FORMAÇÃO, CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL DOS JOVENS: EM QUESTÃO AS POLÍTICAS SOCIAIS PARA A JUVENTUDE Gabriela de Conto Bett1 Maria Isabel Formoso Cardoso da Silva Batista2 A história das políticas sociais para a juventude no Brasil é recente, e vem acompanhada de variadas concepções de juventude, determinadas por questões macroestruturais da sociedade, que delineiam as propostas de intervenção por meio das políticas e programas sociais. Freqüentemente, vê-se, nos projetos de tais políticas e programas, termos como “cidadania”, “participação social/cidadã da juventude”, “protagonismo juvenil”, os quais expressariam as ações realizadas pelos, e para os, jovens. Além disso, esses termos geralmente estão associados a outros, como “autonomia” e “emancipação”. Mas do que está se falando, efetivamente? Qual o caráter que assumem cidadania e participação social? O que se entende por autonomia e emancipação? Estes termos/concepções realmente refletem a materialidade efetivada pelas políticas para a juventude? É com base nestes questionamentos que se desenvolve este texto, que visa problematizar a cidadania e a participação social da juventude no âmbito das políticas sociais. Para tanto, parte-se de uma compreensão sócio-histórica e dialética sobre a formação da juventude contemporânea, buscando subsídios para se pensar os limites da cidadania e da participação social dos jovens nas políticas e programas sociais, tendo-se em vista uma compreensão ampliada de juventude e de formação do indivíduo, e a consciência sócio-política como base para a autonomia, para a emancipação, para a cidadania e para a participação social. Inicialmente, portanto, faz-se uma reflexão sobre a construção das políticas sociais para a juventude no país, observando-se as propostas de cidadania e participação social. No segundo momento, se estabelece uma reflexão sobre a formação da juventude 1 Psicóloga. Especialista em Gestão de Políticas para a Infância e Juventude pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. (45) 9901 7774. [email protected] 2 Professora Adjunta do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus de Toledo. (45) 8821-6621. [email protected] contemporânea, visando-se destacar os limites da formação e da participação social, colocados pela própria lógica das políticas sociais. O reconhecimento e a crítica a esses limites fazem-se necessários para que se possa pensar nas possibilidades concretas de formação do jovem contemporâneo, que deve ter como fundamento a formação da consciência sócio-política e, como fim, a autonomia e a emancipação social. O que norteia esta discussão é a crítica de Netto (2003) sobre o “pauperismo” de grande parte das avaliações de políticas sociais, programas e projetos, devido ao fato de tais avaliações, de modo geral, não transcenderem os marcos conceituais que “emolduram” os programas e seus objetivos. Nas palavras do autor ...na atualidade, não há um só (perdoem-me o exagero da caricatura, mas ela é útil para destacar aspectos da realidade) programa social que não se disponha a “resgatar a auto-estima” do seu público-alvo, que não situe como valor social elementar a “solidariedade” e que não tenha como escopo ampliar a “cidadania”. O caráter de quase total vacuidade desses “valores”, sempre tomados abstratamente, que configura, no limite, mais que uma retórica inocente – esse caráter não é objeto de problematização na generalidade das avaliações que acompanham projetos/programas que os reivindicam. Em resumo, considero que o pauperismo de que dá provas a maioria esmagadora das avaliações de projetos e programas deve-se ao fato de que elas se processam entre políticas sociais e política macroeconômica e não questionam a lógica sócio-política a partir da qual se formulou o projeto ou o programa que é objeto da avaliação (NETTO, 2003: 20, grifos do autor). Neste sentido, mediante as atuais “propostas” na área da juventude, questionamse as reais possibilidades de cidadania, de participação social e de “formação” dos jovens, a partir das ações que vem sendo realizadas. Parte-se de uma perspectiva segundo a qual se entende que a existência social dos indivíduos determina a produção de suas consciências. Desse modo, busca-se compreender, portanto, como as condições materiais de existência dos jovens, em seu contexto cultural, social e político, se entrelaçam em sua formação. