A Complexidade na Formação de Palavras entre

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ISSN 2178-8200
A Complexidade na Formação de Palavras entre Línguas Distintas:
Língua Portuguesa versus Libras
Iara Mikal Holland Olizaroski (SEMED/SEED)1
Verônica Rosemary de Oliveira (SEMED)2
RESUMO: O presente artigo propõe analisar palavras complexas e suas ocorrências na
Língua Portuguesa e na Língua Brasileira de Sinais – Libras, numa tentativa de verificação de
proximidade de formação de palavras em línguas distintas – visoespacial versus oroauditiva.
Percebe-se, ao longo da pesquisa, que palavras complexas, ao contrário do que se
pressupõem, não são aquelas de difícil compreensão e sim, num aspecto mais amplo, referemse à análise morfológica e morfossintática da estrutura de uma palavra em seu processo de
formação; todavia, ao tentarmos definir palavras complexas nos esbarramos em outra questão
de suma importância: a observância de que não há um consenso universal sobre como se dá o
processo de formação de palavras no que diz respeito às estruturas consideradas. Na Libras,
pode-se dizer que a formação de sinais ocorre a partir dos cinco parâmetros: configuração de
mãos, locação, orientação, movimento e expressão facial e/ou corporal, formando, assim,
processos de derivação e composição. No entanto, o processo de derivação, na Libras, se
difere da Língua Portuguesa, pois nesta considera-se a palavra derivando-a a partir de seu
radical e, naquela, o sinal, derivando-o a partir do sentido que lhe é empregado, ocorrendo,
desta forma, uma mudança de categoria decorrente da alteração do movimento do sinal. Não
obstante, na composição, novamente constata-se diferentes abordagens para explicar a
formação de palavras tanto em Língua Portuguesa quanto em Libras.
PALAVRAS-CHAVE: Língua Portuguesa; Libras; formação de palavras.
1
Professora do Núcleo de Apoio Pedagógico às Pessoas com Surdez – NAPPS – do Centro de
Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez – CAS – da
Secretaria Municipal de Educação da cidade de Cascavel-PR – SEMED e da Rede Estadual de Ensino
do Paraná – SEED. Graduada em Letras – Português/Inglês, especialista em Língua Portuguesa e em
Educação Especial.
2
Professora do Núcleo de Apoio Pedagógico às Pessoas com Surdez – NAPPS – do Centro de
Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez – CAS – da
Secretaria Municipal de Educação da cidade de Cascavel-PR – SEMED. Graduada em Pedagogia,
especialista em Educação Especial.
ABSTRACT: The present article propose analising complex words and their occurrences in
the Portuguese language and in the Brazilian Sign Language – Libras, in a try of verification
of the word formation closeness in different languages – visuospatial versus oral hearing. It
was noticed, during the research, that complex words, in opposition to what is thought, aren’t
that ones that have difficult comprehension but, in a wider view, refer to the morfological and
morfo sintatic analisys of the word structure in it’s formation. Trying to define complex
words, though, leads us to another extremely importante question: the understanding that
there is no universal consensus about how the words formation process happens when it
concerns of the considered structures. In Libras, it is said that the signs formation occurs from
five parameters: hands configuration, location, orientation, movement and facial/body
expression, that form derivation and composition processes. The derivation process in Libras
differs from the Portuguese Language one because, in Portuguese, the word derivate from its
radical and, in Libras, the sign derivate from the meaning that is used, occuring, this way, a
category change because of the signal movement variation. In composition, one more time, it
is noted that there are different approaches to explain the formation of words both in
Portuguese and in Libras.
KEY WORDS: Portuguese language; Libras; words formation.
PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS NA LÍNGUA PORTUGUESA
Basílio (1987, p. 5) determina “palavra” apenas como “elementos de que dispomos
permanentemente para formar enunciados” e, Villalva, a define como
estruturas caracterizáveis com projeções de um radical (i.e. o núcleo) por
especificação morfológica, que é realizada por um constituinte temático, e
por especificação morfo-sintática, que realizada pela flexão morfológica,
sendo ambas condicionadas por categorias sintáticas do radical
(VILLALVA, 2009, p. 02).
