INSTITUTO GAYLUSSAC Professor: Lincoln Marques FASES DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO (O DECÊNIO REVOLUCIONÁRIO: 1789 A 1799) 1) DA INAUGURAÇÃO DOS ESTADOS GERAIS (MAIO 1789) ATÉ A INSTITUIÇÃO DA MONARQUIA CONSTITUCIONAL (SET. 1791) - 5 de maio de 1789: a reunião dos Estados Gerais é inaugurada. - Em junho os representantes do terceiro estado nos Estados Gerais se declaram Assembléia Nacional e persuadem representantes das ordens privilegiadas a se juntarem a eles. - Revoltas populares em Paris em junho. - Em 9 de julho, a Assembléia Nacional se auto-proclama Assembléia Nacional Constituinte. Principais tendências dentro da Assembléia em 1789: Aristocratas Monarquistas Patriotas - Jornadas populares culminam com assalto à Bastilha em 14 de julho de 1789. - A Revolução atinge cidades provincianas e o campo. Grande Medo (fins de julho e início de agosto): levantes nas cidades das províncias, combinado com onda de pânico de massa, se espalham pelo país, dando início à ruína da organização administrativa da monarquia e da estrutura senhorial no campo. - Ameaça de reação aristocrática: marcha sobre Versalhes em 5 e 6 de outubro. União da revolução parlamentar com revolução popular. Principais documentos do período inicial da revolução: Declaração dos Direitos do Homem (agosto 1789): igualdade civil, contra os privilégios. Constituição Civil do Clero (1790): secularização dos bens do clero católico, com o objetivo de resolver os problemas financeiros do Estado e submeter a antiga ordem eclesiástica à tutela governamental. Constituição de 1791 (set.): estabelecimento da Monarquia Constitucional; igualdade civil e desigualdade política (cidadãos ativos e inativos); eliminação dos obstáculos à economia de livre mercado; liberdade de expressão e pensamento; abolição das associações patronais e de trabalhadores em nome da liberdade de contrato. - A carestia e a Crise de Varennes (fuga frustrada da família real em junho de 1791) estimulam o republicanismo popular. - A economia de livre mercado acaba acentuando as flutuações de preços e a carestia, fornecendo combustível para mobilização popular: em 17 de julho de 1791 ocorre o Massacre do Campo de Marte (manifestantes que exigiam deposição de Luís XVI alvejados pela Guarda Nacional sob comando de Lafayette). Crescimento progressivo da politização e radicalização nos setores populares (e médios) urbanos e rurais. As revoltas camponesas (Grande Medo de 1789 e outras sublevações que ocorrem até a abolição total dos direitos feudais em 1793) têm como objetivo inicial destruir as relações feudais no campo, no que coincidem com objetivos burgueses; tendo conseguido isso, os camponeses teriam passado a lutar contra aspectos das transformações capitalistas no campo e a dissolução da comunidade aldeã. A força do movimento camponês teria feito a nobreza e a burguesia cederem. (KOSSOK, 1983) Formação da sans-culotterie entre 1791 e 1792: agregado de patriotas armados recrutados em defesa da Revolução. Sans-culottes eram membros de um movimento heterogêneo, principalmente urbano, composto majoritariamente por trabalhadores pobres e artesãos. Seguiam oradores populares como Marat e Hébert, cujos jornais divulgavam pensamento político baseado num ideal social que respeitava a propriedade privada mas era frontalmente hostil aos ricos. Defendiam a idéia de que o trabalho e a segurança social deveriam ser garantidos pelo governo e lutavam por uma democracia direta com rígido controle do povo sobre seus representantes. Crescimento da rede de clubes e sociedades populares que promoviam o debate político e estabeleciam comunicação entre os acontecimentos de Paris e as sociedades provincianas. Exemplos mais conhecidos são os do Clube dos jacobinos e dos cordeliers. - Principais tendências na Assembléia Legislativa, reunida a partir de 16 de dezembro de 1791 (745 membros eleitos pelos cidadãos ativos), divididas em vários sub-grupos que irão se dirigir mais para a “esquerda” ou para a “direita” com o desenrolar dos acontecimentos À direita, Feuillants: consideravam que a Revolução estava concluída e era necessário conter a insurreição; À esquerda, Brissotistas (Brissot), mais tarde chamados de girondinos: consideravam que a revolução se dera pela união do povo com a burguesia, mas progressivamente aprofundariam suas divergências internas quanto ao papel do povo e suas aspirações dentro da nova sociedade. - Abril de 1792: declaração de guerra contra a Áustria (em resposta à coligação antifrancesa formada pelo Império Habsburgo, Prússia, Rússia e Rei do Piemonte e ao chamamento de união dos monarcas europeus para o restabelecimento da “ordem” na França). Naquele momento, guerra era vista por setores da burguesia como caminho para solução de problemas internos. Contava com apoio da maioria da Assembléia Legislativa, excluindo-se a ala de Robespierre (jacobinos). Iniciou com fracassos franceses, mas representou mudança de curso no processo revolucionário, na medida em que cristalizou opções políticas e exacerbou tensões sociais (VOVELLE, 1986: 25). - Jornada revolucionária em Paris em 20 de junho de 1792 (Jornada de 20 de junho): manifestantes invadem palácio das Tulherias para intimidar o rei. - Em 11 de julho de 1792, Assembléia Legislativa proclama “a Pátria em perigo”: marcha dos federados da província em direção à Paris (A Marselhesa). 