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS POLÍTICAS SOCIAIS PARA A JUVENTUDE NO BRASIL As políticas sociais para a juventude no Brasil têm histórico recente, sendo que, apenas há pouco tempo, e de forma lenta, os jovens tornaram-se “alvo” diferenciado das crianças na formulação de políticas sociais (ABRAMO, 1997: 26). E dois fatores tem se mostrado centrais no âmbito das políticas para a juventude no Brasil. O primeiro referese à idéia de pontualidade, ou seja, as ações no âmbito da juventude têm sido cada vez mais fragmentadas, com projetos e programas que tem prazos curtos de duração, e que, de forma contraditória, reduzem a praticamente “zero” as chances dos resultados a que se propõem. O segundo está mais ligado ao caráter destas ações, à ideologia que as rege, conforme exposto a seguir3. Sposito & Carrano (2003), realizam uma revisão histórica das políticas para a juventude no Brasil, desde a década de 1990, e denunciam que, em sua trajetória recente, aquelas tenderam a permanecer muito mais como “estado de coisas”4, do que efetivamente como problemas que demandam respostas do Estado. As políticas de juventude na América Latina foram determinadas por “problemas de exclusão dos jovens”, a partir do que buscou-se como facilitar sua integração no mundo adulto, através, por exemplo, da “produção de renda”, como veículo e concretização da cidadania plena” (ABAD, 2008: 21). Isto reflete também um processo perpassado por diferentes concepções e orientações, sobre a “condição juvenil”, que operam diferentes definições e prioridades no interior do aparelho estatal: modelos participativos e democráticos; cidadania tutelada; ou apenas como forma de assistência e controle do 3 Não se trata de fatores dissociados, já que a política social expressa as relações sociais do mundo da produção, havendo o predomínio da política econômica sobre a social. Assim, “a prioridade ficara toda com a política econômica e o restante, principalmente no Brasil, torna-se resto mesmo” (VIEIRA, 1992: 23). Além disso, de acordo com o ideário liberal, a intervenção do Estado na sociedade deve ser mínima – “estado mínimo”, de modo que a defesa do “social”, caberia à própria sociedade (o que é contraditório, levando-se em consideração o sistema capitalista que, cada vez mais, gera desigualdades). Outro fator importante é que “o foco das políticas sociais recai sempre sobre uma expressão ou expressões da chamada “questão social” (NETTO, 2003: 15-16). O que delineia seus limites, já que atua sobre conseqüências, e não sobre causas. E, neste sentido, pode-se compreender o porquê de as ações no âmbito do social serem tão pontuais. 4 Termo utilizado com base em Rua (1998 apud Sposito & Carrano, 2003) que propõe que as políticas públicas sejam entendidas como um “conjunto de decisões e ações destinadas à resolução de problemas políticos” (idem, p. 17) Assim, “somente quando alcançam a condição de problemas de natureza política e ocupam a agenda pública, alguns processos de natureza social abandonam o “estado de coisas” (idem, p. 17) Estado sobre a sociedade, sobretudo para os grupos que estão na base da pirâmide social (SPOSITO & CARRANO, 2003:20). De acordo com Filho (2009:119) estar-se-ia construindo no Brasil um senso de que os jovens de classes populares, de baixa escolaridade e sem qualificação profissional, seriam fortes candidatos à delinqüência. Disso decorre o modelo mais corrente nas políticas sociais, que trata da juventude como “problema social” (ABRAMO, 1997: 29; SPOSITO, 2008: 62), expresso na criação de programas esportivos, culturais e de trabalho orientados para o controle social do tempo livre dos jovens, especialmente aqueles, moradores dos bairros periféricos das grandes cidades brasileiras. Neste emaranhado de concepções sobre juventude, eclode uma série de programas e projetos que tem como slogan o “protagonismo juvenil”, termo que