Embora os autores atribuam definições distintas para um mesmo objeto de estudo,
ambas são de suma importância, pois a primeira enfatiza que há muito a se considerar na
escolha de uma e não de outra palavra para compor uma sentença e, a segunda, que se deve
levar em consideração a estrutura da palavra para defini-la como tal. Para fins deste trabalho o
que se pretende é a análise do processo de formação de palavras o que, impreterivelmente,
abrange a estrutura morfológica simples e complexa das palavras. As estruturas simples são,
de maneira geral, mais facilmente determinadas, como confirma o quadro abaixo apresentado
por Villalva, pois consta tão somente de:
VILLALVA (2009, p. 03)
Podemos então considerar que, de acordo com a estrutura morfológica, existem
palavras simples e complexas. As palavras simples são aquelas que se constituem apenas de
radical, constituinte temático e sufixos flexionais. E as complexas são aquelas que têm, além
dos mesmos constituintes morfológicos das palavras simples, a ocorrência de afixos
modificadores. Villalva (2009, p. 10) salienta que “a estrutura morfológica das palavras
complexas corresponde, pois, à ramificação do núcleo mais alto, que é o radical, o que
constitui uma das suas características definitórias e distintivas relativamente às estruturas
sintáticas”. A comprovação de tal afirmação se faz a partir da comparação das duas estruturas
de formação de palavras, conforme quadro abaixo:
VILLALVA (2009, p. 10)
Assim, a estrutura morfológica e a estrutura morfossintática, são idênticas tanto em
palavras complexas quanto simples, se diferenciado apenas pelo radical complexo contido em
palavras derivadas.
Veloso e Martins, ao se referirem à formação de palavras para designar palavras
complexas, utilizam a nomenclatura compostos morfológicos, defendendo que:
em palavras dotadas de radicais morfologicamente complexos, a computação
do significado de tais radicais baseia-se no Princípio de
Composicionalidade3, que permite calcular (e torna previsível) o significado
partilhado por toda a palavra através da identificação, em separado, do
significado de cada um dos seus constituintes básicos (VELOSO;
MARTINS, 2011, p. 558).
Para esses autores, incluem-se ainda à lista de palavras complexas as palavras
processáveis por falantes com base nesse mesmo princípio, que é o caso das palavras não
dicionarizadas; neologismos; palavras lexicalizadas4 (na qual a complexidade só existe
historicamente); estruturas simples na Língua Portuguesa, porém resultados da combinação de
mais de um étimo 5 latino e, por fim, o pseudotruncamento que, segundo Villalva (2008) apud
Veloso e Martins (2011, p. 571) parece reconhecer uma estrutura de composição morfológica,
preservando o primeiro radical e a vogal de ligação. Em todas essas estruturas citadas faz-se
presente, além do [radical] + [vogal temática] que constituem o tema, os afixos (prefixos e
sufixos) ou a presença de dois radicais, o que sustenta a tese de que são palavras complexas.
Gonçalves adota o termo compostos neoclássicos para designar as palavras
morfologicamente complexas e os determina como construções que “se estruturam com base
em formativos de origem greco-latina que, geralmente, não aparecem como elementos livres
na língua tomadora” (Gonçalves, 2011, p. 14).
No decorrer de sua pesquisa, firme do propósito de examinar a estrutura dessas
palavras, assegura não serem elas apenas empréstimos, verificando, assim, várias
controvérsias no que diz respeito à composição neoclássica, uma refere-se “a incorporação ao
sistema de formação de palavras da língua nativa em que aparece” (Gonçalves, 2011, p. 8),
sendo assim difícil de distinguir se são elas fruto de relacionamento histórico ou meros
neologismos; e, a outra, diz respeito à vasta nomenclatura empregada:
raízes neoclássicas (Scalise, 1984); raízes de fronteira (tem Hacken, 1994);
afixoides (Marchand, 1969); semiafixos (Schimidt, 1987); pseudoafixos
(Katamba, 1990); formas combinatórias iniciais / finais (Bauer, 1988);
confixos (Martinet, 1979); arqueoconstituintes (Corbin, 2001); afixos (Bauer
1979) (GONÇALVES, 2011, p. 9).
