REVISTA COPAFEST – ED. 05 | 2012 EUMIR DEODATO e mais KASSIN E A MAGNÉTICA INTERGALÁCTICA SHINKANSEN HORTA, LIMINHA, MORELENBAUM e SUZANO PEPEU GOMES INSTRUMENTAL SOM QUENTE É O DAS NEVES SÁBADO BAILE EDITORIAL .4 O COPA É UMA FESTA .6 por Bernardo Vilhena por Roberto Muggiati DEODATO – UM DOM DADO POR DEUS .8 . 12 OS DIÁRIOS DE LEONARD PLUME . 17 GALERIA COPAFEST ÍNDICE por Hugo Sukman O Copacabana Palace, patrimônio cultural do Rio de Janeiro desde 1985, conclui este ano, a mais ampla reforma do prédio histórico. Um novo lobby e mais charme nos apartamentos. por Reinaldo Figueiredo SHINKANSEN – HORTA, LIMINHA MORELENBAUM e SUZANO por Helena Aragão ALTA FIDELIDADE por Carol Rosman AS AVENTURAS ANIMADAS DE KASSIN E SUA MÚSICA UM BAILE NAS ONDAS DO COPA PEPEU GOMES GUITARRA BRASIL por Moraes Moreira RECEITA PARA FAZER SOM QUENTE por Bernardo Oliveira www.copacabanapalace.com.br . 23 . 24 por Frederico Coelho CRÉDITOS Av. Atlântica 1702 Copacabana Rio de Janeiro RJ Brasil . 18 PROGRAMAÇÃO . 27 . 28 . 31 . 36 . 37 EDITORIAL POR BERNARDO VILHENA Música para ouvir e dançar Nesta edição do CopaFest teremos a oportunidade de observar um painel de influências que fizeram da música produzida nesse país uma das mais respeitadas em todo o mundo. E isto não é uma afirmação ufanista, porque se observarmos o repertório internacional da música instrumental, mesmo sem recorrer a estatísticas, creio que o Brasil venha em segundo lugar em número de títulos gravados. No mês e ano em que comemoramos os 50 anos do famoso concerto do Carnegie Hall, estamos chegando à 5ª edição do CopaFest. Como sempre trazendo uma programação que consagra os 3 pilares da Música Instrumental Brasileira: melodia, harmonia e ritmo. Hoje, estamos vivendo um momento espetacular da Música Instrumental Brasileira. A internet abriu aos jovens a perspectiva de pesquisar nosso passado musical de dentro do seu estúdio caseiro. Esse fato criou uma realidade altamente favorável, o florescimento de uma geração aberta, sem posições restritivas. Ou seja: o ambiente perfeito para expandir conhecimento e ousar experimentos. Grandes bandas ou mini-orquestras exibem a qualidade do músico brasileiro na arte de improvisar. Seja para ouvir, seja para dançar. A música mais do que qualquer arte tem a capacidade de demonstrar a diversidade da nossa cultura. No mesmo palco podemos ouvir/assistir durante 90 minutos muitas das matrizes que compõem o universo musical brasileiro. Bem-vindos ao CopaFest! Bernardo Vilhena é poeta e curador do CopaFest 4 5 O COPA É UMA FESTA POR ROBERTO MUGGIATI investiu em astros nacionais de porte internacional, como o pianista Dom Salvador, radicado nos EUA há 40 anos; o multi-instrumentista Hermeto Pascoal; o percussionista da histórica banda fusion de Miles Davis, Airto Moreira, que festejou no Fest seus 70 anos; e, nesta edição, o pianista e arranjador Eumir Deodato (há quem prefira seus arranjos para o álbum Sinatra-Jobim aos do prestigiado Claus Ogerman). Mais recentemente, o CopaFest ganhou a Noite do Baile, animada em 2011 por Lincoln Olivetti e, neste ano, por Wilson das Neves. Das dezenas de festivais que acontecem anualmente no Brasil, o CopaFest soube impor desde o início o seu diferencial: inteligência, sensibilidade e vibração. As paredes do grande hotel estão impregnadas de música, sob a bênção do jazzófilo-mor Jorginho Guinle. Em seus quase 90 anos, passaram pelo Copacabana Palace estrelas como Ella Fitzgerald, Lena Horne, Marlene Dietrich, Edith Piaf, Nat King Cole, Ray Charles, Sammy Davis Jr. e Tony Bennett. A partir de 2009, o jazz e a música instrumental brasileira encontraram ali um novo espaço: o CopaFest. A primeira edição fez justamente a ponte entre o famoso hotel e o lendário Beco das Garrafas — a um quarteirão dali —, berço da bossa nova. As principais atrações foram os pianistas João Donato e Osmar Milito, Paulinho Trompete, e o saxofonista e compositor Paulo Moura, num comovente adeus (Paulo morreria menos de um ano depois). Sob a curadoria de Carol Rosman e Bernardo Vilhena, com produção da M’Baraká Experiências Relevantes, o CopaFest logo mostrou sua cara. Sem apelar para nomes importados, Roberto Muggiati é jornalista, autor dos livros Blues: Da Lama à Fama e Improvisando Soluções. 