Considerações sobre a insegurança urbana em Dourados

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
Considerações sobre a insegurança urbana em Dourados-MS
CÁSSIO ALEXANDRE SARTI FIGUEIREDO1
MARIA JOSÉ MARTINELLI SILVA CALIXTO2
Resumo: A sociedade contemporânea vem sendo cada vez mais marcada pela
propagação de discursos atrelados a insegurança urbana. Se há pouco tempo, essa
dinâmica polarizava-se em contextos metropolitanos, hoje ela ganha centralidade
em cidades de porte médio. Este caso pode ser evidenciado em Dourados, segunda
maior cidade de Mato Grosso do Sul, que embora possua dados oficiais que
assinalam para uma diminuição das taxas de criminalidade, o imaginário da
insegurança presente nas representações é algo muito presente. Dessa forma, a
influência que agentes como a mídia e promotores imobiliários, possuem em
propagar o discurso do medo, está ligada intimamente com o aumentado das
distâncias intraurbanas e estigmas perante o outro.
Palavras- chave: Práticas socioespaciais, insegurança-urbana; Cidades- Médias
Considerations about urban insecurity in Dourados-MS
Abstract: Contemporary society has been increasingly marked by the spread of
speeches linked to urban insecurity. If, not long ago, this dynamic was polarized in
metropolitan contexts, today it is the core of medium-sized cities. This case can be
seen in Dourados, the second largest city of Mato Grosso do Sul. Although it has no
official data to indicate an increase on crime rates, the imagery of this insecurity in
representations is very present. Thus, the influence that agents such as the media
and property developers have to spread the discourse of fear is closely linked with
the increase on intra-urban distances and stigmas before other people.
Key words: Socio-spatial practices; urban insecurity; medium-sized cities
1 – INTRODUÇÃO
A Geografia como ciência, denota-se como um rico campo de investigação, capaz
de apresentar análises que visem compreender questões do cotidiano relacionadas
1
- Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados.
E-mail de contato: [email protected]
2
Docente do programa de pós-graduação da Universidade Federal da Grande Dourados.
E-mail de contato: [email protected]
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ao tempo e ao espaço. Nesta perspectiva, a cidade emerge como lócus principal
para análises dessas relações, cada vez mais imbuídas de complexidades, devido
aos novos conteúdos originários do processo de globalização, exigindo esforços dos
pesquisadores na tentativa de estudar esses elementos de modo a contemplar suas
totalidades.
O desafio que se apresenta é o de pensar como seria possível participar de forma
ativa da compreensão destes fatos que engendram a urbanização na atualidade,
tendo como premissa que estes processos são as expressões e condições das
ininterruptas ações históricas de diferenciação espacial. Neste sentido, intenta-se
neste texto realizar considerações em torno de um tema árduo e desafiador, que há
muitos anos tem sido alvo de investigações de pesquisadores dos mais variados
ramos da ciência, a insegurança urbana, sensação oriunda da convergência entre a
efetivação dos atos tidos como violentos e a propagação de discursos e imagens
relacionadas a violência.
Nossos pensamentos são bombardeados constantemente por vários tipos de
inseguranças e incertezas: o medo de sair de casa, de freqüentar determinados
locais, de ser alvo de “balas perdidas”, o temor das ameaças dos que roubam e
furtam nossos bens, daqueles que cometem atos de violência explícita ou mesmo a
aversão a indivíduos que em nosso imaginário social são vistos como perigosos e
que por isso temos que evitar contato a qualquer custo.
Para Baumam (2008) o sentimento de insegurança urbana advém da idéia de que o
perigo está em todas as partes, algo que têm ganhado em tempos contemporâneos,
uma
centralidade
que
extrapola
contextos
metropolitanos,
abarcando
progressivamente a realidade das Cidades- Médias, pequenas e até mesmo o meio
rural. Dessa forma, a insegurança denota-se como uma realidade que não pode ser
mais deixada de lado em nossas pesquisas, em virtude do aumento dos discursos e
práticas espaciais a ela atreladas, o que nos leva a considerar que olhares atentos e
comprometidos com sua difícil compreensão, são essenciais.
Com base nestas considerações, neste texto objetivamos realizar uma discussão
referente a insegurança urbana em Dourados, cidade com uma população de
196.035 habitantes (IBGE, 2010) e que possui papel de destaque na economia
regional ao polarizar serviços de saúde, educação e comércio, atendendo desde um
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mercado consumidor imediato, a cidades que vão além da região Sul do estado de
Mato Grosso do Sul, onde está geograficamente situado (Mapa 1).