3
Em Villalva (2008) apud Veloso & Martins (2011, p. 560) encontramos a Composicionalidade como
“um princípio estabelecido para a semântica, segundo o qual o significado de um todo é uma função
do significado das partes. Em morfologia, composicionalidade é um princípio de análise das palavras
complexas, que identifica aquelas cujas propriedades são integralmente determinadas pela sua
estrutura e pelas suas propriedades dos seus constituintes”.
4
Entende-se por lexicalização como “um processo de perda da composicionalidade” (Villalva, 2008,
p. 30), esta perda pode referir-se tanto ao aspecto semântico quanto formal.
5
Morfemas que constituem o radical de uma palavra latina.
O autor ainda faz considerações favoráveis e desfavoráveis referente ao uso de cada
um destes termos, pois todos os termos acima citados mencionam análises distintas quanto à
composição de palavras complexas.
Gonçalves (2011) cita, ainda, teorias relevantes na formação de compostos
neoclássicos em diversas línguas, a partir de critérios e modelos distintos, a saber: (i) afixos,
radicais, radicais e/ou afixos ou ambos inexistentes para o francês (Amiot & Dal, 2007); (ii)
raízes não nativas para o holandês a partir de dois padrões (radical + radical e radical +
palavra), onde o segundo componente é o cabeça (Booij, 1992); (iii) radicais de fronteira para
o inglês (Plag, 2003); em francês, arqueoconstituintes (semanticamente descritivos) e afixos
(com sentido de instrução) (Corbin, 2001); (iv) heterogêneos, no italiano, com sentido lexical,
prefixos clássicos e elementos de fronteira entre lexemas e sufixos (Iacobini, 2004); (v)
formativos irredutíveis à formação de palavras (Warren, 1990); (vi) distinção entre
composição neoclássica e nativa enfatizando as semelhanças e diferenças com outros
compostos ou outros processos de formação de palavras, como cruzamento vocabular,
truncamento6 e recomposição (Amiot & Dal, 2007); (vii) protótipo relativamente arbitrário na
criação de palavras, e, proposição de um continuum na diferenciação entre composição e
derivação (Bauer, 1998, 2005); (viii) no alemão, por não se distinguir radical de afixos, não
há, portanto, diferença entre a formação de palavras neoclássicas e nativas (Lüdeling et al.,
2002); (vix) afixos, radicais e palavras, agrupados em continuum morfológico, onde, radicais
ocupam a posição do meio e radicais de fronteira posicionam entre radicais e afixos (Ralli,
2010); (x) forma combinatória, afirmando que as categorias palavra, radical, afixo, afixoide 7,
truncamento e blend, dão conta da formação dos compostos neoclássicos (Kastovsky, 2009).
E, ainda, Caetano/Câmara (2010) rotula palavras complexas como elementos
neoclássicos e postula que os processos de formação de palavras estão entre a derivação e
composição, não pertencendo exclusivamente a uma somente.
Assim, para existir
complexidade em uma palavra faz-se necessária, em sua formação, a ocorrência de derivação
ou composição.
Pesquisas realizadas referentes à formação de palavras acenam para outra importante
questão no que diz respeito à derivação e composição e, sobretudo, à modificação tão pouco
observada e, ainda assim, com tamanha divergência. Não há um consenso universal sobre
essas três estruturas de formação de palavras e não é tão trivial assim o fato de muitos
6
Também conhecido como processo de clipping, o truncamento são formas reduzidas de uma palavra
como, por exemplo, em “moto”, “teve” entre outras.
7
Quando o truncamento – forma reduzida de uma palavra – torna-se termo periódico em uma língua,
este passa a ser um afixoide.
pesquisadores buscarem subsídios para reunirem derivação e composição em um só leque e
não considerarem o processo de modificação.
Ora, sabe-se tão somente por Villalva (2009, p. 10), que as palavras complexas
distinguem-se em estrutura de derivação, estrutura de modificação e estrutura de composição.
A estrutura de derivação só acontece por meio de sufixo, mudando, consequentemente, a
classe gramatical da palavra; a estrutura de modificação pode ser tanto através de prefixo ou
sufixo, conservando a classe gramatical e, na estrutura de composição, haverá a ocorrência de,
pelo menos, dois radicais.