designa a colaboração e a participação do jovem em seu processo educativo, contribuindo assim para a solução dos problemas sociais, ao invés de apenas “sofrê-los ou ignorá-los” (ABRAMO, 1997:28). A idéia de “protagonismo juvenil” estaria diretamente vinculada a preceitos de cidadania e participação social. Contudo, Castro (2002 apud Sposito, 2008), reflete sobre o fato de que o termo “protagonismo” tem sido utilizado de forma pouco crítica, e afirma: Sob o meu ponto de vista, muitas vezes o protagonismo não espelha, de fato, uma relação com os sujeitos jovens pautada na idéia de sua autonomia e capacidade de participação. Parece tratar-se mais de uma metodologia de ação com o trabalho dos jovens do que um princípio ético-político que pressupõe o reconhecimento dos jovens como atores coletivos relevantes e, por isso mesmo, com direito à autonomia (idem, p. 65). As temáticas da cidadania e da participação social da juventude, surgem como questões primordiais para a formulação da Política Nacional da Juventude. No ano de 2005, é criada a Secretaria Nacional de Juventude, com o objetivo de traçar diretrizes para a Política Nacional da Juventude. Essa secretaria produziu um relatório que apontava os principais desafios da referida política, os quais abrangiam, entre outras coisas, a garantia ao acesso e à permanência nas escolas; geração de trabalho e renda; preparação do jovem para o mercado de trabalho; acesso ao esporte, ao lazer, à cultura, e à tecnologia de informação; e o estímulo à cidadania e à participação social (RODRIGUES, 2010: 20; ANDRADE, 2010). Todavia, há que se questionar a validade desses preceitos. Como apontado por Sposito & Carrano (2003), ao referirem-se a projetos e programas pautados na cidadania, tais noções são evidentes em muitos documentos oficiais, sem, contudo, se mostrarem presentes nos “desenhos e conteúdos teórico-metodológicos que guiam a implementação das ações” (idem, p. 31). Diante do exposto, torna-se necessária, como ponto de partida, uma análise de dos conceitos de cidadania e de participação social e de como estes se constituem historicamente em nossa sociedade. Além disso, para a compreensão dos limites e das possibilidades desses, no que tange à juventude, não se pode deixar de refletir sobre a formação dos jovens na contemporaneidade. Isto porque, tem-se como princípio que para que se possa realmente falar em cidadania e participação social, é necessária a formação da consciência sócio-política. CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL DA JUVENTUDE: LIMITES E POSSIBILIDADES A participação social é uma concepção diretamente ligada à cidadania, expressando, historicamente, uma relação dialética, segundo a qual a cidadania somente pode ser garantida mediante a participação, ao mesmo tempo em que, muitas vezes, a participação só é garantida a determinados “cidadãos”. Neste sentido, a relação cidadania/participação traduz (nem sempre de forma clara), o contexto político, econômico, social e cultural, que delineiam as contradições que marcam o “ser cidadão” e a “participação social”5. Com o fim da ditadura militar e com a promulgação da Constituição Federal de 1988, cidadania e participação tornaram-se palavras de ordem, em um movimento que visava o controle do Estado, no sentido de fiscalizá-lo, “pois o Estado precisava ser vigiado, contido, corrigido em suas práticas habituais” (CARVALHO, 1995 apud SOUZA, 2009: 176). Com isso, o chamamento à cidadania e à participação tornou-se recorrente nos discursos de diversos setores da sociedade. Como diz Carvalho (2008), a cidadania “literalmente, caiu na boca do povo” (CARVALHO, 2008: 7). 