6 o n a ic ACE s ú L m A e P d que , A s s i a l a N i stiv Brasi d e A f o o 3 CAB s de nte n esde a, a n e d i e dez nualm impor ligênc ão A s P a a e D em be raç int ec st sou ncial: e vib CO t n ade aco aFe ifere d ilid op o C o seu sensib io iníc 7 GALERIA CopaFest Zé Luis e a banda Magnética Paulinho Trompete Chico Pinheiro 2ª EDIÇÃO César Camargo Mariano ABRIL 2010 João Donato 1ª EDIÇÃO Paulo Moura Eduardo Neves AGOSTO 2009 David Feldman Osmar Milito Hermeto Paschoal Marcos Valle Mauro Senise Edu Lobo 4ª EDIÇÃO Lincoln Olivetti Banda Mantiqueira 3ª EDIÇÃO OUTUBRO 2011 ador Dom Salv NOVEMBRO 2010 Clube do Balanço Leo Gandelman Hector Del Curto Airto Moreira Arthur Verocai Gilson Peranzzetta UM DOM DADO POR DEUS POR HUGO SUKMAN “Meu Deus, quanta coisa Deus deu a Deodato!”, escreveu Tom Jobim, num daqueles seus tão sutis e precisos achados poéticos, na contracapa do primeiro LP de Eumir Deodato, “Inútil Paisagem”, de 1964. Mas Tom falava mais do que o “dado por Deus”, ou seja, o dom que Deodato carrega até no nome. Falava da excelência, da invenção, da musicalidade, da precocidade que chamava a atenção mesmo naquele ninho de cobras que era a música brasileira no miolo dos anos 60. O disco, lançado pela impecável gravadora Forma (que estava para o samba jazz como a Elenco para a bossa nova), trazia pela primeira vez o nome de Deodato na capa, e ao mesmo tempo o seu piano e a sua escrita orquestral, executando exclusivamente peças de Jobim. O maestro, mesmo sem nunca ter sido dado a elogios fáceis, não se conteve: 13 foto: Dario Zalis DEODATO “É incrível que um rapaz de 22 anos possa escrever para orquestra como Eumir escreve. Não basta ser musical, talentoso, habilidoso, sabido ou sábio. Escrever para orquestra é coisa que envolve toda uma técnica, experiência, um passado de erros passados a limpo, e eu não creio que Eumir tenha tido, com 22 anos, tempo para isso. Mas o fato aí está: suas partituras são magnificamente bem escritas, com cada instrumento no seu melhor lugar, com equilíbrio na distribuição, com graça e inovação no ritmo, harmonia e fraseado. Seus arranjos são sérios mas gostosos, clássicos mas inovadores. Eumir Deodato não é só o perfeito engenheiro de pontes que todo arranjador deve ser, mas também o criador e o poeta que todo arranjador tem de ser. E o piano de Eumir? Excelente! Impecável! Oportuno!”. Nada além precisaria ser escrito sobre Deodato, nenhuma exclamação a mais. A não ser que Deodato não tivesse vivido, dos 22 anos em diante, o que o mestre da música brasileira já antevia sem meias palavras naquele primeiro trabalho. Mas Dedoato cumpriria com sobras os desígnios de Jobim. 14 Ao se mudar para os Estados Unidos, em 1968, para acompanhar o violonista Luiz Bonfá, Deodato parecia que ia cumprir a sina do músico brasileiro na América: trabalhos brazucas, como ele os fez aos montes, como arranjos para Astrud Gilberto (“Beach Samba”), Marcos Valle (“Samba 68”) e Tom Jobim (“Tide”), além de trilhas sonoras de filmes levemente latinos, como “The Adventurers”, que tinha música também de Tom Jobim. Mas o “dado por Deus” de Deodato que Jobim percebera ainda no Brasil foi também logo percebido no ninho de cobras ainda mais venenosas que era a música americana, e ele começou a trabalhar com as maiores estrelas do jazz, da black music e também da música pop, como Paul Desmond, Wes Montgomery, Sarah Vaughan, George Benson, Roberta Flack (o megassucesso “Killing me Softly”, por exemplo) e Aretha Franklin. Como se não bastasse, trabalhou com simplesmente Frank Sinatra em “Sinatra & Co.”, entrando para o seletíssimo grupo de Claus Ogerman, Nelson Riddle, Don Costa e pouquíssimos outros. Ainda no Brasil, tornou-se