2) A REPÚBLICA DO ANO I (SET. 1792) - Verão de 1792: virada no processo revolucionário. Insurreição popular em Paris, com apoio nos departamentos do interior da França, impõe derrota aos partidários dos compromissos com a antiga ordem: a Monarquia é derrubada em 10 de agosto de 1792 (Jornada de 10 de agosto), o Rei é feito prisioneiro e para dirigir o país é convocada uma Convenção Nacional. A República será declarada em setembro do mesmo ano. - Em 2 de setembro chega em Paris a notícia de que Verdun estaria cercada pelos contrarevolucionários. A Comuna de Paris conclama os “cidadãos às armas” e inicia-se um ataque a todos os suspeitos de traição: são feitas milhares de prisões e cerca de 1100 prisioneiros suspeitos são executados (Massacres de setembro). Medidas de exceção permitiam julgamento de crimes de contra-revolução e buscas em domicílios eram autorizadas. Segundo SOBOUL (1979), esse teria sido o Primeiro Terror, ocasionado pelo medo da reação aristocrática e da invasão estrangeira. Em 20 de setembro de 1792 é instalada a Convenção Nacional, eleita por sufrágio universal para elaborar nova constituição. Em Valmy, franceses impõem retirada prussiana: importância simbólica desse sucesso na guerra. A CONVENÇÃO NACIONAL: principais grupos sócio-políticos dentro da Convenção no Ano I: Alta e média burguesia comercial e manufatureira já satisfeita com as mudanças realizadas, tinham aversão a medidas de exceção; brissotistas (republicanos legalistas com apoio na província) rompem com os jacobinos em agosto de 1792 e passam a ser chamados de Girondinos (defendem a liberdade de comércio e uma política de obras públicas contra o desemprego; evoluem para posições mais conservadoras). “Montanha": Jacobinos, pequena e média burguesia com apoio em Paris liderados por Robespierre e Danton; defesa da administração revolucionária centralizada como solução de emergência para vencer a contra-revolução; defesa da função social da propriedade e da democracia política. São apoiados pelos sans-culottes e pela Comuna de Paris. "Planície": burguesia independente, republicanos moderados. Sans-culottes: força política atuante fora da Convenção com ligação com o clube dos Cordeliers. Cronologia da Convenção Nacional: Convenção girondina: set. 1792 a maio 1793 Convenção jacobina: jun. 1793 a jul. 1794 Convenção termidoriana: jul. 1794 a set. 1795 - Execução do rei aprovada pela Convenção em 21 de janeiro de 1793. - Criação do Comitê de Salvação Pública em abril de 1793, dirigido inicialmente por Danton. Domínio do grupo girondino, que demonstrava algumas ambigüidades: necessitavam do apoio popular, mas temiam a radicalização; diferença de posições: os girondinos defendiam liberdade econômica e os sans-culottes desejavam controle dos preços de alimentos. - Em fevereiro de 1793 Inglaterra, Espanha e Holanda entram na guerra contra a França. O avanço das forças anti-francesas provoca reação: mobilização geral e reforma do exército, com elevação dos efetivos para um milhão de soldados (4% da população) e instituição do serviço militar obrigatório e controle político sobre os oficiais. Características do exército revolucionário: utilização de combatentes profissionais; ações rápidas; auto-custeio (confiscos no campo). Novas estratégias, com batalhas ofensivas com emprego massivo de tropas e operações móveis trazem vitórias e conquistas territoriais a partir do final de 1793. A carestia, o conflito na Vendéia e a deterioração da situação francesa na guerra levam a uma radicalização das posições: os girondinos são derrubados em junho de 1793 pelos jacobinos com apoio dos sans-culottes. 