Talidomida no Brasil: “À Distinta Classe Médica”

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VII JORNADA DE SOCIOLOGIA DA SAÚDE
Saúde como objeto do conhecimento: história e cultura
ISSN: 1982-5544
TALIDOMIDA NO BRASIL: “À DISTINTA CLASSE MÉDICA”
FrancieliLunelli Santos1
José Augusto Leandro2
RESUMO
A mídia impressa no Brasil da década de 1950 desempenhou um papel preponderante na
divulgação de medicamentos industrializados. A partir dos êxitos da quimiossíntese no
período imediatamente pós Segunda Guerra, inúmeros novos produtos farmacêuticos foram
apresentados ao público consumidor no país. Este texto pretende demonstrar como foram
divulgadas as primeiras propagandas, em jornais brasileiros,de medicamentos com base na
talidomida.
Palavras-chave: talidomida; mídia impressa; indústria farmacêutica.
INTRODUÇÃO
A década de 1950 expressou uma ‘utopia incerta’. Uma das principais características
do período residiu na valorização dos aspectos positivos da ciência e da indústria que, aliadas,
foram capazes de espalhar novos produtos tecnológicos por várias partes do mundo, com
destaque para os Estados Unidos da América como o país maior produtor e consumidor dessa
nova tecnologia. No final daquele decênio o baby boom verificado a partir do pós Segunda
Guerra atingia seu ápice e, segundo Brynner e Stephens (2001, p.1), no ano em que a
talidomida foi lançada no mercado, 1957, uma atmosfera de “otimismo e energia contagiava
todos os lugares”.
Com efeito, de acordo com Hobsbawm (1995, p.15), após uma “era de catástrofe”,
entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, os 25 a 30 anos que se seguiram foram “de
extraordinário crescimento econômico e transformação social”. Entre as características
notáveis daquele momento, a expansão industrial destacou-se sobremaneira. Para o
historiador (p.265), “as principais inovações que começaram a transformar o mundo assim
que a guerra acabou talvez tenham sido as do setor químico e farmacêutico”. Estas áreas
específicas, vale destacar,ao longo das décadas de 1940 e de 1950 fizeram a farmacoterapia
1
Historiadora, Mestre em Ciências Sociais Aplicadas, integrante do Núcleo de Estudos em Saúde
Pública, Doença e Assistência em Saúde no Brasil, Universidade Estadual de Ponta Grossa.
2
Historiador, Pós-doutor Universidade do Texas-Austin, coordenador do Núcleo de Estudos em Saúde
Pública, Doença e Assistência em Saúde no Brasil, Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Curitiba –08 de novembro de 2013
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evoluir extraordinariamente pelo desenvolvimento da penicilina, dos antibióticos e dos
quimioterápicos. Foi nesse mesmo ambiente que a talidomida foi lançada na Alemanha e
rapidamente comercializada em diversas partes do mundo com alto potencial sedativo e
antiemético.
Os novos produtos passaram a atuar no controle e cura de algumas doenças há muito
presentes em diversas sociedades tais como o tétano, a sífilis, a chamada ‘lepra’ e a
tuberculose, por exemplo. A aplicação da penicilina, o grande destaque farmacêutico daquele
momento, fez com que pela primeira vez a pneumonia tivesse um tratamento eficaz. O
historiador Roy Porter (2004, p. 133), ao olhar para o período, destaca:“Sonhada e adiada por
tanto tempo, a revolução terapêutica tornou-se uma realidade. Seguiram-se novas drogas de
muitos tipos, na década de 1950, em especial a cortisona, de valor inestimável [...] e os
primeiros agentes psicofarmacológicos eficazes...”.
No entanto, os anos 50 e 60 apresentaram outras facetas não tão otimistas quanto ao
futuro da humanidade. Dois exemplos são ilustrativos do quanto a atmosfera de confiança
sobre os destinos dos indivíduos e das coletividades eram frágeis: a possibilidade de
aniquilação da espécie humana via guerra nuclear seguia como um dos resultados concretos
da divisão do mundo pós 1945; da mesma feita, porém voltada para uma espécie de
‘aniquilação individual’, a doença câncer era constantemente noticiada na imprensa como o
grande ‘inimigo’ que rondava a vida moderna dos homens e das mulheres.
