VETERINÁRIA EM FOCO Revista de Medicina Veterinária Vol. 5 - No 2 - Jan./Jun. 2008 ISSN 1679-5237 Presidente Delmar Stahnke Vice-Presidente Emir Schneider Reitor Ruben Eugen Becker Vice-Reitor Leandro Eugênio Becker Pró-Reitor de Administração Pedro Menegat Pró-Reitor de Graduação da Unidade Canoas Nestor Luiz João Beck Pró-Reitor de Graduação das Unidades Externas Osmar Rufatto Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Edmundo Kanan Marques Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional e Comunitário Jairo Jorge da Silva Pró-Reitora de Ensino a Distância Sirlei Dias Gomes Capelão Geral Gerhard Grasel Ouvidor Geral Eurilda Dias Roman VETERINÁRIA EM FOCO Disponível eletronicamente no site www.ulbra.br/veterinaria/rfoco.htm Indexadores AGROBASE - Base de Dados da Pesquisa Agropecuária (BDPA), CAB Abstracts, LATINDEX Comissão Editorial Prof. Ms. Carlos Santos Gottschall Profa. Dra. Norma Centeno Rodrigues Prof. Dr. Sérgio José de Oliveira Conselho Editorial Prof. Dr. Adil K. Vaz (Univ. Estadual de Lages) Prof. Dr. Angelo Berchieri Jr. (UNSSP- Jaboticabal) Prof. Dr. Antonio Bento Mancio (UFMG) Prof. Dr. Carlos Tadeu Pippi Salle (UFRGS) Prof. Dr. Emerson Contesini (UFRGS) Prof. Dr. Francisco Gil Cano (Univ. Murcia/ Espanha) Prof. Dr. Franklin Riet-Correa (UFPEL) Prof. Dr. Joaquim José Ceron (Univ. Murcia/Espanha) Prof. Dr. Julio Otávio Jardim Barcellos (UFRGS) Prof. Dr. Luiz Alberto Oliveira Ribeiro (UFRGS) Prof. Dr. Luiz Cesar Fallavena (ULBRA) Profa. MSC Maria Helena Amaral (CRMV/RS) Prof. Paulo Ricardo Centeno Rodrigues (ULBRA) Dra. Sandra Borowski (FEPAGRO) Prof. Dr. Victor Cubillo (Univ. Austral do Chile) Prof. Dr. Waldyr Stumpf Junior (EMBRAPA) Secretaria do Curso de Medicina Veterinária ULBRA - Av. Farroupilha, 8001 - Canoas - Prédio 14 - Sala 125 CEP: 92425-900 - Fone/fax: 3477.9284 E-mail: [email protected] Carlos Gottschall: [email protected] Sergio Oliveira: [email protected] Editora da ULBRA Diretor - Valter Kuchenbecker Coordenador de periódicos - Roger Kessler Gomes Capa - Everaldo Manica Ficanha Editoração - Roseli Menzen Endereço para permuta Universidade Luterana do Brasil Biblioteca Central - Setor Aquisição Av. Farroupilha, 8001 - Prédio 05 CEP: 92425-900 - Canoas/RS, Brasil E-mail: [email protected] Solicita-se permuta We request exchange On demande l'échange Wir erbitten Austausch Matérias assinadas são de responsabilidade dos autores. Direitos autorais reservados. Citação parcial permitida com referência à fonte. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP V586 Veterinária em foco / Universidade Luterana do Brasil. – Vol. 1, n. 1 (maio/out. 2003). – Canoas : Ed. ULBRA, 2003- . v. ; 27 cm. Semestral. ISSN 1679-5237 1. Medicina veterinária – periódicos. I. Universidade Luterana do Brasil. CDU 619(05) Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero Sumário 83 Editorial 84 Artigos científicos Diversidade genética de doadoras de embriões das raças Nelore e Aberdeen Angus Paulo Ricardo Loss Aguiar, Juliano Coelho Silveira, Werner Giehl Glanzner, José Carlos Ferrugem Moraes, Tania de Azevedo Weimer 93 Análise econômica da terminação de novilhos aos 24 ou 36 meses em pastagem de azevém (Lolium multiflorum) com ou sem suplementação alimentar Carlos Santos Gottschall, Pedro Rocha Marques, Leonardo Canali Canellas, Hélio Radke Bittencourt 102 Análise do sistema de comercialização e do abate de bovinos no estado do Rio Grande do Sul: um estudo de caso Luciana F. Christofari, Yara B. P. Suñé, Júlio O. J. Barcellos, Ênio R. Prates, Ricardo P. Oiagen 121 Avaliação de parâmetros do perfil metabólico e do leite em diferentes categorias de vacas leiteiras da raça Jersey em rebanhos do Sul do Rio Grande do Sul Talita B. Roos, Lúcio Vendramin, Elizabeth Schwengler, Maikel Alan Goulart, Pedro S. Quevedo, Viviane M. Silva, Paola M. Lima Verde, Francisco Augusto B. Del Pino, Cláudio D. Timm, Carlos Gil-Turnes, Marcio N. Corrêa 131 Urolitíase em novilho nelore não-castrado Paulo César Amaral Ribeiro, Cícero Araújo Pitombo, Luiz Fernando Oliveira Caetano, André Gomes Lima, Vagner Sarmento Arêas, Lhilton Vargas Júnior 137 Urolitíase em eqüino Renato S. Pulz, Camila Silva, Luis A. Scott, Cíntia Simões, Heloísa Santini, Flávia Facin 143 Pneumonia por Rhodococcus equi Tamarini Rodrigues Arlas, Marília Corrêa Borba, Cláudia Sant’Anna, Paulo Ricardo Loss Aguiar, Eduardo Malschizky, Rodrigo Costa Mattos 154 Fármacos injetáveis para a anestesia total intravenosa em cães – revisão de literatura Anelise Bonilla Trindade, Luciana Dambrósio Guimarães, Emerson Antonio Contesini, Cristiano Gomes, Paula Cristina Basso Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 81 173 Opióides de curta ação em infusão contínua no transoperatório de cães e gatos: revisão bibliográfica Giordano Cabral Gianotti, Wanessa Krüger Beheregaray, Emerson Antonio Contesini 191 Ceratoconjuntivite seca em cães – revisão de literatura João Antonio Tadeu Pigatto, Fabiana Quartiero Pereira, Ana Carolina da Veiga Rodarte de Almeida, Raquel Redaelli, Luciane de Albuquerque 201 Tempo de sobrevida de cães com imagem radiográfica compatível com neoplasia óssea no esqueleto apendicular, sem o uso de quimioterapia Cristiano Gomes, Ruben Lundgren Cavalcanti, Lisiane Foerstnow, Camila Spagnol, Vanessa Bergel Lipp, Kelly Cristine Ferreira, Luciana Oliveira de Oliveira, Raquel Machnacz Kroetz, Emerson Antonio Contesini, Rosemari Teresinha Oliveira 207 Normas editoriais 82 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Editorial A partir do volume anterior (volume 5, n0 1), os leitores constataram mudanças na formatação da revista Veterinária em Foco, estando mais condensada na dimensão de 16 por 23 cm e com maior aproveitamento dos espaços internos, bem como da capa e contracapa. Esta apresentação em tamanho menor não significou diminuição no volume nem no número de artigos, pois está sendo mantida a média de números anteriores, bem como o padrão de impressão. Em nosso entender, a forma e o tamanho dos volumes atuais da revista, ao contrário de influir na qualidade, torna seu manuseio mais prático. Quanto aos artigos, a revista tem um fluxo contínuo de recebimento de trabalhos científicos e dissertações, que estão sendo analisados em boa proporção garantindo a qualidade de edições posteriores. Professores pesquisadores de diferentes Universidades, incluindo-se os do curso de Medicina Veterinária da ULBRA, vêm divulgando temas científicos diversificados e importantes assegurando o processo de evolução da qualidade científica da Veterinária em Foco. Observa-se que atualmente há um “saudável” excesso de artigos para cada número a ser editado, resultado da contribuição crescente de pesquisadores brasileiros, que consideram adequado o patamar até o momento atingido pela revista, facilitando o funcionamento das engrenagens que impulsionam cada vez mais rapidamente nosso órgão de divulgação para níveis ainda mais elevados. Comissão Editorial Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 83 Diversidade genética de doadoras de embriões das raças Nelore e Aberdeen Angus Paulo Ricardo Loss Aguiar Juliano Coelho Silveira Werner Giehl Glanzner José Carlos Ferrugem Moraes Tania de Azevedo Weimer RESUMO Foi analisada a diversidade genética, em doadoras de embrião puras de origem das raças Nelore e Aberdeen Angus, através de marcadores moleculares (6 repetições curtas em tandem e 3 polimorfismos de um nucleotídeo) ligados à reprodução. A variação observada do número de alelos detectados nas raças Nelore e Angus foi de 2 a 8 e 1 a 10, respectivamente. As duas raças não apresentaram freqüências alélicas semelhantes em nenhum dos sistemas estudados e alguns alelos foram observados somente em uma das raças, como para A. Angus BMS3004 129, HEL5 161, e, para Nelore BMS3004 132, 138, HEL5 149 e AFZ 111. Os valores de heterozigose esperada, nos diversos sistemas, em A. Angus variou de 0 a 87%, enquanto que, em Nelore, oscilou entre 0,03 e 0,75, sendo as médias de 56 e 50%, respectivamente. Conclui-se que as práticas seletivas aplicadas a estes rebanhos não afetaram grandemente a variabilidade genética dos mesmos. A diversidade entre rebanhos foi bastante alta, refletindo-se em baixa probabilidade (6x10-9) de encontrar dois indivíduos geneticamente identicos, um de cada rebanho. Palavras-chave: Doadoras de embrião. Diversidade genética. Marcadores moleculares. Genetic diversity of embryos donors of Nellore and Aberdeen Angus breeds ABSTRACT This paper analyzed the genetic diversity of embryos donors from Nellore and Aberdeen Angus pure of origin breeds, through molecular markers (6 short tandem repeats and 3 single nucleotide polymorphisms) linked to reproduction. The variation observed in the number of alleles in Nellore and A. Angus breeds was 2 to 8 and 1 to 10, respectively. No similarity in allele frequencies was observed in both breeds in all investigated systems, and some alleles were exclusive of one of the herds, such as BMS3004 129, HEL5 161, in A. Angus, and BMS3004 Paulo Ricardo Loss Aguiar – Med. Vet. Msc Professor Adjunto do Curso de Medicina Veterinária ULBRA/RS. Juliano Coelho Silveira – Biólogo, Msc Pesquisador. Werner Giehl Glanzner é Bolsista de Iniciação Científica - Laboratório de Biotecnologia do Hospital Veterinário da ULBRA Canoas. José Carlos Ferrugem Moraes – Doutor, Pesquisador da EMBRAPA Pecuária Sul, Bagé/RS. Tania de Azevedo Weimer – Profa. Doutora do Curso de Medicina Veterinária ULBRA, Canoas/RS. Endereço para correspondência: Laboratórios de Fisiopatologia da Reprodução dos Animais Domésticos e de Biotecnologia, do curso de Veterinária da ULBRA Canoas. E-mail: [email protected] p . 82008 5-92 v. 5 v.5, n.2, n.2jan./jun. 8 4Veterinária em Foco Veterinária Canoasem Foco, jan./jun. 2008 132, 138, HEL5 149 e AFZ 111, in Nellore. The expected heterozygosis varied from 0 to 87% in A. Angus, and from 0.03 to 0.75 in Nellore, the average values being of 56 e 50%, respectively. Therefore the selective practices applied to the breeds seem have not affected their genetic variability. The diversity between breeds were very high and resulted in a very low probability (6x10-9) to find two identical animals, one from each breed. Keywords: Embryos donors. Genetic diversity. Molecular markers. INTRODUÇÃO Os principais tipos de bovinos criados em todo o mundo são os zebuínos (Bos primigenius indicus) e os taurinos (Bos primigenius taurus; INTERNATIONAL COMMISSION ON ZOOLOGICAL NOMENCLATURE, 2003), os primeiros de origem indiana e os outros procedentes da Europa, e, devido a sua completa interfertilidade, devem ser considerados como variações geográficas de uma mesma espécie (EPSTEIN, 1971; EPSTEIN; MASON, 1984; PAYNE, 1991; LOFTUS et al., 1994). Segundo a Associação Nacional de Criadores de Zebuínos, a raça Nelore apresenta o maior número de criadores e animais registrados nesta entidade, enquanto que a Associação Nacional de Criadores – Herd Book Collares- indica a raça Aberdeen Angus como a líder em registros, nas de origem Européia. Análises de polimorfismos curtos em tandem e de seqüências do DNA mitocondrial revelaram que os ancestrais dos zebuínos e taurinos divergiram algumas centenas de milhares de anos atrás e, que resultaram de eventos independentes de domesticação (LOFTUS et al., 1994; MACHUGH et al., 1997). Taurinos e zebuínos possuem diferenças morfológicas e fisiológicas que refletem não só as mudanças ambientais onde estes animais se adaptaram, como diferentes seleções genéticas aplicadas ao longo do tempo. Os animais foram submetidos, historicamente, à seleção para a produção de leite e/ou carne, e em seguida, para ausência de aspas, e cor de pelagem, resistência a doenças, docilidade e fertilidade. Na pecuária brasileira, várias técnicas têm sido introduzidas visando aumentar a eficiência da produção de animais puros, na tentativa de atender à grande demanda de seus descendentes, e, principalmente, permitir uma expansão do mercado consumidor, ávido por um produto de melhor qualidade a um menor custo. Entre estas técnicas, destaca-se a transferência de embriões (TE), que tem mostrado não somente ser um instrumento capaz de melhorar a performance produtiva, mas também possuir grande importância no campo de investigação científica. De acordo com Land e Hill (1975) o emprego da Múltipla Ovulação e Transferência de Embriões (MOET) aumenta em quase duas vezes a taxa de ganho genético obtida em comparação com as estratégias de programas de reprodução tradicionais. Abordagens mais específicas que permitam o conhecimento de parâmetros genéticos relativos a características da variabilidade das respostas das vacas doadoras de embriões aos programas de superovulação são uma necessidade inerente à aplicabilidade desta biotécnica. Com o aumento do conhecimento sobre o genoma Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 85 animal e, conseqüentemente, da posição e efeito de locos principais para características quantitativas, tornou-se possível, utilizando-se marcadores moleculares, modificar-se as técnicas tradicionais de seleção, baseadas exclusivamente no aspecto fenotípico (DENTINE, 1999). Para Weimer et al. (2003) e Garcia e Porto-Neto (2006) os marcadores moleculares, além de serem empregados para caracterizarem geneticamente populações, raças, espécies, para estudos de genealogias e controle de paternidade, podem ajudar a eliminar os inconvenientes da seleção baseada em análises exclusivas de fenótipo. As primeiras aplicações de marcadores moleculares na produção animal envolveram a identificação de características condicionadas por um loco principal. Estas, devido ao padrão de herança mais simples, são mais fáceis de detectar, e por isso, já existem muitos exemplos de marcadores empregados para identificar, corretamente, animais portadores de características monogênicas. Davis e DeNise (1998) comentam que os marcadores moleculares podem auxiliar técnicas reprodutivas avançadas como ovulações múltiplas, transferência de embriões, cultura de células primordiais, maturação e fertilização in vitro, pois permitem a identificação de genes específicos introduzidos no rebanho ou raças de interesse. A primeira estratégia para a aplicação de marcadores moleculares na seleção animal é, no entanto, o conhecimento da variabilidade genética dos rebanhos-alvo. Assim, este trabalho avaliou a diversidade genética, em nove marcadores moleculares (seis polimorfismos curtos em tandem, STRs e três polimorfismos de um único nucleotídeo, SNPs), em dois rebanhos bovinos selecionados para a transferência de embriões. MATERIAL E MÉTODOS Foram analisadas 59 doadoras de embrião da raça Aberdeen Angus e 60 da raça Nelore, sendo todos os animais puros de origem e registrados nas suas respectivas associações. Os animais da raça Nelore foram obtidos de uma única central de transferência de embriões, localizada no Estado do Mato Grosso do Sul, incluindo vacas de diferentes origens, enquanto que as amostras de Aberdeen Angus foram oriundas de 5 diferentes propriedades localizadas no Estado do Rio Grande do Sul. Os DNAs foram preparados a partir de células sangüíneas, de amostras recolhidas em tubos contendo anticoagulante à base do sal de sódio ácido Etileno Diamino Tetra Acético (EDTA), congeladas e remetidas ao Laboratório de Biotecnologia da Faculdade de Medicina Veterinária da ULBRA, localizada no município de Canoas/RS, região metropolitana de Porto Alegre. Ao chegar ao laboratório, foram processadas as extrações dos DNAs, utilizando-se a técnica descrita por Miller et al. (1988). Os STRs foram investigados através da amplificação do DNA por PCR, com técnica padrão e “primers” e temperaturas de anelamento específicas (Tabela 1), com um volume final de 25ml e contendo 50ng de DNA. 86 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 TABELA 1 – Marcadores analisados, seqüências dos primers, tamanhos esperados dos produtos de amplificação em pares de bases (pb), temperatura de anelamento (TA) e referências. Marcadores BM4325 ILSTS002 BMS3004 LepSau3A1 IDVGA51 HEL5 AFZ1 FSHR a Seqüência do Primers F- 5’AGA GTC AGA CAG GAC TGA GCG 3’ R- 5’CTG TAA CTT GCA AAT GCA AAT GTC TCG 3’ F- 5’TCT ATA CAC ATG TGC TGT GC 3’ R- 5’CTT AGG GGT GAA GTG ACA CG 3’ F- 5’GGA CAG AGG AGC CTG GTT G 3’ R- 5’AGT TGC GTT GTT CAT CAT TCC 3’ Produtos (pb) 97-117 64-54ºCa 123-137 54ºC 129-138 56ºC F- 5’GTC ACC AGG ATC AAT GAC AT 3’ A/B :400 R- 5’AGC CCA GGA ATG AAG TCC AA 3’ 1/2: 690 F- 5’ATG GCA ATA TTT TGT TCT TTT TC 3’ R- 5’ATT CCT TGA TGG TCT AAT GGT TA 3’ F- 5’GCA GGA TCA CTT GTT AGG GA 3’ R- 5’AGA CGT TAG TGT ACA TTA AC 3’ F- 5’TTG GAC GAC AAA ACT CAC GG 3’ R- 5’GTG GCT GGA CTG GTC TGG TT 3’ F- 5’ CTGCCTCCCTCAAGGTGCCCCTC 3’ R- 5’ AGTTCTTGGCTAAATGTCTTAGGGGG 3’ TA 54ºC Referências KAPPES et al., 1997 STONE et al., 1997 KEMP et al., 1992 STONE et al., 1996 KAPPES et al., 1997 POMP et al., 1997 WILKINS e DAVEY., 1997 175-183 50ºC KAPPES et al., 1997 147-169 58ºC BISHOP et al., 1994 151-129 50ºC JORGENSEN et al., 1996 306 58°C HOUDE et al., 1994 PCR com “touchdown”. Os produtos da amplificação da PCR foram analisados em gel vertical de poliacrilamida não desnaturante (LAHIRI et al., 1997). Os fragmentos foram analisados, após a coloração com nitrato de prata, usando para comparação, o marcador de peso molecular de 25 pb (Promega). Para a análise dos SNPs LepSau3A1 e FSHR, os produtos de amplificação foram clivados com as endonucleases Sau3A1 (Promega) e Alu I (New England), respectivamente, conforme o protocolo dos fabricantes. Os produtos de clivagem foram analisados em gel vertical de poliacrilamida (SAMBROOK; RUSSELL, 2001). As freqüências alélicas e genotípicas foram computadas por contagem direta. A heterozigosidade esperada (H) e a probabilidade de identidade foram estimadas de acordo com Nei (1978) e Van Zeveren et al., 1990. RESULTADOS E DISCUSSÃO As freqüências alélicas dos STRs e SNPs analisados em doadoras de embrião das raças Nelore e Aberdeen Angus, estão apresentadas na Tabela 2. A variação observada, no número de alelos detectados nas raças Nelore e Angus foi de 2 a 10 e 1 a 10, respectivamente. As duas raças não apresentaram freqüências alélicas semelhantes em nenhum dos sistemas estudados e alguns alelos foram observados somente em Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 87 uma das raças, como BMS3004 129, HEL5 161, em A. Angus e BMS3004 132, 138, HEL5 149 e AFZ 111, em Nelore. Na Tabela 2 verifica-se, também, que animais da raça A. Angus, quando comparados com os Nelores, apresentaram uma maior freqüência dos alelos 103 e 105 para o STR BM4325, enquanto, na raça Nelore, houve maior freqüência do alelo 101. Estes foram também os alelos mais prevalentes em rebanhos das raças Aberdeen Angus e Gado Geral, previamente analisados (SILVEIRA, 2007). Para o sistema BMS3004, a amostra de Aberdeen Angus mostrou-se monomórfica, para um alelo distinto dos observados em Nelore, sendo que nesta raça, o alelo 132 foi o mais freqüente. O monomorfismo observado em BM3004, na raça A Angus, havia sido descrito por Silveira (2007), trabalhando com animais puros de origem, da mesma raça, mas de rebanho distinto deste, podendo-se supor uma origem taurina para o mesmo. Esta hipótese pode ser confirmada ao não ser observado este alelo nos 60 animais da raça Nelore estudados, nos quais foram constatados, apenas os alelos BMS3004 132 e 138. Adicionalmente, Steigleder et al. (2004), Silveira (2007) e Weimer et al. (2007) encontraram, em rebanhos de origem taurina, freqüências de 0,59, 0,66 e 0,64 respectivamente, para este alelo, sendo este último valor similar ao que seria esperado em animais com um componente 5/8 Aberdeen Angus (Brangus-Ibagé) admitindo-se que a população A. Angus que originou a raça fosse também monomórfica para tal alelo. No marcador molecular ILSTS002 foi observado que os alelos 133 e 135 foram os mais incidentes para a raça Aberdeen Angus, enquanto, para a raça Nelore as maiores freqüências ficaram com os alelos 137 e 135. As freqüências mais observadas nas vacas Brangus-Ibagé e Gado Geral foram para os alelos 133, 135 e 135, 137, respectivamente, (WEIMER et al., 2007; SILVEIRA, 2007) e na raça A. Angus, para o alelo 135 (SILVEIRA, 2007). Os valores dos alelos 133, 135 e 137 observados por Weimer et al. (2007), para o rebanho Brangus-Ibagé, manteve a proporcionalidade referente à participação de cada subespécie na formação da raça híbrida. As freqüências alélicas do sistema IDVGA51 indicam que, para a raça Aberdeen Angus, o alelo 175 foi altamente incidente seguido pelo 183; já em Nelore, este marcador comportou-se de forma adversa, sendo constatado que o alelo 177 foi o mais freqüente, seguido de 175 e 181. Em pesquisas anteriores o alelo 175 tem sido observado como o mais freqüente, na maioria das populações (ALMEIDA et al., 2003, 2007; STEIGLEDER et al., 2004, SILVEIRA; 2007). Problemas na amplificação de algumas amostras da raça Nelore, para o marcador HEL5, provocaram uma variação no número de indivíduos analisados neste sistema, sendo o total estudado foi de 52 doadoras. A Tabela 2 mostra, na raça Aberdeen Angus, uma freqüência maior para os alelos 165, 153 e 167 e, na Nelore, houve uma alta freqüência do alelo 151 seguido do 153. Silveira (2007) descreve os alelos 151 e 165 como os mais freqüentes, em A. Angus, enquanto 88 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Oliveira et al (2005) verificaram valores mais altos para 163 e 165, em um rebanho Brangus-Ibagé. Os valores observados para as freqüências alélicas no marcador AFZ-1, nas vacas Aberdeen Angus, foram maiores para o alelo 123, seguido de 117 e 125. Na raça Nelore, o destaque deu-se para o alelo 121, sendo que os alelos 113 e 123 também foram freqüentes, embora com um menor percentual. Estes alelos também apresentaram altas freqüências em outros rebanhos bovinos previamente investigados (OLIVEIRA et al. 2005; SILVEIRA, 2007). No marcador FSHR, para a raça Aberdeen Angus ocorreu uma homogeneidade para os alelos C e G, enquanto na raça Nelore, o alelo G foi superior em freqüência em relação ao alelo C. Freqüências mais elevadas do alelo G foram também relatadas por Marson et al. (2004) em animais híbridos taurinos/zebuínos. Nos sistemas LEPSau3A1(A/B) e LEPSau3A1(1/2), os alelos A e 1 foram os mais freqüentes, em ambas as raças, similar ao previamente observado em animais das raças Aberdeen Angus, Brangus-Ibagé e Gado Geral (ALMEIDA et al. 2003, 2007; SILVEIRA, 2007). Variações nas freqüências alélicas entre raças e, principalmente, entre rebanhos de uma mesma raça refletem, provavelmente, diferenças nas estruturas de cruzamentos utilizadas, no manejo aplicado aos vários plantéis e/ou nas práticas seletivas, que em geral visam objetivos distintos. Este último fator, pode, muitas vezes resultar em perda da variabilidade genética do rebanho. A Tabela 2 apresenta, também, os valores de heterozigose esperada (H), nos diversos sistemas; em A. Angus, H varia de 0 a 87%, sendo a media entre sistemas, de 0,56, enquanto em Nelore tal parâmetro oscilou entre 0,03 e 0,75, com média de 0,50. Esses resultados de valores razoavelmente altos de diversidade genética são similares ao previamente descrito em outros rebanhos bovinos e sugerem que as práticas seletivas aplicadas a estes rebanhos não interferiram, grandemente, na variabilidade genética dos mesmos. A diversidade entre os rebanhos foi bastante alta, refletindo-se em baixos valores de probabilidade de identidade entre as raças estudadas (PI), que oscilou entre zero e 6 % nos STRs e de 35 a 64%, nos SNPs (Tabela 2). Nestes últimos marcadores os valores são em geral mais altos, por se tratarem de sistemas dialélicos. O uso simultâneo dos nove sistemas investigados indica a grande variabilidade inter-populacional, já que a chance de dois indivíduos, um de cada rebanho, apresentarem o mesmo genótipo, é de 6x10 -9, ou praticamente nula, principalmente considerando os tamanhos populacionais. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 89 TABELA 2 – Freqüências alélicas dos marcadores moleculares nas diferentes amostras de Nelore e A. Angus. Marcadores Amostras ALELOS H PI STRs BM4325 97 99 101 103 105 107 Nelore 0,08 0,16 0,45 0,20 0,10 0,01 0,72 A. Angus 0,01 0,04 0,12 0,33 0,41 0,09 0,71 BMS3004 129 Nelore A. Angus 132 138 0,76 0,24 0,36 1,0 0,00 ILSTS002 127 129 131 133 135 137 139 141 Nelore 0,03 0,05 0,10 0,17 0,19 0,41 0,04 0,01 0,75 A. Angus 0,11 0,01 0,07 0,30 0,30 0,13 0,06 0,02 0,79 IDVGA51 173 175 177 179 181 183 Nelore 0,01 0,20 0,49 0,10 0,15 0,05 0,69 A. Angus 0,01 0,58 0,11 0,04 0,07 0,17 0,62 HEL5 149 151 153 155 157 159 Nelore 0,02 0,50 0,20 0,15 0,07 0,01 0,05 0,19 0,10 0,06 0,02 A. Angus 161 0,04 163 165 167 169 0,01 0,01 0,02 0,01 0,69 0,12 0,20 0,15 0,07 0,87 AFZ1 111 113 115 117 119 121 123 125 Nelore 0,04 0,21 0,02 0,01 0,06 0,43 0,22 0,01 0,72 0,10 0,03 0,15 0,07 0,10 0,40 0,15 0,78 A. Angus 0,05 FSHR C G Nelore 0,25 0,75 0,39 A. Angus 0,50 0,50 0,50 0,00 0,05 0,06 0,01 0,04 0,35 H: heterozigose esperada; PI: probabilidade de identidade entre rebanhos CONCLUSÕES A análise da diversidade genética de fêmeas doadoras de embriões, realizada através de nove marcadores moleculares, em duas raças bovinas (Nelore e Aberdeen Angus) indicou considerável variabilidade intra-populacional, sugerindo que as práticas seletivas aplicadas aos rebanhos não interferiram em seus níveis de diversidade. A variabilidade inter-populacional foi bastante elevada, de modo que a probabilidade de encontrar dois indivíduos, geneticamente idênticos, retirados aleatoriamente cada um de um rebanho é próximo de zero. 90 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 REFERÊNCIAS ALMEIDA, S. E. M. et al. A. Association betwen molecular markers linked to the Leptin gene and weigth gain in postpartum beef cows. Ciência Rural, v. 37, p. 206-211, 2007. ALMEIDA, S. E. M. et al. 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Recebido em: mar. 2008 92 Aceito em: maio 2008 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Análise econômica da terminação de novilhos aos 24 ou 36 meses em pastagem de azevém (Lolium multiflorum) com ou sem suplementação alimentar Carlos Santos Gottschall Pedro Rocha Marques Leonardo Canali Canellas Hélio Radke Bittencourt RESUMO O objetivo do presente trabalho foi avaliar o desempenho econômico de novilhos de corte submetidos a dois sistemas de terminação intensiva para abate aos 24 ou 36 meses. Foram utilizados 68 novilhos de corte com base racial britânica, sendo 37 novilhos terminados em pastagem de azevém (Lolium multiflorum) recebendo concentrado na base de 0,8% do peso vivo, abatidos em média aos 24 meses (grupo 2A) e 31 novilhos terminados exclusivamente em pastagem de azevém, abatidos em média aos 36 meses (grupo 3A). O peso médio inicial (PMI), o ganho médio diário de peso (GMD), o tempo médio de permanência (TMP) e o peso médio de abate (PMA) foram, respectivamente, de 283,49 kg, 0,967 kg/dia, 100,8 dias e 380,65 kg para o grupo (2A); e 322,10 kg, 1,024 kg/dia, 84,3 dias e 407,07 kg para o grupo (3A). A partir destas informações, associadas aos custos de alimentação e compra dos animais, procedeu-se uma análise econômica considerando os seguintes custos variáveis de produção: custo de compra/kg; custo de compra/animal; custo de alimentação/animal; custo total/animal; receita bruta/ kg; margem bruta/animal; lucratividade no período; lucratividade/mês; custo de produção/kg produzido; e custo de produção/kg comercializado. O custo de compra/kg foi de R$ 1,60 para todos os animais, enquanto a receita bruta/kg foi de R$ 2,18 e R$ 2,09, respectivamente para 2A e 3A. Animais mais jovens e com menor peso inicial (grupo 2A) necessitaram de maior ganho de peso para atingir o grau de acabamento desejado, permanecendo mais tempo em terminação. A utilização do suplemento e o maior TMP geraram maior custo de alimentação/animal para o grupo 2A. A receita bruta/kg obtida pelo grupo 2A proporcionou margem bruta/animal e lucratividade no período semelhantes ao grupo 3A. A elevada diferença de preço compra/venda foi o principal fator responsável pelo retorno econômico positivo das duas idades à terminação. Palavras-chave: Novilhos de corte. Desempenho econômico. Custos de produção. Carlos Santos Gottschall é Médico Veterinário. Mestre em Zootecnia. Faculdade de Medicina Veterinária da ULBRA. Pedro Rocha Marques é Acadêmico em Medicina Veterinária da ULBRA. Leonardo Canali Canellas é Acadêmico em Medicina Veterinária da ULBRA e Bolsista de Iniciação Científica – PROICT/ULBRA. Hélio Radke Bittencourt é Estatístico, Mestre em Sensoriamento Remoto e Professor Assistente do Departamento de Estatística da PUCRS. Endereço para correspondência: Av. Farroupilha, 8001, Bairro São Luís – CEP 92420-280. Canoas RS. Email: [email protected] p . 