3) A REPÚBLICA JACOBINA DO ANO II (2 DE JUNHO DE 1793 A 27 DE JULHO DE 1794) O jacobinismo teria sido o ponto culminante da relação da revolução com o movimento popular. O período do Terror teria representado uma aliança da pequena burguesia radical com o movimento sans-culotte. A primeira tarefa do regime jacobino foi mobilizar as massas contra os girondinos e os "notáveis" provincianos, que estavam em revolta contra Paris. - A aliança com o movimento popular inclinou o regime jacobino para a esquerda, o que se refletiu nas ações do Comitê de Salvação Pública, agora dirigido por Robespierre: instalação de um Estado intervencionista que buscava impedir o esmagamento dos setores populares pelo livre mercado. Constituição de 1793 (24 de junho): sufrágio universal; direito à insurreição, trabalho e subsistência; o governo deve garantir a felicidade e os direitos do povo. Abolição completa dos direitos feudais, estímulo à aquisição de terras por pequenos compradores. O Terror de 1793: suspensão da Constituição, da divisão de poderes e dos direitos individuais; criação de um tribunal revolucionário sumário; perseguição à contrarevolução se intensifica também nas províncias; campanha de descristianização. O regime dependia de uma aliança com as massas, mas teve que se afastar delas. As concessões só eram toleradas porque mantinham as massas ligadas ao regime sem ameaçar os proprietários. A guerra tornou necessária a centralização às custas da democracia direta e local apregoada pelos sans-culottes, o que significou o "fortalecimento dos jacobinos do tipo Saint-Just à custa dos sans-culottes tipo Hébert."(HOBSBAWM, 1982). As necessidades econômicas da guerra (congelamento de salários e confiscos no campo) e a execução dos hebertistas provocam descontentamento popular. Abril de 1794: isolamento de Robespierre e seu grupo; afastamento do movimento popular e hostilidade da burguesia, que se sentia tolhida e assustada com as realizações jacobinas. A guerra mantinha os jacobinos no poder: seu declínio inicia quando a guerra começa a ser ganha pela França. 9 de Termidor (27 de julho de 1794): Convenção derruba República Jacobina e passa a se defrontar com o problema de como conciliar estabilidade política e crescimento econômico com o programa liberal da revolução. Oscilação entre forças da direita e da esquerda e crescimento da dependência em relação ao exército. Revoltas populares em Paris em abril e maio de 1795. 4) O DIRETÓRIO (NOVEMBRO DE 1795 A 1799) Durante o Diretório inicia-se uma reorganização política, administrativa e econômica da França. Constituição do Ano III: Executivo relativamente fraco integrado em um Diretório de 5 membros; Legislativo formado por duas câmaras, um Conselho de Anciãos de 250 membros e um Conselho dos 500, eleitos por sufrágio censitário indireto. Instituição de um sistema fiscal, que perdurará até a Primeira Guerra Mundial, baseado na tributação sobre a propriedade fundiária, sobre a renda pessoal e mobiliária, sobre portas e janelas e sobre patentes; adoção de um sistema de convocação militar mais sistemático e de acordo com as necessidades do momento (lei Jourdan, 1798). Em 30 de março de 1796 inicia a Conspiração dos Iguais, dirigida por Babeuf e apoiada por alguns antigos jacobinos, como Buonarroti (que em 1828 publicará sua história da “Conspiração pela igualdade dita de Babeuf”). Para Babeuf, a finalidade da sociedade seria a felicidade comum, e a Revolução deveria assegurar a igualdade de posses, cujo único meio seria a supressão da propriedade privada (“Manifesto dos plebeus” publicado em 30 de novembro de 1795). O comunismo babovista propunha a comunidade dos trabalhos (partilha do trabalho dentro da comunidade) e a comunidade na repartição dos frutos do trabalho e estava calcado num ideal social agrícola e artesanal. A repressão à conspiração inicia-se em abril, tendo Buonarotti e Babeuf sido presos em maio e este último executado em 1797. Fraqueza e ambigüidades do Diretório fazem com que a buguesia se apoie cada vez mais no exército para dispersar a oposição, a contra-revolução e o radicalismo popular. Fica cada vez mais clara a importância do exército revolucionário na manutenção da revolução. Invasões estrangeiras de 1799 demonstram fraqueza do Diretório e abrem caminho para o golpe de 18 de Brumário (9/11/1799): Napoleão Bonaparte torna-se o 1o Cônsul, dissolvendo o Diretório e o Conselho dos 500. II. PERÍODO NAPOLEÔNICO CONSULADO (NOV. 1799 A 1804) E IMPÉRIO (1804 A MARÇO DE 1814) - Napoleão Bonaparte surge como símbolo da reconciliação e unidade nacional. - Bonaparte é proclamado Consul vitalício em 1802 e coroado Imperador em 1804, com votos da maioria da população. “O Consulado põe fim às oscilações e estabiliza as instituições. Bonaparte faz uma triagem nas experiências da Revolução, adota o que considera viável, restabelece por vezes o que lhe parece deveria ser restaurado, faz uma amálgama disso tudo e lança as bases da administração moderna. O capítulo administrativo da reforma consular é um de seus aspectos mais duradouros (...). Diz-se que Bonaparte deu à França sua constituição administrativa. Se as constituições políticas do Consulado e do Império não sobreviveram à Napoleão, a constituição administrativa foi