Já Basílio (1987, p. 26), cita apenas a derivação e a composição como processo de
formação de palavras. Em suas análises não menciona o termo “palavras complexas” e
classifica como processo de derivação todas as palavras onde são, ao radical, adjungidos
afixos, sendo que, este radical é, geralmente, constituído de uma forma livre 8 e como processo
de composição, todas as palavras constituídas de dois radicais, sejam eles de formas livres ou
presas9.
Gonçalves (2011) utiliza o termo compostos neoclássicos para designar as estruturas
complexas de uma palavra e afirma que esta formação não pode ser compreendida apenas
como “uma classe homogênea de elementos morfológicos”, porque não se limita apenas em
analisar os afixos (gregos ou latinos) e classificá-los tão somente em prefixos ou sufixos, pois
pode assumir, na palavra, tanto posição inicial quanto final. E, para tanto, faz a seguinte
afirmação:
Abordagens sobre a composição neoclássica variam de acordo com a língua,
com os critérios levados em conta – a natureza dos elementos, se sua posição
é ou não fixa, a o [sic] tipo de significado que utilizam (lexical ou
gramatical), suas propriedades fonológicas, suas restrições de combinação –
e com o modelo de análise utilizado. (GONÇALVES, 2011, p. 30)
Para Veloso e Martins (2011), tanto o radical quanto cada morfema de uma palavra
são carregados de significados e a combinação desses, resulta em palavras derivadas por
afixação e compostos morfossintáticos.
Oliveira (2004, p. 15) também destaca somente dois processos de formação de
palavras: a derivação através do acréscimo de prefixos e/ou sufixos e a composição,
“resultante da combinação de dois ou mais radicais livres e/ou presos”, verificando que a
8
Entende-se por formas livres todas aquelas palavras que, semanticamente, têm, por si só, a
constituição de um enunciado (amar, homem, belo, cedo).
9
Formas presas são aquelas que não têm um significado e dependem de outras para ocorrerem (agriem agricultura).
complexidade se dá na busca e estabelecimento de um critério apropriado para a análise do
processo de formação de palavras e não na palavra em si.
Da mesma forma, em Basílio (1987), encontramos a derivação e composição como
processos gerais de formação de palavras, sendo a derivação caracterizada pela junção de um
sufixo ou prefixo a uma base e a composição, pela junção de uma base a outra.
A princípio, Oliveira (2004) e Basílio (1987) convergem na definição entre derivação
e composição a divergência se dá, portanto, no critério de análise das formas – livres ou
presas – para classificar uma palavra como composta ou derivada. O primeiro defende que,
para uma palavra ser considerada composta, deve atender alguns critérios dos quais
destacamos:
A estruturação geral do processo de composição, portanto, relaciona-se com
a natureza de sua função – nomear seres, eventos, fatos ou ações – que é
inteiramente diferente do da derivação [...]. O fato de expressarem ideias
particulares justifica o porquê, de não se formarem muitas palavras
complexas na língua. A composição situa-se mais ao nível do lexical, do
coloquial e do regional [...] (OLIVEIRA, 2004, p. 30).
E, o segundo, postula que a formação de compostos permite categorizações mais
particulares e se faz “pela junção de duas bases, sejam estas formas presas – isto é, formas que
dependem de outras para sua ocorrência como agri- em agricultura – ou livres, como chuva,
brasileiro, e assim por diante” (BASÍLIO, 1987, p. 26).
PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS NA LIBRAS
Os sinais10 na Língua Brasileira de Sinais – Libras – são formados a partir de cinco
parâmetros: configuração de mãos, movimento, orientação, ponto de articulação e expressão
facial e/ou corporal. Estes são essenciais, pois ao se modificar um desses parâmetros pode-se,
consequentemente, formar outro sinal completamente distinto do primeiro. Como, por
exemplo, o sinal de <sábado> ao modificar-se o ponto de articulação tem-se <aprender>; ao
modificar-se ponto de articulação e diminuir o movimento tem-se <amar>. Segundo Felipe
(2006, p. 200) esses parâmetros (configuração de mãos, movimento, orientação, ponto de
articulação e expressão facial e/ou corporal) podem também ser consideramos morfemas
formadores de sinais em Libras.