Figura 01 – Localização do município de Dourados-MS (2015).
Sposito e Góes (2013) nos colocam que o fato urbano brasileiro é imbuído por
processos baseados na segregação, dinâmica esta que vem ampliando-se nos
últimos anos e adensando uma percepção crescente de insegurança, relacionada
às
infinitas
mudanças
que
se
expressam
em nosso
cotidiano.
Como
desdobramentos desse panorama, “estéticas” e “urbanismos do medo” aliados às
práticas de preconceito contra os pobres e privatização dos locais públicos têm
ganhado força. Neste conjunto de transformações, em que há o aprofundamento das
desigualdades socioespaciais, cidades de diferentes tamanhos, funcionalidades e
importâncias são lócus de reestruturações espaciais, que podem ser analisadas
sob a esfera econômica, social, política ou cultural.
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Um dos instrumentos de análise fundamentais nesse tipo de estudo, mas que devem
ser compreendidos com cautela devido a grande subnotificação, são os dados
estatísticos oficiais de criminalidade .
A partir da observação desses dados, disponibilizados pela Polícia Militar de Mato
Grosso do Sul (Tabela 01), podemos perceber que ao longo do período considerado
tivemos diferentes comportamentos, tendendo a uma diminuição dos casos a partir
de 2009 e passando por um leve aumento nos anos de 2009 a 2014. Contudo, não
se pode afirmar que tem ocorrido um aumento considerável nas taxas de
criminalidade do município.
Tabela 01: Ocorrências policiais - Dourados- Mato Grosso do Sul
DELITO
2009
2010
2011
2012
2013
2014
ROUBO
670
627
610
518
515
702
FURTO
2.764
2.636
2.294
2.366
2.378
2.275
51
69
65
58
56
72
HOMICIDIO
DOLOSO
Fonte: Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, 2015
Para o Tenente Coronel da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul (Batalhão
Dourados), Antônio Silva, discutir a problemática da violência-insegurança urbana, é
um grande desafio, tendo em vista que há uma série de fatores imbricados a essa
questão como o [...] Sensacionalismo dos veículos de comunicação que, muitas
vezes, distorcem e/ou aumentam os próprios dados oficiais oferecidos pela
Instituição (SILVA, 2015).
“Embora não sejam poupados esforços por parte da instituição no
combate ao crime, Dourados não apresenta dados tão alarmantes de
atentados contra pessoa. Estes números estão dentro da
normalidade de qualquer cidade desse tamanho”. (Trecho da
entrevista realizada em março de 2015, concedida a Cássio
Figueiredo)
No tocante as particularidades que a cidade apresenta, o Tenente-Coronel nos
coloca, que devido à realidade fronteiriça e a questão indígena, Dourados apresenta
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uma realidade única no país, que jamais deve ser comparada a outros municípios.
Nesta perspectiva, o considerável número de homicídios de indígenas e aqueles
relacionados ao consumo de entorpecentes são elementos que colocam nosso
município em um panorama complexo de se trabalhar, tanto que os dados do Mapa
da Violência colocam o município em uma posição desprivilegiada no âmbito
nacional.
Em Dourados temos assistido um acentuado processo de reestruturação espacial
devido o recente aumento dos espaços residenciais fechados. Como parte
integrante desta dinâmica, discursos de violência e insegurança são postos em
evidência pelos veículos de comunicação e agentes imobiliários, mesmo que, nos
últimos anos os números da criminalidade não tenham assinalado um crescimento
das ocorrências de criminalidade.
2 –
A (IN) SEGURANÇA URBANA E AS NOVAS PRÁTICAS
SOCIOESPACIAIS: UM OLHAR SOBRE OS LOTEAMENTOS FECHADOS
Umas das principais dinâmicas relacionadas à propagação do imaginário de
insegurança urbana, diz respeito ao aumento dos loteamentos ou residenciais
fechados. Tais empreendimentos, designados por Sposito e Góes (2013, p.62) como
[...] residenciais horizontais murados e controlados por sistemas de segurança,
possuem um sistema de regras de controle e vigilância estabelecidos pelos
moradores/locatários de imóveis, impactando a vida urbana com práticas espaciais
pautadas na tentativa de homogeneização e segmentação.
