me contou um filme e agora nós
vamos voltar a fita pra começar o filme de novo, só que de um outro jeito. O filme
dois é assim: você está deitada na cama assistindo TV Seu irmão está no computador
com som alto...”
Criança: “Peço: Por favor, dá pra abaixar o som? Ele diminui.”
Terapeuta: Mas aqui você deixou a sua vida na mão dele; se ele diminui, fica
tudo bem, se ele não faz isso, sai briga e fica ruim pra você. Então vamos tentar
descobrir um outro jeito. Vamos fazer o filme três: você está deitada na cama, seu
irmão no computador com som alto...”
(Para modelar gradualmente uma nova classe de respostas, o terapeuta deveria
ter reforçado essa primeira resposta: “Você tem razão. Se ele realmente não abaixa
o som porque quer que você peça 'por favor', então pedir por favor resolveria o
problema. Mas podemos também pensar que, mesmo pedindo 'por favor', ele pode
não diminuir o som. Então, você terá que descobrir uma outra maneira de ficar
bom pra você, sem sair briga.”
Criança: “Eu levanto e pergunto se posso diminuir o volume. Ele deixa.”
Terapeuta: “De novo ficou tudo na mão dele: se ele deixa você diminuir o som,
então não sai briga, mas se ele não deixa, vai sair muita briga e não vai ficar bom
pra você. Então, vamos tentar o filme quatro: você deitada na cama, seu irmão no
computador...”
(Teria sido importante o terapeuta reforçar primeiro essa resposta da criança
“Eu levanto e pergunto...” que faz parte da classe de respostas que está sendo modelada, da seguinte forma: “Esse seria um jeito interessante e poderia dar certo se ele te
atendesse sempre que você perguntasse com delicadeza. Depois de reforçar essa resposta (o que não foi feito), então modelar uma nova resposta, levando a criança a
identificar que são mais funcionais os comportamentos que ela emite controlando
as possíveis conseqüências que aguarda uma mudança na situação, esperando que
o outro mude seus comportamentos.O terapeuta descreveu as contingências com o
objetivo de fazer a criança prever as conseqüências de cada comportamento alternativo e para poder escolher a alternativa que considere ser a melhor para ela.)
Modelagem
■
141
Criança: “Ele pergunta se o computador está atrapalhando. Digo que sim. Ele
diminui o som do computador/'
(Essa resposta não poderia ser reforçada, pois se refere ao comportamento do
irmão e não da criança e, em vez de haver aproximações sucessivas da resposta
terminal, ela se distanciou muito da resposta esperada.)
Terapeuta: “Outra vez a solução ficou na mão dele: se ele perguntar se atrapalha,
vai dar tudo certo, e se ele não perguntar? Então vamos tentar o filme cinco: você
deitada na cama vendo TV e seu irmão no computador... ”
(Pedir para a criança descobrir um outro modo de se comportar favorece o
aparecimento de várias respostas da mesma classe. Ao ser reforçada cada resposta,
aumenta-se a probabilidade de outras respostas da classe subirem de freqüência.
Ao descrever as contingências da nova resposta e pedir para a criança descobrir
mais um modo de lidar com a situação, amplia-se seu repertório verbal e ensinase a criança a fazer análise funcional do comportamento. O desenvolvimento dessa
nova habilidade - fazer análise funcional do comportamento - instrumentaliza a
criança para resolver novos problemas, longe do terapeuta, o que favorece a independência da terapia e a prevenção de problemas futuros.)
Criança: “Eu fico vendo TV e tento fingir que o som não tá atrapalhando.”
(Agora a criança emitiu um comportamento gradualmente mais próximo da
classe de respostas denominada “eu tomo a iniciativa”, ou seja, se a emissão do comportamento for da criança e tiver êxito para que a briga não ocorra, então, mudará o
padrão de comportamento antigo e poderá estabelecer um novo padrão de interação com o irmão. Futuramente, poderá generalizar o novo padrão de comportamento para outras crianças, o que facilitará os novos relacionamentos interpessoais.)
Terapeuta: “Agora você mudou; deixou a situação na sua mão, mas não ficou
bom pra você, porque o barulho está te incomodando. Vamos tentar o filme seis:
você deitada na cama vendo TV e seu irmão no computador... ”
(O terapeuta reforça a nova resposta sinalizando a mudança. Essa nova resposta está mais próxima da resposta terminal que pretende instalar e aumentar a
freqüência. Novamente o terapeuta descreve as contingências modelando o aparecimento de respostas que, além de evitar briga, deve fazer com que fique bom
ou razoável para os irmãos. Sinaliza com a possibilidade de que não é necessário
“agüentar tudo calada” para não brigar.)
Criança: Se ele atrapalhar, não falo nada, saio do quarto e vou ver TV na sala.”
(A criança emite outra resposta da classe de respostas “evitar briga sem se prejudicar”. Por meio das solicitações do terapeuta foram emitidas respostas verbais
cada vez mais próximas do novo padrão de comportamento. Se a criança considerar
que se prejudica ao ter que mudar de ambiente, pode ser analisado que isso é
temporário. Se as brigas diminuírem de freqüência, será mais provável que o irmão
aceite novas regras, como cada dia um muda de ambiente.)
Terapeuta: “Você mudou de lugar sem falar nada e continuou vendo TV
sem briga.”
E importante levar a criança a identificar vantagens e desvantagens de cada
situação. Se ela considera que ficou lesada porque teve que sair do quarto da mãe,
devem ser investigadas outras alternativas de comportamento.
142 ■ Terapia Comportamental
A criança deve ser ensinada a identificar os possíveis fatores que controlam o
comportamento do irmão, para testá-los em diferentes situações. Se o irmão quer
provocar e tem alguns ganhos com as brigas, então, mesmo que a criança não
queira sair do quarto, pode fazer isso temporariamente, para que o irmão não consiga ser reforçado pelas suas provocações. Depois de algumas repetições desse
comportamento da criança, de sair do quarto, as provocações poderão reduzir de
freqüência e então, ela poderá voltar a permanecer no quarto.
A importância da Modelagem do comportamento verbal para desenvolver a
correspondência entre o dizer e o fazer, analisada por Catania (1998), surge na
experiência clínica como uma forma de intervenção que aumenta a probabilidade
de respostas de fazer fora do consultório.
Ao planejar com a criança as tarefas a serem feitas fora do consultório, o
terapeuta combina com ela formas alternativas de comportamento para serem
emitidas em situações semelhantes àquelas do consultório.
Se o terapeuta, ao analisar a briga da criança com o irmão, fornece para ela as
alternativas de comportamento, que ele considere eficientes, pode-se prever uma
menor probabilidade da criança fazer, ou seja, de emitir o padrão de comportamento fora do consultório.
Ao ser solicitada a descobrir as alternativas de comportamento possíveis numa
determinada situação, parece aumentar a probabilidade de ocorrência das respostas descobertas pela criança. Ao levar a criança a descobrir as alternativas de
comportamento, modelam-se, gradualmente, novas respostas verbais. Se a resposta verbal foi modelada, se prevê que passam a fazer parte do seu repertório
comportamental. Essa condição favorece o estabelecimento da correspondência
entre o dizer e o fazer.
R e f e r ê n c ia s
BANACO, R. A. O acesso a eventos encobertos na prática clínica: um fim ou um meio? Revista
Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, n.2, 1:135-142, 1999.
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