5 É importante frisar que há vários termos diferentes (participação popular, participação social, participação política, participação cidadã), os quais tem sido alvo de estudos, principalmente, no campo das Ciências Sociais e do Serviço Social, e que, muitas vezes, têm sido utilizados de maneira indiscriminada e acrítica, principalmente no âmbito das políticas sociais. No que tange às políticas sociais, especificamente, em relação à “participação social”, tem-se como pano de fundo o processo de democratização do Estado (final da década de 1970 e início da década de 1980), e essa passa a ser entendida como “participação nas decisões”, tratando da diversidade de projetos e interesses sociais e políticos (SOUZA, 2009). Aqui, o objetivo é a “universalização dos direitos sociais, a ampliação do conceito de cidadania e a interferência da sociedade no aparelho estatal” (SOUZA, 2009: 175), sendo que, na prática, a referida participação se daria, principalmente, por meio dos conselhos de direitos e associações. Isso coincide com as formas tradicionais de participação, que se dão através de canais institucionais, referindo-se a processos decisórios, dos quais faz parte a sociedade civil, como nas eleições, por meio do voto, ou em associações, sindicatos, e conselhos, e também, por meio de movimentos que incidem mais diretamente na esfera política, como o movimento dos trabalhadores sem terra – MST, por exemplo. Contudo, outras formas de participação social vêm sendo defendidas, pois se considera que a formalidade institucional acaba por delinear uma concepção excludente, já que as camadas populares, excluídas do acesso a bens e serviços, teriam menores níveis de participação, caso fossem medidos pelos canais formais (LIMA, 1983). Assim, novas formas de organização tem sido consideradas, sobretudo pelo fato de que, a participação pelos canais formais, no âmbito das políticas sociais, “na maioria das vezes prescreve um tipo de participação „ilusória‟ que funciona muito mais como um substituto de reformas e como uma legitimação da ação do Estado do que como uma participação que responda aos objetivos sociais da população” (LIMA, 1983: 52). Desta forma, a autora defende que “relações informais, de uma ação muitas vezes não organizada, marcam o sistema com sua ação, não de forma essencialmente ativa, crítica ou política, mas de forma difusa e diversificada, através de atos cotidianos, que explicam as relações entre os grupos sociais e desses com o sistema” (LIMA, 1983: 148). A autora cita como exemplo a participação da população em reuniões socioeducativas de serviços assistenciais, e afirma que, mesmo sendo obrigatórias, caracterizam participação social: “somente o fato de se reunir com pessoas em situação semelhante, conhecer e conversar com essas pessoas é um elemento importante, que em si já é uma forma de participar” (idem, p.148). Diante do exposto, cabe agora delimitar qual o entendimento sobre “participação social” defendido neste texto. A concepção adotada aqui não condiz com a rigidez da formalidade institucional, mas também, não condiz com a idéia adotada por Lima (1983), no momento em que concebe a participação social a partir de relações sociais, desorganizadas e acríticas. Ao contrário da autora, aqui se tem como princípio fundamental ações refletidas, que visem o interesse da coletividade, a partir da tomada de consciência sobre a realidade social6 - o que dá sentido à ação. Caso contrário, também estaria se falando em “participação ilusória”, pois, considerar “qualquer ação” como “participação” corre-se grande risco de consistir em retórica, reforçando o caráter falacioso de muitas políticas sociais. Destarte, considerando-se a construção da cidadania e da participação social no país e do caráter ideológico, muitas vezes imbricado nesses termos; ainda, considerando-se que, na contramão dessa ideologia, torna-se imprescindível a consciência sócio-política, questiona-se: quais os limites e possibilidades dos jovens, no sentido de serem “cidadãos participativos”? Em busca de respostas a este questionamento, propõe-se, a seguir, uma discussão sobre a formação da juventude contemporânea. FORMAÇÃO DA JUVENTUDE CONTEMPORÂNEA E A RELAÇÃO DIALÉTICA COM AS FORMAS DE CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL A “formação” (ou deformação?) do indivíduo/jovem contemporâneo será abordada aqui, a partir da Teoria Crítica da Sociedade, que demonstra, historicamente, como transformações econômicas, políticas, sociais e culturais, incidiram diretamente sobre os processos psíquicos, tendo como conseqüência indivíduos adequados aos interesses hegemônicos do capital, em grande parte