Brynner e Stephens (2001, p.4) destacam que entre os elementos que reforçam a ideia
de uma ‘utopia incerta’ nos anos 50 estavam, inclusive, alguns produtos da nova revolução
farmacêutica do período: os calmantes e as pílulas para dormir. Para a Grã-Bretanha, por
exemplo, citam (sem mencionar o ano) que eram estimados em pelo menos um milhão as
pessoas que utilizavam algum tipo de sedativo diariamente e que cerca de uma a cada oito
prescrições do Serviço Nacional de Saúde consistia em receita de pílula para dormir. “Em
1955, os Estados Unidos produziram cerca de 4 bilhões de barbitúricos, o que representava 26
pílulas para cada homem, mulher e criança no país” (IBIDEM).
O evento da talidomida, isto é, a confirmação da relação do uso da droga por gestantes
aos efeitos teratogênicos nos corpos dos bebês,é considerado uma das grandes tragédias da
indústria (farmacêutica) no século XX. Lançado no mercado alemão em outubro de 1957, o
medicamento logo foi comercializado em dezenas de países que o venderam para as mais
diversas finalidades. Primeiramente, “a empresa alemã ChemieGrunenthal sintetizou a
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substância tendo como objetivo inicial a sua utilização como anti-histamínico. Estudos
realizados em animais falharam em confirmar esse efeito, mas demonstraram as propriedades
sedativas e hipnóticas da substância” (OLIVEIRA et al., 1999, pp.100-101). De fato, segundo
Brynner e Stephens (2001, p. 13) a talidomida foi de início testada como anti-convulsivo para
epiléticos. “Não prevenia as convulsões [...] mas levava os pacientes ao sono ‘natural’ durante
toda a noite. Esses testes clínicos iniciais demonstraram que a talidomida não era apenas um
sedativo que provocava relaxamento; era, na realidade, um hipnótico que induzia ao sono”.
Fato é que os medicamentos com base na talidomida produziram diversas
consequências danosas àqueles que os ingeriram. A iatrogenia medicamentosa gerou efeitos
colaterais que incluíam desde simples tonteiras a casos graves de neuropatias como a
polineurite, por exemplo; e, uma vez que a droga foi apresentada como um sedativo atóxico
inclusive com propriedades antieméticas, as repercussões mais terríveis da talidomida – seus
efeitos teratogênicos – começaram a ser observados sobretudo a partir do ano de 1960,
quando milhares de bebês nascidos de mães que tomaram o medicamento durante os
primeiros meses da gravidez, apresentaram sinais teratogênicos variados. Entre eles, a
focomelia, palavra que designa as “crianças com um tipo peculiar de malformação congênita,
caracterizada pelo desenvolvimento defeituoso dos ossos longos dos braços e pernas e cujas
mãos e pés variavam entre o normal e o rudimentar” (OLIVEIRA et al., p.102).
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Inicialmente pesquisamos artigos e livros que trazem informações sobre a história da
farmácia no Brasil, com objetivo de melhor situar o tema no contexto das décadas de 1940,
1950 e 1960, momento em que há uma revolução medicamentosa pautada na emergência dos
produtos industriais quimiossintéticos; e, também, com o objetivo de encontrar referências
quanto aos fatos relacionados especificamente à talidomida no país.
Vale destacar a quase inexistência de estudos que trazem aspectos históricos sobre a
presença da talidomida no Brasil. Somente um artigo, presente na base Scielo, discute a droga,
historicizandoo medicamento e apontando para certo entendimento acerca das dimensões da
circulação da droga no território nacional, porém a ênfase do texto volta-se para a questão da
vigilância sanitária. Trata-se do artigo Talidomida no Brasil: vigilância com responsabilidade
compartilhada?de autoria de Maria Auxiliadora Oliveira, Jorge Bermudez e Arthur Custódio
de Souza (1999). Nele, os autores fazem um amplo painel da trajetória histórica da droga,
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enfatizando a experiência brasileira no uso do medicamento; indicam eles pelo menos duas
gerações de portadores da síndrome da talidomida no país. A segunda geração teria sido
iniciada a partir de 1965 quando o medicamento foi liberado, sob controle específico, para o
tratamento da hanseníase. Ainda, uma monografia de especialização em Vigilância Sanitária
de Medicamentos defendida em 2004 na Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz traz dados
históricos interessantes sobre a talidomida em diversos países e discute a atualização da bula
no Brasil (MEIRA et al., 2004).