Sposito (2001) expõe que nos séculos XIX e XX ocorre a [...] ampliação dos papeis
urbanos e de extensão, refletindo-se na segmentação do tecido urbano (p.78).
Dessa forma, as descontinuidades do tecido urbano são evidenciadas, sendo o
surgimento dos loteamentos fechados, em cidades de porte médio, um dos reflexos
dessa dinâmica.
Em Dourados, essa lógica de produção da cidade é recente, sendo o primeiro
empreendimento fechado lançado em 2008, o EcoVille Dourados . Outros
empreendimentos como o Golden Park Residence (2008), o
Terras Alphaville
Dourados (2013),o Green Park (2014) e o Porto Madero Residence e Resort
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(2014), mostram
como
uma
nova dinâmica,
orientada
por
interesses
de
proprietários, incorporadores e do próprio Estado para consolidação destes
empreendimentos, que passam a representar uma forma de apropriação
diferenciada no interior da cidade.
Quadro 01: Dourados (2014)- Loteamentos fechados (após ano 2000)
Loteamento fechado
Número de lotes
Ano
Área mínima do lote
(m2)
Ecoville Dourados
255 (fase 01)
2008
450
198 (fase 02)
Terras de Alphaville
595
2013
324
Porto Madero Premium
520
2014
300
Golden Park
225
2008
S.I
Green Park
418
2014
325
Fonte: Prefeitura Municipal de Dourados, 2015
Esses locais de moradia, cercados por muros, refletem mudanças em nosso
contexto citadino, que se baseiam em práticas que visam recusar (parcialmente) o
contato com a cidade em sua totalidade. Para Sposito e Góes (2013, p.97) “a opção
pelas moradias em espaços residenciais fechados implica a constituição efetiva de
novos habitas [...] envolvendo as relações entre tais espaços e os que circunda.”
Nesse ponto de vista, podemos tratar dos elementos que dão forma e conteúdo aos
loteamentos fechados, sendo eles: a propaganda, discurso, muros e regras de
controle. Nas propagandas, veiculadas nos veículos de informação, nos outdoors e
nos conteúdos disponíveis no próprio site desse tipo de empreendimento, vende-se
a imagem de uma área coletiva, ainda que seletiva, e possuinte dos artefatos
necessários para uma excelente qualidade de vida.
A procura pelo “diferente”, enfatizado pelo poder da merchandesing do mercado
imobiliário, também pode ser encontrada nos discursos dos moradores desses
locais, que convergem tanto para questão da violência quanto para o processo de
segmentação. Entrevistas realizadas com moradores, na inauguração do clube
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social do Condomínio Ecoville Dourados, nos mostram como os discursos da
segurança, e a consequente qualidade de vida, já se mostram presentes nas falas e
posicionamentos dos mesmos.
“A localização é perfeita, na parte alta da cidade e que proporciona
uma vista maravilhosa”, comenta. “Além disso, toda essa
segurança que vai proporcionar liberdade para quem morar
aqui, sem contar com todas as opções de lazer e esporte que o
clube social oferece [...]” (Diego, empresário, Dourados - Grifos
nossos)
“Minhas filhas vão poder andar pela rua, desfrutar de um clube
completo e viver em segurança”, afirma. “Quem apostou no
Ecoville Dourados Residence & Resort terá mais qualidade de vida
e posso afirmar que todas as expectativas que eu criei em torno
desse empreendimento foram superadas nesta noite”, confessa.
(Andrea, empresária, Dourados - Grifos nossos)
“A segurança é o ponto alto desse empreendimento, mas eles
não deixaram de pensar no conforto, no lazer, no esporte, enfim, na
qualidade de vida das pessoas”, analisa. “A tendência mundial de
viver em condomínios fechados chega, enfim, a Dourados e posso
afirmar que a cidade tem potencial para receber novos investimentos
como esse”, conclui. (Sandro, delegado, Dourados - Grifos nossos)
“Os moradores poderão andar pelas ruas, as crianças vão
brincar sem medo e ainda poderão desfrutar de um clube
completo sem sair do condomínio”, comenta.“A partir de agora,
Dourados passa a integrar o rol das cidades que valorizam a
qualidade de vida”. (Moacir, empresário, Dourados - Grifos nossos)
No âmbito da supervalorização da segurança, que segundo os relatos dos
entrevistados proporcionará qualidade de vida que, “finalmente chegou a Dourados”,
pode-se pensar em vários aspectos ligados à questão. No entanto, elencamos duas
que merecem nossa atenção.