10
Para fins deste trabalho os sinais da Libras serão apresentados através dos símbolos < >, exceto
exemplos em citações.
Essas observações são importantes, porém o que se busca é compreender o processo
de formação de palavras da língua visoespacial – Libras – comparado à formação de palavras
da língua oroauditiva – Língua Portuguesa – isto é, compreender como se dá o processo da
junção de dois sinais para formar um único em Libras, a saber: os sinais compostos, os quais
se identificam, segundo estudos de Felipe (2006, p. 207), como processo de formação de
palavras onde “utilizam-se itens lexicais que são morfemas livres que se justapõem ou se
aglutinam para formarem um novo item lexical”, como se observa através do exemplo abaixo:
<casa> + <cruz>
= <igreja>
<casa> + <estudar>
= <escola>
Assim, ao se observar palavras complexas apenas no âmbito de formação de palavras
perder-se-á de vista o foco principal deste trabalho que é o de averiguar a ocorrências de tais
palavras e verificar se há a possibilidade de comparação entre estruturas em duas línguas com
modalidades distintas. Para a Língua Portuguesa, o processo de formação de palavras
analisado é de suma importância para a formação de novas palavras, uma vez que, a partir do
radical, formam-se novas palavras com semântica relacionada ou não. Já, na Libras, em
muitos sinais derivados de outros não há diferença, quando proferidos indistintamente, se
trata-se de um verbo ou de um substantivo, essa distinção faz-se através do contexto na
utilização do parâmetro movimento. Também não se diferencia (com sinais específicos)
marcas de gênero, número e grau. Ficando, assim, diferenciada a formação de palavras entre a
Libras e a Língua Portuguesa, pois nesta há possibilidade, na formação de palavras, de se ter a
variação, a modificação ou a composição e, naquela, a composição e a derivação fazem-se
mais presentes e são de grande importância para a formação de sinais.
Constata-se também, em Libras, uma divergência referente à conceituação de
formação de palavras e o fato do termo “palavras complexas” não ser utilizado, verifica-se
apenas estudos que se referem à formação de sinais por derivação ou composição. Na Língua
Portuguesa o processo de formação de palavras se faz – além da modificação – a partir da
junção de afixos a um radical (derivação) ou através da composição; na Libras podemos
verificar o mesmo processo, porém, são os afixos percebidos através dos parâmetros (onde
percebe-se a derivação) e a junção de dois sinais (onde se percebe a composição). Assim,
considera-se que
Morfemas são elementos mínimos — carregados de significado —
que compõem palavras, organizando-as em diversas categorias,
segundo um sistema próprio da língua. As línguas de sinais, assim
como as línguas orais, possuem um sistema de formação de palavras.
Morfologia é o estudo da estrutura interna das palavras ou sinais,
assim como das regras que determinam a formação das palavras. A
palavra morfema deriva do grego morphé, que significa forma. Os
morfemas são unidades mínimas de significado. (QUADROS
&KARNOPP, 2004, p. 86).
Para Pizzio, Rezende e Quadros (2009) derivação é o processo de formação de novas
palavras de acordo com um padrão (um tanto quanto) regular, partindo da base de palavras
pré-existentes. Na derivação há três processos simultâneos: i) processo morfológico, em que a
forma de uma palavra é modificada ao ser acrescentado a ela um prefixo ou sufixo; ii)
sintático, na passagem da palavra de uma categoria do discurso para outra (como de
substantivo para adjetivo) e iii) semântico, em que é produzido um novo sentido.
No processo de derivação os sinais mudam de categoria lexical, como é o caso de
<telefone>/<telefonar> onde o substantivo se transforma em verbo. Esta mudança de
categoria acontece através da alteração do movimento do sinal. Assim, <telefone>, não tem
movimento e mantém-se no seu ponto de articulação (a orelha); já <telefonar> faz o
movimento do ponto de articulação (a orelha) para fora.