Para os propósitos da pesquisa, dois livros e um texto foram fundamentais para o
nosso entendimento acerca do funcionamento das estratégias de propaganda utilizadas pela
indústria farmacêutica a partir no período após a Segunda Guerra Mundial.
Flávio Edler, em sua obra Boticas e Pharmacias (2006); e Eduardo Bueno,no livro
Vendendo saúde (2008),são dois autores que produziram obras relevantes para se pensar
aspectos da trajetória histórica de medicamentos diversos no país, desde a prática da
utilização de sangrias do período colonial até a história da indústria farmacêutica após a
revolução operada pela quimiossíntese no pós Segunda Guerra. Muito embora a literatura
sobre a história da farmácia considere o evento da talidomida uma das grandes tragédias já
enfrentadas pela indústria farmacêutica, tal evento e seus desdobramentos no território
brasileiro não são estudados por pesquisadores das universidades no país. As duas obras
acima mencionadas, que se dedicam a discutir a história da farmácia no Brasil, e cujos
recortes cronológicos perpassam pelas décadas de 1950 e 1960, não mencionam os fatos
ligados à talidomida no país.Entretanto,foram de ampla relevância para compreensão do
contexto sócio-histórico relacionado à produção e divulgação publicitária de fármacos no
Brasil.
Na revisão bibliográfica, foi fundamental a leitura do artigo Estratégias
mercadológicas da indústria farmacêutica e o consumo de medicamentos (1983), escrito por
José Augusto C. Barros. Em texto inspirado, o autor associa o advento da medicalização à
expansão da publicidade no Brasil. Processo esse que, ao mesmo tempo em que dá
visibilidade para as novas conquistas científicas à população, acaba por incentivar a
automedicação e o desconhecimento sobre os efeitos nocivos – ou ainda desconhecidos – dos
químicos sobre o corpo humano. O autor ressalta a importância da publicidade para a
indústria farmacêutica através da figura do médico, figura essa que outros pesquisadores
(EDLER, 2006; BUENO, 2008), também consideram como um personagem fundamental na
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intermediação entre laboratórios e consumidores. Para ter acesso aos médicos, a maioria dos
laboratórios cria em seus quadros de recursos humanos a figura do propagandista de
medicamentos, um divulgador especializado das novas criações e descobertas científicas, e
que fornecia aos médicos amostras grátis de medicamentos recém lançados ou em testes.
Assim, a partir de meados da década de 1940 e sobretudo ao longo da década de 1950
a própria compreensão da função do medicamento no processo terapêutico sofre uma
profunda modificação; ele deixa de ser apenas um elemento auxiliar no processo de cura
(juntamente com outras medidas como, por exemplo, hábitos alimentares) para assumir o
papel de solução de muitos problemas de saúde. Como bem observou Barros (1983, p. 378):
No momento em que se instaura a quimiossíntese em um contexto capitalista
de produção, os medicamentos assumem a conotação de uma mercadoria
com a necessidade implícita de ser consumida em quantidade e qualidade
crescentes. Nesse sentido, o medicamento assume um importante e duplo
papel ao satisfazer, a um só tempo interesses do capital e do médico. A
difusão generalizada da ideia do medicamento como solução permite que o
médico ao prescrevê-lo satisfaça as expectativas do paciente e as suas
próprias. Para um e outro, na verdade, o momento mais importante da
consulta passou a ser o da prescrição, por um lado em detrimento ou às vezes
ocupando o lugar da anamnese e/ou do diagnóstico, por outro lado
substituindo crescentemente outras alternativas terapêuticas que, pelo menos,
para quadros clínicos específicos, eram dominantes no passado (grifos do
autor).
METODOLOGIA
Esta pesquisa pautou-se pela investigação em periódicos publicados no Brasil, nos
últimos anos da década de 1950 e início da década de 1960,especialmente jornais editados na
cidade do Rio de Janeiro, a fim de encontrar publicações relativas à divulgação e uso da droga
talidomida. Os periódicos foram pesquisados através da Hemeroteca online da Biblioteca
Nacional.
Para compreensão do fenômeno relativo à ligação entre farmácia e imprensa escrita no
Brasil, foi importante pensar, em termos metodológicos, as possibilidades da mídia impressa
enquanto fonte de pesquisa; e, mais do que isso, foi importante refletir sobre o uso de
propagandas/publicidade3na pesquisa histórica.