acríticos, despolitizados e regredidos em suas consciências, atendendo de modo irrefletido e imediato os apelos ideológicos e ao mercado de consumo. Diante deste processo social regressivo em curso, que limita a formação da juventude, busca-se apontar para a conscientização sócio-política como 6 Neste sentido, é importante pontuar que, concorda-se com Lima (1983) no que diz respeito à negatividade das formalidades institucionais, porém, discorda-se da autora no momento em que ela defende práticas que não necessariamente sejam críticas ou políticas, pois defende-se aqui que ações que não se dão de forma reflexiva, não podem ser consideradas como “participação social”. uma das ferramentas que possibilitariam aos jovens serem indivíduos autônomos. Consciência essa que se relaciona dialeticamente com os determinantes macroestruturais da sociedade, formação, cidadania e participação social. Com o termo “indústria cultural”, Horkheimer & Adorno (1985), realizam uma crítica à mercantilização7 da cultura, em que são produzidas novas “necessidades”, que atendem aos interesses do capital. Assim, estabelecem-se padrões que são aceitos “sem resistência”, devido à ideologia internalizada pelos sujeitos, de modo que esses acreditam terem essas necessidades surgidas a partir de si mesmo. Desta forma, reiterando o “poder absoluto do capital”, a ideologia destina-se a “legitimar o lixo que propositalmente produzem (...) o que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade” (HORKHEIMER & ADORNO, 1985: 114). A partir disso, compreender a funcionalidade da ideologia, e os resultados de sua “internalização” no psiquismo8, é ponto central para a compreensão dos limites e possibilidades dos sujeitos, no sentido de aderirem (integração), ou resistirem ao sistema; serem seres autônomos, ou não. E, com isso, podem-se pensar as diferentes formas de cidadania e de participação social, no sentido de que, tanto podem consistir em formas de resistência, como podem refletir a reprodução da ideologia dominante. Marcuse (1979), fala sobre a “sociedade unidimensional”, caracterizada pela “abundância, e por uma racionalidade dominadora”, onde o progresso tecnológico e os meios de comunicação produzem e direcionam desejos e necessidades dos homens, de modo a paralisar sua consciência crítica; devido à paralisia, essa é “levada a recuar para um alto nível de abstração” (MARCUSE, 1979: 16). O autor afirma: “independência de pensamento, autonomia e direito à oposição política estão perdendo sua função crítica básica numa sociedade que parece cada vez mais capaz de atender às necessidades dos indivíduos através da forma pela qual é organizada” (idem, p. 24). 7 Essa crítica contrapõe-se à “ilusão, amplamente disseminada pela sociologia de esquerda e de direita, de que os novos tempos seriam marcados pela ascensão democrática das massas ao reino da produção artística e cultural” (ALMEIDA, 2003:155). 8 Os teóricos de Frankfurt (Herbert Marcuse, T.W. Adorno e Max Horkheimer), baseados nas teorias de Marx e Freud, falam sobre o processo de subjetivação dos indivíduos na sociedade contemporânea, explicitando “como” ocorre a internalização da ideologia, que resulta na “regressão das consciências”, e a fácil adesão às tendências totalitárias do capitalismo tardio. Tendo em vista os limites deste trabalho, estes processos não serão abordados, podendo ser encontrados nos principais escritos desses autores: “Dialética do Esclarecimento” (Horkheimer & Adorno) e “Eros e civilização” (Marcuse) . Esta postura acrítica, em que a irracionalidade do sistema é admitida de forma imediata pelos indivíduos que, sem questioná-la, passam a reproduzí-la, é o que se denomina “pseudoformação” do indivíduo, caracterizada pela “regressão da consciência” (HORKHEIMER & ADORNO, 1985; SEVERIANO, 2001). E este homem, “essencialmente conformista e despolitizado‟, acredita que luta pelo „bem comum‟ quando na realidade atende a interesses políticos e econômicos de grupos particulares” (MARCUSE, 1982 apud SEVERIANO, 2001:31). Neste sentido, questiona-se o crescente número de projetos que defendem a “coletividade” como forma de resistência. A