logo o grande arranjador brasileiro jovem, ao lado apenas de um Luiz Eça, e no mesmo naipe de gênios veteranos como Radamés Gnattali, Moacir Santos e Gaya. Tanto que passou a ser o arranjador oficial de Jobim, mas também o orquestrador da nova música brasileira, e vamos citar só como exemplo o monumental arranjo de “Travessia”, que consagraria Milton Nascimento. Como músico, também não ficava atrás, liderando com seu órgão elétrico o “combo” Os Catedráticos, uma all star big band de samba jazz que lançou quatro LPs cultuados até hoje por fãs de jazz, DJs europeus e colecionadores japoneses. E participava dos principais conjuntos do Rio de Janeiro, do noneto de Roberto Menescal ao Os Gatos, de Durval Ferreira. Isso para não falar de trilhas para cinema, como a de “Garota de Ipanema”, a superprodução de Leon Hirszman que tentou unir o Cinema Novo à Bossa Nova, e de algumas composições que emplacaram como o standard “Razão de Viver” (com letra de Paulo Sérgio Valle e dezenas de gravações no Brasil e no mundo) e sucessinhos como “Baiãozinho”, tão ao gosto da bossa nova. 15 fotos: ?????? Parecia, mais uma vez, que a sorte estava definida: tudo bem, Deodato seria, com seu dom dado por Deus, o arranjador brasileiro de maior sucesso internacional. Até que, em 1973, ele realiza o que seria sua obraprima como arranjador, sua peça mais popular (cinco milhões de discos vendidos na época) e premiada (o Grammy, para começar): uma versão jazz, pop e futurista de “Also Sprach Zarathustra”, de Richard Strauss, uma espécie de Ovo de Colombo que todos buscavam – a fusão da música negra popular (americana, latina e brasileira) com a música clássica europeia, sem perda de autenticidade de ambas – e que Deodato alcançou. Este trabalho o levou ao Madison Square Garden e ao mundo inteiro. De uns dez anos para cá voltou a se apresentar ao vivo mundo afora, normalmente como um trio – aliás, formação registrada em seu último CD, ao vivo no Rio, gravado em 2007. Agora, reaparece na cidade natal, no CopaFest, com um formato maior, naipe de sopros, percussão, guitarra, baixo, bateria e seu piano “excelente, impecável e oportuno”. Uma chance de ver, afinal, o que mesmo Deus deu a Deodato. Desde então, Deodato é um disputado produtor e arranjador, tendo assinado sólidas parcerias com dezenas de cantores e grupos como Kool & The Gang (“Celebration”, por exemplo), Earth, Wind & Fire e até a islandesa Björk. Hugo Sukman é jornalista e autor do livro “Histórias Paralelas – 50 anos de música brasileira (Casa da Palavra)” 16 Reinaldo Figueiredo é integrante do Casseta & Planeta, contrabaixista da Companhia Estadual de Jazz e está em todas as edições do CopaFest SHIN KAN SEN “Japan, here we go!” “Tô formando uma banda para levar o Liminha para o Japão, quer participar?” Com esse telefonema bastante inusitado de Toninho Horta, Marcos Suzano foi convidado a integrar Shinkansen, um conjunto que reúne um dream team da música brasileira – Jacques Morelenbaum completa o quarteto. Aparentemente, os critérios de seleção foram informais e muito simples: ser um poderoso instrumentista e ter alguma relação, profissional e/ou afetiva, com o Japão. Tudo para levar o produtor, uma das referências do rock nacional, a realizar o sonho de conhecer o pequeno país do outro lado do mundo. POR HELENA ARAGÃO TONINHO HORTA LIMINHA JAQUES MORELENBAUM MARCOS SUZANO 19 Os contatos com produtores japoneses logo abriram a possibilidade de transformar o projeto em disco e turnê por lá. Uma matéria em um jornal carioca celebrou o encontro e muita gente ficou curiosa com o som que sairia da formação violão/ guitarra (Horta), violoncelo (Morelenbaum), percussão (Suzano) e baixo (Liminha). foto: Marcelo Silva Meses depois, aparece o motivo que precisavam para retomar os ensaios e acabar o disco: o convite para participar do CopaFest. Todos voltam a se reunir no Nas Nuvens e fazer o interessante exercício de ouvir o que já haviam gravado. As expressões são de