3
Neste texto tomamos os termos propaganda/publicidade como sinônimos.
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Uma vez tomada como elemento do conjunto da sociedade capitalista em
que vivemos, a propaganda pode ser compreendida também como expressão
da época em que ocorre e, portanto, como uma fonte histórica de primeira
ordem, principalmente se o que temos em mente é pesquisar o recorte da
realidade para o qual ela se dirige, isto é, os sonhos, desejos, as expectativas
das pessoas, isoladas ou em grupos, às quais os anúncios se dirigem para
satisfazer e criar necessidades. É por vender mais do que produtos ou
serviços que a propaganda acaba por tornar-se uma referência fundamental
para o estudo do imaginário (CERRI, 2005, p. 321).
Desse modo, entendemos que o estudo da publicidade de uma determinada época
permite identificar não apenas aspectos da economia de uma dada sociedade - e, obviamente,a
dinâmica mercadológica embutida em diversos produtos -,como também auxilia na percepção
de valores intangíveis dessa mesma sociedade que se expressam através dos produtos
anunciados pelas propagandas. Pensadas assim, as propagadas da talidomida demonstraram,
como veremos mais adiante,que o mercado consumidor podia contar com um medicamento
novo que induzia ao sono – ‘destituído de barbitúricos’, um dos grandes causadores de
suicídios no período –, e, portanto, os anúncios agregaram à talidomida valores de
modernidade e segurança.
Inicialmente buscamos na mídia impressa notícias publicitárias com o termo
‘talidomida’ e ‘thalidomide’. Entretanto, para a década de 1950,nenhum resultado foi
encontrado nos periódicos pesquisados. Passamos, então, a investigar a base da Hemeroteca
da Biblioteca Nacional com os termos dos nomes-fantasia utilizados pela droga no
Brasil:Sedalis,Sedalis 100,Sedin,Slip,Ectiluran,OndasileVerdil. O termo ‘Sedalis’ possibilitou
captaro que cremos ser o primeiro anúncio do medicamento no país a partir de
propaganda/publicidade na imprensa escrita, em março de 1959.
RESULTADOS
Na onda de euforia do aumento no consumo de medicamentos a partir de meados da
década de 1940, os laboratórios farmacêuticos ampliavam seus negócios lançando
periodicamente produtos que prometiam o bem-estar, o corpo belo, a resistência física, a
vitalidade, o fim das dores indesejáveis e os desconfortos típicos da agitada vida moderna.
Vale destacar que na época em foco um mercado global de remédios também já existia
e companhias europeias e norte-americanas distribuíam, para diversas partes do mundo,
milhares de substâncias medicamentosas, bem como licenciavam suas descobertas para serem
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produzidas por laboratórios nacionais. De acordo com Brynner e Stephens (2001, p. 15)
“mesmo antes do sedativo ser introduzido na Alemanha, a Grunenthal já mirava o mercado
internacional em expansão; contratos foram assinados com a Astra Company, na Suécia, em
março de 1957, para distribuição no mercado escandinavo; e, em julho com a Distillers para
que ela detivesse os direitos para distribuição na British Commonwealth”.
Muitos laboratórios e indústrias farmacêuticas criados no Brasil, a partir da década de
1940, eram de origem estrangeira ou financiados com apoio de capital externo. Dessa feita, os
mais recentes lançamentos de medicamentos desenvolvidos na Europa e Estados Unidos não
tardavam a aportar no país. Ainda, a indústria farmacêutica brasileira também estava em
expansão no período. Duas empresas nacionais, o Instituto Pinheiros Produtos Farmacêuticos
e o Lafi - Laboratório Farmacêutico Internacional S.A., ambas situadas no estado de São
Paulo,obtiveram licença para produção no país de medicamentos com base na talidomida. O
outro laboratório também envolvido com a droga no país era de capital estrangeiro, o
Laboratório Americano de Farmacotherapia.