exemplo disso cita-se, aqui, dois programas recentes, um de nível nacional, e outro regional: o “Projovem Adolescente – Serviço Socioeducativo” e o “Programa Atitude”9. Ambos têm como norte, a compreensão de que os grupos de jovens serviriam como possibilidades de “desenvolvimento humano”, “inserção social”, “participação cidadã”, “emancipação”, “autonomia”, de forma a “enfrentar” a “vulnerabilidade social”, a “desigualdade” e a “violência”. O primeiro (Projovem Adolescente), defende que os “coletivos juvenis”, expressariam a identidade atual dos jovens, que “articulam-se preferencialmente em redes de „socialidades‟, buscando formas mais autônomas e, por vezes autogestionárias, de „estar juntos” (BRASIL, 2009: 17), de modo a promover a participação social. Na mesma linha de raciocínio, o segundo (Programa Atitude), defende que o jovem que se sente pertencente a um grupo, ou a uma rede durável de relações, com valores como cooperativismo, solidariedade e respeito mútuo, através das atividades com esse grupo, seria reconhecido socialmente pela contribuição e melhoria em sua comunidade 9 Optou-se por estes dois programas, pois, dentre os diversos programas voltados para a juventude, esses encerram objetivos no sentido da “participação social” da juventude. O Projovem Adolescente, voltado para os jovens de famílias beneficiárias do “Bolsa Família”, é uma das quatro modalidades do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem, criado em 2005, sendo esse o “carro chefe” da Política Nacional de Juventude no Brasil. O Programa Atitude, foi desenvolvido de março de 2009 a março de 2011 no Estado do Paraná, sob a coordenação da Secretaria de Estado da Criança e da Juventude – SECJ/PR. O objetivo maior do programa era a “superação das violências” sofridas e cometidas entre crianças e jovens. Uma das estratégias do programa com os jovens foi o pagamento de um auxílio financeiro – Bolsa-Atitude, no valor de R$100,00, como forma de “estímulo” à participação social, já que os jovens que recebessem o auxílio teriam que realizar 10h semanais de trabalhos comunitários. Com a mudança de governo no início deste ano, a referida Secretaria fora extinta, sendo englobada pela atual Secretaria de Estado da Família e do Desenvolvimento Social – PR. Maiores informações no sítio http://www.familia.pr.gov.br/ (participação social), tendendo a se desvincular de formas de expressão como a violência, havendo a “superação do comportamento anti-social” (PARANÁ, 2007: 13). Assim, o grupo se constituiria como espaço de sociabilidade, fortalecimento individual, e oposição aos padrões sociais. Esta concepção tem ganhado espaço, principalmente em trabalhos sobre a “participação social da juventude”. A exemplo disso, Carrano (2006:4), defende os grupos de jovens como espaços que permitem a prática da autonomia de pensamento e ação, onde seus participantes criam suas próprias regras e deliberam sobre processos decisórios dentro do próprio grupo. Contudo, de acordo com Batista (2008), estas linhas que defendem as formações grupais contemporâneas como as possibilidades mais eficazes de fortalecimento e sobrevivência dos indivíduos, acabam por consistirem em “profecias auto-realizadoras”, na medida em que ignoram a existência das contradições sociais e individuais enraizadas na formação dos grupos e movimentos sociais, “e que produzem contradições específicas em seu interior” (idem, p. 76). Sem desconsiderar a importância dos grupos para a formação do indivíduo, a autora defende que, por ser determinado socialmente, a função mediadora que o grupo exerce entre o indivíduo e a sociedade, também é submetida às demandas societárias, e contemporaneamente tende “mais a uma função de adaptação do indivíduo à totalidade, do que propriamente de mediação entre ambos” (idem, p. 76). Ora, diante disso, questionam-se as reais possibilidades de se promover “cidadania e participação social”, pois, sem se considerar estes “limites” da formação dos jovens, não há como se pensar em “reais” possibilidades. E é a partir disso que se defende como um norte nas políticas e programas para a juventude, dois pontos principais: o primeiro