RESUMO EXPANDIDO PALCO E BASTIDORES DA

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RESUMO EXPANDIDO
PALCO E BASTIDORES DA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL
SOBRE POPULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NO CAIRO EM 1994
Introdução
Entre 5 e 14 de setembro de 1994, como um dos representantes da Associação
Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), participei da delegação brasileira oficial
na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) no Cairo.
Antes disso, entre 4 e 22 de abril, participei na mesma qualidade da III Conferência
Preparatória (Prepcom III) em New York. Esta participação propiciou conhecimento de
primeira mão sobre o que transcorreu tanto no palco, nos discursos formais, quanto nos
bastidores, nas negociações formais e informais. Além disso, representando o Brasil, foi
possível exercer influência direta na redação de dezenas de trechos do Plano de Ação do
Cairo. Conhecer mais a fundo o que aconteceu na conferência realizada há mais 20 anos
pode ajudar a evitar retrocessos e a formular novas iniciativas sobre população e
desenvolvimento, como também sobre outros assuntos correlatos que preocupam os
países e o mundo no século XXI.
Material e Métodos
O material utilizado consiste nos documentos oficiais, na cobertura dos
eventos, nas análises existentes e sobretudo em observações diretas por ocasião da
participação pessoal no processo de preparação, negociação e disseminação dos
resultados da Conferência do Cairo. A experiência está registrada e comentada no livro
ainda inédito, “Cairo Plus: População e Desenvolvimento em Questão”. Esta
recuperação do passado acrescenta ao relato objetivo dos acontecimentos algumas
análises sociológicas e políticas sobre o presente e o futuro, buscando contribuir para os
desdobramentos atuais dessas questões delicadas e polêmicas.
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Resultados e Discussão
O Plano de Ação do Cairo foi comparável à nova síntese alcançada no Rio de
Janeiro dois anos antes, quando o desenvolvimento sustentável foi consagrado como
sendo uma nova síntese entre o desenvolvimentismo e o ambientalismo. Paralelamente,
o consenso do Cairo sobre saúde e direitos reprodutivos e sexuais superou a divisão que
até então confrontava o planejamento familiar e o feminismo.
O avanço foi importante. No entanto, entre os assuntos populacionais que não
receberam a devida atenção no Cairo e precisam de soluções, destacam-se: 1) gênero, 2)
aborto, 3) envelhecimento, 4) emprego, 5) sustentabilidade, 6) migração internacional,
7) religião, 8) governança. Geralmente, as implicações econômicas e políticas dessas
questões são mais fortes que os problemas aparentemente pessoais e familiares. O cerne
de tudo diz respeito ao papel do Estado na garantia de múltiplos direitos frente a novas
realidades econômicas e demográficas.
1) Questões mais amplas de gênero e identidade sexual não foram
contempladas no Cairo. Atualmente cabe considerar assuntos tais como a desigualdade
de remuneração, a chefia de domicílios, a situação de meninas, responsabilidades
paternas e maternas e os problemas associados a separações, divórcios e viuvez.
2) Em particular, a questão do aborto induzido foi delicada demais para colocar
em um documento de consenso, mas está gerando tensões cada vez mais fortes ao redor
do mundo.
3) Quando a preocupação maior era a fecundidade elevada, ficou relegada a
preocupação com o envelhecimento decorrente da queda da fecundidade e do aumento
da longevidade. A nova estrutura etária em forma de coluna ou mesmo pirâmide
invertida apresenta grandes desafios.
4) Ainda na época de crescimento do pós-guerra, antes das crises econômicas,
os impactos negativos da inovação tecnológica sobre o emprego foram ignorados.
Tampouco se buscou encontrar alternativas de trabalho, atividade ou meios de vida que
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não sejam emprego formal.
5) Na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio
de Janeiro em 1992, não se discutiu população porque estava prevista a conferência do
Cairo, enquanto no Cairo foi considerado que meio ambiente já tinha sido resolvido no
Rio de Janeiro. O assunto população e meio ambiente continua merecendo atenção
maior, como também o marco mais geral de sustentabilidade nas suas diversas
dimensões, conforme colocado nos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS).
6) No Cairo, o impasse maior, ainda que apenas nos bastidores, foi sobre a
migração internacional. Já havia forte tensão entre países que são origem ou destino de
migrantes internacionais. Hoje em dia, há que se pensar melhor tanto sobre refugiados
quanto sobre a reprodução da população com fecundidade bem abaixo da reposição nos
países desenvolvidos.
7) O capítulo do plano sobre princípios teve que colocar a soberania, os direitos
humanos e a religião em seus devidos lugares. A linguagem negociada nos bastidores
sobre “pleno respeito aos diversos valores religiosos e éticos”, com a intenção de
garantir a liberdade religiosa e o Estado laico, acabou sendo ambíguo e possível causa
de conflito.
8) Quanto a governança, continua como desafio a integração entre os acordos
internacionais sobre população, mulheres e meio ambiente (clima, biodiversidade e
desertificação), bem como outros assuntos, especialmente quando as implicações
econômicas e políticas são mais fortes do que aqueles negociados no Cairo. Até que
ponto é possível o consenso? A obrigatoriedade de cumprimento?
Conclusões
Nesta conferência internacional, o Brasil brilhou. Só foi elogiado, nunca
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criticado. Todos os outros países que se manifestaram foram criticados. Foi um
desempenho notável. Contribuiu para este resultado positivo a participação oficial da
sociedade civil e da academia nas delegações e em todo o processo antes e depois da
conferência. Embora não haja outra conferência específica ou outro plano de ação sobre
população, o governo e a sociedade brasileiros poderão contribuir para a solução de
novos desafios civilizacionais em outras conferências internacionais, inclusive para o
período pós-2015. Também podem contribuir para os processos em curso dentro de
cada país, em que os acordos internacionais exercem forte papel inspiracional, porém
sem força vinculante.
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