A primeira propaganda comercial da talidomida no Brasil, identificada pela nossa
pesquisa, foi publicada em três diferentes jornais de grande circulação no país, dois editados
na cidade do Rio de Janeiro, o Correio da Manhã e o Diário de Notícias, e outro editado na
cidade de São Paulo, O Estado de São Paulo. Em data de 22 de março de 1959, os veículos
mencionados, todos com destaque nas suas primeiras páginas, estamparam anúncio dirigido
“à distinta classe médica”. Tal anúncio afirmava que o Instituto Pinheiros, Produtos
Terapêuticos S/A havia acabado “de lançar, mediante acordo com a Chemie Grunenthal, da
Alemanha, o produto Sedalis”. Segundo a propaganda, tratava-se de um “sedativo-hipnótico
não barbitúrico” destituído de “efeitos secundários”. Ainda, o Sedalis podia ser tolerado
“mesmo por crianças e portadores de lesões hepáticas”.
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FONTE: CORREIO DA MANHÃ, 22 DE MARÇO DE 1959, P. 1
Através da análise dos periódicos e das propagandas sobre o medicamento Sedalis
entendemos que seus fabricantes e distribuidores no Brasil preferiram, inicialmente, dirigir
seus anúncios diretamente aos médicos. Isso se estendia a outros medicamentos no mesmo
período. Segundo Eduardo Bueno (2008, p. 99):
Quando se iniciou a década de 50, um grande número de novos
medicamentos chegou ao mercado. No entanto, não eram mais elixires,
xaropes e depurativos que enchiam as prateleiras das farmácias e sim
antibióticos, antidepressivos e ansiolíticos. E esses novos produtos não
podiam ser anunciados para o público. Não só não podiam como ao que tudo
indica, os proprietários das patentes sequer queriam fazê-lo: a indústria
farmacêutica parece ter chegado a conclusão que era mais barato, eficiente e
rentável centrar seus esforços mercadológicos nos próprios médicos.
Os anúncios do Sedalis – endereçados especificamente para a ‘distinta classe médica’
– são ilustrativos e representativos de um determinado momento da indústria e do comércio
farmacêutico no Brasil no qual emergiram técnicas de marketing que passaram a enfatizar e a
valorizar sobremaneira o papel do médico como fundamental “na cadeia de eventos: consumo
de medicamentos – medicalização – lucros” (Barros, 1983, p. 379). Temporão (apud Bueno,
2008, p. 100) vai ao encontro de Barros ao destacar que o propósito “dos laboratórios da
época era colocar no centro das preocupações mercadológicas o intermediador técnico das
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possibilidades de consumo: o médico”. A citação a seguir, de Barros (1983, p. 378), é
elucidativa:
No momento em que se instaura a quimiossíntese em um contexto capitalista
de produção, os medicamentos assumem a conotação de uma mercadoria
com a necessidade implícita de ser consumida em quantidade e qualidade
crescentes. Nesse sentido, o medicamento assume um importante e duplo
papel ao satisfazer, a um só tempo interesses do capital e do médico. A
difusão generalizada da ideia do medicamento como solução permite que o
médico ao prescrevê-lo satisfaça as expectativas do paciente e as suas
próprias. Para um e outro, na verdade, o momento mais importante da
consulta passou a ser o da prescrição, por um lado em detrimento ou às vezes
ocupando o lugar da anamnese e/ou do diagnóstico, por outro lado
substituindo crescentemente outras alternativas terapêuticas que, pelo menos,
para quadros clínicos específicos, eram dominantes no passado (grifos do
autor).
Além da propaganda/publicidade do Sedalis anteriormente mencionada, também
identificamos um outro anúncio do medicamento,a partir de matéria jornalística publicada em
1976, quando o Jornal do Brasil, em data de 27 de outubro, noticiou o início de ação
indenizatória impetrada contra a União e contra os laboratórios que produziram e
comercializaram a droga no país: Laboratório Sintex do Brasil (sucessor do Instituto
Pinheiros Produtos Farmacêuticos), Ceil Comercial Exportadora e Indústria Ltda (sucessor
do Lafi) e Laboratório Americano de Farmacotherapia. Esta propaganda do medicamento, ao
que tudo indica, foi endereçada diretamente ao grande público, uma vez que a talidomida foi
um produto comercializado livremente no balcão da farmácia, sem necessidade de receita
médica.
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Fonte: Jornal do Brasil, 27/10/1976, p. 7.
CONCLUSÃO
A mídia impressa, na década de 1950,foi utilizada constantemente como um dos
principais meios para divulgação de novos produtos industrializados para o consumo. Nesse
caso, enquadra-se o espaço concedido pela jornais às publicidades de medicamentos.