9 32008 -101 Veterinária em Foco Veterinária v. 5 v.5, n.2, n.2 jan./jun. Canoas em Foco, jan./jun. 2008 9 3 Economic performance of finish beef steers slaughtered at 24 or 36 months old grazing Lolium multiflorum pasture with or without supplementary feed ABSTRACT The main objective of this research was to evaluate the economic performance of finish beef steers, from two production systems, slaughtered at 24 or 36 months old. Sixty eight British beef steers were divided in two groups: 37 steers finished in Loliuum multiflorum pasture supplemented with 0.8 % of live weight in concentrate, slaughtered with 24 months old (24 group) and 31 steers finished in Loliuum multiflorum without supplementary feed, slaughtered with 36 months old (36 group). Beginning weight (BW), average daily gain (ADG), days on feed (DF), slaughter weight (SW) were, respectively, 283.49 kg, 0.967 kg/day, 100.8 days and 380.65 kg for 24 group; and 322.10 kg, 1.024 kg/day, 84.3 days and 407.07 kg for 36 group. Using those biological data, associated with feed and purchase costs, were analyzed purchase cost/kg; purchase cost/steer; feed cost/steer; total cost/steer; sell value/kg; gross margin/steer; profit on the period; profit/month; production cost/kg produced; and production cost/sold kg. Purchase cost/kg was R$ 1.60 for both groups. Sell value/kg was R$ 2.18 and R$ 2.09, respectively for 24 and 36 groups. Younger and lighter steers (24 group) needed higher weight gain and more days on feed than 36 group to reach the fat level. Supplementary feed and DF results in higher feed cost/animal for 24 group. Purchase value/kg allowed similar gross margin/steer and profit on the period for both groups. The high difference between purchase and sale value was the main variable that affected the economic performance in both groups. Keywords: Beef steers. Economic performance. Production costs. INTRODUÇÃO A competitividade da bovinocultura de corte frente a outras explorações agropecuárias depende da máxima eficiência de produção, planejamento adequado e redução de custos, visando à obtenção de maiores lucros (SAMPAIO et al., 2001). Nos últimos anos a atividade pecuária de corte vem apresentando sucessivas quedas de rentabilidade, principalmente devido ao aumento desproporcional dos custos de produção em relação ao preço do produto final (HECK et al., 2006). Nesse contexto, o desafio da pecuária de corte no Brasil tem sido de estabelecer sistemas de produção que sejam capazes de produzir, a baixo custo, animais jovens e que apresentem carcaças com características adequadas às exigências do mercado (EUCLIDES et al., 2001). Segundo Beretta et al. (2001), através da redução da idade de abate é possível aumentar a produção de peso vivo/hectare e a taxa de desfrute do rebanho, proporcionando a obtenção de maior rentabilidade ao sistema de produção. A utilização de recursos alimentares como concentrados e pastagens cultivadas auxilia no processo de redução da idade de abate através do incremento na taxa de ganho de peso (ANUALPEC, 2003). Além disso, a suplementação energética em pastagem cultivada de estação fria é uma alternativa para propiciar aumento de lotação, já que o suplemento energético tende a substituir parte do consumo de pastagem (PASCOAL et al., 1999). 94 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 A introdução de novas tecnologias ao sistema de produção, em um primeiro momento, gera aumento dos custos diretos da empresa rural (ROCHA et al., 2003). Somado a isso, a produtividade e a rentabilidade freqüentemente não cobrem esses custos, devido a falhas ou falta de informações completas e adequadas para a utilização eficiente da técnica proposta (GOTTSCHALL, 1999a). Portanto, é fundamental que a opção pelo uso da suplementação tenha como base uma análise de rentabilidade, e essa, por sua vez, será dependente das restrições econômicas do sistema de produção (ROCHA, 1999). O objetivo do presente experimento foi analisar a eficiência econômica de dois sistemas de terminação de novilhos aos 24 ou 36 meses submetidos a diferentes sistemas de terminação em pastagem de inverno com ou sem suplementação alimentar. MATERIAIS E MÉTODOS O trabalho foi realizado entre 09/06 e 16/10/2006 em uma propriedade particular situada no município de Glorinha, Rio Grande do Sul. Foram coletados dados de 68 novilhos cruzas Angus, Devon e Nelore, divididos em dois grupos: o grupo 2A, composto por 37 novilhos, com peso médio inicial (PMI) de 283,49 kg, foi submetido à terminação em pastagem de azevém (Lolium multiflorum) recebendo suplementação com concentrado até serem abatidos em média aos 24 meses de idade. O grupo 3A era composto por 31 novilhos com PMI de 322,10 kg, e foram terminados exclusivamente em pastagem de azevém até serem abatidos em média aos 36 meses de idade. Os novilhos, identificados individualmente, foram pesados no início do experimento, posteriormente a cada 20 dias para ajustes na dieta e por ocasião das vendas. Foram calculadas as variáveis peso médio inicial (PMI), tempo médio de permanência (TMP), ganho de peso médio diário (GMD), peso médio de abate (PMA), ganho médio de peso (GP) e porcentagem de ganho de peso (%GP). As pesagens realizadas sempre pela manhã, e com jejum total prévio de 12 a 14 horas. Os abates foram realizados de forma escalonada, utilizando como critério para a venda dos animais o grau de acabamento, expresso pela visualização de gordura subcutânea. O peso de carcaça foi obtido através da pesagem da carcaça fria. O suplemento, fornecido ao nível de 0,8% do peso vivo (PV) para os animais do Grupo 2A, era composto por milho, farelo de arroz e calcário calcítico. A proporção de cada ingrediente utilizado na composição do suplemento era variável, buscando assegurar níveis médios estimados de 12% de proteína bruta (PB) e 81% de nutrientes digestíveis totais (NDT). A carga animal na pastagem de azevém foi de 550 kg de PV/ha para o grupo 2A e de 400 kg de PV/ha para o grupo 3A. A carga animal foi calculada com base na oferta visual de forragem para os dois grupos. No caso do grupo 2A, foi considerado o efeito substitutivo do suplemento sobre o consumo da pastagem. Na análise econômica somente foram computados os custos variáveis. Os custos computados para os 2A foram: adubo de cobertura sobre pastagem de azevém, custo Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 95 de compra/animal e custo do suplemento. Para os 3A foram contabilizados os custos referentes ao adubo de cobertura sobre pastagem de ressemeadura de azevém, e custo de compra/animal. A pastagem utilizada era proveniente de ressemeadura natural em lavoura de soja, não havendo custo de implantação. O custo da pastagem/animal foi calculado com base na carga animal utilizada e no tempo de permanência de cada novilho em processo de terminação. As variáveis utilizadas para a análise econômica foram: receita bruta/kg, custo de alimentação/animal, custo de compra/animal, custo total/animal, custo de produção/kg produzido, custo total/kg comercializado, margem bruta/animal, diferença de preço compra/venda e lucratividade no período, lucratividade/mês. Para comparação das variáveis (todas quantitativas) entre as duas idades foi utilizado o teste paramétrico t de Student e o coeficiente de correlação de Pearson. Também foi utilizado um modelo linear (ANOVA) onde o peso inicial foi considerado como co-variável e a idade ao abate como fator. O objetivo deste modelo é eliminar o efeito do peso inicial sobre as demais variáveis. Os dados foram organizados em planilha do Microsoft Excel e analisados no pacote estatístico SPSS versão 11.5. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 1, podem ser visualizados dados referentes ao desempenho biológico dos animais submetidos aos dois sistemas de terminação (grupos 2A e 3A). TABELA 1 – Peso médio inicial (PMI) em kg, tempo médio de permanência (TMP) em dias, peso médio de abate (PMA) em kg, ganho de peso médio diário (GMD) em kg/dia, ganho de peso (GP) em kg, porcentagem de ganho de peso (%GP), peso médio de carcaça (PC) e rendimento médio de carcaça (RC) dos animais submetidos aos diferentes sistemas de terminação (Grupos 2A e 3A). Variável 2A 3A PMI (kg) 283,49a 322,10b TMP (dias) 100,76a 84,29b PMA (kg) 380,65a 407,07b GMD (kg) 0,967a 1,024ª GP (kg) 97,16A 84,98B GP (%) 34,50A 26,80B PC (kg) 206,92ª 212,03ª RC (kg) 54,34ª 52,08ª a,b na linha, diferem significativamente entre si (p<0,01). A, B na linha, diferem significativamente entre si (p<0,05). Na Tabela 2 podem ser visualizados dados referentes à análise econômica do processo de terminação, baseada nos custos variáveis de produção bem como nas receitas obtidas com a venda dos animais. 96 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 TABELA 2 – Custo de compra/kg, custo de compra/animal, custo de alimentação/animal, custo total/animal, custo de produção/kg produzido, custo total/kg comercializado, receita bruta/kg, receita bruta/animal, margem bruta na engorda, margem bruta na compra/venda, diferença de preço compra/venda, lucratividade no período, lucratividade/mês. Variável Custo de compra/kg (R$) Custo de compra/animal (R$) Custo de alimentação/animal (R$) Custo total/animal (R$) Custo de produção/kg produzido (R$) Custo total/kg comercializado (R$) 2ª 1,60ª 453,58ª 118,89ª 572,47ª 1,26ª 1,51ª 3ª 1,60ª 515,36b 70,80b 586,16ª 0,85b 1,44b Receita bruta/kg (R$) Receita bruta/animal (R$) 2,18ª 852,37ª 2,09b 831,57a Margem bruta/animal (R$) 259,10ª Diferença de preço compra/venda (R$) 26,57a Lucratividade no período (%) 45,19ª Lucratividade/mês (%) 13,70a a,b na linha, diferem significativamente entre si (p<0,01). 266,21ª 23,44b 45,41ª 16,88b O custo de compra/kg foi o mesmo para os dois grupos, no entanto, o custo de compra/animal foi superior (p<0,01) para 3A em relação à 2A (R$ 515,35 vs R$ 453,58), em função do maior PMI dos animais do grupo 3A no momento da compra. O custo de compra/animal representou, em relação ao custo total, 79,23% e 87,9% respectivamente para 2A e 3A, indicando que a aquisição dos animais foi a fração mais onerosa dentre os custos de produção considerados. Peres et. al. (2004) relatam que o custo de compra/ animal está entre os custos de maior impacto sobre a viabilidade econômica em processos de terminação intensiva. Lopes e Magalhães (2005) ressaltam a importância de uma boa compra, afirmando que uma pequena economia na aquisição dos animais gera redução considerável do custo total. O custo de alimentação/animal foi superior (p<0,01) para os 2A em relação aos 3A (R$ 118,89 vs R$ 70,80), e representou, respectivamente, 20% e 12% do custo total da terminação. O custo de alimentação/animal está relacionado ao tempo de permanência e ao sistema de terminação ao qual os animais foram submetidos. Ou seja, o maior custo de alimentação verificado para o grupo 2A em relação ao grupo 3A pode ser atribuído ao maior (p<0,01) TMP (100,75 vs 84,29 dias) desses animais em pastagem e à adição de concentrado à dieta dos mesmos. Esses resultados demonstram que, nas condições em que o trabalho foi realizado, o fornecimento de concentrado contribuiu para o aumento do custo de produção do grupo 2A, mesmo considerando que a inclusão do concentrado à dieta do grupo 2A permitiu a utilização de uma carga animal em pastagem superior para esses animais em relação aos 3A (550 vs 400 kg PV/ha). Caso o custo da pastagem fosse maior, possivelmente o efeito substitutivo provocado pelo concentrado proporcionaria uma maior diluição do custo da pastagem, através do aumento da carga animal. Portanto, na medida em que aumenta o custo da pastagem, mais vantajosa tende a ser a utilização de suplementação alimentar, devendo Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 97 sempre considerar se o aumento da carga animal compensa o custo do suplemento a ser utilizado. Gottschall et al. (2006), utilizando suplementação com concentrado em pastagem de inverno para terminação de novilhos (as) abatidos aos 18 meses, não encontraram diferença significativa para custo de alimentação (R$ 142,50 vs R$ 138,66) em função destes animais apresentarem TMP (132 vs 122 dias) semelhantes. Desse modo fica clara a relação entre o custo de alimentação e o tempo de permanência. O menor custo de alimentação apresentado pelos animais do grupo 3A, explica o menor (p<0,01) custo de produção/kg produzido em relação aos 2A (R$ 0,84 vs R$ 1,25, respectivamente). Mesmo o grupo 2A apresentando GP cerca de 12 kg superior (p<0,01), o custo de alimentação fez com que o custo de produção/kg produzido fosse maior para animais em relação aos 3A. Analisando o desempenho em terminação de novilhos para abate aos 15 ou 27 meses de idade, Canellas et al. (2008) verificaram maior custo de produção/kg produzido para os novilhos de 15 meses, relacionando esse resultado ao maior custo de alimentação apresentado por esses animais, visto que o GP foi semelhante entre as duas categorias utilizadas no experimento. Gottschall (1999b) relata custos de produção/kg produzido inferiores ao presente experimento em duas propriedades particulares, utilizando novilhos submetidos à suplementação alimentar para abate aos 17 meses (R$ 0,96/kg produzido) e aos 24 meses (R$ 0,55/kg produzido). O custo total/kg comercializado foi superior (p<0,01) para 2A em relação a 3A (R$ 1,51 vs R$ 1,44). Esse resultado ocorreu devido ao menor peso com o qual esses animais foram vendidos, ocorrendo, desse modo, uma menor diluição do custo total em relação ao número de kg comercializados. Segundo Sant’ana e Santos (2006), o custo de alimentação é muito variável e depende do tipo e da quantidade de insumos que serão utilizados. Desse modo, a comparação dos custos de alimentação e dos custos de produção entre diferentes experimentos pode ser prejudicada. A receita bruta/kg foi superior (p<0,01) para os 2A em relação aos 3A (R$ 2,18 vs R$ 2,09) e indica uma característica de mercado, com melhor remuneração para novilhos mais jovens em relação aos mais velhos. Além disso, estes animais foram vendidos em épocas do ano diferentes e com isso acabaram sendo remunerados de forma distinta. Dados relatados por Couto (1997) indicavam que o período de preços altos compreendia os meses de maio a novembro, alcançando o pico no mês de outubro. Essa sazonalidade vem diminuindo com o passar dos anos, mas ainda pode ser observada eventualmente, aliada a fatores como clima e conjunturais (SUÑE, 2005). Por outro lado, o grupo 3A apresentou maior (p<0,01) receita bruta/animal em relação aos 2A (R$ 852,37 vs R$ 831,57). Esta superioridade deve-se ao maior (p<0,01) PMA obtido pelos novilhos do grupo 3A em relação aos demais (407,07 vs 380,65 kg). Contudo, diversos são os fatores que influenciam no preço do boi gordo, entre eles a oferta de animais de reposição, o consumo interno de carne bovina, o destino da carne (mercado externo/ interno), a rastreabilidade, a classificação das carcaças entre outros (TORRES Jr., 2003). A margem bruta/animal e a lucratividade no período não apresentaram diferença significativa entre os grupos analisados (p>0,05). Esses resultados demonstram que apesar de terem apresentado maiores custos de produção, os 98 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 novilhos do grupo 2A obtiveram um retorno econômico similar aos 3A no período, o que ressalta a influência que o mercado exerce sobre o retorno econômico do processo de terminação de novilhos precoces, através da remuneração obtida no momento da venda (receita bruta/kg), gerando maior diferença entre preço de compra/venda (26,57% vs 23,44%, respectivamente para 2A e 3A). A diferença de preço compra/venda é a variável que mede o retorno obtido com a alteração no preço do kg gordo em relação ao kg magro e exerceu influência direta sobre o resultado econômico para os dois grupos, pois além do valor recebido pelo número de quilogramas de ganho de peso durante a terminação, existe um valor agregado ao kg de peso inicial (magro) em relação ao kg vendido. Gottschall et al. (2006) e Canellas et al. (2008) ressaltam que em processos de terminação intensiva de bovinos de corte é fundamental uma relação de troca favorável entre o preço de compra e de venda dos animais, caso contrário o lucro fica restrito ao ganho com a engorda dos animais, aumentando o risco do processo. Ao analisarmos a lucratividade/mês, verifica-se que o grupo 3A foi superior em relação ao 2A. Esse resultado está relacionado ao TMP, inferior para os animais mais velhos, o que indica uma vantagem em termos de retorno e giro de capital em relação aos novilhos mais jovens. Animais mais velhos tendem a apresentar maior peso ao início do processo de terminação, o que inicialmente representa maior desembolso para o produtor. Entretanto, em termos de retorno rápido do investimento a terminação de animais mais maduros torna-se interessante, pois o ganho de peso para atingir o peso de terminação desses animais é menor em relação a animais precoces. Pacheco et al. (2006) também observaram um aumento da lucratividade mensal com a redução do período de terminação de novilhos aos 22 meses. Arboitte et al. (2004) e Restle et al. (2003) também relatam que períodos curtos de alimentação são importantes para o aumento da lucratividade da terminação de novilhos de corte. CONCLUSÕES Animais mais jovens e com menor peso inicial (grupo 2A) necessitaram de maior ganho de peso para atingir o grau de acabamento desejado, permanecendo mais tempo em terminação. A utilização do suplemento e o maior TMP geraram maior custo de alimentação/animal para o grupo 2A. A receita bruta/kg obtida pelo grupo 2A proporcionou margem bruta/animal e lucratividade no período semelhantes ao grupo 3A. A elevada diferença de preço compra/venda foi o principal fator responsável pelo retorno econômico positivo das duas idades à terminação. REFERÊNCIAS ANUALPEC 2003. Tendências da suplementação a pasto no Brasil. FNP Consultoria, São Paulo, p.63-64. 2003. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 99 ARBOITTE, M. Z. et al. Desempenho em confinamento de novilhos 5/8 Nelore – 3/8 Charolês,abatidos em diferentes estádios de desenvolvimento. Revista Brasileira de Zootecnia, v.33, n.4, p.947-958, 2004. BERETTA, V.; LOBATO, J. F. P.; MIELITZ NETTO, C. G. Produtividade e eficiência biológica de sistemas pecuários criadores diferindo na idade das novilhas ao primeiro parto e na taxa de natalidade do rebanho de cria no Rio Grande de Sul. Revista Brasileira de Zootecnia, v.30, n.4, p.1278-1288, 2001. CANELLAS, L. C. et al. Avaliação do desempenho em confinamento de novilhos abatidos aos 15 ou 27 meses de idade (no prelo), 2008. COSTA L. B.; CERETTA P. S.; GONÇALVES, M. B. F. Viabilidade econômica: análise da bovinocultura de corte. Informações Econômicas, SP, v.36, n.8, ago. 2006. COUTO, M. T. Previsão de preços para a pecuária de corte. Preços agrícolas, Piracicaba, v.124, fev. 1997, p.24-27. EUCLIDES, V. P. B. et al. 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Os resultados demonstram que os fenômenos de safra e entressafra não são mais observados, inclusive com uma alta concentração de abates nos meses de inverno, identificando claramente a introdução de melhorias nos sistemas de engorda. Aumento no número de fêmeas abatidas e maiores pesos de carcaça também são resultados relacionados com mudanças tecnológicas nas criações. Com relação ao sistema de compra pelo frigorífico é observado que a maior parte dos animais são comprados a rendimento, o que reflete uma compra em busca de melhor qualidade. No período analisado foi observado o baixo preço do boi recebido pelo produtor, sendo considerado um dos principais limitantes para à manutenção e evolução tecnológica da bovinocultura de corte. Palavras-chave: Cadeia produtiva da carne bovina. Sistemas de produção. Abate de bovinos. System commercialization and beef cattle for slaughter analysis in the state of Rio Grande do Sul: a case study ABSTRACT This work aimed to analyze the behavior of slaughters of 378,739 beef cattle realized in the Mercosul – Bagé, of state Rio Grande do Sul in the period from September 2003 to August Luciana F. Christofari é Médica Veterinária, DSc., Bolsista de Pós-Doutorado CNPq, Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPRO), UFRGS. Yara B. P. Suñé é Engª Agrônoma, MSc., Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPRO), UFRGS. Júlio O. J. Barcellos é Médico Veterinário, DSc., Prof. Adjunto – Dep. de Zootecnia, Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPRO), UFRGS.Bolsista CNPq. Ênio R. Prates é Engº Agrônomo, DSc., Prof. – Dep. de Zootecnia, Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPRO), UFRGS. Ricardo P. Oiagen é Médico Veterinário, MSc., Doutorando PPG-Zootecnia, Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPRO), UFRGS. Endereço para correspondência: Faculdade de Agronomia, Departamento de Zootecnia – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Av. Bento Gonçalves, 7712, Bairro Agronomia, Porto Alegre, RS. p . 1 02008 2-120 Veterinária em Foco Veterinária v. 5 v.5, n.2, n.2jan./jun. 102 Canoasem Foco, jan./jun. 2008 2004. When comparing the data in study with the data of IBGE and of the MAP, these represent 62.5% and 28.4% of the abated total, respectively. The results show that the former seasonal slaughter does not occur anymore, with slaughters being even more frequent during the winter months, which indicates improvements in rearing. The increase in female slaughters and greater carcass weights can also be related to technological changes in the production systems. The acquirement criteria by the slaughterhouses favor yield and quality. Beef prices were down during the period concerned limiting technology improvements and maintenance of this sector. Keywords: Productive chain of the bovine meat. Production systems. Slaughters of beef cattle. INTRODUÇÃO O agronegócio atualmente é responsável por 29% do PIB nacional e, aproximadamente 12,5% deste total corresponde à cadeia produtiva da carne bovina (CEPEA, 2004). Isto é devido ao fato do Brasil apresentar o maior rebanho comercial do mundo, sendo constituído de 167 milhões de cabeça. O Brasil consolidou-se em 2003 como o maior exportador mundial de carnes. Foram produzidas 7,629 milhões de toneladas de equivalente carcaça, sendo exportados 15,8% da produção, gerando renda de aproximadamente 1,5 bilhões de dólares. O restante, representando 84,2% da produção, foi absorvido pelo mercado interno, demonstrando a grande importância deste segmento para a pecuária brasileira (ANUALPEC, 2004). A pecuária de corte brasileira, numa análise retrospectiva, era caracterizada pelo atraso, resistência às inovações tecnológicas e gestão arcaica, o que marcou negativamente a atividade ao longo de várias décadas. Contudo, a bovinocultura de corte contrapõe-se fortemente a essa situação e passa a utilizar importantes inovações na gestão e no uso de tecnologias (BARCELLOS et al., 2004). A convivência com a estagnação da pecuária deve-se ao fato do efetivo bovino ter servido de reserva de capital durante a época de inflação, além de ter sido o principal instrumento de consolidação das fronteiras agrícolas do país, baseado no modelo de exploração extensiva e alicerçada no grande fluxo do fator terra. Por outro lado, a quebra de paradigmas pelos produtores resultou no aumento significativo na taxa de desfrute da pecuária brasileira, saindo de um patamar de 16% na década de 1980 para de 24% no início dos anos 2000. Estes aumentos são devidos ao incremento dos índices de produtividade, no entanto, ainda são inferiores aos dos países de pecuária mais desenvolvida que se situam acima dos 32%. No Rio Grande do Sul, conforme Barcellos et al. (2003) o aumento nos índices de produtividade são representados pela diminuição na idade ao primeiro acasalamento, na idade de abate e pelo aumento na taxa de natalidade. Considerações realizadas por Fürstenau (2004) também evidenciam a modernização da pecuária brasileira nos últimos anos em contraposição aos baixos índices zootécnicos das estatísticas oficiais. Esses aumentos nos índices produtivos resultaram da aplicação de tecnologias de processos. Na cria, muitos trabalhos foram conduzidos a fim de diminuir a idade de acasalamento e aumentar as taxas de prenhez. Técnicas de manejo nutricional pré e pós- Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 103 parto, ajuste de carga, adequação da temporada de monta, desmame antecipado e desmame precoce foram amplamente difundidos para aumentar a eficiência na cria e recria. Na recria e terminação no Rio Grande do Sul, problemas relacionados com a estacionalidade da produção de forragem acabavam por ocasionar grandes perdas de peso durante o período hibernal, quando as pastagens nativas não expressam seu potencial produtivo. Como forma de amenizar estes períodos, muitos trabalhos têm mostrado a diminuição desta estacionalidade de produção com a introdução de práticas de manejo. Dentre as tecnologias mais usadas se destacam: o ajuste de carga, introdução de pastagens cultivadas, suplementação a campo e confinamento. A implementação destas tecnologias teve como resultado a obtenção de uma matéria prima de melhor qualidade à indústria frigorífica, além da redução da capacidade ociosa das plantas, através de uma oferta mais constante ao longo do ano. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo fazer uma análise dos dados dos bovinos abatidos no maior frigorífico do Estado do Rio Grande do Sul, e obter características dos animais ofertados, de modo que, com estes resultados possa se identificar melhor o mercado da carne bovina. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho foi realizado a partir da avaliação do banco de dados do Frigorífico Mercosul Ltda.1 que é uma empresa de capital fechado, com o início das suas atividades em 1972 em Mato Leitão – RS. A partir de setembro de 1998, começou o projeto de expansão, sendo que atualmente a empresa conta com plantas industriais localizadas nos municípios de Bagé, Alegrete, Capão do Leão, Mato Leitão e Pelotas. Possui um quadro de 2.610 colaboradores e é o maior frigorífico do Rio Grande do Sul em volume de abates de bovinos. Os dados analisados são referentes ao abate nas quatro plantas frigoríficas: Capão do Leão, Mato Leitão, Bagé e Alegrete no período de setembro de 2003 a agosto de 2004 e compreendem 348.739 bovinos abatidos a rendimento e a peso vivo que equivale a 32.307 lotes (estes valores representam 62,5% e 28,4% do total de animais abatidos segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA). Cada lote representa uma operação de compra de animais pelo frigorífico. Os dados foram disponibilizados em um arquivo eletrônico contendo as informações referentes à data de compra (a partir da data de entrada dos animais), sistema de compra2 (peso vivo ou rendimento), número de animais 1 Rua Anselmo Garrastazu, S/Nº, Vila Industrial. CEP: 96400-570 – Bagé/RS. Fone: (53) 240.5700 / Fax: (53) 240-5721. E-mail: [email protected] 2 Tradicionalmente, a compra de bovinos realizada no Rio Grande do Sul se dá através de dois sistemas de pagamento. A peso vivo, quando o pecuarista recebe pelo total de quilogramas que seus animais obtiveram no momento do embarque para o frigorífico e a rendimento de carcaça, onde o produtor recebe pelo total de quilogramas obtido após o abate dos animais. Neste sistema, os animais de melhor qualidade e melhores rendimentos são mais bem remunerados. 104 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 (número de animais por praça de compra), peso (expresso em quilogramas), preço (expresso em dólar3 ) e sexo (machos ou fêmeas). Foi usada a análise estatística descritiva dos dados, devido ao grande número de animais, sendo utilizada a média como principal medida de tendência central. Os dados brutos foram organizados em tabelas e distribuídos por freqüências. Obtidas estas freqüências foram construídos gráficos para melhor visualização dos resultados. RESULTADOS E DISCUSSÕES Os dados de abate do Frigorífico Mercosul (348.739 cabeças) quando comparados com os dados de abate do IBGE (1.748.000 animais) e do MAPA (795.000 animais) para o Estado do Rio Grande do Sul, são representativos da população em análise. O rebanho gaúcho é formado por aproximadamente 14.731.138 cabeças (IBGE, 2004), entretanto, deve ser salientado que deste efetivo ao redor de 75% constituem as criações com aptidão para carne (bovinos de corte) e 25% do rebanho é especializado para leite (bovinos de leite). Portanto, qualquer análise sobre a bovinocultura de corte deve ser realizada a partir de um efetivo de aproximadamente 11.000.000 de cabeças. Deste modo, o desfrute de 25,4% (ANUALPEC, 2004) refere-se unicamente a fração dos animais de corte, o que reflete um total de 2.794.000 bovinos abatidos anualmente. Assim, os dados de abate do IBGE e do MAPA representam 62,5% e 28,4% do total abatido pelo frigorífico, respectivamente. Evidentemente, que sobre o total de bovinos abatidos a representatividade é menor, mas ainda reflete o perfil do rebanho gaúcho envolvido na produção de carne. Um levantamento realizado por Pascoal (2004), avaliando a compatibilidade das informações de várias fontes estatísticas, referentes ao rebanho do Rio Grande do Sul, encontrou uma discrepância significativa entre elas, sendo clara a ocorrência de problemas no registro de informações como: abate clandestino, falta de controle das inspetorias veterinárias, mortalidade, consumo nas fazendas, entre outros, que fazem com que não se tenha estatística confiável para melhores comparações com a população objeto de estudo. Distribuição mensal dos abates Ao comparar o número de animais abatidos pelos dados do IBGE e MAPA para o período de setembro de 2003 a agosto de 2004, no Estado, se observa a mesma distribuição mensal para o Frigorífico Mercosul, demonstrando que a população estudada é representativa da população bovina abatida no Rio Grande do Sul (Figura 1). Analisando a distribuição ao longo do período estudado, observa-se um abate melhor distribuído, com picos em março e agosto (Figura 1) verificando que a 3 Valores em reais convertidos para dólar na data de compra, conforme cotação mensal do Banco Central do Brasil. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 105 estacionalidade de produção que historicamente ocorria no Estado, caracterizada pelas épocas de safra (abril e maio) e entressafra (julho, agosto) está sendo diminuída e outros picos de produção, diferentes dos tradicionais, estão sendo observados. O sistema de produção do Rio Grande do Sul tem como base alimentar o campo nativo que é composto, principalmente, por espécies subtropicais de ciclo estival, podendo na primavera-verão produzir ganhos nos animais de até 1,0 kg por dia (CAGGIANO FILHO et al., 1987; NABINGER, 2002). Entretanto, no período de outono e inverno, ocorre um déficit na produção de forragem, determinando perdas de peso vivo que comprometem todo o desenvolvimento do animal (DEL DUCA; SALOMONI, 1987; MARASCHIN, 1998; MARASCHIN, 1999). Esta estacionalidade de produção determinava a maior oferta de animais nas épocas subseqüentes dos picos de produção de campo nativo (março a maio) chamados de safra, assim como, na época de menor produção forrageira (junho, julho, agosto), havia a escassez de oferta de animais para abate, a entressafra. A introdução de pastagens melhoradas de clima temperado surgiu como alternativa para suprir as deficiências no período de carência alimentar (inverno), reduzindo a sazonalidade de produção de forragem, com os efeitos conhecidos na produção animal (REID; JUNG, 1981; QUADROS; MARASCHIN, 1987; RESTLE et al., 1999) Somente produtores com alguma tecnologia destinada aos sistemas de engorda abatiam animais nesta época (entressafra) e obtinham um melhor preço (ANUALPEC, 2004). FIGURA 1 – Distribuição mensal (%) dos animais abatidos no período de setembro de 2003 a agosto de 2004 com base no Frigorífico Mercosul, IBGE e MAPA. Fonte dos dados brutos: MAPA, (2004); IBGE, (2004); SUÑÉ, (2005). As pequenas flutuações nos abates ao longo do período estudado (Figura 1) podem vir resultando do aumento na adoção de novas tecnologias de alimentação, direcionadas aos animais em terminação (RESTLE; VAZ, 1997). Assim é observado o crescimento da participação de animais produzidos em sistemas de engorda mais intensivo, como semi-confinamento e pastagens de inverno. Animais produzidos nestes sistemas começam a ser abatidos a partir de agosto, explicando o pico de abate de 11,7% (PÖTTER et al., 1998; BERETTA et al., 2001), sendo que a integração lavourapecuária, decorrente da implantação de pastagens cultivadas nas restevas de lavoura de arroz e mais recente pela expansão da soja em grande parte do território gaúcho 106 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 (IBGE, 2004), fazem com que esses processos tecnológicos sejam utilizados com mais freqüência. No caso específico da cultura da soja ocorre uma implantação de pastagens mais cedo (início do outono), logo após a “colheita”, fazendo com que os animais passem a utilizar estes recursos alimentares no final de outono, e assim aptos para o abate em agosto, portanto antecipando 2 a 3 meses o período de comercialização. O pico de abate referente a março, se deve a animais oriundos do campo nativo, pois no período de primavera-verão podem ser obtidos ganhos totais de peso em torno de 100-120 kg (CACHAPUZ, 1985), pois 70% da produção de matéria seca ocorre neste período (MARASCHIN, 1999). Assim, é factível afirmar que este pico de abate é representado pelos sistemas menos intensivos de produção. Neste período também inicia um aumento na oferta de fêmeas descartadas dos rebanhos. Para os produtores esta informação pode ser útil nos seus sistemas de produção, uma vez que não se possui mais safra e entressafra definida, é possível fazer uma programação das vendas ao longo do ano. Distribuição mensal do abate nas últimas décadas Quando se compara as décadas de 1980, 1990 e início dos anos 2000 torna-se evidente a diferença entre os anos, sendo que as inflexões das curvas diminuem década a década como pode ser observado na Figura 2. A década de 1980 apresenta um comportamento histórico, isto é, grande oferta em abril e maio (safra) e escassez em junho, julho e agosto (entressafra). No final da década de 1990 e início dos anos 2000 ocorre uma grande redução nos picos de safra e entressafra, explicada pela adoção de novas tecnologias de produção (PÖTTER et al., 1998; BERETTA et al., 2001; EUCLIDES FILHO, 2000; BARCELLOS et al., 2004). Esta inovação tecnológica na pecuária teve como base inicial a implementação do plano real em 1994. A consolidação da economia, devido à eliminação da inflação, fez com que a adoção de tecnologias e, conseqüentemente, os aumentos nos índices produtivos fossem fundamentais à atividade, pois com a estabilização da moeda não foi mais possível o ganho através dos mercados especulativos e de ativos financeiros e os sistemas de produção foram conduzidos para uma melhora da eficiência e para uma estabilidade física da produção no tempo (ORTEGA, 1998; CORRÊA, 2000; BARCELLOS, 2002). Com uma oferta contínua durante o ano foi possível uma melhor gestão dos custos e da margem de lucro da atividade, tanto para os produtores e, principalmente, para os frigoríficos, que se habilitaram a fechar contratos maiores e mais seguros para atender os mercados internacionais, aumentando o volume de carne exportada no âmbito nacional (EUCLIDES FILHO, 2000; NEVES et al., 2001; NEHMI FILHO, 2004). Deste modo, os dados deste trabalho (referentes aos dados do frigorífico Mercosul) refletem claramente o perfil de produção e oferta de animais para o abate de um modo planejado, ainda que ocorram pequenas flutuações, em geral atribuídas a fatores climáticos ou conjunturais do setor. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 107 15,0 10,0 % 5,0 0,0 Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Década 80 5,0 6,1 7,6 8,9 8,6 6,8 10,2 12,4 13,9 10,1 5,7 4,8 Década 90 7,7 9,2 9,4 9,4 8,0 7,2 9,2 9,4 9,5 7,9 6,4 6,8 Década 00 7,5 9,5 8,4 8,3 8,0 7,5 8,8 8,8 8,3 7,9 8,2 8,7 Mercosul 7,1 7,9 6,8 7,2 7,0 7,3 10,0 8,7 7,7 9,2 9,4 11,7 Mês FIGURA 2 – Distribuição mensal (%) do abate anual de bovinos nas décadas de 1980, 1990 e 2000 (valores médios de cada década), segundo dados do IBGE e MAPA e de setembro de 2003 a agosto de 2004 no Frigorífico Mercosul. Fonte dos dados brutos: MAPA, 2004; IBGE, 2004; SUÑÉ, 2005. Peso de carcaça e mês de abate nas últimas décadas A Figura 3 mostra as médias mensais de peso das carcaças4 de animais nas décadas de 1980, 1990 e 2000 do MAPA e de setembro de 2003 a agosto de 2004 do Frigorífico Mercosul. 240 230 220 210 kg 200 190 180 170 Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Década 80 201 213 215 210 205 212 214 217 212 202 196 202 Década 90 216 222 221 221 220 220 229 229 232 219 216 218 Década 00 222 222 224 225 222 219 222 225 222 221 218 220 219 220 219 215 220 222 219 221 217 220 222 226 Mercosul Set Mês FIGURA 3 – Médias de peso de carcaça nas décadas de 1980, 1990, 2000 (valores médios de cada década) segundo o MAPA e de setembro de 2003 a agosto de 2004 no Frigorífico Mercosul. Fonte dos dados brutos: MAPA, (2004); SUÑÉ, (2005). Carcaça: animal abatido, desprovido de couro, patas, cabeça, chifres, vísceras torácicas e abdominais e conteúdo do trato digestório. Em geral, para um bovino de 500 kg de peso vivo na fazenda, a sua carcaça teria um peso de aproximadamente 250 kg. 4 108 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Ao analisar a média de peso das carcaças nas 3 últimas décadas, se observa um aumento significativo nos pesos médios de abate na década de 1990 (222 kg) comparado a década de 1980 (208 kg). Na década de 2000 se observa um peso médio de abate praticamente constante, com média anual de 222 kg, sendo que nos dados obtidos neste trabalho é observado o mesmo comportamento, tendo uma média anual de 220 kg. Isto comprova que há um peso de abate praticamente constante ao longo do ano, evidenciando que além de não ocorrer mais uma safra e entressafra característica, existe um padrão de peso dos animais abatidos no estado, decorrente da introdução de sistemas alimentares mais adequados e evoluídos. Como a condição para o animal ser abatido é uma combinação de peso e acabamento (quantidade de gordura), os novos sistemas de engorda mantiveram estes parâmetros dentro de certos limites determinados pelo mercado, porém com uma alteração no período de tempo para alcançá-lo (BYERS; SCHELLING, 1988; DI MARCO, 1993; LUCHIARI FILHO, 2000; ARBOITTE et al., 2004). Na década de 1980 era comum os animais serem abatidos com até 60 meses, fato que na década de 2000 já não ocorre mais, devido a adoção de novas tecnologias, sendo a média de abate aos 24-36 meses. Outro fator de suma importância é a mudança ocorrida no padrão genético dos animais abatidos no estado. Os cruzamentos e o surgimento das raças sintéticas tiveram seus trabalhos iniciados nas décadas de 1950 e 1960 e seus principais resultados foram observados nas décadas de 1970 e 1980. Porém, foi na década de 1990 com a difusão da tecnologia de inseminação artificial e a boa aceitação desta pelos produtores, que os resultados foram mais expressivos. Deste modo, o perfil das criações foi modificado pela grande participação de animais zebuínos pelos métodos de cruzamentos. Isto resultou na boa adaptabilidade às condições, nem sempre favoráveis do ambiente, e no aumento no peso de carcaça dos animais abatidos na década de 1990 (LOBATO et al.,1999; LOBATO, 2003; LEAL, 2003; BARCELLOS et al., 2004). Sistema de compra praticado pelo frigorífico segundo o mês de abate Os sistemas de compra, feitos pelos frigoríficos, podem ser a rendimento5 ou a peso vivo. Os frigoríficos tendem a comprar a rendimento, alegando que pagam o que realmente interessa, a carne, enquanto os produtores tendem a vender a peso vivo, pois ainda há discussões a respeito das porcentagens de rendimento apresentadas pelos frigoríficos (ABIEC, 2004) . 5 A rendimento: o produtor recebe o valor relativo aos quilogramas de carcaça quente produzidos pelos seus animais abatidos. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 109 Atualmente, o Frigorífico Mercosul possui o sistema de compra qualificada, dividido em classes6 conforme parâmetros de conformação pré-estabelecidos, evitando a compra a peso vivo. No total dos animais abatidos no Frigorífico Mercosul, 82,3% são comprados a rendimento e 17,7% a peso vivo. Esta compra qualificada foi implantada a partir de agosto de 2003, e os reflexos da diminuição da compra a peso vivo já são observados de outubro em diante (Figura 4), tendo períodos de grande pico da compra a rendimento (janeiro, fevereiro, março, abril de 2004). No entanto em maio, junho e julho ocorre um discreto aumento na compra a peso vivo, embora, significativamente abaixo da compra a rendimento. Provavelmente este novo aumento na compra a peso vivo pode ser decorrente da pequena redução da oferta percebida em maio. É observado que à medida que a oferta novamente tem um pico em agosto, a compra a rendimento passa a ser o sistema predominante. Este comportamento era muito comum nas épocas de safra e entressafra, pois é sabido que na época de safra, devido ao maior volume de animais ofertados, os frigoríficos determinavam o sistema de compra, já no período de entressafra, com pouca matéria-prima disponível o produtor escolhia a forma que iria vender. Não foram observadas diferenças nos sistemas de compra ao longo do ano para machos e fêmeas, tendo a mesma tendência para ambos os sexos. 15,0 10,0 % 5,0 0,0 Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago %R 3,7 5,9 4,8 5,1 6,2 6,8 9,4 8,0 6,1 7,5 8,1 10,7 % PV 3,4 2,0 2,0 2,1 0,8 0,5 0,6 0,7 1,6 1,7 1,3 1,0 %T otal 7,1 7,9 6,8 7,2 7,0 7,3 10,0 8,7 7,7 9,2 9,4 11,7 M ês FIGURA 4 – Percentual de abate anual a peso vivo (PV) ou a rendimento (R) no Frigorífico Mercosul. Fonte dos dados brutos: SUÑÉ, (2005). 6 A classificação comercial do Frigorífico Mercosul remunera os animais comprados a rendimento de acordo com a classe na qual a carcaça enquadra-se, sendo que na Classe Exportação é exigida para machos de 0 – 4 dentes um peso mínimo de 220 kg e de 6 –8 dentes acima de 240 kg, para fêmeas de 0 – 8 dentes, 220 kg no mínimo; para ambos sexos a conformação deve ser C (convexa), Sc(subconvexa), Re (retilínea) ou S (subcôncava) e acabamento entre 3 (3 a 6 mm de espessura de gordura subcutânea) e 4 (6 a 10 mm). A Classe Premium reúne as carcaças oriundas de animais com maturidade entre 0 – 4 dentes e abaixo de 220kg para machos e fêmeas, além de acabamento entre 3 e 4 e conformação C, Sc, Re e S. A classe 1 é composta de carcaças de animais com acabamento entre 3 e 4 , conformação C, Sc, Re e S, peso abaixo de 240 kg para machos e 220 kg para fêmeas com maturidade entre 6 –8 dentes, para animais mais jovens, de 0 – 8 dentes, com o mesmo peso, o acabamento pode ser 2 (pouca gordura). Para a Classe 2, as carcaças devem prover de animais com acabamento 2, conformação C, Sc, Re e S, peso abaixo de 240 kg e 220 kg para machos e fêmeas respectivamente, com maturidade entre 0 a 8 dentes. Na Classe 3 entram carcaças com acabamento 1 (sem gordura) e conformação Co (côncava). A remuneração acontece em grau decrescente na forma que foram listadas entre as categorias. 110 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 A venda a peso vivo não relaciona as características de carcaça, sendo um método não preciso da composição da carcaça, tanto para criadores, como para a indústria frigorífica (TAROUCO, 1991; FELÍCIO, 2000). Apesar de nos dados do frigorífico Mercosul 82,3% dos animais serem abatidos a rendimento, existe uma tendência do produtor (os que abastecem o Frigorífico Mercosul) de vender a peso vivo, isto porque dependendo do tipo de animal abatido, o peso vivo pode remunerar melhor o produtor e além disto, na venda a peso vivo, no momento do embarque dos animais já são conhecidos os valores a serem recebidos. Isto não ocorre na venda a rendimento, quando os valores somente são conhecidos após o abate os animais. Nos dados coletados, quando comparados os preços médios pagos por kg de carcaça (US$ 1,20) e por kg vivo (US$ 0,60), para que os valores nominais pagos pelos animais sejam semelhantes, independente do sistema de compra, é necessário ter um rendimento médio de carcaça de 50% por animal, logo, animais com percentuais abaixo deste valor receberão uma remuneração menor se comparada à venda a peso vivo. Como muitos produtores não obtêm em seus animais estes rendimentos, acabam optando pela venda a peso vivo. Entretanto, somente atingir o rendimento igual ou superior a 50% não assegura uma melhor remuneração do que a venda a peso vivo, pois, animais vendidos a rendimento são dependentes do sistema de tipificação feito pelo frigorífico, que conforme a classe comercial destinada haverá uma remuneração correspondente. Dentre os parâmetros avaliados somente peso vivo, peso de carcaça e sexo são objetivos, enquanto acabamento e conformação da carcaça são medidas subjetivas, que serão dependentes da experiência dos avaliadores na obtenção das informações no momento do abate. Assim, frequentemente são identificados conflitos nesse sistema de comercialização (FELÍCIO, 1999a; FELÍCIO, 1999b). Para que houvesse uma maior segurança nas relações entre produtores e frigoríficos seria ideal o uso de medidas mais objetivas nas avaliações das carcaças (TAROUCO, 1991). Fêmeas abatidas conforme o mês do ano Os dados referentes ao abate de fêmeas no Frigorífico Mercosul são similares aos do abate no estado, segundo dados do IBGE e do MAPA. Comparando os percentuais de abate ao longo dos anos, se observa o grande aumento no número de fêmeas abatidas, principalmente de fevereiro em diante, tendo o pico em maio pelos dados do Frigorífico Mercosul 03/04 (45% de fêmeas abatidas) e em abril e junho pelos dados do IBGE 03/04 (45% de fêmeas abatidas) de acordo com a Figura 5. Desde a criação do banco de dados do IBGE, que disponibiliza informações a partir de 1997, não haviam sido constatados percentuais tão altos, sendo um recorde histórico no abate de fêmeas. Nos dados do IBGE 01/02, 02/03 e 03/04 e do Frigorífico Mercosul 03/ 04, as médias anuais para o abate de fêmeas foram, 29%, 35%, 41% e 38%, respectivamente. Estes dados confirmam que a porcentagem de fêmeas abatidas em relação ao total de gado comercializado teve o começo da sua escalada de alta em 2003, avançando gradativamente, mantendo uma média anual ao redor de 38% (IBGE, 2004). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 111 50 40 30 % 20 10 0 Set Out Nov Dez Jan Fev M ar Abr M ai Jun Jul Ago IBGE 01/02 27 26 28 26 28 30 27 28 30 35 32 29 IBGE 02/03 30 32 35 33 34 36 35 34 35 40 40 34 IBGE 03/04 36 37 36 36 39 43 42 45 44 45 41 43 M ercosul 03/04 32 31 30 34 38 43 43 42 45 41 37 40 M ês FIGURA 5 – Abate de fêmeas (%) nos períodos 2001/02, 2002/03, 2003/04 conforme o IBGE e 2003/04 no Frigorífico Mercosul. Fonte dos dados brutos: IBGE, 2004; SUÑÉ, 2005. O aumento no abate de fêmeas pode ser explicado pela adoção de novas tecnologias, aumentos nos índices produtivos ou necessidade de maior renda no sistema. É sabido que a idade ao primeiro acasalamento diminuiu no Rio Grande do Sul, sendo que 70% das fêmeas têm seu primeiro parto aos 3 anos (BARCELLOS et al., 2003; BARCELLOS et al., 2004). Este é um parâmetro importante, pois a maior produtividade por fêmea é obtida quanto mais cedo esta for acasalada (BOEWDEN, 1977; PRICE; WILTBANK, 1978; PÖTTER et al., 1998; BERETTA; LOBATO, 1998, BERETTA, 1999). Quando a parição ocorre aos 48 meses, o índice de desfrute7 do rebanho fica ao redor de 10%, na medida que a parição ocorre aos 36 meses este índice duplicará e atingirá 30% com o primeiro parto aos dois anos e o abate dos machos aos 12 e 13 meses (BERETTA et al., 2001). Outro índice zootécnico que aumentou nos últimos anos foi a taxa de natalidade do rebanho, a qual teve um incremento de 50 para 62%. Muitas tecnologias referentes ao aumento nas taxas de prenhez e, conseqüentemente, nas taxas de natalidade, foram difundidas e utilizadas nos sistemas de produção (LOBATO; BARCELLOS, 1992; SIMEONE; LOBATO, 1996; SIMEONE; LOBATO, 1998; PÖTTER et al., 1998). A taxa de reposição de um rebanho considerado estável é de 20%. Com o aumento no número de terneiros produzidos, haverá um excedente de animais para a venda, inclusive de fêmeas, além de ser feita uma pressão de seleção mais rigorosa (BARCELLOS et al., 2003; BARCELLOS et al., 2004). O grande avanço nas áreas de agricultura pode ter contribuído para esse aumento no número de fêmeas abatidas. O bom desempenho do soja criou condições favoráveis ao início da integração agricultura-pecuária, levando o produtor a reduzir o plantel de fêmeas para gerar capital necessário à sua entrada na agricultura ou para diminuir o rebanho e ampliar suas áreas de lavoura a fim de obter melhores retornos financeiros. Produtores descapitalizados arrendaram as áreas que até 7 Desfrute: é a relação entre o número de animais vendidos anualmente (%) e o rebanho total da propriedade rural. 112 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 então eram destinadas à pecuária, para lavoura, pois a rentabilidade da atividade pecuária, em especial a cria, com margens de lucro muito pequenas, tornou muito difícil o negócio, forçando a saída de muitos criadores da atividade. Porém, outros produtores viram na vaca de descarte uma oportunidade de negócio, por seu alto potencial de acumular peso a baixo custo e em pouco tempo, proporcionando um giro rápido de capital (BARCELLOS et al., 2003; BARCELLOS et al., 2004; NEHMI FILHO, 2004). Assim, um contingente considerável desta categoria animal, que antes tinha uma maior permanência no sistema, agora sofreu uma engorda rápida e teve o destino do abate. Com o aumento da produtividade, a tendência é que também se aumente o número de vacas para a venda. No entanto, quando estes índices de abate de fêmeas são comparados nos últimos três anos, se observa que a taxa de desfrute do rebanho se manteve em torno dos 24-25%, podendo haver, no futuro, falta de matrizes. Este elevado abate de fêmeas também pode estar ocorrendo, porque em épocas de custos crescentes e de preços deprimidos, o produtor não possui o número de machos suficientes para atender suas demandas financeiras, e, acaba comercializando matrizes para atender o fluxo de caixa e os custos de produção. Apesar dos elevados números de abate em relação aos números históricos, principalmente quando comparados com as décadas de 1980 e 1990, estes números são compatíveis em rebanhos que possuem índices de produtividade mais elevados (RADOSTITS et al., 1994; BARCELLOS et al., 2003; BARCELLOS et al., 2004; TORRES; ROSA, 2003). O excesso de oferta das fêmeas repercutiu negativamente nos preços como observado na Figura 6. 1,50 U$/kg de carcaça 1,40 1,30 3,8% 1,20 11 % 1,10 1,00 Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago MACHOS 1,21 1,21 1,19 1,26 1,26 1,20 1,18 1,14 1,13 1,17 1,21 1,20 FÊMEAS 1,13 1,14 1,13 1,21 1,19 1,10 1,08 1,04 1,02 1,05 1,10 1,09 Mês FIGURA 6 – Preços pagos pelo kg de carcaça para vacas e bois e diferença (%) mínima e máxima no período de 2003/04 no Frigorífico Mercosul. Fonte dos dados brutos: SUÑÉ, (2005). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 113 A evolução comparativa das cotações do kg de carcaça do boi (US$ 1,20) e da vaca gorda (US$ 1,11), segundo dados do Frigorífico Mercosul, demonstra que a partir de maio a diferença entre as duas categorias chegou a 11 %, sendo considerada dentro da média histórica (10%). O mês de maio é caracterizado historicamente por ser o mês de maior abate de fêmeas, sendo a época de descarte das mesmas. A partir do diagnóstico de gestação, as vacas são separadas em prenhes ou vazias, as vazias são destinadas ao abate, tendo sua engorda inicial ainda em campo nativo durante o outono – inverno. Este tipo de produto tem como destino o abastecimento do mercado interno, que aumentou sua demanda devido aos melhores índices da economia brasileira, promovendo um ligeiro aquecimento das vendas de carne no atacado. Além disso, os pequenos frigoríficos preferem o abate de fêmeas por proporcionarem uma margem de lucro maior (TORRES; ROSA, 2003). No mês de dezembro se observa a menor variação ao longo do período estudado 3,8%, sendo também inferior quando comparada a outros anos onde a média foi de 8%. Isto ocorre, porque nos meses de dezembro e janeiro há uma demanda maior de fêmeas no Rio Grande do Sul, devido ao hábito de consumo da população regional. Além disso, as fêmeas abatidas em dezembro, oriundas de pastagens cultivadas, são teoricamente de melhor qualidade do que aquelas abatidas a partir de março, provenientes de campo nativo sem o mesmo padrão de acabamento (MULLER; PRIMO, 1986; LUCHIARI FILHO, 2001). Deste modo, nos meses de dezembro e janeiro, a qualidade das vacas aproxima-se da qualidade do boi, refletindo-se em menores diferenças nos preços pagos pelos frigoríficos entre as duas categorias (BARCELLOS et al., 2003; BARCELLOS et al., 2004). Mês de abate e preço pago ao produtor Os resultados obtidos comprovam o processo de reformulação que a pecuária vem sofrendo nos últimos anos. A redução na sazonalidade de produção, pesos de carcaça mais constantes ao longo do ano, aumento na venda a rendimento para os frigoríficos, entre outros demonstram que os ganhos de produtividade são notórios e têm sido fundamentais para atender ao crescimento da demanda no mercado externo e interno (CORRÊA, 2000; ORTEGA 1998; NEHMI FILHO, 2004). No entanto, analisando a Figura 7, se observa que ao mesmo tempo em que a pecuária vem se modernizando, os preços pagos ao produtor estão decrescendo, evidenciando o difícil momento que vive a pecuária gaúcha. Comparando as médias de preço do kg do boi, fornecidos pelo IBGE para os períodos de 1995/96, 2000/01, 2003/ 04 e pelo Frigorífico Mercosul (2003/04) nota-se valores de US$ 0, 84, US$ 0,62, US$ 0,58 e US$ 0,60, respectivamente. Deve ser salientado que o preço histórico nas últimas décadas tem sido US$ 0,72 por kg de peso vivo de boi. 114 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 1,20 US$ 1,00 0,80 0,60 0,40 Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago MERCOSUL 03/04 0,61 0,61 0,61 0,64 0,64 0,60 0,57 0,56 0,56 0,58 0,61 0,62 IBGE 03/04 0,61 0,60 0,59 0,64 0,64 0,59 0,55 0,52 0,52 0,55 0,58 0,57 IBGE 95/96 0,82 0,95 0,96 1,06 0,67 0,75 0,84 0,75 0,73 0,82 0,90 0,83 IBGE 00/01 0,73 0,69 0,64 0,64 0,69 0,65 0,62 0,59 0,54 0,53 0,56 0,57 Mês FIGURA 7 – Preço do kg vivo do boi segundo o IBGE e no Frigorífico Mercosul. Fonte dos dados brutos: IBGE, (2004); SUÑÉ, (2005). Dados do Brasil Central demonstram que o preço de venda da arroba entre 1997 e 2003 decresceu em 32,5% enquanto os custos de produção tiveram um significativo aumento. Barcellos et al. (2004) analisando os custos de tecnologias no Rio Grande do Sul, para intensificar a produção na bovinocultura de corte, observou um aumento considerável nos custos de produção. Ao comparar os períodos de 1997-2000 e 20012004, para a adoção de desmame precoce, redução da idade ao acasalamento de 24 para 14 meses, redução do abate de 36 para 24 meses e de 24 meses para 18 meses, obteve um aumento nos custos de 39%, 25%, 40% e 47%, respectivamente. Pesquisa mais recente, feita pela CNA (2005), indica que em todas as regiões produtoras de carne no Brasil, apresentaram grande acréscimo também nos custos de produção, a mão de obra e suplementação mineral, que participam com 36% dos custos totais, aumentaram 8,3% e 13,3%, respectivamente. De outra parte, cercas e máquinas agrícolas subiram mais de 20%. Portanto, todos os itens de produção estratégicos à pecuária de corte tiveram uma majoração de preços acima do valor do quilograma do boi. Em tese, os ganhos por produtividade deveriam ser suficientes para compensar a perda da rentabilidade da atividade, provocada por custos crescentes e pela incapacidade dos pecuaristas transferirem os aumentos de custos aos preços finais, acarretando perdas nas relações de troca da carne bovina com os principais insumos utilizados na pecuária. Problemas relacionados com “status” sanitário do Estado, centralização do abate em poucas plantas processadoras, concentração do varejo, concentração do setor de insumos e a falta de coordenação da cadeia produtiva, podem ser as possíveis causas dos baixos preços recebidos (BARCELLOS et al., 2004). Apesar do aumento das exportações, o volume de carne exportada ainda é pequeno e o Rio Grande do Sul não atingiu ainda os mercados que remuneram melhor. Para que o mercado interno pague Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 115 melhores preços, será necessária uma melhor qualidade da carne produzida, assim como, estratégias de “marketing” e de produtos certificados que agreguem valor ao produto conquistando os consumidores de maior poder aquisitivo e dispostos a pagar pela diferença (LAZZARINI et al., 1996; FAVARET Fº; PAULA, 1997). É importante que o setor se articule para reverter este quadro, de forma a reduzir custos e promover um crescimento mais equilibrado entre os elos da cadeia produtiva. Iniciativas de algumas redes de varejo e de frigoríficos demonstraram a percepção para esta realidade e aproveitaram a oportunidade ampliando suas margens de lucro. Porém o setor só poderá manter a força propulsora do crescimento por meio de uma distribuição mais eqüitativa dos ganhos aos agentes da cadeia produtiva (NEVES et al., 2001; BARCELLOS, 2002; FERREIRA; BARCELLOS, 2001). A combinação dos custos de produção em alta e preços em baixa provoca perda de margens ao segmento de produção, gerando desestímulos à manutenção dos investimentos dos pecuaristas na atividade. Embora, o objetivo deste trabalho não seja abordar as questões relativas à formação dos preços ao longo da cadeia, é possível afirmar a partir dos dados da literatura, que está ocorrendo uma queda nas margens de lucro no segmento dentro da porteira. Caso não haja uma recuperação na renda dos produtores, poderá haver uma queda na produção de animais para os próximos anos, comprometendo o desempenho das exportações e elevando os preços aos consumidores finais no mercado interno. Desta forma, todo o avanço conquistado nos últimos anos poderá ser perdido (MUSTEFAGA, 2004). CONCLUSÕES Com os resultados deste trabalho é possível verificar a evolução da pecuária gaúcha nos últimos anos, pois a diminuição na sazonalidade de oferta, o aumento do abate de novilhos jovens e a obtenção de pesos de carcaças mais altos, somente podem ser obtidos com a adoção de tecnologias de insumos e de processos em todas as etapas de produção cria, recria e terminação. O sistema de comercialização vem mudando rapidamente, predominando a compra de animais a rendimento pelo frigorífico, como forma de valorizar animais de melhor qualidade. Neste cenário, os produtores foram aderindo ao sistema na substituição da tradicional venda a peso vivo. Com o avanço tecnológico, ocorreu um aumento na taxa de nascimentos, o que tem permitido aos produtores comercializarem um maior efetivo de fêmeas. Contudo, isto também pode estar associado à queda de preços recebidos pelos produtores o que exige um maior desfrute do rebanho. No período analisado é demonstrada claramente a queda do preço recebido pelo produtor comparado com os anos 1990. Por outro lado, identifica-se uma flutuação mínima ao longo do ano, o que possibilita um melhor planejamento dos investimentos em melhorias tecnológicas. 116 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 REFERÊNCIAS ANUALPEC. Anuário da pecuária brasileira. São Paulo: Argos, 2004. 400p. ARBOITTE, M. Z. et al. Características da carcaça de novilhos 5/8 nelore-3/8 charolês abatidos em diferentes estádios de desenvolvimento. Revista da Sociedade Brasileira de Zootecnia, Viçosa, v.33, n.4, p.969-977, 2004. ABIEC – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS IMPORTADORES E EXPORTADORES DE CARNE. Estatísticas. Disponível em: <www.abiec.com.br/abiec>. Acesso em: 11 out. 2004. BARCELLOS, J. O. J. et al. Crescimento de fêmeas bovinas de corte aplicado aos sistemas de cria. [S.l. : s.n.], 2003. (Publicação Ocasional, 1). BARCELLOS, J. O. J. et al. 