alegria e aprovação. Ouvem músicas inteiras e também pequenos temas registrados para serem trabalhados. Zona Norte, por exemplo, tem participação involuntária de Toninho: ele não tocou na faixa porque caiu no sono ali mesmo no estúdio. De brincadeira, os amigos gravaram seu ronco e samplearam, dando um jeito de incluir como efeito da música. “É o Soninho Horta”, brinca Suzano. Horta já esteve 22 vezes no Japão. Suzano tem o recorde do grupo: foi 32 vezes. Jacques Morelenbaum, 12 vezes. Assim sendo, os ensaios no estúdio Nas Nuvens, de Liminha, são recheados de “causos” dos três nas terras nipônicas. A brincadeira começou em maio do ano passado, quando se reuniram algumas vezes para compor e criar os arranjos. Com tantos anos de carreira, os quatro já haviam se cruzado muitas vezes em estúdios e festivais, mas raramente tiveram chance de tocar juntos – e muito menos de compor. Toninho Horta Liminha Há entre as faixas gravadas uma tal Vinheta 1, suingadíssima, que deixa todo mundo dançando nas cadeiras. Liminha pega o laptop e avisa: “Vamos dar um nome para ela agora: ‘Agradável surpresa’”. Há ainda um tema em piano (Liminha) e tabla (Suzano), feito no começo do ano, quando Suzano participou da gravação do disco de Erasmo Carlos naquele mesmo estúdio. Jacques ouve com cara de novidade e aprova, já viajando nas possibilidades ‘cellísticas’ de participar da brincadeira. Mas no meio do caminho apareceram tsunamis e terremotos. Apreensivos com a situação do Japão depois da tragédia do começo do ano, os integrantes do Shinkansen substituíram as negociações para o disco por mensagens de solidariedade aos amigos de lá. E, com as agendas atribuladas por shows, produções e projetos pessoais, acabaram adiando a estreia. Marcos Suzano Jaques Morelenbaum 20 21 Shinkansen começa assim sua vida criativa, do Rio de Janeiro a Tóquio, com música universal que é passaporte para o resto do mundo. As canções já prontas dão amostras da variedade criativa de um grupo que reúne gente de formação bem diferente: roqueira, clássica, popular e universal. Japan, here we go, é jazzística e brinca com a batida do samba. Self service, de Liminha, tem ritmo complexo e melodia sofisticada. Maracatuesday, de Morelenbaum, é uma das poucas em que Horta abandona a guitarra para usar o violão. Ragga, de Suzano, usa e abusa de efeitos, dando forma a uma sonzeira cheia de timbres diferentes. Shinkansen, de Horta, homenageia o trem-bala japonês. Walking in the clouds, também do mineiro, emociona Suzano. “Se tocarmos essa neste momento em Tóquio, tenho certeza que todo mundo vai cair no choro.” músicas podem mudar. Mas a essência está ali, já permitindo conversas sobre selos internacionais que podem se interessar pelo disco. A ideia é que ele tenha 12 faixas, 3 de autoria de cada um. “Aqui tudo é dividido irmamente”, brinca Liminha. É possível que até o dia do show, ou do disco pronto, muitas dessas informações mudem. Trechos novos podem surgir em gravações já feitas, improvisos devem aparecer e entrar na dança, nomes de Shinkansen começa assim sua vida criativa, do Rio de Janeiro a Tóquio, com música universal que é passaporte para o resto do mundo. Os quatro acreditam que após o pontapé inicial será mais fácil embalar e fazer diversos shows mundo afora. E estão felizes por estrear no Rio, morada de três deles (apenas Toninho tem porto seguro em Belo Horizonte) e cidade com cada vez menos espaço para a música instrumental. Ao falar nisso, Suzano cita mais uma vez o exemplo japonês: “Em Tóquio você tem 80 opções de espaços dedicados à música numa noite. Falta palco médio para isso no Rio.” Helena Aragão é jornalista 22 ALTA FIDELIDADE POR CAROL ROSMAN Pesquisadores incansáveis da música do Brasil e do mundo, os cinco discotecários do coletivo Vinil é Arte — Pedro, Niggas, Formiga, Tuta e MBgroove — vêm acumulando descobertas, muito conhecimento e muito vinil. MPB, samba, rock, pop, funk, soul, ritmos latinos, africanos e jazz reunidos em sensacional