Concordamos com Jurema Barros Dantas (2010, p. 133), quando afirma:
…a publicidade de fármacos é a principal via pela qual as indústrias
farmacêuticas tornam seus produtos atraentes, em um primeiro momento, e,
logo depois, indispensáveis à vida do homem contemporâneo. Desta forma, a
propaganda - direcionada tanto aos médicos quanto ao público em geral pode ser vista como uma das principais responsáveis pela disseminação de
uma cultura que exalta os efeitos dos fármacos, promovendo a crença de que
para quase tudo na vida há um remédio e que estas fórmulas foram
desenvolvidas unicamente “para facilitar” a vida dos indivíduos, não
envolvendo, portanto, quase nenhum risco.
Vale destacar que os dois documentos históricos encontrados - as duas propagandas do
medicamento talidomida –ambos explicitaram claramente ao público leitor que o Instituto
Pinheiros Produtos Terapêuticos vendia, naquele momento, mais do que um produto com
poderes sedativos e hipnóticos; os anúncios vendiam, agregado ao produto,segurança:
“isento” ou “destituído” “de efeitos secundários” afirmavam os textos da publicidade do
Sedalis e do Sedalis 100.
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A propaganda do Sedalis, datada do dia 22 março de 1959,dirigida à distinta classe
médica, é indicativa de um momento em que os doutores da medicina passaram a
desempenhar um papel proeminente na trama entrelaçada entre laboratórios, propagandas de
medicamentos e consumidores. Quando possível, os esculápios dirigiam-se às salas
comerciais que representavam os laboratórios para apanhar suas amostras grátis; mais
comum, no entanto, e tornado praxe até os dias de hoje, os próprios consultórios médicos
passaram a reservar parcelas do seu tempo para o recebimento dos propagandistas dos
laboratórios que para lá iam (e vão) divulgar os novos fármacos para serem experimentados
em pacientes.
Inicialmente
dirigidas
aos
esculápios,
as
propagandas
da
droga
seriam,
posteriormente,direcionadas para o grande público consumidor. O produto foi disponibilizado
no balcão da rede comercial das farmácias do país, e também podia ser adquirido sem o aval
da ‘distinta classe médica’.
REFERÊNCIAS
BARROS, José Augusto C. Estratégias mercadológicas da indústria farmacêutica e o
consumo de medicamentos. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 17, n. 5, Out. 1983, pp.
377-386. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489101983000500003&lng=pt&nrm=iso Acesso em 01 de Outubro de 2013.
BRYNNER, Rock; STEPHENS, Trent. Dark remedy: the impact of thalidomide and its
revival as a vital medicine. Cambridge: Basic Books, 2001.
BUENO, Eduardo. Vendendo Saúde: história da propaganda de medicamentos no Brasil.
Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2008.
CERRI, Luís Fernando. A política, a propaganda e o ensino da história. In: Caderno CEDES.
Campinas,
v.
25,
n.67,
dez.
2005,
pp.319-331.
Disponível
em:
http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n67/a05v2567.pdfAcesso em 30 Out. 2013.
DANTAS, Jurema Barros. Publicidade e medicamentos: um mundo de imagens e promessas.
In: Interação em Psicologia. Curitiba, v.14, n.1, jan./jun. 2010, pp. 131-138. Disponível
em:http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/psicologia/article/view/14731Acesso em 20 Out.
2013.
EDLER, Flavio Coelho. Boticas & Pharmacias: uma história ilustrada da farmácia no Brasil.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
MEIRA, Maria Emília Costa et al. Talidomida: revisão bibliográfica e atualização da bula
conforme Resolução RDC nº 140/03. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública,
Fiocruz, 2004.
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OLIVEIRA, Maria Auxiliadora; Bermudez, Jorge Antônio Zepeda; Souza, Arthur Custódio
Moreira de. Talidomida no Brasil: vigilância com responsabilidade compartilhada? Cadernos
de Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol.15, no.1, Jan 1999, p.99-112. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X1999000100011&lng=pt&nrm=isoAcesso em 10 de Setembro de 2013.
PORTER, Roy. Das tripas coração. Rio de Janeiro: Record, 2004.
Curitiba –08 de novembro de 2013
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