A primeira tem relação com o par dialético que se efetiva entre a liberdade-privação,
visto que almeja-se a tão citada liberdade de ir e vir no interior do loteamento
(distante do trânsito e barulho da cidade e fora do risco de ser assaltado, abordado
por
vendedores,
pedintes
etc).
Contudo,
essa
condição
almejada,
contraditoriamente, só será proporcionada aos que se sujeitam a uma série de
limites impostos como: regras de acesso, som, padrões específicos das edificações
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de suas residências, presença de animais domésticos e a própria privacidade (já que
o sistema de câmeras de segurança é um dos pontos fortes).
A segunda questão diz respeito aos questionamentos sobre o futuro próximo, visto
que a preocupação com a segurança familiar e consequentemente dos filhos é clara.
Qual será a concepção de cidade de crianças que viverão boa parte de suas vidas
nestes locais marcados pelo constante controle, sem o contato imediato com o
outro, afastados das inúmeras complexidades e possibilidades de vivência que a
cidade possibilita?
Sposito (2013) aponta que a ocupação do tecido urbano tem sido marcada pela
extensão e descontinuidade e a cidade passa a ser pensada e vivida a partir da
segmentação (nunca total na escala tempo-espaço) traz à tona, para as classes de
maior poder aquisitivo, a necessidade incessante de se proteger do “mundo exterior”
devido às incertezas da modernidade (BAUMAM, 2001):
“Comprei para morar e vou construir logo para poder chegar em
casa, na sexta-feira ao cair da tarde e só sair na segunda-feira, já
que o condomínio vai proporcionar tudo que minha família precisará
para viver com qualidade”, enfatiza. “Toda essa estrutura, que foi
prometida no ato da compra, superou minhas expectativas e me
deixou muito Satisfeito”. (Wagner, empresário, Dourados)
A busca pelo distanciamento da cidade, mesmo que nos fins de semana, alegada
pelo empresário Wagner pode ser vista como exemplo claro das formas de vida
modernas, imposta por uma urbanização difusa.
A imagem do loteamento fechado, como um dos símbolos da modernidade, pode ser
percebida abaixo na fala do empresário Marco Antonio, que também demonstra a
valorização do status de morar no loteamento. O empresário faz uma analogia entre
Dourado se os grandes centros do país, apenas pelo fato da cidade passar a possuir
um loteamento fechado de alto padrão. Rompe-se, com isso, certa hierarquia (na
concepção do entrevistado), averiguada entre grandes centros urbanos e uma
cidade média.
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“[...]estão de parabéns por apostar em Dourados e incluir nossa
cidade no rol dos grandes centros urbanos, onde o conceito de morar
em condomínio fechado é uma realidade”, analisa. “Não ficaremos
mais com inveja de outras grandes cidades que exibiam seus
condomínios e a gente não tinha o que oferecer, já que agora temos
um dos melhores empreendimentos do Brasil”. (Marco Antônio Ortiz,
empresário, Dourados)
É importante assinalar que, na tentava de evitar pontos de vista unidimensionais em
torno deste tema tão complexo e repleto de perspectivas de análise, acreditamos
que não se pode generalizar essa questão, tendo como base apenas as concepções
dos entrevistados acima. Contudo, já nos dão indícios claros de que esses locais
cercados por muros refletem mudanças em voga em nosso contexto citadino, que se
baseiam em práticas que visam recusar (mesmo que parcialmente) o contato com a
cidade em sua totalidade.
De acordo com Sposito e Góes (2013, p.97) “a opção pela moradia em espaços
residenciais fechados implica a constituição efetiva desses novos habitas [...]
envolvendo as relações entre tais espaços e os que circunda”. Por sua vez, estas
recentes formas de habitats reforçam a lógica da fragmentação do tecido urbano.
Adiante discorreremos sobre como alguns equipamentos agem para o acirramento
desta dinâmica na cidade, mesmo que na maioria das vezes passemos a enxergálos de forma naturalizada.
Ao estudar as relações entre mudanças políticas e formas urbanas brasileiras, após
processo de redemocratização do Brasil3(1988), Caldeira (2000) nos mostra que o
processo de democratização do país, longe de aproximar as diferentes classes
sociais, acabou por instigar a procura por novos mecanismos de distinção. Para a
autora, a violência urbana seria um dos principais pretextos para a opção em residir
em residenciais fechados, porém a mudança dos valores urbanos (arrolados a uma
sociedade de aparências) também seria um fator determinante para isso.