refere-se a uma compreensão ampliada da juventude, levando-se em consideração os determinantes macroestruturais da sociedade; e, a partir desse, dialeticamente relacionado, estaria o segundo, que refere-se a ações educativas que visem, sobretudo, a formação da consciência sócio-política dos jovens (ao contrário, por exemplo, da participação irrefletida em reuniões socioeducativas, como citado anteriormente). Como proposto por Adorno (1995), a educação deve servir como um meio que permita a emergência de uma consciência sobre as contradições sociais e a ideologia dominante, tendo como conseqüência a emancipação dos indivíduos, no sentido de seres autônomos. Ainda, assim, deve-se considerar que a educação para a emancipação não é uma “fórmula mágica”, pois, mesmo que esclarecido e criticamente consciente, há, ainda, a possibilidade de o sujeito permanecer “teleguiado de uma determinada maneira em seu comportamento, não sendo, em sua aparente emancipação, autônomo no sentido que se imaginava... até mesmo esse homem emancipado permanece arriscado... a não ser emancipado”. (ADORNO, 1995:184-185) CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao se observar a emergência das políticas para a juventude, e as propostas que trazem consigo os programas e projetos, vê-se que há uma concepção limitada de juventude (de formação da juventude/indivíduo), assim como de preceitos como cidadania e participação social. Em grande parte, são termos que parecem tentar, apenas, legitimar as ações governamentais, de modo que conceitos tão complexos acabam sendo reduzidos a explicações simplistas da realidade. Cidadania e participação, são tidas como ações que, no fundo, expressam muito mais metodologias de ações, do que princípios ético-políticos (como bem afirmou Castro (2002 apud Sposito, 2008). Ainda, participação social, autonomia e emancipação seriam resultados diretos dos “agrupamento de jovens”, “coletivos juvenis”, sem que se pense, efetivamente, nos limites e possibilidades de tais coletivos, os quais tanto podem consistir em formas de resistência, como podem servir como mediadores da reprodução de uma ideologia que, pelo contrário, quando internalizada, só tem como conseqüência a “não-autonomia”, a pseudoformação. Diante disso, este texto buscou problematizar os limites e as possibilidades da cidadania e da participação social em projetos e programas no âmbito das políticas sociais para a juventude, questionando, principalmente, as possibilidades de se desenvolver em tais ações, a autonomia e emancipação dos jovens, no sentido de uma consciência sócio-política, que é o que se considera como fundamental para que haja cidadania e participação de fato. Nesse caso, portanto, o conceito de cidadania e participação se desviaria das limitações de “usufruto de direitos”, e se voltaria à “formação” dos sujeitos, como sua essência. Tendo ciência dos limites da “emancipação”, considera-se como ferramenta fundamental das políticas para a juventude, ações que estimulem a reflexão crítica, a consciência social, e também política, para que efetivamente se possa falar em cidadania e participação. Do contrário, atividades que hoje têm sido elencadas como de participação social, ou práticas cidadãs, acabam por revelar ações que se tornam fins em si mesmas, e que, pelo seu caráter irrefletido, apenas reproduzem as relações e a ideologia do sistema. REFERÊNCIAS ABAD, Miguel. Crítica política das políticas de juventude. In. FREITAS, Maria Virgínia; PAPA, Fernanda de Carvalho (orgs). Políticas públicas: juventude em pauta. 2.ed. São Paulo: Cortez: Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação: Fundação Friedrich Ebert, 2008. ABRAMO, H.W. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. n. 5 e 6, p. 25-36, mai.-dez. 1997. Disponível em http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/rbde05_6/rbde05_6_05_helena_wendel_abramo. pdf ADORNO, T.W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ALMEIDA, J.M.B. “A atualidade do conceito de indústria cultural”. In. Marxismo e Ciências Humanas. São Paulo: Xamã, 2003. ANDRADE, C.C. 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