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Muitos desses desequilíbrios podem provocar doenças subclínicas que são de difícil percepção, limitando a produção de um modo persistente, provocando uma diminuição da produção, ocasionando perdas na rentabilidade do produtor e ainda possíveis alterações na composição e qualidade do leite. Os transtornos metabólicos podem ser detectados pelo estudo dos perfis bioquímicos no sangue. O objetivo deste estudo foi avaliar parâmetros do perfil metabólico e do leite em diferentes categorias de vacas leiteiras da raça Jersey em rebanhos do sul do Rio Grande do Sul. Foram utilizadas 59 Talita B. Roos é Méd. Vet. MSc. Doutoranda em Veterinária, UFPel – RS. Lúcio Vendramin é Acadêmico em Medicina Veterinária, UFPel – RS. Elizabeth Schwengler e Maikel Alan Goulart são Méds. Vets. Mestrandos em Veterinária, UFPel – RS. Pedro S. Quevedo é Acadêmico em Medicina Veterinária, UFPel – RS. Viviane M. Silva é Química, Mestranda em Química, UFPel – RS. Paola M. Lima Verde é Médica Veterinária. Francisco Augusto B. Del Pino é Farmacêutico e Bioquímico, Dr. Prof. Adjunto Dep. de Bioquímica do Instituto de Química e Geociências da UFPel. Cláudio D. Timm é Méd. Vet. Dr. Prof. Adjunto da Faculdade de Medicina Veterinária, UFPel – RS. Carlos Gil-Turnes é Méd. Vet. Dr. Prof. Adjunto da Faculdade de Medicina Veterinária, UFPel – RS. Marcio N. Corrêa é Méd. Vet. Dr. Prof. Adjunto da Faculdade de Medicina Veterinária, UFPel – RS. Endereço para correspondência: Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Pecuária – NUPEEC (www.ufpel.edu.br/nupeec), Departamento de Clínica Veterinária, Faculdade de Veterinária, UFPel. Campus Universitário s/nº – 96010-900 – Pelotas/RS Brasil. Talita B. Roos: [email protected]; [email protected] p . 1 22008 1-130 Veterinária em Foco Veterinária v. 5 v.5, n.2, n.2jan./jun. Canoas em Foco, jan./jun. 2008121 vacas da raça Jersey de diferentes propriedades da região sul do Rio Grande do Sul, as fêmeas foram divididas em três grupos: o primeiro de vacas (L1) 7 a 80 dias de lactação, o segundo (L2) com vacas de 81 a 270 dias de lactação e o terceiro (vacas secas) com vacas de 45 a 10 dias préparto. Amostras de sangue e leite foram coletadas e encaminhadas aos laboratórios da Universidade Federal de Pelotas/Brasil, onde foram mensurados os seguintes parâmetros: no sangue, glicose, uréia, albumina e aspartato transaminase (AST) e no leite, proteína verdadeira, lactose e gordura. Os resultados demonstraram diferenças nos parâmetros metabólicos na glicose, uréia e gama glutamil transferase (GGT), entre os grupos L1 e vacas secas, enquanto para os componentes do leite a diferença foi observada entre a gordura e a proteína verdadeira, sendo mais alta no grupo L2. Nenhum dos animais apresentou alterações que confirmassem doença metabólica, mesmo que subclínica, porém foram observadas as diferenças entre os diferentes períodos produtivos, vindo a confirmar as diferentes necessidades nutricionais e metabólicas para cada estágio produtivo dos animais. Palavras-chave: Metabolismo. Bovinos. Leite. Evaluation of metabolic profile and milk standards in different categories of dairy herds in the Jersey breed in teh Southern of Rio Grande do Sul ABSTRACT Instability between the nutrients in animal organism, their biotransformation and final substances elimination can cause changes in the animal metabolism. The consequence of this condition are metabolical diseases, known also as production diseases. Several of these imbalances can cause subclinical diseases, that are difficult to perception, limiting the production of a persistent manner, causing a decline in production, which causes losses in the profitability of the producer and possible changes in the composition and quality of milk. The metabolic disorders can be detected by the study of biochemical profiles in the blood. The objective of this study was evaluating parameters of metabolic profile and milk in different categories of dairy herds in the Jersey breed in the southern of Rio Grande do Sul. Fifty nine Jersey cows were used from different properties of the southern region of Rio Grande do Sul, the females were divided into three groups: the first of cows (L1) with 7 to 80 days of lactation, the second (L2) with cows of 81 to 270 days of lactation and the third (dry cow) with cows from 45 to 10 days prepartum. Samples of blood and milk were collected and forwarded to the laboratory of the Federal University of Pelotas / Brazil, where the following parameters were measured: blood, glucose, urea, albumin and aspartate transaminase (AST) and in the milk true protein, lactose and fat. The results showed differences in metabolic parameters in glucose, urea and gama glutamil transferase (GGT), between groups L1 and dry cows, while the components of milk for the difference was observed between fat and the true protein, being highest in the group L2. None of the animals showed amendments that confirmed metabolic disease, even subclinical, but the differences were observed between the different productive periods, coming to confirm the various metabolic and nutritional needs for each productive stage of the animals. Keywords: Metabolism. Bovine. Milk. INTRODUÇÃO A busca pelo aumento da produtividade na exploração leiteira determina que a vaca passe por alterações fisiológicas que poderão provocar prejuízos em seu 122 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 desempenho produtivo. Para minimizar os efeitos destas alterações devem-se utilizar manejos apropriados para a maior produtividade, especialmente no que se refere ao equilíbrio nutricional adequado, atendendo às demandas metabólicas com alimentos de qualidade, principalmente nos períodos de maiores requerimentos que correspondem ao início da lactação. É nesse período que o animal chega ao máximo de sua produção e seu consumo alimentar está diminuído, assim mobilizando suas reservas corporais, para satisfazer os elevados requerimentos metabólicos (VERNON, 2005; INGVARTSEN, 2006). Eventuais desequilíbrios entre os nutrientes que ingressam no organismo animal, sua biotransformação e a eliminação das substâncias resultantes podem ocasionar alterações no metabolismo animal. Quando esses desequilíbrios são de curta duração e não são muito severos, o metabolismo pode compensar utilizando as reservas corporais. Se for mais grave, o animal pode esgotar suas reservas corporais, não havendo compensação metabólica. A conseqüência direta dessa condição é a ocorrência das doenças metabólicas, também conhecidas como doenças da produção (WITTWER, 2000). Muitos desses desequilíbrios podem provocar doenças subclínicas que são de difícil percepção, limitando a produção de um modo persistente, provocando uma diminuição da produção, ocasionando perdas na rentabilidade ao produtor e ainda possíveis alterações na composição e qualidade do leite (INGVARTSEN, 2006). Na maior parte os transtornos metabólicos podem ser detectados pelo estudo dos perfis bioquímicos no sangue; para isso deve-se levar em conta características gerais do rebanho, localização geográfica e o estado fisiológico dos animais (PAYNE; PAYNE, 1987; GRANDE; SANTOS, 2006). Além das questões ligadas a produção de leite, observa-se também durante o período reprodutivo o aumento das demandas metabólicas, podendo levar à diminuição da fertilidade desses animais e dificultando a obtenção de um parto ao ano. Entre as principais causas de diminuição de fertilidade citam-se o deficiente fornecimento nutricional e o desequilíbrio de minerais, principalmente cálcio e fósforo (GALIMBERTI et al., 1997; DUFFIELD et al., 1999). Por se tratarem de alterações sem sinais aparentes, normalmente animais acometidos por transtornos metabólicos subclínicos não são detectados pelos produtores e mesmo por técnicos, mas muito provavelmente provocarão prejuízos econômicos (NOORDHUIZEN, 2006). Tais alterações só poderão ser detectadas caso o técnico responsável pelo sistema opte por realizar um diagnóstico específico através da realização de testes diagnósticos, nos quais podemos incluir o perfil metabólico (OSTERGAARD; SORENSEN, 1998). Porém, geralmente é restrito o número de informações de cada região e mesmo de cada propriedade. O objetivo deste estudo foi avaliar parâmetros do perfil metabólico e do leite em diferentes categorias de vacas leiteiras da raça Jersey em rebanhos do sul do Rio Grande do Sul. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 123 MATERIAL E METÓDOS O experimento foi realizado em 6 propriedades leiteiras da região sul do Rio Grande do Sul, Brasil, no período da primavera. Animais de todas as ordens de lactação foram coletados, sendo 20% de cada categoria por propriedade, totalizando 59 vacas. Os animais foram mantidos na rotina da propriedade de origem, entendendo assim a possível existência de diferenças de manejo entre as localidades, principalmente podendo diferir em algum grau o manejo nutricional. Ambas as coletas, sangue e leite foram realizadas após a ordenha. Antes da coleta de leite foi realizado o teste do Califórnia Mastitis Test (CMT) para exclusão de animais com possível infecção na glândula mamária. Os animais estudados foram divididos em três grupos de acordo com o período produtivo (Tabela 1). TABELA 1 – Categorização dos animais utilizados no experimento, de acordo com o período produtivo. Grupos Lactação 1 Lactação 2 Vacas secas Total Período 7 a 80 dias de lactação 81 a 270 dias de lactação 45 a 10 dias pré-parto N° de animais 20 27 12 59 As amostras de sangue foram colhidas através de punção da veia jugular, sendo dividas em tubos de ensaio conforme a necessidade de cada análise realizada, como mostra a Tabela 2. Após coleta as amostras foram centrifugadas a 3500 rpm durante 10 minutos e distribuídas em dois eppendorff, posteriormente refrigeradas (±4ºC) ou congeladas (18ºC) conforme a necessidade. TABELA 2 – Coleta, processamento e armazenamento do sangue para cada análise realizada. Perfil Análise Metodologia Energético Glucose Método da glicose oxidada Protéico Albumina Uréia Técnica do verde de bromocresol Técnica da urease AST GGT Técnica de Reitiman e Frankel Técnica Szasz modificado Enzimático Material Plasma com EDTA 10% e KF 12% Soro Plasma com EDTA 10% e KF 12% Plasma com EDTA 10% Plasma com EDTA 10% Armazenamento ±4ºC ±4ºC ±4ºC ±4ºC -18°C O perfil energético foi determinado a partir das concentrações plasmáticas de glucose (método da glicose oxidase), foram utilizadas amostras refrigeradas de plasma contendo fluoreto (KF), sendo este um inibidor da glicólise. Para determinação do 124 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 perfil protéico foram aferidas as concentrações de albumina (técnica do verde de bromocresol) e uréia (técnica da urease) em soro e plasma refrigerado contendo inibidor, respectivamente. A enzima aspartato transaminase (AST) (técnica de Reitiman e Frankel) foi determinada em plasma refrigerado, enquanto a gama glutamil transferase (GGT) (técnica Szasz modificado) foi quantificada nas amostras de plasma congelado. Todos os metabólitos e enzimas foram dosados usando kits reagentes específicos (LABTEST®) com a utilização de espectrofotômetro de luz visível FEMTO 435® (Pharmacia Biotech Ultrospec 2000®). Foram colhidas amostras de leite a partir da ordenha total, armazenadas em frasco estéril, mantidas em refrigeração e imediatamente enviadas ao laboratório, onde foram mensuradas as concentrações dos constituintes do leite, proteína verdadeira, lactose e gordura e sólidos totais, através de leitura por absorção infravermelha, utilizando-se o equipamento Bentley 2000®. Foram geradas análises estatísticas, utilizando o software Statistix 8.0 for Windows. Para comparação das médias foi utilizado o Teste-t. RESULTADOS E DISCUSSÃO A tabela 3 descreve os resultados obtidos dos metabólitos e enzimas dos três grupos de animais estudados no experimento. TABELA 3 – Médias das concentrações de glicose, albumina e uréia sanguínea, AST e GGT, observadas no experimento para cada grupo experimental. Grupo Glicose (mmol/l) Albumina (g/l) Uréia (mmol/l) AST (UI/ml) GGT (mg/dl) Lactação 1 Lactação 2 Vacas Secas 2,67a 2,75ab 2,93b 27,1 27,9 27,1 3,96a 4,16ab 3,41b 44,20 44,38 43,06 29,24a 26,74ab 19,71b Valores seguidos de letras distintas na mesma coluna, diferem por pelo menos P<0,05. As concentrações de glicose nos animais desse experimento encontram-se todas de acordo com os limites citados por Kaneko et al. (1997). Observou-se que as vacas do grupo Lactação 1 apresentaram níveis de glicose sanguínea inferiores (p<0,05) quando comparadas às vacas secas. A concentração de glicose sanguínea apresenta pouca variação, devido aos mecanismos homeostáticos do organismo; em função disto a dieta não apresenta grande influência sobre a glicose, exceto em condições de desnutrição exacerbada. O fato dos animais do grupo Lactação 1 apresentarem níveis inferiores de glicose sanguínea provavelmente é devido à importância da glicose no metabolismo energético da vaca leiteira, em função da síntese da lactose pela glândula mamária, sendo maior a demanda no período inicial do pós-parto até ultrapassar o pico de lactação (PAYNE; PAYNE, 1987). Os resultados observados nos animais estudados Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 125 provavelmente devem-se, ao fato da dieta não suprir as necessidades fisiológicas e metabólicas dos animais do grupo Lactação 1, com isso a glicose sanguínea é desviada para a síntese de lactose na glândula mamária, conseqüentemente diminuindo os níveis de glicose sanguínea. Enquanto que a diferença, mesmo que apenas numérica do grupo Lactação 2, pode ser explicada pelo fato destes animais não estarem mais com a necessidade da mudança de metabolismo para produção de leite, e sim já adaptados a esta condição de lactação. As concentrações de albumina nos animais do experimento encontram-se todas abaixo dos limites citados por Kaneko et al. (1997), não sendo observadas diferenças entre os grupos estudados. No pós-parto, considera-se a albumina como um indicador da função hepática, pois fisiologicamente existe uma queda desta proteína no período do parto e a recuperação destes níveis depende da atividade do fígado em sintetizála. Quanto maior a capacidade de recuperação dos níveis de albumina no sangue, maiores são as chances do animal apresentar um bom desempenho reprodutivo e produtivo. O limite crítico de albumina sanguínea é de 30 g/L; abaixo disso a vaca estaria com seu metabolismo comprometido, podendo influenciar negativamente o desempenho produtivo e reprodutivo (GONZÁLEZ, 1997). Os baixos valores de albumina obtidos nesse estudo, provavelmente, são conseqüências da deficiência protéica na dieta, já que a albumina é uma medida mais em longo prazo dos níveis de proteína. Porém, não se descarta uma falha na função hepática, já que as duas situações são comuns em gado de leite, principalmente no início da lactação, período em que a dieta geralmente apresenta-se em quantidades inadequadas de proteína e a glândula mamária prioriza os aminoácidos disponíveis para a síntese de caseína (PAYNE; PAYNE, 1987). Foram observadas concentrações de uréia similares às preconizadas por outros autores (WITTWER et al., 1987; ROSSATO, 2000). Porém as vacas do grupo Lactação 1 apresentaram níveis superiores (p< 0,05) quando comparadas às vacas secas. Os níveis de uréia sanguínea costumam oscilar rapidamente em função de alterações na dieta, constituindo-se em um sensível indicador da ingesta protéica. Altas concentrações de uréia podem refletir um consumo excessivo de fontes protéicas, por outro lado baixos níveis de uréia podem ser resultados de uma deficiência energética na dieta (BAKER et al., 1995). Assim, é possível que as vacas secas utilizadas neste estudo estivessem sendo submetidas a um manejo alimentar deficiente ou inadequado, no que se refere aos níveis protéicos. Não foram observadas diferenças (p>0,5) na concentração sanguínea da enzima aspartato-aminotranferase (AST) entre os grupos estudados. A AST pode indicar o mau funcionamento do fígado aumentando seu nível na corrente circulatória em casos de desordens hepáticas, como, por exemplo, em hipoglicemias (GONZÁLEZ; SILVA, 2006), ou ainda, em qualquer outro caso de anormalidades infecciosas ou tóxicas que afetem as funções desse órgão (GREGORY et al., 1999) Com isso observamos que os animais em estudo não apresentavam alterações hepáticas que viessem a ocasionar alterações nesse metabólito. 126 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 A enzima gama-glutamil tranferase (GGT) apresentou diferença (p<0,05) entre os grupos Lactação 1 e as vacas secas, observando-se uma concentração inferior nas vacas secas em relação aos animais do grupo Lactação 1. Esta enzima também é utilizada como indicador de lesão subclínica hepática (MELAKU et al., 2004; STELLA et al., 2007). Estas enzimas aumentam sua atividade quando há necessidade de formação de cetoácidos a fim de manter as concentrações plasmáticas de compostos energéticos, por excesso de aminoácidos, ou quando houver lesão celular principalmente hepática (STELLA et al., 2007). Os animais do grupo Lactação 1 provavelmente apresentaram uma concentração mais elevada, quando comparados com as vacas secas, por estarem recebendo uma maior quantidade de proteínas na dieta, porém, este aumento não esteve relacionado à disfunção hepática, pois em nenhum dos casos a GGT apresentouse em concentrações acima do considerado normal. Na tabela 4 serão descritos os resultados obtidos para os componentes do leite dos dois grupos de animais estudados no experimento. TABELA 4 – Médias da concentração de gordura, lactose e proteína verdadeira (PV) analisados no experimento para os dois grupos lactantes estudados. Grupo Gordura (%) Lactose (%) PV Lactação 1 Lactação 2 3,7a 4,4b 4,4 4,3 3,4a 3,2b Valores seguidos de letras distintas na mesma coluna, diferem por pelo menos P<0,05. Os teores de gordura das amostras de leite estão acima do limite mínimo permitido pelo Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal – RIISPOA, do Ministério da Agricultura (BRASIL, 1996), sendo inferior (p<0,05) nos animais do grupo Lactação 1, quando comparado com o grupo L2. A gordura é o componente do leite sujeito a maior variação, podendo ser influenciado por fatores genéticos, raça, estação do ano. Porém, as principais causas geralmente são de origem nutricional. Provavelmente os animais do grupo Lactação 1 tenham recebido uma maior proporção de concentrado na dieta em relação aos demais animais, assim alterando a fermentação ruminal, que passou a produzir mais ácido propiônico e uma menor produção de acido acético que é o principal precursor da gordura do leite, conseqüentemente diminuindo o teor de gordura do leite (MAEKAWA et al. 2002; COSTA et al. 2005). O teor de lactose observado nos animais estudados estava de acordo com os limites estipulados na legislação e conforme o esperado não apresentou diferenças (p< 0,05) entre os grupos estudados. A concentração de lactose no leite não pode ser alterada por fatores nutricionais, indicando que seus níveis estão ligados diretamente com a função osmótica e a produção de leite da glândula mamária, ou seja, os teores da lactose tendem a aumentar conforme vão se aproximando do pico de lactação e, conseqüentemente, irão diminuir ao final da lactação, mas geralmente de forma não significativa (PERES, 2001; WATTIAUX; ARMENTANO, 2007). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 127 O teor de proteína verdadeira apresentou diferença entre os grupos estudados, sendo inferior (p<0,05) no grupo de animais Lactação 1. O teor de proteína do leite é menos variável, pois fatores que tendem a aumentar a proteína do leite também estimulam a sua síntese. O valor de proteína pode ser influenciado por vários fatores, entre eles, raça do animal, estágio da lactação, características genéticas e ainda as alterações de origem nutricional (PONCE et al., 1990). Um aumento da proporção de concentrados na dieta desses animais pode ter ocasionado uma alteração na fermentação ruminal, levando a uma maior produção de ácido propiônico. Autores sugerem que bactérias que sintetizam ácido propiônico possuam um perfil de aminoácidos mais adequados à síntese de proteínas do leite (CARVALHO, 2000; KNORR, 2007). CONCLUSÃO Nenhum dos animais apresentou alterações que confirmassem doença metabólica, mesmo que subclínica, porém foram observadas diferenças entre os períodos produtivos, vindo a confirmar as diferentes necessidades nutricionais e metabólicas para cada estágio produtivo dos animais. As diferenças observadas tanto nos parâmetros metabólicos utilizados quanto na composição do leite, ocorreram provavelmente devido a alterações nutricionais, realizadas conforme o período produtivo que o animal se encontrava. REFERÊNCIAS BAKER, L. D.; FERGUSON., J. D.; CHALUPA, W. 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Recebido em: jan. 2008 130 Aceito em: abr. 2008 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Urolitíase em novilho nelore não-castrado Paulo César Amaral Ribeiro da Silva Cícero Araújo Pitombo Luiz Fernando Oliveira Caetano André Gomes Lima Vagner Sarmento Arêas Lhilton Vargas Júnior RESUMO Neste trabalho relata-se um caso de urolitíase obstrutiva ocorrida em um bovino da raça nelore, de 1 ano e 3 meses de idade, do sexo masculino, não castrado, criado em sistema intensivo, em uma fazenda no município de São Gonçalo – RJ, Brasil. O animal apresentou sintomas agudos, foi submetido ao exame clínico e ultrassonográfico. Através da necropsia foram observadas alterações macroscópicas que mostravam a agressividade da patologia. O exame histopatológico foi utilizado para observar e relatar alterações microscópicas dos órgãos afetados. O referido caso trata-se de um animal não castrado, não havendo relatos como este na literatura, sendo necessários maior atenção e estudos, visto que a doença leva a sérios prejuízos econômicos. Palavras-chave: Bovino. Urolitíase. Obstrutiva. Urolithiasis in steer nelore uncastrated ABSTRACT This article reports an obstructive urolithiasis in a bovine of 1 year and 3 months of age, male, Nelore, uncastrated, which was maintained in confinement in a farm in the city of São Gonçalo, RJ, Brazil. The animal presented acute symptoms and was submitted to clinical and ultrassonographic examinations. Necropsy showed macrocospic alterations that suggest the aggressiveness of the pathology. Histopathologic examination was done to report microscopic alterations of the affected organs. This case is about an uncastrated animal, with no reports like this described in the literature, requiring further attention and study, because the disease leads to serious economic losses. Keywords: Bovine. Urolithiasis. Obstructive. Paulo César Amaral Ribeiro da Silva é Médico Veterinário, Dr., Professor Adjunto II do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Agrárias – CCAUFES. Cícero Araújo Pitombo é Médico Veterinário, Dr., Professor Adjunto II da Universidade Federal Fluminense – UFF. Luiz Fernando Oliveira Caetano é Médico Veterinário Autônomo. André Gomes Lima é Médico Veterinário, Residente em Clínica, Cirurgia e Reprodução em Animais de Produção da Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Agrárias – CCAUFES. Vagner Sarmento Arêas é Acadêmico de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Agrárias – CCAUFES. Lhilton Vargas Júnior é Acadêmico de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Agrárias – CCAUFES. Endereço para correspondência: Professor Paulo César Amaral Ribeiro da Silva – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Agrárias – CCAUFES, departamento de Medicina Veterinária. Alto Universitário s/ número, caixa postal no 16, Alegre, Espírito Santo. p . 1 3 12008 -136 Veterinária em Foco Veterinária v. 5 v.5, n.2, n.2 jan./jun. Canoas em Foco, jan./jun. 2008131 INTRODUÇÃO A urolitíase define-se como formação de cálculos em conseqüência da precipitação de minerais ou substâncias orgânicas no trato urinário. Quando há obstrução da passagem de urina, a alteração denomina-se urolitíase obstrutiva, ocorrendo acúmulo de urina na bexiga e acarretando processo inflamatório, hidronefrose e uremia pós-renal. A nutrição e o manejo são os principais fatores predisponentes para o aparecimento da urolitíase (RIET-CORREA, 2001; RADOSTITS, 2002; REBHUN, 2000). A doença é comum entre os ruminantes criados em sistema de manejo em que a ração é composta principalmente de grãos (RADOSTITS, 2002), ou quando os animais consomem pastos que contêm grande quantidade de sílica ou oxalatos. (REBHUN, 2000). As dietas ricas em concentrado aumentam as mucoproteínas urinárias e levam a uma solidificação dos solutos urinários. As dietas ricas em fósforo (P), ou desequilíbrio de cálcio (Ca) e P na ração (REBHUN, 2000), especialmente o trigo que contém alto teor de fósforo (GONZÁLES, et al. 2000), a deficiência de vitamina A, o excesso de estrógenos, a hipervitaminose D, a redução do consumo hídrico (REBHUN, 2000) e o pH da urina (RADOSTITS, 2002), são fatores predisponentes a urolitíase. Segundo o National Reserch Council (1985), citado por Del Claro, et al. (2006), o uso de 0,5% de sulfato de amônia ou cloreto de amônia na ração total diminui a urolitíase em ovinos. A afecção ocorre com maior freqüência em bovinos machos castrados criados em sistema intensivo (RIET-CORREA, 2001; RADOSTITS, 2002; REBHUN, 2000). A urolitíase ocorre em todas as espécies de ruminantes, porém a maior importância econômica é em novilhos e carneiros castrados para engorda (RADOSTITS, 2002), pois o diâmetro da uretra fica significativamente menor comparativamente ao dos touros (SMITH, 1993). Os cálculos desenvolvem-se em machos e fêmeas similarmente, mas a urolitíase obstrutiva ocorre principalmente em machos devido às diferenças anatômicas e hormonais (FRASE, 1991). A obstrução em bovinos machos ocorre mais comumente na região sigmóide distal uretral. Também são possíveis cálculos renais, ureterais e vesicais, mas a obstrução uretral constitui a situação clínica mais comum (REBHUN, 2000). Em ruminantes, os tipos predominantes de cálculos são os compostos de estruvita (fosfato de magnésio e amônia), silicatos, carbonatos, oxalatos e a formação de tais cálculos depende da super saturação da urina com cristalóides calculogênicos (SMITH, 1993). Em agosto de 1999, foi diagnosticada a enfermidade na região sul em um rebanho de bovinos de corte confinados. De um total de 1.100 novilhos castrados, cinco foram afetados. Os novilhos recebiam alimentação rica em grãos e pobre em forragem. A análise química revelou que os cálculos urinários eram formados por fosfato e amônio. Um desequilíbrio na relação cálcio-fósforo (0,4: 0,6) foi constatado através da análise da ração utilizada, acreditando-se que esse seria o motivo da formação dos cristais (LORETTI, 2003). No Rio Grande do Sul, um surto de urolitíase foi diagnosticado em bovinos machos castrados, confinados e alimentados com ração concentrada e com pouca 132 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 disponibilidade de água. Os cálculos continham fosfato de amônia. Alguns surtos de urolitíase em bovinos castrados em pastoreio ocorrem no Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. As causas destes surtos e a constituição dos urólitos não têm sido diagnosticadas (RIET-CORREA, 2001). Há sinais clínicos de dor abdominal aguda de aparecimento súbito, observa-se anorexia, inquietação, dificuldade para andar e marcha rígida (RIET-CORREA, 2001,), o prolapso retal podendo ser seqüela do esforço (FRASE, 1991). No exame retal, a uretra e bexiga são palpadas distendidas, e a uretra mostra-se dolorida e pulsa quando manipulada (RADOSTITS, 2002). Ruptura da bexiga é a seqüela mais séria da obstrução uretral (SMITH, 1993). Quando há ruptura, o animal apresenta melhora aparente pelo alívio da dor. Posteriormente observa-se depressão marcada e aumento de volume do abdômen, que está preenchido com urina. A morte por uremia ocorre 2-3 dias após a ruptura. O curso clínico pode ser de 5 –7 dias (RIET-CORREA, 2001). Microscopicamente, há evidencias de alterações inflamatórias crônicas e de hemorragia no trato urinário inferior. Usualmente a mucosa está ulcerada, mas pode haver áreas de hiperplasia das células epiteliais transicionais, com numerosas células caliciformes. Ocorrem degeneração e necrose da musculatura lisa, nos casos severos (THOMSON, 1990). O tecido renal sofre atrofia progressiva com aumento de tecido conjuntivo intersticial, desaparecimento de túbulos renais, obstrução de glomérulos e outras alterações (SANTOS, 1986). A mortalidade é alta nos casos de obstrução uretral, e o tratamento é principalmente cirúrgico. Como resultado, a prevenção é importante para diminuir as perdas por urolitíase (RADOSTITS, 2002). O perfil metabólico revela hiperfosfatemia e hipermagnesemia, com ou sem hipocalcemia. O tratamento consiste na adição de carbonato de Ca no alimento para inibir a absorção de P no intestino (GONZÁLEZ, et al. 2000). RELATO DE CASO No município de São Gonçalo, Rio de Janeiro, um bovino da raça nelore, macho, não castrado, com um ano e três meses de idade, apresentou-se em decúbito, apático e com sinais de dor, tendo sido criado em sistema intensivo, alimentado com capim de espécies variadas, feno, concentrado e água de boa qualidade à vontade. O animal havia demonstrado os sinais repentinamente, não se observando eliminação de urina ou defecação. Ao exame clínico, apresentava temperatura corporal 38.5°C, 64 batimentos cardíacos por minuto, 52 movimentos respiratórios por minuto, intensa sialorréia, batia os membros posteriores no chão e balançava a cauda simultaneamente, sinais característicos de dor. Através da palpação retal notou-se um aumento da vesícula urinária. O exame ultrassonográfico revelou pequenos pontos hiperecóicos, espessamento da parede e muita celularidade, sugerindo a presença de cálculos. Foi realizada então uma punção da bexiga através do reto com agulha 40x16 conectada a um equipo. A urina obtida Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 133 apresentava-se com coloração avermelhada. Devido à gravidade do quadro clinico decidiuse intervir cirurgicamente e durante o procedimento optou-se pela eutanásia do animal. No exame “post mortem” os rins apresentavam-se aumentados, com a cápsula espessada e áreas de coloração avermelhada. A bexiga apresentava-se muito distendida sendo que, em sua parte externa apresentava uma coloração vermelho escuro com áreas enegrecidas (Figura 1). Quando de sua abertura, a mucosa apresentava-se cinza escura, a urina era avermelhada e continha cálculos arenosos. A uretra apresentava-se dilatada com presença de cálculos do mesmo aspecto dos existentes na bexiga. FIGURA 1 – Foto macrografia da vesícula urinária distendida com áreas avermelhadas e enegrecidas. Através do exame histopatológico foi evidenciada nefrite intersticial (Figura 2). Observou-se extensa área de hemorragia intersticial, necrose tubular, presença de trombos e degeneração glomerular. A bexiga apresentou uma cistite ulcerativa associada à hemorragia. Foi observada destruição da mucosa e hemorragia profusa da parede do órgão (Figura 3), infiltrado inflamatório, congestão da submucosa e afastamento das fibras musculares. FIGURA 2 – Foto micrografia do rim bovino apresentando nefrite intersticial. HE-200x. 134 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 FIGURA 3 – Foto micrografia da vesícula urinária com cistite, destruição da mucosa e hemorragia profunda da parede do órgão. HE – 40x. RESULTADOS E DISCUSSÃO Radostits et al. (2002) relatam que a urolitíase ocorre em todas as espécies de ruminantes, porém a maior importância econômica é em novilhos castrados para engorda, assim como Loretti (2003) e Riet-Correa et al. (2001) relataram surtos na região sul, em animais castrados e confinados. No presente relato, o novilho não era castrado. O novilho em questão era criado em sistema intensivo com alta oferta de concentrado e, de acordo com Rebhun (2000), as dietas ricas em concentrado aumentam as mucoproteínas urinárias e levam a uma solidificação dos solutos urinários. Riet-Correa et al. (2001) relataram que, após a obstrução, há espasmo, inflamação e diminuição ou supressão do fluxo de urina, o que causa dor e cólicas. Ocorre retenção de urina na bexiga e hidronefrose, conforme também foi observado no presente caso. Radostits et al. (2002) afirmam que, no exame retal, a uretra e a bexiga são palpadas distendidas, e a uretra mostra-se dolorida e pulsa quando manipulada. No caso ora relatado observou-se apenas distensão da bexiga. Thomson (1990) afirma que os animais que morrem de obstrução urinária apresentam a bexiga enormemente distendida, com parede delgada e freqüentemente difusamente hemorrágica, características evidenciadas na necropsia do novilho e microscopicamente há evidências de alterações inflamatórias, hemorragia no trato urinário inferior e usualmente mucosas ulceradas. O exame histopatológico do caso relatado evidenciou essas alterações. CONCLUSÕES O presente trabalho permitiu comparar os achados clínicos do caso descrito com os relatos de literatura. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 135 O sistema intensivo de criação com a utilização de concentrado pode ser um fator predisponente para ocorrência da urolitíase. Igualmente como verificado na literatura, o exame físico através da palpação retal associado ao histórico e os dados epidemiológicos foram suficientes para determinar o diagnóstico. Segundo dados existentes na literatura e o acompanhamento deste caso, o apoio ultrassonográfico mostrou-se importante para elucidação do caso clínico. De acordo com a literatura e o relato deste caso, o prognóstico desta doença é grave devendo-se optar por medidas profiláticas. O referido caso trata-se de um animal não castrado, não havendo relatos como este descrito na literatura, sendo necessários maior atenção e estudos, visto que a doença leva a sérios prejuízos econômicos. REFERÊNCIAS DEL CLARO, G. R; ZAETTI, M. A; et al. Balanço cátion-aniônico da dieta no metabolismo de cálcio em ovinos. Ciência Rural, Santa Maria, v.36, n.1, jan./fev., 2006.FRASE, C. M. Manual Merck de Veterinária. 6.ed. São Paulo: Roca, 1991. GONZÁLEZ, F. H. D.; BARCELLOS, J.; PATIÑO, H. O.; RIBEIRO, L. A. Perfil metabólico em ruminantes: seu uso em nutrição e doenças nutricionais, Porto Alegre: Gráfica UFRGS, 2000. LORETTI, A. P. et al. 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Recebido em: dez. 2007 136 Aceito em: maio 2008 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Urolitíase em eqüino Renato S. Pulz Camila Silva Luis A. Scott Cíntia Simões Heloísa Santini Flávia Facin RESUMO Os eqüinos podem ser acometidos por urolitíases, e o cálculo vesical é o mais comum. O mecanismo de formação dos urólitos é desconhecido e vários fatores podem estar envolvidos na formação da doença. O presente trabalho teve por finalidade descrever a ocorrência de um cálculo cístico em um eqüino. O animal com sinais clínicos de obstrução das vias urinárias e diagnóstico ultra-sonográfico de cálculo na bexiga foi submetido a cirurgia. A cistotomia revelou um cálculo arenoso de aproximadamente 3 quilos composto basicamente por carbonato de cálcio. No pós-operatório o paciente apresentou atonia vesical. Não foi possível concluir qual foi a etiologia da doença, porém foram considerados como fatores predisponentes a elevada dureza da água consumida e uma possível atonia vesical prévia. Palavras-chave: Urólito. Cálculo vesical. Eqüino. Bexiga. Urolithiasis in equine ABSTRACT The equines can have urolthiasis and the vesical calculi is most common. The mechanism of formation of the urolith in unknow and some factors can be involved in the formation of disease. The aim of this paper is to describe the occurrence of a cystic calculi in a horse. The animal with clinical signs of blockage of the urinary tract and diagnostic ultrasound of a stone in the bladder was submitted to surgery. The cystotomy basically disclosed three kilos approximately and is composed of an arenaceous stone of calcium carbonate. In the postoperative period the patient it presented vesical atony. It was not possible to conclude which was the etiology of the illness, however it can be consider as predisponent factors the raised hardness of the water and a previous vesical atony. Keywords: Urolith. Vesical calculi. Equine. Bladder. Renato S. Pulz é Médico Veterinário, Dr. Professor da Disciplina de Cirurgia da ULBRA. Camila Silva é Médica Veterinária – 1ª Tem. do 30 Regimento de Cavalaria de Guarda. Luis A. Scott é Médico Veterinário. Cíntia Simões é Médica Veterinária Residente do HV – ULBRA. Heloísa Santini é Acadêmica do Curso de Medicina Veterinária da ULBRA. Flávia Facin é Acadêmica do Curso de Medicina Veterinária da ULBRA. Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina Veterinária – ULBRA. Av. Inconfidência, 101, Prédio 25. Canoas/RS. CEP: 92420-280. E-mail: [email protected] p . 1 3 72008 -142 Veterinária em Foco Veterinária v. 5 v.5, n.2, n.2 jan./jun. Canoas em Foco, jan./jun. 2008137 INTRODUÇÃO A espécie eqüina é raramente afetada por doenças do trato urinário (KELLER, 1990). Segundo o autor uma das enfermidades que podem ocorrer é a formação de cálculos. Os precipitados em forma de pedra em qualquer local das vias urinárias são chamados de urolitíases. A pedra é chamada de urólito ou cálculo urinário e são encontrados com maior freqüência na bexiga e nestes casos são denominados de cálculos císticos (JONES, 2000). Knottembelt e Pascoe (1998) comentam que os cálculos vesicais constituem a forma clínica mais comum de urolitíase no cavalo e Bayly (2000) observou uma prevalência estimada em 0,11% e 7,8% dos cavalos examinados por doenças do trato urinário. Segundo Divers (1993), a ocorrência da doença é maior em machos do que nas fêmeas e esta menor predisposição da fêmea deve-se a uma uretra mais curta, larga e distensível, o que permite a passagem do cálculo. Frasier (2001) afirmou que o mecanismo de formação dos urólitos nos eqüinos é desconhecido, porém ressaltou que o pH e o alto teor mineral urinário possam favorecer a formação de cristais. A urina normal de cavalos contém grande quantidade de mucoproteínas, que podem servir como substância cimentante para aderir os cristais. Além disto, é altamente alcalina, o que facilita a cristalização da maioria dos componentes de um urólito, em especial o carbonato de cálcio. O mesmo autor salientou ainda que o consumo de água e alimentos ricos em teor mineral pode aumentar a concentração urinária de solutos e com isto promover a cristalização e precipitação. Segundo Scott II (2000) os fatores que contribuem para a precipitação de cristais urinários incluem a hipersaturação urinária e a retenção prolongada de urina, além de tendências genéticas para excretar grandes quantidades de cálcio, ácido úrico ou oxalatos. Conforme este autor, nos casos de paralisia de bexiga, a estase do fluxo urinário possibilita o contato entre o material cristalóide e uroepitélio favorecendo a nucleação. Bayly (2000) corrobora a afirmação de que a atonia da bexiga pode ser responsável pelo acúmulo de sedimentos e obstrução. Knottenbelt e Pascoe (1998) também citaram a ocorrência de paralisia de bexiga em eqüinos como fator predisponente da enfermidade. A perda do controle da função vesical é um problema relativamente raro em eqüinos, as disfunções da micção em eqüinos podem estar associadas a mieloencefalopatias de causas traumáticas, neoplásicas ou infecciosas. Nestes casos, podem estar presentes ainda sinais como: a perda do tônus do esfíncter anal, paralisia da cauda, hipoalgesia sobre o períneo, atrofia dos músculos do quadril e do membro posterior e fraqueza nos posteriores (BAYLY, 2000; DÜSTERDIEK, 2003). Segundo Brown e Bertone (2005), o esvaziamento vesical incompleto causa acúmulo de grandes quantidades de sedimento urinário sabuloso ou mucóide na bexiga, que consiste basicamente em cristais de carbonato de cálcio (urolitíase sabulosa). O peso e o volume desse material provoca uma distensão progressiva da bexiga, com a perda da função do músculo detrusor e paralisia progressiva (bexiga miogênica), que vai interferir na micção normal. 138 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 De acordo com Divers (1993) o exame clínico deve incluir a observação do cavalo durante a micção, palpação retal da bexiga, evacuação manual da bexiga durante o exame retal e avaliação do tônus do esfíncter anal. Uma história completa, inclusive o exame neurológico, deveram ser obtidos em todos cavalos com incontinência urinária inexplicada. Os sintomas da presença do cálculo vesical variam muito e dependem do tamanho e da composição da “pedra”. Comumente causam cistite, e o animal pode apresentar evidente desconforto abdominal, encurvamento da coluna lombar (cifose), dificuldade locomotora posterior e relutância para trotar e galopar. O cavalo apresenta tenesmo e dor à micção, e a urina pode apresentar coloração vermelha (hematúria), devido à lesão vascular na parede da bexiga, ou apenas manchada de sangue no final da micção. Perda de peso crônica pode ocorrer, pois pode estar associada a quadros de desconforto abdominal de graus leves e esporádicos (THOMASSIAN, 1996). Knottenbelt e Pascoe (1998) observaram que no macho, o sinal mais evidente é a incontinência urinária, em que ocorre gotejamento intermitente ou contínuo de pequenos volumes de urina normal, resultando em assadura dos membros pélvicos. Frasier (2001) cita que os eqüinos afetados freqüentemente se esticam para urinar e podem manter essa postura por períodos variáveis antes e depois da micção. Os sinais adicionais podem incluir queimadura com urina no períneo das fêmeas ou na face medial dos membros traseiros dos machos. Os machos podem protrair o pênis flacidamente por períodos prolongados, enquanto gotejam urina de modo intermitente. Os eqüinos afetados podem exibir ocasionalmente episódios recorrentes de cólica ou andadura de membro posterior alterada. Entre os sinais clínicos, é comum uma má condição corporal (DIVERS, 1993; PIRIE, 2003). Segundo Divers (1993), o sinal clínico mais comum exibido por cavalos com cálculo vesical é a hematúria após o exercício. Polaciúria, estrangúria, ou disúria podem também ser observadas, assim como também se pode encontrar um fino sedimento (areia) na bexiga de alguns cavalos exibindo disúria. RELATO DO CASO O animal foi atendido por apresentar dificuldade para urinar há mais de uma semana e por não adquirir a posição normal de micção, além de caminhar com dificuldade e perder peso. Também foi relatado que a urina apresentava-se esbranquiçada, com aspecto arenoso e que escorria aos poucos pelo prepúcio sujando os pêlos dos membros. O eqüino se alimentava com ração comercial de baixa qualidade e elevado teor de farelos. Ao exame físico geral foram observadas: má condição corporal, dismetria, incontinência urinária e os pêlos dos membros esbranquiçados. A palpação retal revelou a bexiga repleta e um tônus do esfíncter anal reduzido, a urina apresentou um sedimento denso de aspecto esbranquiçado e arenoso (Figura 1). Na urinálise foram observados cristais de carbonato de cálcio em excesso. O exame ultrassonográfico confirmou o diagnóstico de cálculo vesical. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 139 FIGURA 1 – Sedimento arenoso (esquerda) e urina densa (direita). O eqüino foi submetido ao tratamento cirúrgico para remoção do cálculo. Sob anestesia geral inalatória foi realizada uma cistotomia (Figura 2). Na cirurgia observouse a presença de um cálculo com aproximadamente 3 kg, amarelo-esverdeado, de aspecto arenoso, friável ao toque e que se despedaçava com facilidade (Figura 3). No tratamento pós-operatório foi realizada a administração de antiinflamatório e antibiótico. A análise do cálculo revelou uma composição de carbonato de cálcio. FIGURA 2 – Bexiga. FIGURA 3 – Cálculo arenoso de 2,9 kg. 140 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 O eqüino permaneceu com incontinência urinária e com dificuldade do completo esvaziamento da bexiga, quadro que permaneceu até o último exame realizado 6 meses após a cirurgia. DISCUSSÃO As urolitíases são raras nos eqüinos (BAYLY, 2000). Os cálculos das vias urinárias em eqüinos são mais comuns na bexiga e principalmente em machos (JONES, 2000), o que foi verificado neste caso. O cavalo em questão se encontrava em uma criação com mais 200 cavalos e não houve registro de caso semelhante nos últimos 10 anos, corroborando com a incidência registrada na literatura. O diagnóstico foi baseado nos sinais clínicos evidentes de obstrução urinária, além de exames complementares. O paciente apresentava todos os sinais clínicos citados por Knottembelt e Pascoe (1998) e Frasier (2001), exceto os acessos recorrentes de cólica. A caquexia apresentada pelo paciente provavelmente decorreu da presença da dor abdominal crônica causada pela distensão da bexiga (THOMASSIAN, 1996). Os exames laboratoriais revelaram azotemia e a presença elevada de cristais na urinálise e a confirmação através da ultra-sonografia via retal foi fundamental para decisão pelo tratamento cirúrgico. Conforme afirmou Frasier (2001), o mecanismo de formação dos urólitos nos eqüinos é desconhecido e os casos naturais ocorrem mais provavelmente como resultado da interação de vários fatores. Segundo o mesmo autor, a ingestão de dieta rica em farelos e a água com elevada dureza podem ter contribuído para formação do cálculo. Porém ao considerarmos a rara ocorrência da doença no plantel mantido sob o mesmo manejo alimentar, competem como fatores predisponentes mais aceitos os aspectos individuais: como a idade avançada e uma possível atonia vesical prévia (BAYLY, 2000; BROWN e BERTONE, 2005). Não foi possível estabelecer uma possível causa para a disfunção da bexiga, mas várias etiologias foram sugeridas (BAYLY, 2000). A fraqueza muscular dos membros posteriores e um reduzido tônus anal sugeriam uma disfunção neurológica. O acúmulo de uma grande massa de sedimento urinário de aspecto arenoso na face ventral da bexiga de eqüinos foi denominado por Brown (2002) como urolitíases sabulosa. O autor comentou ainda que nos eqüinos com paresia vesical, a sedimentação dos cristais da urina normal pode levar a formação do urólito sabuloso. A análise do cálculo revelou uma composição básica de carbonato de cálcio, correspondendo com a afirmativa de Frasier (2001). A cistotomia é o tratamento de eleição e foi considerado satisfatório, porém o paciente continuou com a incontinência urinária. Este fenômeno poderia ser considerado uma seqüela da cirurgia, mas acreditamos que a atonia vesical era prévia ao tratamento cirúrgico, sendo provável que esta disfunção tenha sido um fator predisponente para a formação do cálculo arenoso, conforme sugeriu Brown (2002). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 141 CONCLUSÃO O cálculo arenoso vesical em eqüinos pode ser causado por um sedimento a base de carbonato de cálcio e ocupar praticamente toda a bexiga causando uma obstrução das vias urinárias com sinais clínicos evidentes. Existem inúmeros fatores concorrentes no desenvolvimento da doença e as causas podem não ser completamente estabelecidas, porém o tratamento deverá ser cirúrgico e com um prognóstico favorável. REFERÊNCIAS BAYLY, W.M. Incontinência Urinária e Disfunção Vesical. In: REED, S. M.; BAYLY, W. M. Medicina interna eqüina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogann, 2000, p.778-780. BROWN, C. M.; BERTONE, J. J. Consulta Veterinária em 5 min. Espécie eqüina. São Paulo: Manole, 2005. DIVERS, T. J. Sistema Renal Eqüino. In: SMITH, B. P. Tratado de Medicina Interna de Grandes Animais. V.1. São Paulo: Manole, 1993, p.873-888. DÜSTERDIEK, K. F. Obstructive disease of the urinary tract. In: ROBINSON, N. E. Current Therapy in Equine Medicine – 5. Philadelphia: W. B. Saunders, p.832-834, 2003. FRASIER, C. M. Manual Merck de Veterinária. 8.ed. São Paulo: Roca, 2001. KELLER, H. Doenças do sistema urinário. In: WINTZER, H. Doenças dos eqüinos. São Paulo: Manole, 1990, p.146-158. KELLER, H. Doenças do Sistema Urinário. In: WINTZER, H. J. Doença dos Eqüinos. São Paulo: Manole, 1990, p.167-181. KNOTTEMBELT, D. C.; PASCOE, R. R. Afecções e Distúrbios do Cavalo. São Paulo: Manole, 1998. PIRIE, R. S. Bladder, retal, anal, and tail paralysis; perineal hypalgesia; and other signs of cauda eqüina syndrome. In: ROBINSON, N. E. Current Therapy in Equine Medicine – 5. Philadelphia: W. B. Saunders, p.755-760, 2003. SCHOTT II H. C. Doença Obstrutiva do Trato Urinário. In: REED, S. M.; BAYLY, W. M. Medicina interna eqüina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogann, 2000, p.755 – 763. SCHOTT II, H. C. Fisiologia Renal. In: REED, S. M.; BAYLY, W. M. Medicina interna eqüína. Rio de Janeiro: Guanabara Koogann, 2000, p. 701- 711. SCHOTT, H. C. Sistema Urinário. In: SAVAGE, C. J. Segredos em Medicina de Eqüinos. Porto Alegre: Artmed, 2001, p.171-202. THOMASSIAN, A. Enfermidades dos Eqüinos. 3.ed. São Paulo: Varela, 1996. Recebido em: mar. 2008 142 Aceito em: maio 2008 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Pneumonia por Rhodococcus equi Tamarini Rodrigues Arlas Marília Corrêa Borba Cláudia Sant’Anna Paulo Ricardo Loss Aguiar Eduardo Malschizky Rodrigo Costa Mattos RESUMO A pneumonia causada por Rhodococcus equi é uma enfermidade que acomete potros com menos de 6 meses de vida. O agente é um microorganismo Gram-positivo, que é transmitido através da poeira, sendo encontrado em grande quantidade em locais onde há um manejo constante de éguas e potros. Além da pneumonia, esta infecção pode também resultar em diarréia, artrite séptica, abscedação intra-abdominal e abscessos multifocais em toda parte do corpo. Devido à alta mortalidade, aos altos custos e longos períodos de tratamento, é uma doença importante do ponto de vista econômico, sendo a prevenção a melhor forma de controle. Esta revisão tem como objetivo esclarecer e orientar quanto a aspectos importantes desta enfermidade. Palavras-chave: Rhodococcus equi. Potro. Pneumonia. Rhodococcus equi pneumonia ABSTRACT Rhodococcus equi pneumonia is a disease that occurs in foals with less than 6 months old. It is a Gram-positive microorganism, which is transmitted through the dust in places where it has a constant handling of mares and foals. This infection can also result in diarrhea, articular sepsis, intra-abdominal and multifocal abscesses in all part of the body. Due to the high mortality, costs and length of treatment, it is an important disease from the economic point of view and prevention is the best way of controlling. Important aspects of the disease are discussed in this review. Keywords: Rhodococcus equi. Foal. Pneumonia. Tamarini Rodrigues Arlas é Méd. Vet. Mestranda PPG em Ciências Veterinárias UFRGS. Marília Corrêa Borba é Méd. Vet. Autônoma. Cláudia Sant’Anna é Méd. Vet. Autônoma. Paulo Ricardo Loss Aguiar é Méd. Vet., Mestre, Professor Adjunto do Curso de Medicina Veterinária ULBRA/RS. Eduardo Malschizky é Méd. Vet. Doutor, Professor Adjunto do Curso de Medicina Veterinária ULBRA/RS. Rodrigo Costa Mattos é Méd. Vet., Doutor, Professor Adjunto, Departamento de Medicina Animal, UFRGS. Endereço para correspondência: Av. Farroupilha, 8001, Canoas/RS, CEP:92425-900. E-mail: [email protected] p . 1 42008 3-153 Veterinária em Foco Veterinária v. 5 v.5, n.2, n.2jan./jun. Canoas em Foco, jan./jun. 2008143 INTRODUÇÃO Uma das principais causas de doença e mortalidade em potros entre o segundo e o sexto mês de vida é a pneumonia, sendo um dos principais agentes causadores o Rhodococcus equi (THOMASSIAN, 2005). Os rodococos são bactérias Gram-positivas, que apresentam desde a forma cocóide até bastonetes. É um microrganismo aeróbio, cuja temperatura ótima para o crescimento é de 30°C, não se multiplicando a temperaturas abaixo de 10°C. O R. equi é disseminado pelas fezes dos eqüinos saudáveis, contaminando assim o ambiente. A multiplicação do microrganismo começa logo que as fezes chegam ao ambiente, recebendo umidade, nutrientes e temperatura apropriados. O isolamento do microrganismo pode ser feito a partir do solo, onde é capaz de sobreviver por períodos prolongados, especialmente em ambientes repletos de matéria orgânica. Como resultado, o solo, especialmente na superfície, atua como a principal fonte de microrganismos para potros suscetíveis, especialmente em fazendas onde as infecções são diagnosticadas rotineiramente. Ao contrário de outros microrganismos, o solo ácido não parece inibir o R. equi, e o microrganismo é capaz de sobreviver em solos secos e úmidos. Solos arenosos podem ser particularmente adequados para sobrevivência das bactérias e transmissão da doença (BERTONE, 2000). A faixa etária em que os potros são acometidos compreende de dois e cinco meses de vida, o que possivelmente se deva à queda natural dos níveis plasmáticos de anticorpos, que ocorre sempre entre a 4ª e 8ª semana de vida (WILSON, 1997, TIZARD, 1998). A infecção tem sido relatada nos cinco continentes, independentemente da raça, sexo ou sistema de criação (DEPRÁ et al., 2001). Apesar de o R. equi estar presente na maioria das fazendas de criação de eqüinos, casos clínicos podem não ocorrer, ou serem apenas esporádicos em alguns locais, enquanto outros são enzoóticos. A doença apresenta efeitos devastadores, com níveis de morbidade podendo exceder 40% em áreas endêmicas (SLOVIS, 2005). Esta variação na morbidade é dependente da presença, ou não, da proteína de virulência VapA. De acordo com Carlton & Mcgavin (1998), a evolução do curso clínico, uma broncopneumonia crônica, é de 30 a 40 dias, com mortalidade média de 64%. As perdas de potros numa determinada fazenda podem totalizar de 10-15%. O agente é capaz de sobreviver no interior das células fagocíticas e esta capacidade do R. equi de se multiplicar nos macrófagos alveolares e destruí-los é básica para a sua patogenicidade. Histologicamente, as lesões de pneumonia caracterizam-se por numerosos leucócitos polimorfonucleares e macrófagos (BERTONE, 2000; WARNER, 1996). Fatores ambientais que podem predispor os potros ao desenvolvimento de pneumonia são altas temperaturas e alta umidade relativa do ar, especialmente se associadas a períodos secos e com vento, condições que favorecem a inalação de poeira pelos animais. Em condições de calor, seca e manejo inadequado das baias o microorganismo pode se multiplicar até 10000 vezes em 2 semanas (DEPRÁ et al., 2001). Por outro lado, a necessidade de dissipar calor em climas quentes sobrecarrega o trato respiratório dos potros, que são menos eficientes em eliminar calor através da sudorese, se comparados a eqüinos adultos (WILSON, 1997). 144 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 APRESENTAÇÃO CLÍNICA Os potros podem parecer saudáveis até que a infecção comprometa a maior parte dos pulmões, após o que desenvolvem desconforto respiratório e sinais clínicos de pneumonia severa, morrendo dentro de alguns dias. No entanto, após um período de incubação de 10 a 21 dias, ou mais, o quadro mais comum é uma broncopneumonia supurativa crônica, com abscedação pulmonar, febre, aumento das freqüências respiratória e cardíaca e uma descarga nasal purulenta ocasional. Sem uma terapia adequada, os potros apresentam uma aparência emaciada e morrem depois de algumas semanas ou meses. No caso de sobrevivência, ocorrem fibrose pulmonar extensa permanente e diminuição da capacidade respiratória. Ocorrem pneumonia granulomatosa crônica e abscessos pulmonares e dos linfonodos. Também podem ocorrer enterocolite ulcerativa e linfadenite associada, artrite séptica, osteomielite, uveíte ou panoftalmite. Até 30% dos potros com pneumonia pelo R. equi apresentam uma sinovite não séptica causada pela deposição de complexo antígeno-anticorpo (uma reação de hipersensibilidade tipo III) ativa e crônica, caracterizada por uma distenção articular com uma claudicação mínima ou inexistente (LEWIS, 2000). Os potros podem apresentar tosse branda e profunda, não tendo características de crise. Com a cronificação da doença, podem ser observados falha no desenvolvimento, depressão, letargia e alguns potros apresentam desconforto abdominal e extrema intolerância a qualquer tipo de exercício (THOMASSIAN, 2005; WILKINS, 2005). DIAGNÓSTICO O diagnóstico baseia-se nas características epidêmiológicas ou endêmicas da doença no criatório, nos sinais clínicos e anatomopatológicos. A auscultação pulmonar pode relevar estertores, chiados, estalos e áreas de silêncio ou apenas ruídos respiratórios com redução do murmúrio vesicular. É comum a auscultação pulmonar não apresentar resultados compatíveis com o grau de severidade das lesões que se desenvolvem nos pulmões, particularmente na fase inicial de abscedação. Exames laboratoriais revelam que os potros, demonstram leucocitose (acima de 13.000 células/mm3), com neutrofilia e monocitose, além de níveis elevados de fibrinogênio plasmático (>400 mg/dl) (COHEN, 2002). Foram observados valores significativamente menores de hematócrito em potros que adoeceram, quando comparados aos valores observados em potros sadios (DEPRÁ et al., 2001). Estes autores compararam dados hematológicos de potros sadios e que adoeceram, de um mesmo criatório, submetidos a controle semanal rotineiro e observaram que na leitura dos leucogramas dos doentes havia uma variação muito grande, especialmente devido a ocorrência alternada de leucopenia e leucocitose com neutrofilia, confundindo a leitura das médias No entanto, consideram que o leucograma tem um excelente valor diagnóstico quando avaliado individualmente. A citologia e a cultura bacteriológica do aspirado transtraqueal é considerado o meio mais importante para o diagnóstico definitivo de infeccções por R. equi. O lavado Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 145 traqueobronqueal pode revelar a presença de formações pleomórficas intracelulares Gram-positivas em cerca de 61% dos casos (THOMASSIAN, 2005). No entanto, nem sempre é prático ou desejável executar uma lavagem transtraqueal em potros com pneumonia devido ao estresse gerado pela contenção necessária para a coleta do material (WILSON, 1997). Guiguére (2001) acrescenta que por vezes, esse procedimento pode resultar em óbito do paciente. O exame radiológico do tórax é um método capaz de detectar precocemente potros apresentando pneumonia por R. equi, podendo ser realizada a campo em animais até os 6 meses de vida. Os achados do exame radiográfico podem revelar desde discreto aumento difuso da densidade pulmonar, até nodulações ou lesões cavitárias de abscedação e linfadenopatia traqueobronquial, podendo-se evidenciar tanto lesões centrais quanto periféricas (COHEN, 2002). Este mesmo autor, no entanto, cita como desvantagens para a sua utilização na doença pulmonar, a exposição de todas as pessoas à radiação, custos associados ao procedimento, o tempo necessário para a avaliação dos resultados e o fato de que as lesões podem não ser características, como ocorre em casos avançados de pneumonia por R. equi. A ultrassonografia do tórax, por outro lado, permite a visualização de áreas de consolidação, pleuropneumonia, abscessos, granulomas, tumores e hérnias diafragmáticas (REEF, 1998) e seu uso rotineiro é recomendado como método auxiliar no diagnóstico precoce de pneumonia por R. .equi, especialmente em locais com situação de endemia para a doença (SLOVIS, 2005). Os abscessos são identificados através de sua aparência cavitária, sendo graduadas, conforme a severidade e profundidade da maior lesão encontrada, numa escala de 0 (sem alterações) a 10 (toda a superfície pulmonar afetada). Na Tabela 1, estão apresentadas as diferentes graduações com a medida observada na lesão. TABELA 1 – Graduação das lesões observadas ao exame ultrassonográfico em potros apresentando pneumonia por R. equi. Grau Medida (cm) Grau Medida (cm) 1 2 3 4 5 até 1,0 1,0-2,0 2,1-3,0 3,1-4,0 4,1-5,0 6 7 8 9 10 5,1-6,0 6,1-7,0 7,1-8,0 8,1-9,0 inteiramente afetado Adaptado de Slovis (2005). TRATAMENTO O tratamento deve não só destruir os organismos causais com terapia antimicrobiana específica, mas também melhorar a função respiratória, minimizar o estresse e maximizar o conforto do paciente. Melhora da qualidade ambiental e a restrição do exercício são medidas importantes em casos severos, com redução da demanda 146 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 respiratória. Em casos moderados e nos que estão melhorando com o tratamento, um exercício limitado pode ser útil promovendo expectoração. Baias e piquetes frescos, limpos, sem poeira, sem odor forte (normalmente causados por aumento de amônia, que também causam desconforto e inflamação da mucosa respiratória superior e reduzem a capacidade fagocítica dos macrófagos alveolares) e bem ventilados são indicados para minimizar a atividade e a exposição dos animais ao agente. Pode ser usada a irrigação de piquetes e estradas para controlar a poeira e áreas como os corredores devem ser limpas e molhadas. O confinamento em baias com ar-condicionado pode ser utilizado para potros apresentando angústia respiratória (WILSON, 1997). A manutenção adequada da hidratação é importante para a recuperação do animal. A nebulização pode ser útil em potros com secreções espessas ou uma tosse não produtiva, mas é contra-indicado em potros com secreções úmidas e volumosas, e o procedimento pode levar ao “stress” (WILSON, 1997). Medidas auxiliares, como aplicação de broncodilatadores, mucolíticos e antiinflamatórios não hormonais, aliviam consideravelmente o quadro de insuficiência respiratória (THOMASSIAN, 2005). ANTIBIOTICOTERAPIA Os mecanismos de evasão do sistema imune do R.equi que permitem a sua viabilidade intracelular, inclusive no interior de fagócitos, condicionam a efetividade da terapia na rodococose à antimicrobianos lipofílicos, que possuem capacidade de penetração em neutrófilos, macrófagos e no foco piogranulomatoso (RIBEIRO, 1999). O tratamento de eleição consiste basicamente na utilização da associação de eritromicina e rifampicina. A eritromicina na dose de 25 a 30 mg/kg de peso 4 vezes ao dia e a rifampicina na dose de 5 a 10 mg/kg de peso 2 vezes ao dia, ambos por via oral, possuem boa lipossolubilidade e difusão nos tecidos e; por sinergismo, apresentam grande poder em combater o R. equi (THOMASSIAN, 2005). Ribeiro (1999) estudou a suscetibilidade a antimicrobianos de amostras de R. equi, isoladas de afecções pulmonares em potros, frente a 11 antimicrobianos (Tabela 2). Dentre os antimicrobianos comumente utilizados em medicina veterinária contra infecções por R.equi em potros, a rifampicina e a eritromicina têm sido relatadas como as drogas de maior efetividade in vitro. Apesar do emprego da rifampicina e eritromicina na maioria dos casos de rodococose em potros, outros antimicrobianos têm sido investigados como alternativos, devido a fatores limitantes na instituição e manutencão da terapia da doença, baseada apenas na associação dessas duas drogas. Nesses fatores incluem-se a resistência in vivo e in vitro (natural ou adquirida ao longo da terapia) de amostras de R.equi, o alto custo dos antimicrobianos, ou a ocorrência de reações orgânicas indesejáveis em animais tratados por longo período (MOORE, 1999). A eritromicina eventualmente pode desencadear diarréia no potro, além de estar associada com hipertermia potencialmente fatal em alguns casos em potros que se encontram em ambientes quentes (THOMASSIAN, 2005). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 147 A azitromicina vem sendo utilizada em substituição a eritromicina. Esse macrolídeo atinge uma concentração intracelular nos macrófagos 33 vezes mais alta que a eritromicina. Uma vez que o R. equi é um parasita intracelular, isso representa uma grande vantagem na eficácia do tratamento antibiótico (WILSON, 2001). A azitromicina apresenta uma meia-vida de eliminação longa, requerendo uma administração menos freqüente que a eritromicina. Após administrações orais repetidas, a concentração deste antibiótico nas células bronco-alveolares pode ser de 6 a 130 vezes maior do que a observada no sangue e, devido a sua alta concentração intracelular nos macrófagos, dose recomendada é de 10mg/kg por via oral 1 vez ao dia durante 5 a 10 dias (JACKS et al., 2001). TABELA 2 – Suscetibilidade a 11 antimicrobianos, de 31 amostras de R. equi isoladas de afecções pulmonares em potros, na prova de difusão em discos. Sensibilidade da amostra Antimicrobianos sensível N % Intermediária N % n resistente % Ampicilina 4 13 4 13 23 74,0 Enrofloxacina Eritromicina Estreptomicina Gentamicina Metronidazole Neomicina Penincilina G Rifampicina Sulfa/Trimetoprim Tetraciclina 11 31 17 28 0 29 1 30 0 2 35,5 100 54,8 90,4 -93,6 3,2 96,8 -6,4 14 0 7 2 0 0 0 0 5 18 45,2 -22,6 6,4 ----16,2 58,1 6 0 7 1 31 2 30 1 26 11 19,3 -22,6 3,2 100 6,4 96,8 3,2 83,8 35,5 Adaptado de Ribeiro (1999). PREVENÇÃO E CONTROLE Na prevenção e controle de infecção por R. equi, a redução do desafio infeccioso pode ser crítica. Isso inclui o isolamento dos potros doentes e eliminação de suas fezes, diminuição da formação de poeira, rotação de pastagens e irrigação de áreas poeirentas (BECÚ, 1999). Por outro lado, como não há método totalmente eficaz, é fundamental que se inclua nas medidas de controle métodos de diagnóstico precoce para a doença. O controle térmico de todos os potros é um bom meio para detectar a doença em estágios iniciais (BECÚ, 1999). Normalmente, a febre varia de 38,8°C a 40°C, mas em alguns momentos pode exceder a 45°C. O aumento da temperatura retal é freqüente em potros com infecção respiratória (WILSON, 1997). Em um estudo realizado por Martens et al. (1989), a temperatura retal dos potros era aferida uma vez ao dia entre 8:00 horas e 10:00 horas da manhã. Temperaturas acima de 39,4°C eram consideradas elevadas, servindo como forma de triagem para exames mais aprofundados. 148 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Deprá et al. (2001) estudaram dados de controle semanal de hematologia e sorologia de 302 potros puro sangue de corrida de um criatório com situação endêmica para R. equi. Os potros eram avaliados individualmente, através de observação de comportamento, freqüência e padrões respiratórios, duas vezes ao dia, e se observou que, apesar da diferença observada em valores de hematócrito, proteína total, fibrinogênio plasmático e nível de anticorpos específicos para R. equi entre potros sadios e aqueles que adoeceram, a maioria das alterações observadas nos exames laboratoriais ficaram evidentes somente após já terem sido detectadas alterações comportamentais, levando à conclusão de que o acompanhamento clínico freqüente, constante e individualizado pode ser considerado o meio mais importante para o diagnóstico da doença. A monitoração regular, através da ultra-sonografia de tórax é recomendada por Slovis (2005), devendo ser iniciada a partir da terceira semana de vida do potro e repetida em todos os animais a cada 14 dias, até a idade de 6 meses. Uma vez observada qualquer alteração durante este exame, deve ser instituída a terapia com antibióticos e o paciente deve ser isolado e colocado em ambiente favorável à recuperação. Na Tabela 3, está apresentada a duração do tratamento em função do grau de lesão observado ao exame ultra-sonográfico no dia em que a terapia com antimicrobianos foi iniciada. TABELA 3 – Relação entre o grau de lesão pulmonar ao exame ultra-sonográfico no dia do início e a duração do tratamento com antimicrobianos, em uma fazenda endêmica para Rhodococcus equi. Grau Potros (n) Duração do tratamento (dias) 1 2 4 28 22 12 17,7 31,7 53,7 Adaptado de Slovis (2005). Conforme se observa na Tabela 3, o diagnóstico precoce das lesões, apenas possibilitado pelo uso da monitoração freqüente de todos os indivíduos, reduz significativamente o tempo de tratamento dos animais afetados. A vacinação e a administração endovenosa de plasma hiper-imune obtido de mães vacinadas, são opções que podem ser efetivas na redução da incidência de infecção e morte provocada por R. equi em potros (GUIGUÉRE; PRESCOTT, 1997). Na Argentina e em outros países sul-americanos, a vacinação das éguas antes do parto, e em alguns casos com a administração de plasma hiper-imune para os recémnascidos vem sendo usada no controle da enfermidade (BECÚ, 1999). As éguas devem ser vacinadas aos 30 e 45 dias antes do parto, por via subcutânea. Esta vacina promoverá imunidade passiva específica por via colostral, aos potros recém-nascidos. A vida média destes anticorpos é de mais ou menos 30 dias. Com 60 a 75 dias de vida pode ainda ser detectado um certo título. No entanto, entre 20% a 30% das éguas não Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 149 respondem satisfatoriamente à vacina. Considerados também os casos de falha de transferência de imunidade passiva, devido à qualidade de colostro, o total de potros teoricamente protegidos somente com a vacinação ficaria em torno de 50% (BECÚ, 1996). Em modelo experimental de infecção em estudo realizado por Guiguére & Prescott (1997), a vacinação das éguas não garantiu proteção para prevenir contra a pneumonia por R. equi, apesar de um aumento significativo de anticorpos no colostro com transferência passiva parcial para os potros. Por outro lado, em um trabalho realizado com 115 potros, Madigan et al (1991) obteve uma redução significativa nos casos de pneumonia com a administração de plasma hiper-imune, em comparação ao número de casos em potros cujas mães foram apenas vacinadas. A incidência de pneumonia em potros de éguas vacinadas foi de 43% em comparação a somente 2,9% com a administração do plasma hiper-imune em fazenda endêmica da América do Norte. A transfusão de plasma hiper-imune é indicada em potros jovens com pneumonia e fracasso parcial ou completo de transferência passiva de anticorpos colostrais (WILSON, 1997). A aplicação do plasma hiper-imune, obtido de doadoras que receberam vacina contra R. equi, é capaz de proporcionar considerável proteção, reduzindo o número de casos em propriedades que apresentam a infecção em forma endêmica, embora ainda constitua medida controvertida quanto a ser de fundamental importância para o paciente (THOMASSIAN, 2005). O plasma deve ser administrado via endovenosa, pela veia jugular em um período de 10 a 20 minutos, com a 1a administração nos potros com idade de 4 dias de vida , sendo a 2a administração após 25 dias (BECÚ et al., 1997). Guiguére & Prescott (1997), alertam que o tempo e a compra do equipamento para administrar o plasma hiper-imune é alto, devendo-se medir o custo-benefício para prevenir a doença em fazendas com alta incidência de pneumonia por R. equi. Alterações no manejo, no entanto, parecem ser a melhor forma de reduzir a incidência da doença em áreas endêmicas. Reduzir a intensidade do manejo, promover a ocorrência de partos mais cedo durante a temporada reprodutiva manter a estabilidade dos lotes de éguas com potro ao pé, formar lotes com poucos indivíduos e reduzir o uso da cocheira foram considerados os fatores determinantes para a redução da incidência de pneumonia por R. equi em uma fazenda com situação endêmica (DEPRÁ et al., 2001). Comparando diferentes formas de manejo para o controle das infecções por R. equi em outro estabelecimento com situação endêmica para a doença no sul do Brasil, Malschitzky et al (2005) observaram que não utilização da cocheira, desde o dia do nascimento resultou em uma significativa redução da morbidade (Tabela 2) quando comparado a manejos em que os animais eram mantidos estabulados por períodos superiores a 5 horas diárias. 150 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 TABELA 2 – Incidência de infecção por R. equi, na região da grande Porto Alegre em um estabelecimento com situação endêmica para R. equi Manejo n Cocheira Cocheira + Plasma Hiper-imune (2 e 35 dias) Manutenção a campo + plasma hiper-imune 2 d 108 236 196 Doentes n % 32 41 7 29,6a 17,3b, c 3,6d Letras diferentes (a, b) indicam diferença significativa (λ2=6,66; p=0,009) Letras diferentes (c, d) indicam diferença significativa (λ2=20,6; p=0,00001) Os dados enfatizam a necessidade de alterar o manejo geral do haras, em especial com a redução, ou abolição do uso da cocheira para potros entre o nascimento e o desmame quando se pretende reduzir a incidência das infecções por Rhodococcus equi. CONCLUSÃO Alterações de manejo como a redução, ou abolição do uso da cocheira para éguas com produto ao pé, a adoção da alimentação a campo, redução do número de indivíduos nos grupos de éguas, a manutenção da estabilidade dos componentes do lote a redução da lotação e a promoção de partos mais cedo na temporada reprodutiva parecem ser a melhor forma de prevenir ou reduzir a incidência de infecções por Rhodococcus equi. Associado a práticas que favoreçam o diagnóstico precoce da doença, como a observação individual diária do comportamento e a avaliação rotineira através de ultra-sonografia do tórax pode garantir uma redução significativa da morbidade e da mortalidade em áreas endêmicas. REFERÊNCIAS BECÚ, T. Resumen de medidás tendientes a controlar la neumonía de los potrillos por Rhodococcus equi. Buenos Aires: Clínica equina SRL, 1996. BECÚ, T. Shinji Takai estuda o Rhodococcus na Agentina. Saúde Eqüina. Ano II, n .13; São Paulo: Segmento, p.16, 1999. 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É importante conhecer as formas de absorção, as rotas metabólicas e as propriedades anestésicas dos agentes injetáveis, já que suas bases farmacocinéticas são essenciais para seu uso seguro. Sendo assim, a TIVA fornece a possibilidade de utilizar diversos fármacos, no entanto são mais apropriados aqueles que apresentam uma meia vida curta, com baixos volumes de distribuição, com um rápido início de ação, não produzindo metabólitos tóxicos ou ativos. Palavras-chave: Infusão contínua. Agente anestésico. Propofol. Etomidato. Cetamina. Injectable drugs for intravenous total anesthesia in dogs: Review ABSTRACT The total intravenous anesthesia (TIVA) is a technique that only uses intravenous drugs for the induction and the anesthetical maintenance. To obtain adequate TIVA it is necessary to combine a hipnosis, an analgesic and a choke must be combined to neuromuscular blockers. Inside of the injectable agents, the barbiturates are currently distinguished in the anesthesia veterinary medicine (thiopental and penthobarbital), propofol, steroids derivatives (alfaxalona/ alfadolona), imidazólicos derivatives (metomidato/etomidato) and dissociativos anaesthetics (ketamine and tiletamine). It is important to know the metabolic forms of absorption, routes and the anesthetical properties of the injectable agents, since its farmacocinetics basis are Anelise Bonilla Trindade e Cristiano Gomes são Médicos Veterinários, Mestrandos, Programa de PósGraduação em Ciências Veterinárias, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Luciana Dambrósio Guimarães é Médica Veterinária, Doutora, Professora de Anestesiologia na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Emerson Antonio Contesini é Médico Veterinário, Doutor, Professor de Técnica Cirúrgica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Paula Cristina Basso é Médica Veterinária, Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Endereço para correspondência: [email protected] p . 1 52008 4-172 Veterinária em Foco Veterinária v. 5 v.5, n.2, n.2jan./jun. 154 Canoasem Foco, jan./jun. 2008 essential for its safe use. Therefore, the TIVA supplies the possibility to use different drugs, however the most appropriates those that present a half short life, with low volumes of distribution, with a fast beginning of action, not producing toxic or active metabolic. Keywords: Continuous infusion. Anaesthetic agent. Propofol. Etomidate. Ketamine. INTRODUÇÃO A anestesia total intravenosa (TIVA) é uma técnica que utiliza somente fármacos intravenosos (IV) para a indução e a manutenção anestésica, evitando qualquer tipo de anestésico inalatório. A aplicação da TIVA tem sido especialmente possível nos últimos anos, graças ao desenvolvimento de anestésicos utilizados por via IV, de ação rápida e curta duração (CELORIO, 2007). Dentro da classe dos agentes injetáveis, destacam-se atualmente na anestesia veterinária os barbitúricos (tiopental e pentobarbital), propofol, derivados esteróides (alfaxalona/alfadolona), derivados imidazólicos (metomidato/etomidato) e anestésicos dissociativos (cetamina e tiletamina) (http: //minnie. uab. es/~veteri/21271/ ANESTESIA%20INYECTABLE.doc). Porém, os barbitúricos são utilizados somente em procedimentos curtos e em geral não é recomendada a infusão contínua já que pode ocorrer acúmulo, com metabolismo hepático lento, aumentando o período de recuperação anestésica (OTERO, 2005). Devido a estas razões, os barbitúricos não serão abordados neste trabalho. O uso da TIVA não é algo recente, pois desde o descobrimento dos barbitúricos tem sido uma técnica anestésica viável, seguida dos benzodiazepínicos e narcóticos e mais recentemente, a cetamina. No entanto, existem dois anestésicos relativamente novos em nosso meio que são chamados revolucionários no campo da anestesia intravenosa, que são o propofol (hipnótico) e o alfentanil (narcótico) (SAAVEDRA et al., 1996). A anestesia injetável a base de propofol, vem ganhando popularidade na medicina veterinária, devido as características de indução e manutenção da mesma (BETHS et al., 2001). Atualmente vem aumentando o interesse em técnicas de anestesia intravenosa na neuro-anestesia (RAISIS et al., 2007), isto porque agentes voláteis comumente utilizados na manutenção anestésica, interferem no fluxo sangüíneo cerebral, podendo levar a um aumento na pressão intracraniana (PIC) (STREBEL et al., 1995), diminuindo a perfusão cerebral e predispondo a lesão neuronal (CHONG; GELB, 1994). O isoflurano promove pequeno aumento na PIC quando comparado ao halotano (GROSSLIGHT et al., 1985), porém, aumento significativo na PIC tem sido observado em pacientes que apresentam tumores intracranianos, mesmo quando baixas doses são administradas (WALTERS, 1990). Portanto, a manutenção da anestesia geral por via intravenosa mostra-se como uma alternativa à anestesia inalatória graças ao uso de fármacos com pouco poder cumulativo e rápida recuperação (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001), além da facilidade na administração, ausência de irritação das vias respiratórias e não poluindo Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 155 o meio ambiente nem a área anestésico-cirúrgica. No entanto, a TIVA apresenta como principais desvantagens o fato de que os fármacos uma vez administrados não podem ser removidos da circulação e a maioria, não possui antagonista (http://minnie.uab.es/ ~veteri/21271/ANESTESIA%20 INYECTABLE.doc). Sendo assim, este trabalho visa fornecer aos estudantes e profissionais médicos veterinários subsídios para a escolha da anestesia geral intravenosa mais adequada de acordo com o procedimento e o estado clínico do paciente. É importante conhecer as formas de absorção, as rotas metabólicas e as propriedades anestésicas dos agentes injetáveis, já que suas bases farmacocinéticas são essenciais para seu uso seguro (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). ANESTESIA TOTAL INTRAVENOSA A TIVA é uma técnica anestésica de grande importância atual, oferecendo grandes benefícios tanto para o paciente como para o anestesista e demais participantes da equipe cirúrgica. Atualmente busca-se uma anestesia que seja segura para o paciente, que produza mínimas alterações hemodinâmicas, que promova muito boa analgesia, que não produza efeitos colaterais, que seja eliminada rapidamente, com volumes de distribuição baixos e taxa metabólica rápida sem produzir metabólitos ativos; que tenha um despertar agradável e rápido; que não aumente secreções e que não produza efeitos tóxicos crônicos na equipe cirúrgica. Este tipo de anestesia com todas essas características ainda é utopia, no entanto, a TIVA, cumpre muito desses critérios (SAAVEDRA et al., 1996; VARILLAS et al., 2007). Doses ideais são utilizadas para obterem-se efeitos desejáveis. Deve-se levar em consideração que a administração de uma droga em forma de bolus intermitentes, produz oscilações na concentração plasmática do agente em questão, o que pode levar as variações na profundidade anestésica e aparecimento de efeitos colaterais indesejáveis. A utilização de um fármaco em infusão intravenosa contínua diminui a incidência de flutuações em sua concentração plasmática e minimiza sua sobre ou subdose (VARILLAS et al., 2007). Portanto, para conseguir uma adequada TIVA devem-se combinar um hipnótico, um analgésico e um bloqueador neuromuscular. Este tipo de anestesia é um procedimento caro devido ao custo elevado dos fármacos utilizados, além da necessidade de três bombas de infusão para realizar um controle exato dos agentes, porém, na maioria das vezes, utiliza-se apenas uma bomba de infusão sendo a administração de outros fármacos em bolus (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). Além disso, devido ao fato dos bloqueadores neuromusculares atuarem paralisando a musculatura envolvida no processo de ventilação, torna-se indispensável o suporte ventilatório artificial. Por essas razões, o uso de bloqueadores neuromusculares na TIVA é limitado, não sendo uma prática comum em Medicina Veterinária (FILHO; NASCIMENTO, 2002). 156 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Ainda, os barbitúricos são utilizados somente em procedimentos curtos e em geral não é recomendada a infusão contínua já que pode ocorrer acúmulo, com metabolismo hepático lento, aumentando o período de recuperação anestésica (OTERO, 2005). Devido a estas razões, tanto os bloqueadore sneuromusculares quanto os barbitúricos não serão abordados neste trabalho. Vários são os agentes utilizados na TIVA, dentre eles, destacam-se o propofol, a cetamina e o etomidato, além de combinações destes com analgésicos opióides e benzodiazepínicos (SAAVEDRA et al., 1996). PROPOFOL O propofol (2,6 – diisopropilfenol) é um agente hipnótico intravenoso, disponível como emulsão de óleo em água, contendo óleo de soja, lecitina, ovo e glicerol e não contém preservativos. Tem pH neutro, é isotônico e sua formulação apenas é efetiva quando administrado através da via intravenosa (CORTOPASSI et al., 2000). É caracterizado por apresentar metabolismo rápido e curta duração de ação, podendo ser administrado por infusão contínua ou em doses repetidas sem efeito cumulativo (Tabela 2) (FANTONI et al., 1999). Esse fármaco não apresenta tendência a causar movimento involuntário e supressão córtico-supra-renal como observada com o etomidato. Mostra-se particularmente útil na prática crescente da cirurgia ambulatorial (Tabela 1) (RANG et al., 2001). Atualmente seu uso tem sido estendido a todas as especialidades cirúrgicas, já que também tem demonstrado seu valor em procedimentos terapêuticos, estudos especiais e cuidados intensivos, sendo utilizado para sedação, indução, hipnose e manutenção da anestesia (Tabela 1). Apresenta efeitos anticonvulsivantes e redução da taxa metabólica cerebral, com concomitante diminuição da PIC (MUÑOZ-CUEVAS et al., 2005). Quimicamente, o propofol é o único agente anestésico que pode ser usado tanto na indução em forma de bolus como na manutenção anestésica (BRANSON; GROSS, 1994), na forma de bolus intermitente (BOTELHO et al., 1996) e infusão contínua (RANG et al., 2001). Isso se deve às suas características farmacocinéticas que o isenta de efeito cumulativo, diferentemente do tiopental sódico (DUKE, 1995). Estudos prévios indicaram que a TIVA utilizando somente o propofol como agente anestésico não foi satisfatória devido à ausência de propriedade analgésica, portanto deve ser associado a um opióide (OHTA et al., 2004). O propofol não bloqueia as respostas nervosas autonômicas e por isto tem sido utilizado em altas doses para produzir anestesia geral (SHORT; BUFALARI, 1999). Com esse fármaco, o mecanismo de controle parassimpático do coração pode ser superior à resposta simpática mediada pelos barorreceptores, dando lugar a uma diminuição da atividade sinusal que provoca decréscimo da pressão arterial e freqüência cardíaca (OHTA et al., 2004). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 157 Igualmente a maioria dos fármacos anestésicos, altera o padrão respiratório normal do paciente modificando a resposta de seus mecanismos de controle respiratório, quimiorreceptores centrais sensíveis aos níveis de CO2, quimiorreceptores periféricos sensíveis aos níveis de O2 e receptores pulmonares. Portanto, na indução com propofol, podem aparecer períodos de apnéia de 4 a 7 minutos tanto no homem quanto no cão (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). CETAMINA É quimicamente designada como 2-(O-clorofenil)-2-(metil-amino)-ciclo-hexanona. É hidrossolúvel e uma solução aquosa a 10% tendo pH de 3,5. Devido a esta acidez, possui propriedades irritantes quando administrada pela via intramuscular. Sua lipossolubilidade é de aproximadamente 10 vezes ao barbitúrico tiopental sendo rapidamente absorvida após sua administração (FANTONI et al., 1999). Pode ser administrada por todas as vias, alcançando rapidamente o efeito desejado (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). Assemelha-se estreitamente, tanto do ponto de vista químico quanto farmacológico, a fenciclidina, uma “droga de rua” com efeito pronunciado sobre a percepção sensorial. Quando administrada pela via intravenosa possui efeito mais lento (1 a 2 minutos) do que o tiopental (RANG et al., 2001), com duração de 10 a 20 minutos, já que se redistribui de forma rápida aos tecidos nervosos (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001) e produz um efeito diferente, conhecido como “anestesia dissociativa”, em que ocorrem acentuada perda sensorial e analgesia, bem como amnésia e paralisia dos movimentos, sem verdadeira perda da consciência (RANG et al., 2001). A cetamina é um agente dissociativo que atua deprimindo a córtex cerebral (sistema tálamo-cortical) e estimula o sistema límbico e reticular antes de causar depressão medular. Potencializa o sistema dependente do GABA e interfere com o transporte neural de serotonina, dopamina e noradrenalina. Produz um estado de catalepsia ao invés de hipnose, acompanhado de profunda analgesia somática e amnésia. Permanecem todos os reflexos, corneal, palpebral, podal e de deglutição, além de apresentarem fenômenos de rigidez muscular e tremores, facilitando o aparecimento de convulsões generalizadas (FANTONI, 2002). Esse fármaco há muito é utilizado na anestesia de pequenos e grandes animais, seja associado a outros fármacos, como agente de indução à anestesia inalatória, para contenção química de indivíduos, seja para procedimentos cirúrgicos de curta duração (Tabela 1) (SOUZA et al., 2002). Sua metabolização é hepática produzindo metabólito ativo, a norcetamina. Sua eliminação é prolongada, sendo a recuperação de acordo com a dose administrada, principalmente quando se faz uso da via intramuscular (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). A principal desvantagem da cetamina, apesar da segurança associada a uma inatividade depressora global, é que as alucinações em humanos e, às vezes, o 158 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 delírio e o comportamento irracional são comuns durante a recuperação. Esses efeitos limitam sua utilização em humanos (RANG et al., 2001). Ainda, a qualidade da anestesia por ser do tipo dissociativa é difícil de avaliar já que não induz hipnose ou inconsciência e os reflexos não são abolidos. Os olhos permanecem abertos, há tensão muscular e pode haver movimentos espontâneos, além de respostas a cirurgia com movimentos bruscos. Proporciona melhor anestesia somática sendo importante em queimaduras, cirurgias traumatológicas ou cutâneas (Tabela 1) do que visceral (LAREDO; CATALAPIEDRA, 2001). As doses clínicas demonstram estimulação cardiovascular por apresentarem propriedades simpaticomiméticas as quais produzem taquicardia aumentando do consumo de O2 pelo miocárdio, aumentando a pressão arterial e pressão venosa central. Por esta razão, a cetamina é considerada um agente anestésico bastante seguro. Sobre o sistema respiratório, produz um padrão ventilatório apnêustico e irregular, caracterizado por uma grande pausa após a inspiração, e em doses elevadas, a respiração pode ser rápida e pouco efetiva sendo mal interpretada como anestesia superficial (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). Lançada há poucos anos, a cetamina S, isômero (+) da cetamina, tem sido utilizada na anestesia humana pela capacidade de determinar menores estímulos simpáticos e, conseqüentemente, evitar alterações cardiovasculares indesejáveis (SOUZA et al., 2002). Portanto, a cetamina é um agente anestésico dissociativo o qual produz considerável analgesia e estabilidade hemodionâmica. Este fármaco é utilizado na TIVA devido à rápida metabolização corporal (WATERMAN et al., 1987). Apresenta características farmacocinéticas que a fazem excelente para administração contínua, sendo utilizada na TIVA principalmente em pacientes em choque hemorrágico (Tabela 1). Entre suas principais características encontrase seu poder analgésico o qual, segundo alguns relatos, é alcançado em baixas doses (SAAVEDRA et al., 1996). Em caninos e felinos, a cetamina na dose de 0,5 a 1mg/kg, IM é uma opção para manejo de pacientes com dor somática, nos quais não se deseja provocar inconsciência. Na dose de 1 a 2 mg/kg, IV (Tabela 2) ou 2 a 4mg/kg, IM, produz somente 30 minutos de analgesia. Estes compostos mostram-se ineficientes na hora de tratar a dor de origem visceral. É particularmente útil para diminuir a dor durante a limpeza de feridas ou no manejo de pacientes com queimaduras, podendo também ser utilizada na dose de 5 a 10mg/kg para o manejo de pacientes agressivos e em doses maiores para procedimentos menores (OTERO, 2005). Em cães e gatos com instabilidade cardiovascular, a indução e manutenção com cetamina pode ser considerada uma alternativa desde que combinada com benzodiazepínicos para melhorar o grau de relaxamento muscular e evitar convulsões; e fentanil para melhorar a analgesia (Tabela 1) (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001; SOUZA et al., 2002; BRONDANI et al., 2003). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 159 TILETAMINA A tiletamina corresponde ao 2-etilamino 2-(2-tienil) ciclo-hexanona, sua potência e duração de ação são intermediárias entre a fenciclidina, a mais potente, e a cetamina, a menos potente dos agentes dissociativos (MASSONE, 2002). É comercializada associada em partes iguais com zolazepam, formulado como um pó branco na concentração de 10%. Uma das desvantagens deste produto é que, uma vez reconstituído, vai perdendo sua ação com o passar dos dias e, para conservar a potência por mais tempo, deve ser mantido refrigerado (OTERO, 2005). A tiletamina apresenta período de latência de 2 a 3 minutos após a injeção intramuscular, com duração de efeito aproximadamente de 60 minutos, sendo este efeito dose-dependente. Embora não tenha sido caracterizada sua atividade próconvulsivante em doses terapêuticas, em doses elevadas ela induz tremores, movimentos espásticos e convulsões (CORTOPASSI; FANTONI, 2002). A associação tiletamina-zolazepam tem sido utilizada para medicação préanestésica, sedação, imobilização, indução e manutenção anestésica, principalmente em procedimentos menos invasivos em cães, gatos, ruminantes, suínos e silvestres (Tabela 1) (PABLO; BAILEY, 1999). No sistema respiratório, a tiletamina promove diminuição na freqüência respiratória, com um padrão apneustico inicial que rapidamente é corrigido pelo zolazepam. É excretada pelos rins e por isso não é indicado seu uso em pacientes com insuficiência renal (CORTOPASSI; FANTONI, 2002; OTERO, 2005). Além disso, tem a propriedade de cruzar a barreira placentária deprimindo os fetos, não sendo recomendada também para cesarianas (OTERO, 2005). Existem algumas particularidades relacionadas à farmacocinética da tiletaminazolazepam em cães; por exemplo, possui meia-vida plasmática de uma hora do zolazepam contra 1,2 horas da tiletamina, prevalecendo os efeitos da tiletamina. Em gatos, observase o oposto, sendo a meia-vida plasmática da tiletamina e do zolazepam 2,5 e 4,4 horas respectivamente, ocorrendo maior tranquilização residual como resultado da maior vida plasmática do zolazepam, tornando o período de recuperação mais prolongado nesses animais (CORTOPASSI;& FANTONI, 2002). O uso desta associação como agentes isolados na indução e manutenção da anestesia não leva a uma adequada anestesia cirúrgica e analgesia visceral tanto em cães quanto em gatos, levando a repetição da dose constantemente, prejudicando a recuperação do paciente (LIN, 1996), portanto, faz-se necessário a combinação com outros anestésicos como medetomidina ou fentanil (LIN, 1996; CORTOPASSI; FANTONI, 2002; AYDILEK, 2007). Savvas et al. (2005) avaliaram os efeitos da associação tiletamina-zolazepam em diferentes doses e vias (5mg/kg,IV e 10mg/kg, IM) combinado com atropina (20μg/kg, IV) em cães observando dor em todos os animais do grupo que recebeu a associação 160 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 tiletamina-zolazepam via IM e transitória acidose respiratória não clinicamente relevante em animais de ambos os grupos. Já Valadão e Pacchini (2001), verificando efeitos cardiorrespiratórios da associação tiletamina-zolazepam em pacientes hipovolêmicos, verificou leve depressão respiratória imediatamente após sua aplicação, porém as pressões arteriais, sistólica, diastólica e média, além da freqüência e débito cardíaco, mantiveram-se estáveis, sendo, portanto, eficientes para anestesia em cães hipovolêmicos (Tabela 1). Portanto, a associação tiletamina-zolazepam está indicada para coleta de sangue, de tecidos ou outro material, tratamento de feridas (OTERO, 2005), transporte de animais, cirurgias de pequeno porte, cirurgias abdominais e ortopédicas (Tabela 1) (DINIZ, 1999). ETOMIDATO O etomidato é potente agente hipnótico, sem propriedades analgésicas. Apresenta-se sob a forma de etil (1 feniletil) – H-imidazol-5-carboxilato (FANTONI et al., 1999). É um anestésico intravenoso, não barbitúrico, de curta ação, utilizado tanto em humanos quanto em animais, com elevada margem de segurança, mas carece de propriedades analgésicas (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001; RANG et al., 2001). Não produz tolerância depois de repetidas administrações e não provoca liberação de histamina (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001), além de apresentar mínima depressão respiratória, proteção cerebral e rápida recuperação (RANG et al., 2001). O principal efeito do etomidato sobre o sistema nervoso central (SNC) é a hipnose por depressão do córtex cerebral atuando como protetor cerebral ao reduzir o consumo metabólico de oxigênio a nível cerebral e ao reduzir a PIC, mantendo a perfusão cerebral melhor do que o tiopental e o propofol (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). Estas características o fazem um excelente fármaco a ser usado em pacientes que apresentam alterações hemodinâmicas (Tabela1) (JANSSEN et al., 1975; DE PAEPE et al., 1999). O etomidato assemelha-se muito ao tiopental, embora haja maior probabilidade de que cause movimentos involuntários durante a indução, bem como náusea e vômitos pós-operatórios (RANG et al., 2001). Seus dois efeitos adversos mais comuns são dor durante a aplicação intravenosa e tromboflebite (NEBAUER et al., 1992). A baixa solubilidade em água do etomidato requer uma formulação de propileno glicol a 35% e este veículo é o responsável pela dor, tromboflebite e hemólise (NEBAUER et al., 1992; MOON, 1994). Alcança rapidamente o cérebro devido sua alta fração plasmática livre (25%), sua lipossolubilidade e ao fato de não estar ionizado em pH fisiológico. A distribuição inicial no compartimento central, que inclui o cérebro, seguida por uma primeira redistribuição rápida até o resto dos tecidos orgânicos, o que explica seu efeito breve e permite adaptar sua posologia dependendo do sistema de administração (bolus ou infusão) (Tabela 2) (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). Sua distribuição inicial e meia vida têm a duração de três minutos e redistribuição ocorre em 29 minutos (FROST, 2004). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 161 É metabolizado principalmente em nível hepático (FROST, 2004), por hidrólise com formação de ácido carboxílico, que é inativo. Tanto o ácido carboxílico quanto a pequena porção de etomidato não modificado são excretados principalmente pela urina, existindo certa excreção também através da bile e fezes (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). Passou a ser preferido ao tiopental em virtude de sua maior vantagem entre a dose anestésica e a dose necessária para produzir depressão respiratória e cardiovascular (RANG et al., 2001). Portanto, o etomidato pode ser usado como agente anestésico na indução ou manutenção da anestesia em pequenos animais, principalmente em pacientes cardiopatas e hipovolêmicos (Tabela 1), sendo contra-indicado em casos de insuficiência adrenal e renal, pois o acúmulo de pigmentos associado a hemólise compromete a capacidade de filtração renal (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). FENTANIL E ANÁLOGOS PARA ANALGESIA NATIVA O fentanil é opióide sintético, primariamente agonista do receptor μ, com propriedade analgésica de 80 a 100 vezes superior à da morfina; porém apresenta duração ultracurta. A principal vantagem deste opióide é que, quando administrado por via IV, apresenta efeito quase imediato (GÓRNIAK , 1999), com latência muito curta em conseqüência da alta lipossolubilidade, características estas que o tornam analgésico de eleição para o período trans-operatório em infusão contínua ou em repetidas doses em bolus, complementando a anestesia volátil ou em conjunto com hipnóticos, como o propofol, uma vez que são potentes analgésicos, mas não causam perda da consciência (CORTOPASSI; FANTONI, 2002). Doses elevadas de fentanil produzem intensa rigidez muscular, possivelmente como resultado dos efeitos dos opióides sobre a transmissão dopaminérgica no corpo estriado, fato que pode comprometer a ventilação no paciente em respiração espontânea (GOODMAN et al., 1987). Analgesia, sedação e depressão respiratória ocorrem após quatro minutos de administração IV com um pico de ação dentro de 10 a 15 minutos e tempo efetivo dentro de 30 minutos (SOMA; SHIELDS, 1964). Outros efeitos do fentanil são agressividade pós-operatória, apnéia, salivação, bradicardia e relaxamento do esfíncter anal com ocasional defecação (SOMA; SHIELDS, 1964) Análogos do fentanil têm sido desenvolvidos, observando-se variação importante no tempo de ação: de ultracurto (alfentanil), curto (sufentanil) para intermediário/longo (lofentanil) (CORTOPASSI; FANTONI, 2002). As vantagens do alfentanil sobre o fentanil e sufentanil são rápido início de ação e menor efeito cumulativo (FANTONI, 2002). Em um estudo o qual foi comparado o efeito do fentanil e seu análogo sufentanil para infusão contínua trans-operatória, os autores utilizaram a dose respectivamente 4μg/kg/h e 0,5μg/kg/h, diluídos em solução salina, sendo esta infundida na dose de 0,2mL/kg/h. A qualidade da analgesia foi considerada melhor em cães que receberam sufentanil quando comparados ao grupo que recebeu fentanil (BUFALARI et al., 2007). 162 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Foi introduzido o uso transdérmico do fentanil em pequenos animais, sendo que este sistema contém um reservatório com o fentanil em um adesivo, sendo este fármaco absorvido através da pele em uma taxa constante aproximadamente de 100μg/h, que é equivalente a administração IM de 60mg de morfina, com duração de 72 horas. Este adesivo está disponível para liberação do fentanil nas taxas de 25, 50, 75 e 100 4μg/h (GÓRNIAK, 1999). O remifentanil, outro derivado do fentanil, possui rápido início de ação e curta meia-vida, independente do tempo de infusão, características estas que o tornam analgésico interessante para uso na anestesia geral balanceada, TIVA ou sedação, permitindo o uso deste agente em ampla variedade de procedimentos anestésicos que variam desde sedação, cirurgia cardíaca e neurocirurgia (AULER Jr, 2008). Em humanos, o remifentanil tem sido utilizado em praticamente todas as especialidades cirúrgicas e em grupos especiais de pacientes como neonatos, idosos, obesos mórbidos e portadores de insuficiência renal ou hepática (AULER Jr, 2008). Ainda em humanos, um estudo comparando os efeitos da anestesia inalatória com isoflurano e fentanil e anestesia total intravenosa com propofol e remifentanil para rinoscopia e cirurgia nasal, os autores verificaram que a hipotensão é equivalente em ambos os grupos, porém, somente TIVA foi efetiva na redução da hemorragia deste procedimento (TIRELLI et al., 2004). O fato do remifentanil não apresentar efeito clinicamente relevante na pressão intra-ocular ou intra-craniana, bem como no fluxo sangüíneo cerebral e na reatividade cerebrovascular, torna-o uma opção interessante na cirurgia oftálmica e neurocirúrgica (BALAKRISHNAN et al., 2000). ASSOCIAÇÕES ANESTÉSICAS O propofol utilizado como agente único na manutenção anestésica pode levar a excessiva profundidade da anestesia e tempo de recuperação prolongado. Estes efeitos podem ser evitados através da administração simultânea de analgésicos, dentre eles, o fentanil (GEEL, 1991). Os opióides são utilizados como co-adjuvantes ao reduzir as doses do agente indutor, suprimir a resposta á laringoscopia, intubação orotraqueal e manutenção anestésica. Assim, o fentanil reduz a dose de indução do propofol (HAN, 2000), melhorando o componente hipnótico na TIVA (MUÑOZ-CUEVAS et al., 2005). A TIVA com propofol e opióides apresenta efetividade na resposta adrenérgica ao estresse cirúrgico com concomitante redução da concentração plasmática de catecolaminas (SCHUWAL et al., 2000) o que está de acordo com Kurita et al. (2003), que relataram que a TIVA com propofol e fentanil, é efetivo à resposta adrenérgica ao estresse cirúrgico, reduzindo a concentração de catecolaminas plasmáticas. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 163 Pires et al. (2000), utilizando cloridrato de acepromazina e fentanil na medicação pré-anestésica (MPA) em cães submetidos a TIVA com infusão contínua de propofol, obtiveram redução de 47% na dose necessária do agente indutor à anestesia, porém, a dose de manutenção do propofol foi mantida em 0,4mg/kg/min. Já, Saavedra et al. (1996) observaram que a associação do propofol ao alfentanil proporciona redução significativa nas doses de manutenção do mesmo, comparando com o uso isolado do propofol ou associado à cetamina em cães. A cetamina, por produzir hipertonia muscular, recuperação disfórica e convulsões, tem sido utilizada em associação com sedativos ou tranqüilizantes que eliminam ou minimizam esses efeitos excitatórios (HELLYER et al., 1991). Existem relatos citando que a associação de propofol e cetamina promovem uma boa manutenção anestésica, porém notável depressão cardiorrespitória em seres humanos (HIU et al., 1995). Otha et al. (2004) basearam-se nesses fatores, realizando um protocolo anestésico com cetamina e propofol, na ortopedia eqüina, obtendo resultados satisfatórios, visto que a indução anestésica somente com propofol não é recomendada nesta espécie, pois pode promover excitação. Os benzodiazepínicos como o diazepam e o midazolam são utilizados associados à cetamina (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001; RANG et al., 2001; SOUZA et al., 2002; BRONDANI et al., 2003.). Atuam potencializando os efeitos inibitórios do GABA, tanto no cérebro quanto na medula, limitando a atividade convulsiva e elevando o limiar para convulsão, bloqueando a excitação causada pela cetamina, além de deprimirem centralmente os reflexos espinhais (ANDRADENETO, 1999). O midazolam é hidrossolúvel e, consequentemente, compatível com a cetamina em solução (JACOBSON; HARTSFIELD, 1993), sendo três vezes mais potente que o diazepam (HELLYER et al., 1991). Benzodiazepínicos lipossolúveis como o diazepam podem causar precipitação das soluções quando misturados com cetamina (BROWN et al., 1993). A combinação de cetamina com benzodiazepínicos produz relaxamento muscular, sendo considerada uma associação com pequeno poder analgésico para casos cirúrgicos; seu uso combinado com á-2 agonistas (como xilazina e medetomidina) levam a um excelente relaxamento muscular e melhora o grau de analgesia visceral. Outras combinações incluem o uso de opiáceos junto a á-2 agonistas para aprofundar mais a analgesia (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). Brondani et al. (2003) relataram que a anestesia injetável com a associação de cetamina (10mg/kg indução e 5mg/kg manutenção) e midazolam (0,5mg/kg indução e 0,25mg/kg manutenção), em intervalos regulares de 10 minutos, via intravenosa, não deprimiu a função cardiovascular, não causou hipotermia, promoveu indução tranqüila e recuperação satisfatória, além de adequado grau de analgesia e relaxamento muscular para realização cirurgias esofágicas em cães. 164 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Quando se usa o etomidato como agente anestésico na indução ou manutenção da anestesia, recomenda-se associar à medicação pré-anestésica um tranqüilizante para minimizar os efeitos secundários (movimentos espasmódicos, mioclonias, náusea e vômito), observados durante a indução e/ou recuperação da anestesia. Os fármacos recomendados para a medicação pré-anestésica (MPA) são os que apresentam mínimos efeitos cardiorrespiratórios como a combinação de um benzodiazepínicos e um opióide (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS A administração intravenosa da maioria dos agentes anestésicos pode causar hipotensão arterial através da variação de mecanismos, incluindo vasodilatação (GROUNDS et al., 1985; ROUBY et al., 1991), ação inotrópica negativa (GELISSEN et al., 1996) e depressão do sistema nervoso simpático (EBERT et al., 1992; FROST, 2004). A indução anestésica com etomidato acarreta em mínimos efeitos depressivos do sistema nervoso simpático, podendo estimulá-lo em baixas doses (AONO et al., 2001). Além disso, em doses clínicas caracteriza-se por apresentar mínimos efeitos sobre a freqüência cardíaca, contratilidade do miocárdio, pressão sangüínea e consumo de oxigênio pelo miocárdio. O etomidato produz poucas alterações respiratórias, sendo a hipoventilação transitória o efeito respiratório mais comum. Foram descritos períodos de apnéia de curta duração em 12% dos pacientes induzidos por este fármaco. Quando é administrado em cães sadios, na dose de 1,5mg/kg o etomidato provoca um aumento no ritmo respiratório e um decréscimo do volume tidal que mantém o volume minuto inalterado (LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001). Ferro et al. (2005) pesquisaram alterações nos principais parâmetros fisiológicos determinados pela infusão contínua de propofol com diferentes doses em cães, sendo elas 0,2mg/kg/min; 0,4mg/kg/min e 0,8mg/kg/min, revelando em todas as doses uma redução na freqüência cardíaca, porém menos pronunciada nos animais que receberam propofol por infusão contínua na dose de 0,2mg/kg/ min. A justificativa dada pelos autores associa este fato a uma menor redução na pressão arterial media (PAM), não havendo a necessidade de aumento da freqüência cardíaca para estabilizar o débito cardíaco e conseqüentemente para manter a pressão arterial. Ainda sobre o sistema cardiovascular, o emprego do propofol está associado à discreta diminuição na pressão arterial (SHORT; BUFALARI, 1999). Essa ação depressora do fármaco está relacionada a efeitos depressores direto sobre o miocárdio e a vasodilatação arterial e venosa, sendo a Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 165 redução da pressão arterial proporcional ao aumento da concentração plasmática do agente anestésico (FANTONI, 2002). Nishimori et al. (2005) utilizaram propofol na indução (10mg/kg ± 0,5mg/kg) e manutenção anestésica (0,5mg/kg/min) para colheita de líquido cérebro espinhal e para mielografia em cães e observaram aumento da freqüência cardíaca e nenhuma alteração nos parâmetros de débito cardíaco e volume sistólico. O propofol não promoveu alterações hemodinâmicas que comprometessem a técnica de mielografia, sendo indicado como procedimento anestésico adequado para esse fim (Tabela1). A cetamina é caracterizada por apresentar estimulação cardiovascular indireta. Este fármaco aumenta o débito cardíaco, a pressão aórtica média, a pressão arterial pulmonar, a pressão venosa central e a freqüência cardíaca, exercendo efeito variável sobre a resistência vascular periférica (BOOTH, 1992). A freqüência cardíaca e a pressão arterial aumentam como resultado da estimulação direta do sistema nervoso central, que leva ao aumento do influxo simpático (LIN, 1996). Haskins e Patz (1990) observaram aumento na freqüência cardíaca e na PAM após a administração de cetamina (10mg/kg), via intravenosa, entretanto, Duque et al. (2005), não observaram estes efeitos durante a infusão contínua deste mesmo fármaco em cães apresentando choque hipovolêmico induzido. Normalmente a cetamina aumenta a pressão arterial e freqüência cardíaca em cães e humanos normovolêmicos e por isto este anestésico é recomendado para uso em pacientes que apresentam alto risco anestésico, susceptíveis a depressão cardiovascular ou hipotensão. Já, Valadão e Pacchini (2001), verificando efeitos cardiorrespiratórios da associação tiletamina-zolazepam em pacientes hipovolêmicos, verificou leve depressão respiratória imediatamente após sua aplicação, porém as pressões arteriais, sistólica, diastólica e média, além da freqüência e débito cardíaco, mantiveram-se estáveis, sendo, portanto, eficiente para anestesia em cães hipovolêmicos (Tabela 1). Apesar da associação tiletamina-zolazepam promover taquicardia sinusal transitória, não produz alterações significativas no perfil hemodinâmico de pacientes com baixo risco anestésico (ASA I e II). No sistema respiratório obsrrva-se diminuição da freqüência respiratória, com um padrão apneustico inicial que rapidamente é corrigido pela ação do zolazepam (OTERO, 2005). Ao avaliarem comparativamente a manifestação de possíveis alterações eletrocardiográficas em cães anestesiados com cetamina e sua versão S, Souza et al. (2002) encontraram efeitos similares, não indicando superioridade na cetamina S na eletrofisiologia cardíaca e na função cardiopulmonar. TABELA 2 – Doses e intervalos posológicos dos diferentes fármacos utilizados na TIVA na espécie canina. 166 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 TABELA 1 – Principais indicações dos diferentes agentes anestésicos e suas associações medicamentosas utilizadas na TIVA em cães. Propofol e Fentanil - Cirurgias ambulatoriais; - Remoção de tumores intracranianos. Propofol Cetamina e diazepam ou midazolam - Coleta de líquor da cisterna; - Mielografias; - Cuidados intensivos; - Método de contenção. - Pacientes cardiopatas; - Pacientes hipovolêmicos ou em choque hemorrágicos; - Neurocirurgia; - Método de contenção. Etomidato e diazepam ou midazolam Tiletaminazolazepam - Pacientes cardiopatas; - Hipovolêmicos - Pacientes hipovolêmicos; - Coleta de sangue; - Coleta de tecidos; - Tratamento de feridas; - Transporte; - Cirurgias de pequeno porte. SAAVEDRA et al., 1996; DINIZ, 1999; LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001; RANG et al., 2001; VALADÃO; PACCHINI, 2001; SOUZA et al., 2002; BRONDANI et al., 2003; MUÑOZ-CUEVAS et al., 2005. Adaptado por TRINDADE et al. (2008). TABELA 2 – Doses e intervalos posológicos dos diferentes fármacos utilizados na TIVA na espécie canina. Na Indução sem MPA Na Indução com MPA Manutenção em bomba de infusa Manutenção em bolus Propofol 10mg/kg 2 a 4mg/ kg 0,2 a 0,8mg/kg/min 0,5mg/kg a cada 3 a 5 min. Fentanil - - 0,3 a 1 µg/kg/min. 2 a 5 µg/kg a cada 20 a 30 min. Ou 2 a 10 µg/kg/hora Remifentanil - - 0,25 a 0,1 µg/kg/min. - Sufentanil - - 1µg/kg/ hora 0,72 a 2 µg/kg a cada 10 a 15 min. 1 a 2mg/kg 0,05 a 0,9 mg/kg/min. 1 a 5mg/kg a cada 10 a 25min. 0,5 a 3mg/kg 50 a 150 µg/kg/min. 0,5 a 1,5mg/kg a cada 10 a 20 min. 1 a 16 µg/kg/min. (0,2mg/kg/h) 0,15 0,25mg/kg a cada 2 min. Cetamina 8 a 10mg/kg Etomidato - Diazepam 0,15 0,25mg/kg 0,15 0,25mg/kg Midazolam 0,2mg/kg 0,2 mg/kg 0,25mg/kg a cada 10 a 25 min. Atracúrio - 0,25 a 0,5mg/kg 4 a 9 µg/kg/min. 0,15 a 0,25mg/kg a cada 20 a 30min. Tiletamina-zolazepam - 3 mg/kg diluído em 2ml de solução salina - 1mg/kg a cada 20 a 30 min. LAREDO; CANTALAPIEDRA, 2001; MACINTIRE, 2004.; FERRO, 2005; NISHIMORI, 2005; OTERO, 2005. Adapatado por TRINDADE et al. (2008). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 167 CONCLUSÃO A anestesia total intravenosa fornece a possibilidade de utilizar diversos fármacos, no entanto são mais apropriados aqueles que apresentam uma meia vida curta, com baixos volumes de distribuição, com um rápido início de ação, não produzindo metabólitos tóxicos ou ativos. O sucesso do procedimento anestésico advém da escolha dos fármacos segundo o estado clínico do paciente, enfermidades concomitantes e tipo de procedimento cirúrgico. Para isto, o conhecimento das formas de absorção de cada anestésico, bem como as rotas metabólicas e as propriedades anestésicas dos agentes injetáveis, tornam o anestesista mais seguro diante da escolha do protocolo anestésico. REFERÊNCIAS ANDRADE-NETO, J. P. Anticonvulsivantes. In: SPINOSA, H.S.; GÓRNIAK, S.L.; et al. Farmacologia aplicada à medicina veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. Cap. 13, p.131-139. ANESTÉSIA geral: Agentes Inyectables. Capturado 30 maio. 2007. Online. 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Este trabalho, resultado de pesquisa bibliográfica, aborda novos conceitos sobre a administração de opióides no transoperatório de cães e gatos, a partir dos quais se pode melhor prevenir processos dolorosos, além de se obter outras vantagens para o procedimento cirúrgico, bem como visando à otimização das condições de recuperação do paciente. Palavras-chave: Analgesia. Opióides. Fentanil. Anestesia balanceada. Cães e gatos. Short-action opioids by continuous infusion in the transoperative of dogs and cats: Bibliography review ABSTRACT Nowadays there is already a consense among veterinary doctors that animals, just as human beings, are highly susceptible to pain. With the incoming of new anesthetic drugs and new drugs administration techniques, it’s possible to anesthetize a patient in a more precise and safety way, with high efficacy and less side effects. Under these conditions, to make a balanced anesthesia is becoming a common practice that brings many benefits to the patient. The use of short action opioids by continuous infusion in Giordano Cabral Gianotti é Médico Veterinário com Residência Médico-Veterinária em Anestesiologia no Hospital de Clínicas Veterinárias (HCV) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2008. É Mestrando do PPGCV da UFRGS – Av. Bento Gonçalves, 9090, Bairro Agronomia, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 91540-000. E-mail: [email protected] Wanessa Krüger Beheregaray é Médica Veterinária Especialista em Acupuntura pelo CBES em 2008. É Residente em Cirurgia do HCV da UFRGS – Av. Bento Gonçalves, 9090, Bairro Agronomia, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 91540-000. E-mail: [email protected] Emerson Antonio Contesini é Médico Veterinário Doutor pela Universidade Federal de Santa Maria, RS em 2003. É Professor Adjunto em Cirurgia Veterinária na UFRGS – Av. Bento Gonçalves, 9090, Bairro Agronomia, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 91540-000. E-mail: [email protected] p . 1 7 2008 3-190 Veterinária em Foco Veterinária v. 5 v.5, n.2, n.2 jan./jun. Canoas em Foco, jan./jun. 2008173 the transoperative of anesthetized patients is an example of this. This paper, a bibliography review, brings news concepts about the opioids administration in the transoperative of dogs and cats, and from them we can better prevent painful process, beyond getting others advantages for surgical procedures and aiming an optimization of the patient recovering. Keywords: Analgesia. Opióides. Fentanyl. Balanced anesthesia. Dogs and cats. INTRODUÇÃO Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor, dor é definida como “uma experiência sensorial e/ou emocional desagradável, associada ou não ao dano potencial dos tecidos” (OTERO, 2005). Essa definição, embora estabelecida para pacientes humanos, hoje em dia é uniformemente aplicada também a animais submetidos a estímulos nociceptivos ou dolorosos (HELLEBREKERS, 2002). Já se sabe que quanto mais cedo se iniciar o tratamento do “sinal” dor e mais seletiva for a terapia ministrada, maior será a eficiência e menores serão os efeitos adversos que se instalarão como conseqüência dela. É possível afirmar ainda que pacientes não-tratados adequadamente com analgésico, apresentam recuperação retardada (FANTONI; MASTROCINQUE, 2004; OTERO, 2005). Analgesia significa a diminuição ou abolição do estímulo doloroso nos pacientes. Diversas drogas podem se utilizadas no controle da dor, porém um grupo que se destaca nesse controle são os opiódes, empregados cada vez mais em medicina veterinária (HALL; CLARKE, 1991). A escolha do método de analgesia mais indicado para um animal considera as características do paciente, do fármaco e, não menos importante, do próprio processo doloroso (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). A anestesia balanceada nada mais é que a administração simultânea de drogas para reduzir a toxicidade das mesmas, com a combinação de efeitos, gerando no paciente estados de analgesia, inconsciência, relaxamento muscular e diminuição da atividade reflexógena (LUNA; TEIXEIRA, 2004). A analgesia nos procedimentos anestésicos é obtida muitas vezes com o emprego de opióides (MORAES; OLESKOVICZ, 2005). Com eles, pode-se manter o paciente estável hemodinamicamente e minimizar o uso de anestésicos inalatórios (THOMASY et al., 2006). Para isso é interessante iniciar o tratamento analgésico antes do estímulo doloroso (HELLEBREKERS, 2002). O uso da infusão contínua é pouco usado na medicina veterinária por falta de informação sobre a técnica, somado ao excesso de cálculos necessários e à complexidade e pouco conhecimento dos mecanismos de ação dos fármacos (MACCINTIRE; TEIEND, 2004). Sua grande vantagem é a manutenção da droga em níveis plasmáticos desejáveis e constantes, dentro da “janela terapêutica” sem causar as variações que 174 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 levam às subdoses ou sobredoses, desencadeadoras dos efeitos tóxicos e indesejáveis da droga (OTERO, 2005). Esta revisão bibliográfica tem como objetivo descrever e aplicar o uso de opióides de curta ação por infusão contínua em cães e gatos. Procura-se salientar e descrever tópicos considerados importantes em tal procedimento, como o mecanismo do processo doloroso e as técnicas de anestesia balanceada e analgesia. Por fim, são relatadas as características dos opióides desde as suas vantagens até seus efeitos colaterais. FISIOPATOLOGIA DA DOR Estudos demonstram que a dor pode acarretar danos para a saúde do animal. Quando aguda, contribui para o aparecimento de complicações pós-cirúrgicas, como distúrbios de comportamento e alterações cardiovasculares (SHAFFORD et al., 2001). Animais com dor tendem a ficar estressados; sua recuperação se torna agitada, havendo um aumento da morbidade e retardo na cicatrização (CRUZ; LUNA, 2000). A dor excede a parte emocional. Implica efeitos como distúrbios hidroeletrolíticos, alterações nas funções cardiovasculares e respiratórias, alteração de estado metabólico, retardo na cicatrização e comportamento anormal (SHAFFORD et al., 2001). O controle e a prevenção da dor é o fundamento da prática anestésica. É essencial que o anestesista tenha um entendimento do processo fisiológico que leva à percepção de como o paciente responde ao processo doloroso (THURMON et al., 1996). A nocicepção está relacionado com o reconhecimento de sinais, no sistema nervoso (SN), que se originam em receptores sensoriais, nociceptores, e que fornecem informações relacionadas ao dano tissular (HELLEBREKERS, 2002). São receptores especializados de alto limiar, que se despolarizam, ativando-se na presença de um estímulo nocivo e resultando na geração de impulsos através das fibras nervosas aferentes A-delta (A-δ) e C. Essas fibras aferentes primárias nociceptivas suprem a pele, os tecidos subcutâneos, o periósteo, as articulações, os músculos e as vísceras (THURMON et al., 1996). Os impulsos gerados pelos nociceptores são levados ao sistema nervoso central pelas fibras A-δ e C, que formam o nervo aferente, cujo corpo celular se encontra no gânglio da raiz dorsal da medula espinhal. Ele penetra na medula espinhal através da raiz do nervo dorsal e termina nas células da substância cinzenta do corno dorsal (THURMON et al., 1996). A sensibilização central é desencadeada por impulsos provenientes das fibras C, que produzem potenciais lentos póssinápticos, liberando substâncias – como glutamato, neuroquinina A e substância Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 175 P – na fenda sináptica, as quais se ligam aos receptores NK, AMPA e NMDA em nível de medula espinhal, causando despolarização e ativando a via (FANTONI; MASTROCINQUE, 2005). As fibras aferentes nociceptivas predominantemente terminam no corno dorsal da medula, comumente dividida em seis lâminas diferentes. A partir daí, as informações são transmitidas por cinco vias principais até centros supra-espinhais. Assim, ocorre a chegada da informação no SNC, para percepção e processamento, nas regiões do tálamo, mesencéfalo, sistema límbico e formação reticular (PISERA, 2005). Ainda existem as vias descendentes que modulam o processamento medular da informação nociceptiva, permitindo que o animal continue a perceber outros estímulos de forma independente (PISERA, 2005). Controlar o estado de hipersensibilidade dos neurônios do corno dorsal da medula pela administração de analgésicos antes que o estímulo doloroso se inicie é uma das formas mais importantes de se controlar a dor (FANTONI; MASTROCINQUE, 2004). A freqüência e a intensidade da ação potencializa a propagação ao longo da fibra ascendente, incrementando bastante o sinal ao SNC (JONES, 2001). A analgesia pode ser conseguida pela interrupção do processo nociceptivo em um ou mais pontos no caminho entre o nociceptor periférico e o córtex cerebral (THURMON et al., 1996). A nocicepção envolve quatro processos fisiológicos sujeitos a um controle farmacológico. A transdução é a tradução da energia física, o estímulo nocivo, em atividade elétrica no interior do nociceptor periférico. A transmissão, por sua vez, é a propagação do impulso nervoso através do sistema nervoso (THURMON et al., 1996). Então, a dor é apresentada em áreas corticais, córtex sensitivo, frontal e subcorticais, proporcionando a interpretação completa do fenômeno doloroso e a ampla gama de respostas envolvidas neste processo, resultando na percepção. A seguir, ocorre a modulação da dor, porque o sistema nociceptivo passa a ter sua atividade modulada pelo sistema supressor da dor. Este sistema é composto por elementos neuronais da medula espinal, tronco encefálico, tálamo, estruturas subcorticais, córtex cerebral e sistema nervoso periférico (BRASIL, 2001). ANESTESIA BALANCEADA E ANALGESIA PREEMPTIVA Anestesia balanceada é a administração concomitante de múltiplas drogas anestésicas sem fazer com que uma única droga atinja dosagem suficiente para produzir toxicidade (THOMASY et al., 2006). Com o surgimento de drogas de melhor perfil farmacocinético e dinâmico, a prática da anestesia moderna pôde restabelecer o balanceamento com o uso de drogas venosas combinadas para produzir hipnose, amnésia e analgesia evitando ao mesmo tempo uma depressão cardiorespiratória e um despertar rápido da anestesia (GAN; GLASS, 2001). 