Hasbaert (2010) nos coloca que o ato de nos esquivar, mesmo que parcialmente,
dos problemas, limita nosso raio de ação, já que proclama o que não se deve fazer
3
Faz-se referência a esse período histórico do Brasil, pois concomitante ao aumento dos direitos
sociais para o brasileiro, previstos na Constituição, aumentam-se as desigualdades socioespacias
entre aqueles que detém maior poder de compra e os que não possuem.
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em detrimento do que se tem que fazer. Dessa forma, num mundo onde riscos e
controles se evidenciam, estamos vivendo em uma sociedade de contenção, onde
barreiras são criadas como mecanismo de redirecionamento da circulação, não
ocorrendo assim o fechamento por completo de determinado espaço, à medida que
se fecha de um lado e abre-se do outro.
Isto tem contribuído para o vertiginoso aumento de novos muros e cercas, cujos
reflexos “[...] são muito relativos, mergulhados que estão, também, numa “sociedade
do espetáculo”em que, muitas vezes, vale mais a imagem do que o objeto enquanto
materialidade (HAESBAERT, 2010, p.540). E essa criação de novos muros pode
ocorrer nas várias escalas, sendo elas a internacional (contenção entre as fronteiras
internacionais), a regional e a local.
A esse respeito Haesbaert (2010) considera que, ao denotar-se como fronteiras
muradas dentro das cidades (Figura 01), estas formas de moradia são
caracterizadas pelos limites, e não propriamente pelas fronteiras, pois ocorre uma
“auto contenção” (protegida) dos grupos economicamente dominantes.
Figura 02: Ecoville Dourados – residence e resort – Entre muros e grades
Fonte: FIGUEIREDO, 2015.
Em nosso local de pesquisa, a presença do Ecoville Dourados – residence e resort
revela uma dinâmica pertinente de ser averiguada com atenção, pois o mesmo está
localizado ao lado da maior reserva indígena urbana do país,que agrega as
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denominadas aldeias Jaguapiru e Bororó. Logo, ao mesmo tempo em que as
pessoas visam não ter o contato com essa população tradicional, a realidade de
violência (contra os povos indígenas) “bate à sua porta” diariamente, mostrando a
voracidade das desigualdades socioespacias.
Não raro, esses mesmos indígenas prestam serviços domésticos e de jardinagem
para os moradores destes residenciais, e que para ter acesso a este ambiente eles
têm de provar que não possuem antecedentes criminais, exigência que com certeza
não é solicitada a engenheiros, e arquitetos. Essa relação, pode ser muito bem
comparada à sócio-dinâmica das relações entre estabelecidos e outsiders que Elias
e Scotson (2000) nos demonstram, onde os sujeitos que se encontram em uma
posição estabelecida de “superioridade” podem induzir os que se encontram em
situações inferiorizadas (sejam elas econômicas, políticas, nacionais ou culturais) a
se sentiram desprovidos de qualidades positivas, sendo por isso sujeitos
humanamente inferiores e que por isso, são constantemente sujeitos a
constrangimentos e humilhações
Portanto, como já pontuado, as estratégias de segurança adotadas por esse tipo de
empreendimento estão longe de amenizar o problema, mas tendem a aumentá-lo.
Considerações finais
Este artigo apresenta alguns elementos norteadores da dinamicidade da
insegurança urbana da cidade de Dourados. A compreensão do processo de
urbanização brasileira nos coloca a necessidade de compreendermos os múltiplos
aspectos que a engendram, sendo a insegurança urbana, um dos temas que carece
de observações aguçadas.
Nos últimos seis anos, temos observado o considerável aumento da construção de
residências fechados em Dourados, ligado a essa dinâmica, discursos que
propagam a sensação de insegurança também têm ganhando evidencia, seja pela
mídia ou mesmo pelos promotores imobiliários. Contudo, na contramão desses
discursos, os números oficiais dos órgãos de segurança pública não mostram um
aumento das taxas de criminalidade.
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Nessa baila práticas socioespaciais pautadas na seletividade, individualismo e
estigmas perante ao outro. Dessa forma, os espaços não metropolitanos devem
continuar em pauta nas discussões acadêmicas, para que se possa amadurecer no
entendimento do processo de urbanização brasileiro em sua totalidade.
3- Referências bibliográficas
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