Ainda, segundo Pizzio, Rezende e Quadros (2009), na Língua de Sinais Americana –
ASL – há muitos substantivos e verbos relacionados derivativamente, como, por exemplo,
<analisar> e <análise>, onde o verbo tem o movimento mais intenso que o substantivo. Na
Libras, pode-se verificar exemplos como este, onde <sentar>, <sentado> e <sentar-em-roda>,
por exemplo, apresentam variações no movimento, tanto no que diz respeito a intensificação
quanto na direção do movimento.
Sobre as classificações e teorias postuladas sobre o processo de formação de palavras
na Libras, podemos citar algumas autoras que divergem sobre conceitos e fazem diferentes
análises. Felipe (2006), tomando o verbo como objeto de estudo, mostra que os processos de
formação de palavras podem ser realizados através da modificação da raiz, da derivação zero,
de processos miméticos e de regras de composição que, segundo a autora, são: justaposição de
dois itens lexicais, justaposição de um classificador com um item lexical e justaposição da
datilologia da palavra.
As formas de modificação do radical podem ser a adição à raiz ou a modificação
interna da raiz. A modificação da raiz por adição ocorre através da incorporação de negação
nas formas de sufixo e infixo 11:
11
A autora usa o termo infixo como um morfema que se fixa no interior de um radical: A gramática
descritiva do Português não prevê a existência de infixo.


Como sufixo, ela se incorpora à raiz de alguns verbos que,
possuindo uma raiz com um movimento em um primeiro
momento, finalizam-se com um movimento oposto, que
caracteriza a negação incorporada, como nos verbos QUERER /
QUERER-NÃO; SABER / SABER-NÃO (VPS)12; GOSTAR /
GOSTAR-NÃO. Esse movimento contrário não é um item lexical
para negação, seria como, em português, o prefixo {anti-}, mas
que, na Libras, vem posposto à raiz, daí, a análise dele como um
sufixo de negação.
Como infixo, ela se incorpora simultaneamente à raiz verbal
através de uma alternância no movimento ou através de expressão
corporal (movimento da cabeça) concomitantemente ao sinal,
como nos verbos: TER / TER-NÃO; ENTENDER / ENTENDERNÃO (VRJ); PODER / PODER-NÃO. A negação, além de poder
ser expressa por esses processos morfológicos de adição de um
afixo à raiz, pode também ser uma construção sintática, porque
através dos sinais ‘NÃO’ e ‘NADA’ pode-se fazer a negativa,
como nos verbos: SABER NÃO (VRJ); ENTENDER NÃO
(VSP); ENTENDER NADA (VRJ); (FELIPE, 2006, p. 206).
A modificação interna da raiz é possível através da i) flexão para pessoa do discurso,
utilizada para marcar referências de pessoa no ato da sinalização quando o locutor aponta ou
faz o sinal na direção em que está seu interlocutor; ii) flexão para aspecto verbal, faz-se
através do contexto com sinais de apoio ou identificação de tempo; iii) flexão para gênero,
utilizam-se os sinais <homem> ou <mulher> antes do sinal que se quer indicar; iv)
incorporação do numeral, normalmente são utilizados os números até o quatro, após este
número o sinal é apresentado depois do sinal numérico; v) incorporação de intensidade ou
modo, utiliza-se a expressão corporal e/ou facial na apresentação do sinal. Observe alguns
exemplos na tabela abaixo:
INCORPORAÇÃO DO NUMERAL
1 dia, 2 semanas, 3 meses
FLEXÃO PARA GÊNERO
<homem> + <pequeno> = <menino>
<mulher> + <pequeno> = <menina>
INCORPORAÇÃO DE INTENSIDADE
<trabalhar-muito> / <olhar-rapidamente>
<rir-muito> / <comer-rapidamente>
FLEXÃO PARA PESSOA DO DISCURSO
<Eu entreguei a ele> / <Ele me entregou>
Há também a derivação zero onde os itens lexicais (sinais) são diferenciados pela sua
função na sentença e não por afixos. Exemplo disso são os sinais <magr@> e <emagrecer>,
12
As abreviaturas (VSP) e (VRJ) utilizadas pela autora correspondem às variantes de São Paulo e do
Rio de Janeiro, respectivamente.
que são idênticos, apenas seu significado é modificado de acordo com o contexto na frase
onde está inserido.