coleção de bolachas das décadas de 50, 60 e 70 com títulos de tirar o folego. a pegada, são a reciprocidade da paixão investida, são a razão da alta fidelidade. O CopaFest está em sua quinta edição. Em todas tem contado com a presença marcante do coletivo Vinil é Arte tocando exclusivamente Música Instrumental Brasileira. Sua performance no CopaFest é essencialmente jazzística porque traz técnica — sem pirotecnia — e emoção, segue a trilha do inesperado, fugindo da obviedade, surpreende. Sempre com muito balanço e elegância. No trigésimo aniversário do compact disc, o CD, que nasceu para desbancar o LP, vemos que a banca durou pouco. Balzaquiano, precocemente envelhecido, o CD nunca chegou ao apogeu. E o vinil, quase centenário, está aí, bem sacudido, num corpinho de 20. Testemunha, desde o seu surgimento nos anos 40, de todos os movimentos musicais, seus marasmos e revoluções, conquistou amantes incondicionais. O afã da procura nas lojas, o prazer da compra, da posse, a magia da arte da capa, a leitura do encarte, o cheiro, Carol Rosman é produtora de shows e discos de música instrumental e curadora do CopaFest 23 POR FREDERICO COELHO entre vários trabalhos, a trilogia de discos “+ 2” e a trilha sonora do espetáculo do Grupo Corpo batizada Ímã. Além desses dois grupos, Kassin é sócio-fundador do coletivo Orquestra Imperial, reunião de músicos que expandem o samba e a música popular brasileira em suas várias e ricas possibilidades sonoras. Apesar de ser um dos produtores musicais mais requisitados de sua geração – talvez o mais requisitado atualmente –, Kassin sempre foi um músico de bandas. Em sua trajetória de multi-instrumentista, ele fez e faz parte de grupos e coletivos musicais que nunca passaram despercebidos pela crítica especializada de sua geração. E se (ainda) não é uma estrela popular, Kassin certamente é uma constelação de ideias para seus pares e seu público. Em seu atual projeto apresentado nesta edição do CopaFest, Kassin mostra mais uma vez sua capacidade de arregimentar músicos de alta qualidade ao redor de ideias sonoras certeiras e sagazes. Em trabalhos de produção e em seu disco solo lançado em 2011 – o fundamental Sonhando Devagar –, Kassin vem montando uma grande banda com instrumentistas que o acompanham em vários projetos, inclusive na grandiosa trilha sonora de animação japonesa intitulada Michiko to Hatchin. Seu início de carreira na mítica banda do underground carioca Acabou la Tequila já apresentava um vigoroso trabalho com uma série de músicos que após o fim do grupo seguiram caminhos sonoros independentes pela cena musical da cidade (Autoramas, Canastra e Nervoso e os Calmantes, por exemplo). Com Domenico Lancellotti e Moreno Veloso fez, 24 Ideia: Kassin | foto: Chiara Banfi | execução: Bady Cartier AS AVENTURAS ANIMADAS DE KASSIN E SUA MÚSICA Base de sua apresentação no show do festival, o músico afirma que a trilha sonora da animação foi seu primeiro projeto como compositor e arranjador para formações com até 14 músicos. Em diálogo criativo com a obra de maestros e arranjadores como Moacir Santos ou com bandas da cena Japonesa, como o “death jazz” da Soil & “Pimp” Sessions, Kassin conseguiu levar suas composições para lugares até então pouco explorados pela atual geração da música brasileira. Outro ponto fundamental de seus trabalhos é a fidelidade a um grupo de músicos que surgiram na cena carioca e que fazem a ponte entre diferentes frentes musicais. Stephane San Juan, Alberto Continentino, Felipe Pinaud e Bidu Cordeiro são os fiéis parceiros escolhidos dessa vez para tocar nas faixas da trilha. Vozes de Thalma de Freitas, B Negão, Ritchie e Áurea Martins iluminam faixas conduzidas por esse núcleo sonoro que ainda conta com várias participações especiais. Kassin sempre traz duas marcas em seus trabalhos – e em Michiko to Hatchin não é diferente. A primeira é o aspecto permanente de surpresa. Seus ouvintes nunca sabem o que encontrar na próxima esquina de seus