conservada por todos os regimes posteriores.” (RÉMOND, 1986, p. 135) Características da administração instaurada no Consulado: decisões centralizadas em Paris; administração rigorosamente hierarquizada em todos os escalões; especialização de funções; uniformização da administração e definição das jurisdições de cada setor; corpo de funcionários estáveis que só respondem por suas atividades ao Estado. “O funcionário é um tipo social novo: o Antigo Regime só conhecia os oficiais, proprietários de cargos comprados, e os comissários, portadores de cartas de comissão.” (RÉMOND, 1986, p. 136) Organização do sistema de ensino controlado pelo Estado; criação dos Liceus. Concordata com a Igreja católica em 1801: Estado permanece laico, mas catolicismo é reconhecido como “a religião da maioria dos franceses”; Estado designa os bispos. Fortalecimento do comércio e da indústria e incremento das obras públicas. Alta burguesia se converte em classe dirigente, enquanto os nobres emigrados são convidados a retornar. O regime se apoia na censura à imprensa e na organização de um aparato policial. O Código Civil de 1804 pretende solidificar a sociedade que teria saído da Revolução atomizada através da subordinação do indivíduo ao interesse superior do grupo de que faz parte, com a afirmação do princípio da autoridade (na família, do pai sobre filhos e do marido sobre a esposa; na empresa, do patrão sobre os empregados). O Código garante a liberdade individual, igualdade perante a lei, propriedade privada, casamento civil e divórcio. Através do exército e do Império, a ordem legal e administrativa francesa acaba sendo exportada para fora da França. No Império, Bonaparte patrocina a criação de uma nova aristocracia com a distribuição de títulos e benesses. Membros de sua família são designados para os postos mais altos. “Bonapartismo”: combinação da manutenção das conquistas da revolução com a incorporação de interesses burgueses. Mito de Napoleão: encarnação de valores burgueses como o sucesso baseado no mérito pessoal. O governante simboliza a nação, colocando-se acima das classes e garantindo a segurança das pessoas e propriedades. Estabilização administrativa, econômica e legal necessária para o desenvolvimento econômico, o que correspondia aos interesses burgueses. No período napoleônico ocorre a construção sistemática da sociedade francesa em moldes burgueses. Em troca de uma limitação ou quase eliminação das liberdades públicas, a burguesia obteve a possibilidade de usufruir as vantagens da nova sociedade. As reformas de Napoleão consolidam a revolução burguesa na França. O Império se consolida em 1810 e em 1812 adquire sua máxima expansão territorial, e desde 1807 as contínuas anexações territoriais fazem com que a hegemonia francesa na Europa se estruture na forma de estados familiares, vassalos e aliados. Bloqueio continental decretado em 1806/1807 como reação à expansão do poderio naval britânico na Europa. Principais conseqüências da expansão napoleônica na Europa continental: Difusão dos ideais liberais da Revolução e das instituições francesas, principalmente no campo dos direitos civis, da educação e administração centralizada. Expansão da economia francesa e do setor industrial na França (principalmente têxtil). Com o bloqueio, ocorre escassez de produtos e alta de preços, estimulando o contrabando e a corrupção. No final do império, os banqueiros passam a fazer oposição ao regime. Desenvolvimento de novos sentimentos nacionais favorecidos pela ocupação francesa e pela união de territórios antes fragmentados. "Sabia-se agora que a revolução num só país podia ser um fenômeno europeu, que suas doutrinas podiam atravessar as fronteiras e, o que era pior, que seus exércitos podiam fazer explodir os sistemas políticos de um continente. Sabia-se agora que a revolução social era possível, que as nações existiam independentemente dos Estados, os povos independentemente de seus governantes, e até mesmo que os pobres existiam independentemente das classes governantes." (HOBSBAWM, 1982, p. 109) O declínio começa em 1812, com o fracasso da campanha da Rússia, que estimula uma onda de resistências ao domínio napoleônico em todas as regiões ocupadas entre 1813 e 1814: aliança entre Rússia, Prússia e Áustria consegue derrubar sistema napoleônico nas regiões da Alemanha, Holanda e norte da Itália. Portugal e Espanha, invadidos em 1808, mantiveram resistência constante à ocupação francesa com apoio inglês. A partir de 1812, ofensivas hispano-inglesas conseguem liberar progressivamente o território ibérico, com a expulsão definitiva dos franceses em meados de 1813. Em 31 de março de 1814 os aliados (Rússia, Prússia e Áustria) entram em Paris, Napoleão é deposto e preso na ilha de Elba.