Felipe (2006) postula que não podemos confundir o processo mimético com os
classificadores, pois estes são morfemas acrescentados à raiz o que os distingue do processo
mimético. A autora ainda afirma que
O processo mimético transforma a mímica em uma forma linguística que
representa iconicamente o referente a partir dos parâmetros de configuração
sígnica 13 e da sintaxe da língua. Na verdade, não se faz a mímica
simplesmente, esta é incorporada pela língua e se estrutura a partir dos
parâmetros de cada língua de sinais, como as onomatopeias nas línguas oralauditivas. Assim, a mímica é a substância do plano de expressão que, a partir
das regras fono-morfo-sintáticas, gera a forma do plano de expressão
(FELIPE, 2006, p. 207).
Para comprovação do postulado acima, Felipe (2006), utiliza-se do contexto: “Havia
um homem em pé com um jornal embaixo do braço direito e com um saco de pipoca na mão
esquerda” e observa que, para ser ele expresso em Libras, necessita apenas dos sinais
<homem>, <jornal> e <pipoca> com sua respectiva representação de situação, ficando a frase,
concebida a partir de seus sinais e classificadores 14 da seguinte forma: “<Homem jornal coisaarredondada colocar-em-baixo-do-braço-esquerdo pipoca coisa-arredondada segurar-com-amão-direita>”.
Como já dissemos anteriormente, Felipe (2006), considera que o processo de
composição pode ocorrer de três formas. Assim sendo, quando se fala em processo de
composição por justaposição de sinais, faz-se referência a dois ou mais sinais que juntos
formam um novo sinal e, consequentemente, um novo significado. Veja os exemplos abaixo:
<casa> + <estudar>
= <escola>
<cavalo> + <listas>
= <zebra>
<casa> + <cruz
= <igreja>
Outra forma de composição é por justaposição de um classificador com um sinal.
Neste processo o classificador é utilizado como um complemento para dar sentido ao sinal.
13
Referente a signo.
O conceito de classificador diz respeito aos “diferentes modos como um sinal é produzido,
dependendo das propriedades físicas específicas do referente que ele representa. [...] geralmente
representam algumas características físicas do referente como seu tamanho e forma, ou seu
comportamento ou movimento” (Capovilla, 2008, p. 45).
14
Confira:
<sentar> + <pessoa (plural)>
= <sentad@s em fila>
Por fim, Felipe nos apresenta a “justaposição da datilologia 15 da palavra, em
português, com o sinal que representa a ação realizada pelo substantivo que, na sede
semântica da ação verbal, seria seu caso instrumental” (FELIPE, 2006, p. 207). Ficando assim
representado:
<costurar> + <A-G-U-L-H-A>
= <costurar com agulha>
Ainda sobre o processo de composição de palavras na Libras podemos também
destacar as autoras Figueiredo Silva e Sell (2009) que mostram uma classificação divergente
desta apresentada por Felipe (2006).
Segundo Figueiredo Silva e Sell (2009, p. 16) “a composição parece ser o grande
processo de formação de palavras nessa língua, pois nela veem-se poucos indícios daquilo que
chamamos flexão ou derivação convencionalmente”. As autoras destacam os seguintes
processos de composição: i) compostos aparentes; ii) compostos verdadeiros e iii) compostos
frasais.
Nos compostos aparentes nota-se a presença de uma palavra junto a um determinante
que fará a designação de gênero. Estes compostos são assim chamados, pois não ocorre uma
verdadeira composição, sendo que a ordenação dos sinais não é fixa, podendo variar e a
utilização dos sinais <homem> e <mulher> não é obrigatória, sendo eles utilizados somente
se o contexto o exigir. Em Libras o gênero de uma palavra não é percebido no sinal, assim,
aos sinais <filh@>, <menin@>, <sobrinh@>, <ti@> entre outros, que vêm com o símbolo
[@] – marca de flexão de gênero – devem juntar-se a outro sinal que será o determinante do
gênero. Como mostra o exemplo abaixo:
<filh@>
+ <homem> ou <mulher>
= <filho> / = <filha>
<homem> ou <mulher>
+ <filh@>
= <filho> / = <filha>
<menin@>
+ <homem> ou <mulher>
= <menino> / = <menina>
<homem> ou <mulher>
+ <menin@>
= <menino> / = <menina>
<sobrinh@>
+ <homem> ou <mulher>
= <sobrinho> / = <sobrinha>
15
A datilologia é uma forma de representação em língua de sinais, das letras dos alfabetos das línguas
orais escritas.