álbuns, mostrando que o ecletismo sonoro, muito mais do que apresentar fragilidade de repertório, demarca a força criativa de um músico que tem o privilégio de conviver em seu dia-a-dia profissional com as mais diversas matrizes e ideias da música brasileira e mundial. Mudar de estilos, sobrepor escolas, reverenciar mestres do passado e do presente sem cair no saudosismo ou na redundância, tudo isso são traços marcantes de sua produção. Onde ouvimos ecos de Moacir Santos, João Donato, Marcos Valle ou Wilson das Neves, ouvimos também, sempre, Kassin. Para os que situam Kassin no espaço supostamente limitado do produtor – mesmo com a sua ampla capacidade de atuação –, o repertório que será apresentado no show do CopaFest marcará definitivamente a presença de um arranjador com uma perspectiva renovadora do nosso cenário musical. A inventividade, o frescor e a qualidade das composições apresentadas por Kassin e sua banda não deixarão dúvidas de que, quanto mais diversos os nossos caminhos sonoros, mais ricos e abertos serão nossas opiniões sobre a música e a vida. Frederico Coelho é ensaísta, pesquisador e professor de Literatura Brasileira e Artes Cênicas da PUC-Rio. 26 UM BAILE NAS ONDAS DO COPA O CopaFest vai abrir os salões do Copacabana Palace para você dançar! 03 NOV. / SÁB. PEPEU GOMES INSTRUMENTAL 21h SOM QUENTE É O DAS NEVES 23h POR MORAES MOREIRA Esta história começou cedo, de forma precoce. Ainda menino, no bairro Fazenda Garcia em Salvador onde morava com seus irmãos também músicos, Pepeu já se destacava. Tirava som de qualquer amplificador, por mais elementar que fosse, demonstrava uma grande habilidade e exibia uma impressionante saúde musical. fotos: Wagner Fulco PEPEU GOMES GUITARRA BRASIL Não foi à toa que, com sua banda Os Leif’s, acompanhou Caetano e Gil no lendário show de despedida “Barra 69” quando eles partiram para Londres, exilados pela ditadura militar. Naquela ocasião Gil lhe apresentou um disco de Jimi Hendrix, e poucos dias depois o danado já tocava com uma alegria contagiante todos aqueles riffs do mestre da guitarra. O Trio Elétrico da Bahia, principalmente o dos inventores Dodô e Osmar, foi outra importante fonte de inspiração. Estava assim forjado o grande instrumentista, pronto para partir pra vida. E foi exatamente o que ele fez. Fã incondicional dos Beatles, destrinchava com incrível facilidade o repertório daquela banda. Posso afirmar que era uma delícia ouvi-lo, cantando num inglês “imbromation” maravilhoso, todos aqueles sucessos que encantaram o mundo nos anos sessenta. 29 RECEITA PARA FAZER posição assumiu a s, o n ia m a B vos do isto co Já nos No da, fazen n a o b id a v d u o ro m seu de maest tência. Co e e u p q m a o d c a n assar absoluta deixava p ca o o ã p n é o a d m ia u N privileg onformes. ores sse nos c os afinad m a ti não estive is x e o ã n nos a a v d a in deix em que a conferia e le e s. A s, to o n ic e n rum eletrô dos os inst da, n a B a d trinques to s os disco n á st as e rd to o s de c prova dis strumento in s. s o d ro a e n m fi ente a onde inú rigorosam m e c re a p a sa o pela ca ão Gilbert o J e ue d q o m e talvez A passag aianos era B ta s is o rr v a o it N u dos enial g a o nosso g d a e c u q -o o ra a d , tornan faltava p ilo st e l. u a rs se sse e unive aprimora leiríssimo si ra b is a vez m passeia mentista, ulti-instru m e aço e é d u s e e p Pe los violõ e p a ra u lt o nv da guitarr com dese andolim e b a o n d o m ix a lé a contrab de nylon, . arem um o g it n jo o e b S r . e a baian te vai faz n e m a ra rt e c mistu sua mão, ele é uma guagens, lin endrix, H o i d n im ri J e Transf dolim com n a B am o o rm d que fo de Jacob redientes g r ao in s fo o m tr e u sical. Qu u além de o m o o rs e univ ivo de tud seu imenso rutar ao v sf e r. e d iz rá d e pod cabo de CopaFest isto que a SOM QUENTE POR BERNARDO OLIVEIRA Antes do preparo, é preciso estar ciente de que o “som quente”, sobretudo para nós, cariocas, não equivale a um som de pista de dança, um som que faz dançar de qualquer maneira, a qualquer custo. Nesta acepção, para ser quente, a música precisa levantar a poeira com arranjos fortes, cozinha de primeira, metais robustos e muita, muita percussão! Moraes Moreira é cantor, compositor e parceiro de Pepeu Gomes desde os Novos Baianos E o balanço? Não pode ser quadrado, mas faceiro, insinuante, ensaboado, como se reza na terra do samba, do choro e da gafieira. Relaxa, pode afastar os móveis da sala e misturar samba com salsa, soul, maracatu e até rock’n’roll, mas sem abrir mão do sincopado, do ritmo “moleque, matreiro, bem malandreado, invocado pra gente sambar” — como diz um belo samba de Luiz Grande, membro de outra realeza, Imperatriz da Leopoldina. Pode-se afirmar, de saída, que um som quente não é matéria para iniciantes, mas para quem conhece o métier, sabe do riscado! Em outras palavras, para Wilson das Neves. 31 A lista é interminável e se completa com quatro trabalhos lançados a partir de meados de 68, entre eles O Som Quente é o das Neves (1976), seu quarto álbum como band leader. Das Neves é mais do que um baterista, ele é o baterista do Brasil. É ainda cantor de timbre peculiar, compositor elegante e arranjador visionário, mestre das baquetas que se sai de forma magistral com o tamborim, a caixa, o agogô, o surdo, o tarol e a caixa de fósforos eternizada por Cyro Monteiro, referência para seu canto repleto de divisões malandreadas. Igualmente infinita é a lista dos artistas que acompanhou em discos e shows: foi integrante das orquestras de Astor Silva e Maestro Cipó, do conjunto de Ed Lincoln, guardião do ritmo de cantoras como Elza Soares, Clara Nunes e Elizeth Cardoso, e de boa parte dos artistas da chamada MPB, de Chico Buarque a Maíra Freitas. O CopaFest acerta em cheio ao reunir um grupo de músicos de alto nível em torno da reconstituição deste álbum — entre eles, André Tandeta, Armando Marçal, João Rebouças e Zé Bigorna. Não somente pelo título sugestivo e por sua evidente atualidade, tanto na concepção musical como nos arranjos, mas porque traz à memória algumas características que a ausência de uma reedição à altura de sua importância se encarregou de esconder. Reconhecido no exterior ao reeditar, com Ivan “Mamão” Conti (Azymuth), o grupo Os Ipanemas, integrante da Orquestra Imperial, além de colaborar ativamente com grupos e artistas da atualidade como o rapper americano Madlib (no projeto Brasilintime), Kassin e Roberta Sá, entre outros, das Neves gravou discos inaugurais da Bossa Nova, do Tropicalismo, da retomada nos anos sessenta do samba tradicional, além de verdadeiras pérolas como Coisas, de Moacir Santos, Na Fonte, de Beth Carvalho, Lugar Comum, de João Donato, o primeiro disco de Monarco… Dando prosseguimento à fórmula elaborada nos discos anteriores — a saber, Juventude 2000 (1968), O Som Quente é o das Neves (1969) e Samba Tropi - Até aí morreu Neves (1970) —, Wilson das Neves e seu Conjunto criaram uma sonoridade determinante na reelaboração do cenário da música instrumental brasileira dos anos 70, ainda impactada pelo sucesso estrondoso da Bossa Nova e de seu primo mais agitado, o Samba Jazz — ou, ainda, pelo “Samba no prato” de Edison Machado, sua ramificação hard bop. 33 foto: Domenico Lancellotti O CopaFest acerta em cheio ao reunir um grupo de músicos de alto nível em torno da reconstituição deste álbum. O canto macio e anasalado de Wilson das Neves também já despontava como um de seus maiores trunfos, bem como o talento de compositor, assinando quatro das doze faixas do álbum: “Estou Chegando Agora”, “Que é isso menina”, “Tema para Elizeth” e “Sá Nega”, parceria com Geraldo Barbosa e Ineres. Afora isso, o álbum ainda revela uma mistura de autores que supera qualquer expectativa pós-tropicalista, reunindo na mesma seara Orlandivo e João Donato (que assinam “Os caras querem”), Baden e Vinícius (“Berimbau”), Average White Band (“Pick Up The Pieces”), e botando o Tio Sam