<homem> ou <mulher>
+ <sobrinh@>
= <sobrinho> / = <sobrinha>
<ti@>
+ <homem> ou <mulher>
= <tio> / = <tia>
<homem> ou <mulher>
+ <ti@>
= <tio> / = <tia>
Os compostos verdadeiros apresentam-se como ordem fixa em uma palavra, como no
exemplo abaixo onde foram empregados para designar profissões:
a. HOMEM^VIGIA [vigia]
b. HOMEM^RURAL [agricultor]
c. HOMEM^MANGUEIRA [bombeiro]
d. HOMEM^VENDA [vendedor]
e. HOMEM^CONSTRUÇÃO [pedreiro]
f. HOMEM^CONSERTO [mecânico]
g. HOMEM^DIGITAÇÃO [caixa de banco, de lotérica, etc]
h. HOMEM^FEIRA [feirante]
i. MULHER^COSTURA [costureira]
(FIGUEIREDO SILVA E SELL, 2009, p. 21).
Estes compostos servem, também, segundo Figueiredo Silva e Sell (2009, p. 22),
para a representação de lugares, como nos exemplos <casa> + <cruz> = <igreja>, <casa> +
<estudo> = <escola>. Ainda utilizando esta justaposição de sinais podemos apresentar outros
sinais compostos que representam lugar, mas sem a marcação <casa> como o sinal de
<cemitério>, que utiliza os sinais <morte> + <cruz> para representá-lo.
Os compostos frasais também variam e não tem uma ordem fixa de forma, uma vez
que suas combinações podem se modificar. Figueiredo Silva e Sell (2009, p. 23) explicam que
nesta formação não tem as propriedades que isolamos nos compostos – obrigatoriedade dos
sinais componentes e ordem fixa – mas são, de qualquer modo, sinais formados por mais de
dois sinais. Além disso, neste tipo de combinação entre sinais, pode haver a omissão do sinal
que carrega a informação sobre o gênero (feminino ou masculino) do referente.
CONCLUSÕES
Em linhas gerais, palavras complexas (Villalva, 2008), compostos morfológicos
(Veloso e Martins, 2011), compostos neoclássicos (Gonçalves, 2011), elementos neoclássicos
(Caetano, 2010), referem-se à análise morfológica e morfossintática da estrutura da palavra,
visto que, ao radical, são adjungidos afixos ou se combinam mais de um radical o que justifica
a complexidade da estrutura. Contudo, o que deve ser enfatizado é o modelo de análise
adotado ao se considerar uma estrutura complexa. E, é neste ponto que se percebe grande
dificuldade, uma vez que, ainda é estreita a fronteira entre derivação e composição e não
consensual o modelo de análise para determinação de estruturas complexas.
Quanto a Libras, o termo “palavras complexas” não é utilizado e sim, formação de
palavras, que pode ter classificações divergentes de acordo com alguns pesquisadores da
língua de sinais. Verificou-se que Felipe (2006) apresenta quatro processos de formação de
palavras: modificação da raiz, derivação zero, processos miméticos e regras de composição
que, segundo a autora, são: justaposição de dois itens lexicais, justaposição de um
classificador com um item lexical e justaposição da datilologia da palavra. Já, Figueiredo
Silva e Sell (2009), postula que é através da composição que ocorre a formação de palavras
em língua de sinais e afirma que há poucos indícios do uso da flexão e derivação.
Ao se pesquisar o processo de formação de palavras tanto em Língua Portuguesa
quanto em Libras, observam-se distintos trabalhos com divergências entre si. Porém, a
relevante constatação refere-se à dificuldade quanto à tentativa de se explicar o processo de
formação de palavras em Libras – modalidade visoespacial, comparado à Língua Portuguesa –
modalidade oroauditiva, pois são elas distintas no que se refere ao aspecto morfossintático,
inviabilizando, assim, a tentativa de se comparar ambas as línguas.
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