para pegar no tamborim com uma versão malemolente do clássico rock’n’roll de Bill Haley, “Rock Around the Clock”. Uma das peças mais curiosas do disco é a interpretação de “O canto do Pajé”, escrito por Villa-Lobos no início da década de 30, quando fora nomeado Superintendente de Educação Musical e Artística para o Estado do Rio, com o objetivo de ensinar música a partir de canções inspiradas no folclore. O bordão “Ô, sorte!”, imortalizado por Das Neves, foi inventado em parceria com o imperiano Roberto Ribeiro (1940-96). Ao se encontrarem nos ensaios da alviverde de Madureira, celebravam com esta expressão de júbilo: “Ô, sorte… de te encontrar aqui”. Hoje não há um só concerto de samba em que os membros do grupo não utilizem esta expressão como forma de agradecer pela própria sorte. Receita para se fazer “som quente”, enfim, não há. Mas hoje não parece haver dúvidas de que Wilson das Neves é um dos indivíduos mais capacitados no mundo para fazê-lo. Bernardo Oliveira é professor de filosofia no IFCS/UFRJ, critico de música e cinema, baterista e compositor. Edita o blog Matéria, sobre música e adjacências foto: Dan Behr No entanto, o valor de O Som Quente é o das Neves não se esgota no fato de que, como afirma o baterista André Tandeta, antecipou de forma visionária “o que viria a ser feito, brilhantemente, pela Banda Black Rio” — diga-se de passagem, capitaneada por outro célebre imperiano, Oberdan Magalhães, egresso da banda de Dom Salvador. Reunindo um repertório eclético, que mistura Villa-Lobos com Baden Powell, Jovem Guarda com funk, soul, salsa e outros ritmos, acabou por liberar a música instrumental no Brasil dos vícios e cacoetes da bossa dos anos 60, abrindo seu horizonte para outras possibilidades. CRÉDITOS TRUPE FESTIVAL editor Bernardo Vilhena assistente Carol Rosman idealização Bernardo Vilhena Isabel Seixas M’Baraká Experiências Relevantes realização Isabel Seixas Diogo Rezende M’Baraká Experiências Relevantes curadoria Carol Rosman Bernardo Vilhena projeto gráfico Ana Paula Moniz Bady Cartier colaboradores Frederico Coelho Hugo Sukman Reinaldo Figueiredo Bernardo Oliveira Helena Aragão Carol Rosman Robertro Muggiati Moraes Moreira Revisão William Oliveira direção de arte M’Baraká Experiências Relevantes Diogo Rezende Ana Paula Moniz Bady Cartier projeto gráfico Ana Paula Moniz Bady Cartier M’Baraká Experiências Relevantes Coordenação de Comunicação João Morais coordenação do projeto Isabel Seixas coordenação do produção Rita Vilhena O Ã Ç A M PROGRA gerente financeiro Larissa Victório realização M’Baraká Experiências Relevantes + Equipe M’baraka Nathalia Rezende – produção administrativa Ana Luisa Fonseca – produtora Mariana Solis – designer Tatiana Almeida – assistente financeiro Rafael Santos – assistente geral assessoria de imprensa Approach Ana Carolina Pinto [email protected] João Veiga produção executiva Thayane Alves [email protected] assistente de produção Aloisio Moraes Tel.: (21) 3461-4616 – ramal 181 www.approach.com.br Cláudia Montenegro [email protected] *Fotos gentilmente cedidas pelos artistas. Exceto Lincoln Olivetti, Edu Lobo, Gilson Peranzzeta, Mauro Senise e Clube do Balanço que foram feitas por Carlos Miller. m.br copafest.co TRUPE REVISTA 01 NOV. / QUI. AND EODATO E BIG B 21h EUMIR D 02 NOV. / SEX. E A MAGNÉTICA 21h KASSIN A INTERGALÁCTIC NSEN 23h SHINKA A, HORTA, LIMINHM e SUZANO MORELENBAU 03 NOV. / SÁB. O BAILE com TRUMENTAL S IN S E M O G U E 21h PEP O DAS NEVES É E T N E U Q M O 23h S IL É ARTE nos intervalos VIN fotografia: José Wellington Empregado da TAESA TRANSMITIR ENERGIA É LEVAR DESENVOLVIMENTO AO PAÍS. Para a Companhia, transmitir energia significa também respeitar o meio ambiente, incentivando o esporte e a cultura do nosso povo. Por meio de uma busca incessante pela qualidade, a TAESA desenvolve ações econômicas, sociais e ambientais. É com grande orgulho que, pela quarta vez, a TAESA se faz presente no COPA FEST. TAESA, brasileira por excelência.