176 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Dentre as várias vantagens de se utilizar uma anestesia balanceada se destaca o sinergismo entre fármacos como opióides, bloqueadores musculares, agentes hipnóticos e tranqüilizantes. Ocorre uma potencialização dos efeitos farmacológicos, e uma melhor atuação nos indivíduos sob anestesia, diminuindo o requerimento das drogas durante a anestesia e reduzindo os efeitos indesejáveis nos pacientes (YOUNGS; SHAFER, 2001). Segundo Otero (2005), o uso de anestesias balanceadas, que priorizem a analgesia, permite que se diminua a administração de anestésicos gerais, a principal fonte de acidentes intra-operatórios. De acordo com Ilkiw (1999), na prática veterinária, a anestesia geral, além das razões humanitárias, é necessária para facilitar a intervenção cirúrgica e proteger o cirurgião. Apresenta uma melhora da estabilidade do paciente durante o ato operatório, assim como o acesso ao campo cirúrgico, redundando ao bem-estar do paciente (PADDLEFORD, 1988). Tendo em vista isso, muitos anestesistas preferem o uso de agentes venosos em razão dos seus efeitos específicos que não podem ser obtidos com agentes voláteis, como, por exemplo, a analgesia e a supressão do estresse obtidas com o uso de opióides (YOUNGS; SHAFER, 2001). A incorporação de compostos com comprovados efeitos analgésicos ao protocolo anestésico, desde a pré-medicação, é uma prática recomendada, pois beneficia o tratamento da dor no pós-operatório (OTERO, 2005). O estímulo nocivo produzido pela cirurgia induz uma variedade de respostas reflexas. A dor é a percepção consciente desse estímulo nocivo. Se os pacientes receberem doses adequadas de opióides, para a antinocicepção, e hipnóticos, para manter a inconsciência, é improvável que ocorra oportunidade para a percepção do estímulo nocivo (CAMU et al., 2001). O primeiro fator a ser decidido é o grau de depressão do SNC que se ocasionará, devendo-se contemplar isoladamente cada caso. Quanto menor a depressão central maior deverá ser a eficácia analgésica, levando-se em conta sempre a intensidade do estímulo realizado (OTERO, 2005). A possibilidade de se fornecer uma analgesia preventiva em pacientes cirúrgicos é uma alternativa que deve ser explorada (OTERO, 2005). A analgesia preemptiva constitui-se no tratamento precoce da dor, antes que ocorra a lesão tecidual, com objetivo de diminuir o consumo de analgésico pelo paciente e reduzir a dor pósoperatória que produz efeitos sistêmicos indesejáveis e retarda a recuperação do paciente (FANTONI; MASTROCINQUE, 2004). É importante destacar que a analgesia preemptiva incorpora todas as fases do período perioperatório para fornecer conforto ao paciente (SHAFFORD et al., 2001) e visa controlar a hipersensibilidade dos neurônios do corno dorsal da medula espinhal, por estímulos nocivos prolongados (sensibilização central), por meio da administração de analgésicos antes que o estímulo chegue e sensibilize o SNC (FANTONI; MASTROCINQUE, 2004). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 177 INFUSÃO CONTÍNUA A técnica de infusão contínua vem se destacando na anestesiologia. Consiste em infundir uma droga no paciente sem que ocorram muitas variações dela nos níveis plasmáticos, podendo-se constatar um menor número de efeitos adversos e melhor recuperação. Basicamente, se fundamenta na dinâmica e cinética dos fármacos, administrando uma dose bolus da droga para se obter a concentração plasmática inicial ideal, para depois se iniciar uma infusão contínua da droga, com doses bem mais baixas, mantendo-a dentro do limiar terapêutico (ILKIW, 1999). A técnica de infusão contínua é usada para simplificar e incrementar a precisão de administrar drogas por via intravenosa durante a anestesia geral (HOYMORK, 2003). Apesar dos avanços tecnológicos na maneira de administração de fluidos, com uso de bombas de infusão, a técnica é evitada por médicos veterinários, porque necessita muitos cálculos, aparelhagem específica e fármacos relativamente novos (MACCINTIRE; TEIEND, 2004). Drogas de ação rápida e meia-vida curta são ideais para serem usadas nessa técnica que permite um estado de concentração da droga estável no organismo do animal. Para manter constante a concentração da droga no plasma é importante levar em conta as variáveis farmacocinéticas como a distribuição e a eliminação da droga no organismo. Máquinas mais precisas e modernas desenvolvidas para a administração de fármacos permitem cada vez mais uma mínima flutuação nas concentrações plasmáticas da droga, resultando em maior efetividade desses fármacos, com menos efeitos adversos (SCHRAAG, 2001). Quando uma droga é administrada, gera uma concentração em certo intervalo de tempo, determinando um efeito final. No caso de administração em bolus, ela gera inicialmente uma dose acima da adequada em rápido intervalo de tempo; segue-se um período em que ela decai rapidamente, momento no qual ela se mantém em concentrações plasmáticas adequadas para, logo em seguida, declinar até alcançar concentrações plasmáticas subclínicas. Quando a droga é administrada em infusão contínua, obtémse uma concentração plasmática constante, pois à medida que a droga está se distribuindo no organismo e sendo metabolizada, nova oferta está sendo realizada, mantendo-se, desta forma, a concentração plasmática estável, dentro de parâmetros clínicos (NORA, 2002). Bombas de infusão são equipamentos eletromédicos capazes de controlar o fluxo de fluídos através de dispositivos, garantindo a infusão do volume desejado no intervalo de tempo programado. São capazes de gerar, monitorar e controlar o fluxo de um fluido a pressões superiores à sanguínea, sob pressão positiva gerada pela bomba, ou seja, não depende da pressão gravitacional. Assim, trata-se de é um equipamento confiável para assegurar maior precisão nos volumes infundidos (CANELAS et al., 2003). 178 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 Para se usar analgésicos no esquema de infusão contínua sempre é interessante conhecer o perfil farmacocinético (o que o organismo faz com a droga – eliminação, meia-vida, distribuição) e o perfil fármacodinâmico (o que a droga faz no organismo - todo o seu efeito e níveis no organismo). Para se iniciar um esquema de infusão deve-se esperar o efeito máximo obtido após a dose bolus, mantendo, assim, constante a concentração do fármaco no sítio efetor (YOUNGS; SHAFER, 2001). As bases farmacocinéticas da infusão contínua é que se titule a concentração plasmática do opióide acima da concentração efetiva analgésica mínima, mas abaixo da concentração tóxica mínima, no chamado “corredor analgésico”. Embora esse seja um conceito útil para explicar a infusão contínua, é importante lembrar que a curva doseresposta dos opióides não é linear e sim sigmoidal. Isso significa que uma vez o limiar analgésico seja alcançado, pequenos aumentos na concentração plasmática resultarão em analgesia eficaz. Aumentos adicionais levarão a efeitos adversos, em vez de melhorar a analgesia. Pequenas diminuições podem levar rapidamente a doses subanalgésicas (BRAUM; BRAUM, 2004). Com as drogas de ação curta, ministradas em infusões venosas fixas, o controle mais rígido dos efeitos clínicos pode ser mantido com maior grau de precisão, segurança e previsibilidade, mas demora-se para atingir a concentração plasmática em nível ideal cerca de 4 ou 5 meias-vidas do fármaco. Para compensar essa dificuldade se instituiu a dose bolus, para se atingir a concentração plasmática ideal, para em seguida se instituir o esquema de infusão fixo, para a manutenção dos níveis (CAMU et al., 2001). Fixar a dose de opióide administrada em uma concentração analgésica no sítio efetor parece lógico, mas a intensidade do estímulo nociceptivo-cirúrgico varia com o tempo. Por isso torna-se interessante durante o procedimento cirúrgico ajustar as doses de opióides infundidas conforme a necessidade do animal, até para que se evite sobredoses (YOUNGS; SHAFER, 2001). OPIÓIDES Os opióides são fármacos com um alto potencial sedativo e analgésico atuando no controle da dor aguda. Ligam-se reversivelmente a receptores específicos do SNC e medula espinhal, tanto pré como pós-sinápticos, alterando a nocicepção e percepção da dor (PADDLEFORD, 1988; FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Os opióides mostram claras evidências de seu poder analgésico e promovem a prevenção da sensibilização central e quando usados preventivamente diminuem as necessidades de analgesia no pós-operatório (SANDKÜHLER; RUSCHEWEYH, 2005; ALLWEILER et al., 2007). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 179 São os fármacos mais empregados como parte de uma técnica de anestesia balanceada. A sua utilização transoperatória previne as respostas autonômicas ao estímulo doloroso, suprimindo a dor, resultando então em melhor estabilidade hemodinâmica, reduzindo a necessidade de outros fármacos e aumentando o conforto pós-operatório (GREMIÃO, 2003; LARSON et al., 2007). São substâncias que produzem efeitos de hipnoanalgesia, ou seja, suprimem a dor e causam sedação. Aliviam a dor somática e visceral bloqueando os impulsos nociceptivos sem interferir com a função sensorial e motora ou deprimindo o SNC. Podem ser utilizados para controle da dor em diferentes situações (GÓRNIAK, 2002). Mimetizam a ação de peptídeos endógenos responsáveis pela modulação de nociceptores ou reconhecimento sensação dolorosa (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). No organismo há pelo menos quatro tipos de receptores opióides com seus subgrupos que produzem respostas distintas. Estes receptores são mu (μ), kapa (κ), delta (δ) e sigma (σ), sendo os dois primeiros com maiores repercussões clínicas nos cães (THURMON et al., 1996). Existem dois locais anatomicamente distintos para a analgesia mediada pelos receptores opióides: supra-espinhal e espinhal. Quando a droga é administrada sistemicamente a analgesia é obtida pela ação do fármaco nos dois locais (BRASIL, 2001). Os opióides podem ser divididos em quatro grupos: agonistas totais, agonistas parciais, agonistas-antagonistas e antagonistas. Os agonistas ainda são os mais indicados para dores moderadas a severas (GÓRNIAK, 2002). Os seus efeitos adversos incluem depressão respiratória, náuseas e sedação, assim anestesiologistas tentam restringir seu uso no transoperatório (BUTKOVIC et al., 2007; LARSON et al., 2007). OPIÓIDES DE CURTA AÇÃO NA ANESTESIA Na prática anestésica os opióides de curta ação incluem o fentanil e seus análogos. Pertencem à família das fenilpiperidinas, dominam como opióides de escolha para a anestesia venosa, assim como para a maioria dos outros tipos de técnicas anestésicas balanceadas (BAILEY; EGAN, 2001). Os efeitos adversos, como a sedação, a depressão respiratória e os vômitos no pós-operatório permanecem sendo limitações significativas para o seu uso clínico (BAILEY; EGAN, 2001; BUTKOVIC et al., 2007). Em geral, os opióides são administrados antes da indução da anestesia balanceada, conduta que pode ser particularmente desejável em pacientes que necessitarão de laringoscopia e entubação traqueal, atenuando os efeitos adversos da 180 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 natureza estimuladora desses procedimentos (BAILEY; EGAN, 2001; ABOU-ARAB et al., 2007). Nas técnicas de anestesia balanceada em que agentes inalatórios potentes também são empregados, concentrações relativamente baixas de componentes opióides podem reduzir significativamente a concentração alveolar mínima (CAM) desses agentes hipnóticos (BAILEY; EGAN, 2001; THOMASY et al., 2006). A compreensão do funcionamento das drogas de curta ação, seus perfis farmacocinéticos e farmacodinâmicos tem facilitado o manejo de procedimentos anestésicos com estímulo doloroso. A infusão de opióides no transoperatório é muito usado em técnicas de anestesia balanceada, tendo como vantagens a redução do uso de anestésicos gerais, redução da dor no pós-operatório quando associado à analgesia preemptiva e redução da resposta ao estresse (ALLWEILER et al., 2007). Fentanil Os pulmões exercem significativo efeito de primeira passagem e uma captação de 75% de uma dose injetada de fentanil. Mais de 98% da dose injetada são eliminados do plasma após uma hora. Os níveis cerebrais de fentanil correspondem aos níveis plasmáticos após aproximadamente cinco minutos. Grandes variabilidades nas concentrações plasmáticas ocorrem devido às ondas de fluxo sangüíneo muscular, contribuindo para o aparecimento de picos secundários. Possui uma meia-vida de três a cinco horas (STOELTING, 1999; BAILEY; EGAN, 2001). Seu metabolismo é fundamentalmente hepático (OTERO, 2005). A via para o fentanil deve ser a intravenosa. Seu curto período de latência e de ação, somados à sua potência, tornam-no um agente de escolha para contribuir na analgesia transoperatória, na anestesia balanceada (OTERO, 2005; BUTKOVIC et al., 2007). Em altas doses ou em sinergia com outros fármacos, transforma-se em um potente depressor (STOELTING, 1999; OTERO, 2005). Fentanil é mais lipofílico que a morfina, sendo então associado com menor sedação e depressão respiratória, apesar de possuir potência analgésica, cerca de 75-125 vezes maior (ROUSSIER et al.,2006; BUTKOVIC et al., 2007). Tem sua utilização no período transoperatório, pois reduz significativamente a CAM dos anestésicos inalatórios (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002; THOMASY et al., 2006). Possui latência de três minutos e ação de vinte a trinta minutos. Sua bradicardia atinge cerca de 80% do valor basal. Não libera histamina, nem causa hipotensão (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Otero (2005) afirma que a pressão arterial média Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 181 (PAM) mantém-se, proporcionando uma ótima perfusão tecidual. Com pequeno efeito hipnótico, aumenta a pressão intra-ocular, causa rigidez muscular, depressão respiratória, bradicardia e convulsões mioclônicas (STOELTING, 1999; SCHÖNELL et al., 2005). A utilização de fentanil em pequenos bolus de 1 a 5 microgramas por quilograma (mcg/kg) a cada 15 ou 20 minutos (min), ou uma dose bolus dentro desses parâmetros, seguida de uma dose de infusão de 0,4 a 0,7mcg/kg/min, tanto para cães como para gatos é uma alternativa (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Já Otero (2005) recomenda uma dose de 2 a 10mcg/kg, com 20 a 30 minutos de ação quando em dose única, e infusão de 2 a 10mcg/kg/h. Doses maiores que 15mcg/ kg produzem apnéia, e acima de 25mcg/kg depressão cardiovascular, apnéia e rigidez torácica. Em gatos, a dose de ataque é de 1 a 5mcg/kg, com dose de manutenção de 14mcg/kg/h, as doses de ataque sempre são diluídas (OTERO, 2005). Também, para gatos se recomenda usar uma dose bolus de 5mcg/kg e manter os níveis plasmáticos com uma dose de 0,4mcg/kg/min (ILKIW, 1999). A associação de propofol com uma dose de 0,1mcg/kg/min de fentanil foi capaz de suprimir o estímulo nociceptivo em felinos de maneira eficaz (MENDES; SELMI, 2003). Em cães, uma dose inicial de fentanil de 2 a 5 mcg, seguido de uma infusão de 5 a 10mcg/kg/h reduz a CAM dos anestésicos inalatórios em 20 a 30%, como foi descrito por Otero (2005). Em outra situação, ocorreu uma redução da CAM de isoflurano em 42% com a administração de 30mcg/kg de fentanil por 20 minutos e uma taxa de infusão, após esse período de 0,2mcg/kg/min, mostrando que esse protocolo é bem eficaz (GREMIÃO, 2003). Deve-se sempre realizar a monitoração intensa do paciente no pós-operatório imediato quando administrado por longos períodos, pois pode apresentar um efeito residual e com isso depressão respiratória (STOELTING, 1999; FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Já a analgesia residual produzidas pelas doses precedentes de fentanil pode ser adequada. Dependendo, no entanto, da intensidade do estímulo cirúrgico e do grau de dor no pós-operatório imediato (BAILEY; EGAN, 2001). Outro ponto importante a se ressaltar é que em procedimentos prolongados, os requerimentos dessas substâncias diminuem conforme o tempo, resultando em acúmulo do fármaco caso não se ajuste a dose. Em procedimentos ao redor de 40 a 90 minutos, geralmente não se observa acúmulo (OTERO, 2005). Alfentanil Tem importante retenção pulmonar, mas pequeno volume de distribuição e de acúmulo tecidual. É lipossolúvel, mas não tanto quanto o fentanil. Com acúmulo baixo 182 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 no tecido cerebral, tem a ação rápida e curta. No pH fisiológico está quase 90% na forma não-ionizada, explicando a penetração nos tecidos cerebrais. Cerca de 90% se ligam às proteínas plasmáticas. Depende muito do metabolismo hepático (STOELTING, 1999; BAILEY; EGAN, 2001). O alfentanil é um agonista μ puro que possui ¼ da potência do fentanil e um período de ação 2/3 mais curto (dez a quinze minutos). Na anestesia balanceada permite diminuir de forma considerável a dose dos anestésicos gerais. Normalmente, esse fármaco encontra-se pouco ionizado no plasma e tem período de latência e de ação curtos, tornando-o ideal para se utilizar em infusão contínua para se manter o efeito terapêutico de forma prolongada (OTERO, 2005). Possui rápida penetração cerebral, mas sem estocagem nos sítios ativos, resultando em imediato início de ação, porém com pouca duração da atividade no SNC. A recuperação é acelerada (20 a 30 minutos) após interrupção da administração (SCHÖNELL et al., 2005). Principalmente metabolizado no fígado, sua meia-vida de metabolização varia de 0,4 a 2 horas dependendo da espécie. Diferentemente do fentanil, essa droga possui escassa redistribuição podendo ser infundido com mais segurança durante longos intervalos de tempo sem que se observe acumulação. É considerado um composto de eleição para protocolo em pacientes descompensados ou com evidente comprometimento do estado geral, no que diz respeito à estabilidade hemodinâmica. Sempre se deve titular o alfentanil conforme o efeito desejado (OTERO, 2005). É mais empregado em infusão contínua durante o transoperatória na anestesia geral, ou como indutor em procedimentos de curta duração. Como analgésico, de forma isolada, ainda é muito pouco usado na medicina veterinária. Tem a capacidade de provocar bradicardia acentuada, mesmo quando aplicado lentamente, na ordem de 43%, um minuto após sua administração, bem como hipotensão (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). O pico de ação do alfentanil ocorre dentro de 1 a 2 minutos após a administração. Como o alfentanil penetra no cérebro rapidamente, o equilíbrio da droga entre o plasma e o SNC ocorre rapidamente, tendo que se instalar infusões de manutenção rapidamente, caso contrário os níveis plasmáticos serão subterapêuticos (STOELTING, 1999; BAILEY; EGAN, 2001). A dose de ataque recomendada para utilização em cães fica entre 15 a 30mcg/kg (nessa dose a droga age por 15 minutos) e a manutenção da infusão em uma dose de 3 a 8mcg/kg/min (OTERO, 2005). A indução anestésica com alfentanil e propofol pode produzir anestesia completa, seguida por infusões dos mesmos. O término da infusão de alfentanil de10 a 30 minutos do final da cirurgia permite que haja tempo suficiente para os níveis plasmáticos decrescerem 50% (BAILEY; EGAN, 2001). Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 183 Sufentanil Após uma injeção de sufentanil, apenas 20% ficam na forma não-ionizada. Os pulmões exercem importância significativa no efeito de primeira passagem. É duas vezes mais lipossolúvel que o fentanil e se liga em 93% a proteínas plasmáticas. Tem alto quociente de extração hepática; portanto, mudanças no fluxo sanguíneo hepático podem alterar significativamente sua eliminação. Existe extensa reabsorção tubular, logo, pouca eliminação pela urina. Possui maior afinidade por receptores ì se comparado ao fentanil, mas, em contrapartida, o seu alto grau de ligação às proteínas plasmáticas e volume de distribuição mais baixo explicam o seu rápido efeito e eliminação quando comparados. Após longas infusões de sufentanil, seus efeitos podem se dissipar tão rapidamente quanto infusões de alfentanil (STOELTING, 1999; BAILEY; EGAN, 2001). O sufentanil é outro agonista μ puro, dez vezes mais potente que o fentanil, com a metade do tempo de ação do fentanil. Como nos outros agentes, sua via é a intravenosa, em bolus ou em infusão contínua. Apresenta também ações similares nos aparelhos cardiovascular e respiratório (STOELTING, 1999; OTERO, 2005). O sufentanil tem duração de ação inferior àquela apresentada pelo fentanil, entretanto sua potência é cerca de 100 vezes maior que a da morfina. Assim, como o fentanil e o alfentanil, o sufentanil promove bradicardia que, porém, não é acompanhada de hipotensão. Apresenta acentuado efeito hipnótico com rápido início de ação, tendo duração de ação menor que o fentanil e alfentanil. Apresentando elevada depuração hepática, possui efeitos colaterais semelhantes aos causados pelo fentanil no pós-operatório, como sonolência e prurido (SCHÖNELL et al., 2005). A sua bradicardia basal gira em torno de 37%. O sufentanil produz mínimas alterações hemodinâmicas, mas é um potente depressor respiratório e reduz significativamente a CAM do isoflurano em cerca de 0,5 a 1,0% em cães anestesiados (GAN; GLASS, 2001; POLIS, 2004). A recomendação de sufentanil é 0,75 a 2 mcg/kg bolus ou dose de ataque (ação em 10 a 15 minutos) com manutenção analgésica em infusão contínua de 1mcg/kg/h em cães. Em gatos a dose bolus é 0,5 a 1mcg/kg/min, com ação de 10 a 15 minutos, e uma dose de infusão de 0,25 a 0,75 mcg/kg/h (OTERO, 2005). A associação propofol e sufentanil, na dose de 0,01mcg/kg/min, se mostrou bastante eficaz para suprimir o estímulo nociceptivo na anestesia geral de gatos (MENDES; SELMI, 2003). A utilização da droga na razão de 0,5 a 1,0 mcg/kg/h com a infusão iniciada 15 minutos antes da indução e entubação. Com esse protocolo, obtémse uma diminuição da CAM de 3,5 para 2% com o Sevoflurano e de 1,7 para 1,1% com o isoflurano. Deve-se recomendar nesses casos, com a baixa necessidade de anestésicos 184 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 gerais, a incorporação de relaxantes musculares para melhorar o acesso ao campo operatório (OTERO, 2005). A dose de ataque deve ser administrada 3 a 4 minutos antes do estímulo doloroso ou entubação traqueal (SCHÖNELL et al., 2005). Na maioria dos procedimentos com 1 a 2 horas de duração, 10 a 30 minutos é usualmente necessário para as concentrações plasmáticas do sufentanil cair a níveis que permitam a ventilação adequada e o despertar da anestesia. Assim como no fentanil, existe algum poder de analgesia residual (BAILEY; EGAN, 2001). Remifentanil Possui, dentre esses fármacos, perfil fármaco cinético único. É um fármaco submetido à hidrólise extra-hepática por colinesterases no sangue e nos tecidos (ALLWEILER et al., 2007). Possui um clearance extremamente alto, portanto responsável pelo término do efeito da droga em curto espaço de tempo. Possui redistribuição extravascular, semelhante à do alfentanil (STOELTING, 1999; BAILEY; EGAN, 2001). É um agente de ação ultracurta e tempo de meia-vida contexto-sensitiva de aproximadamente 3 minutos. Após a administração em bolus, ocorre uma completa recuperação do paciente em 5 a 10 minutos, pois não depende de metabolização renal ou hepática. Não acumula no organismo, sem retardar assim o tempo de recuperação. Sua ação é dose dependente. Causa depressão respiratória, sendo necessária a ventilação mecânica. Diminui a freqüência cardíaca e a pressão arterial quando usado com outros agentes anestésicos (ALLWEILER et al., 2007). Mais recentemente, o remifentanil vem trazendo novas perspectivas para o desenvolvimento de infusões contínuas e anestesia total endovenosa, pelo rápido início de ação e término de ação (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). É o mais novo dos agonistas μ seletivos. A escassa redistribuição do fármaco a tecidos periféricos, bem como sua rápida depuração, permitem manter a infusão por longos períodos sem acumulação (OTERO, 2005). É metabolizado nas hemácias, formando metabólitos com atividade muito fraca com eliminação renal, sendo ideal para infusão contínua (SCHÖNELL et al., 2005). Os pulmões não têm importância na depuração ou seqüestro da droga. Bradicardia, sedação, depressão respiratória e vômito são descritos (SCHÖNELL et al., 2005). Nos seres humanos causa apnéia e rigidez muscular se administrado rapidamente por via endovenosa (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Vale ressaltar que uma vez finalizada a infusão acaba o efeito da substância, com a rápida recuperação do paciente e sem analgesia. Deve-se então, dependendo Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 185 do procedimento, garantir um tratamento analgésico de suporte antes do despertar (OTERO, 2005). A recomendação é que se utilize uma dose bolus de 0,5mcg/kg, logo após a indução anestésica, seguida por uma infusão de 0,25mcg/kg/min para a manutenção anestésica em cães (OTERO, 2005). Outra alternativa é infundir o fármaco na dose de infusão é 0,05 a 2mcg/kg/min, com doses adicionais de 1mcg/kg, quando necessário suplementação, sem diferenciar doses entre cães e gatos (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). A analgesia de resgate 20 minutos antes de finalizar o procedimento cirúrgico utilizando opióides e/ou antiinflamatórios não esteróides é importante (OTERO, 2005). EFEITOS COLATERAIS E SEUS TRATAMENTOS A depressão respiratória excessiva, rigidez muscular, bradiarritmias e vômitos são os efeitos colaterais mais comuns. Como a depressão respiratória é corriqueira, o paciente já deve ter a via aérea estabelecida e a ventilação controlada (BAILEY; EGAN, 2001). A oximetria de pulso é um ótimo método para medir a oxigenação (GAN; GLASS, 2001). No caso de rigidez muscular, podem-se administrar fármacos como benzodiazepínicos e bloqueadores neuromusculares não-despolarizantes. No caso da bradiarritmia e dos vômitos desencadeados pelos fármacos, torna-se interessante o uso de drogas com atividade anticolinérgicas, preemptivamente, como a atropina (GAN; GLASS, 2001). Otero (2005) recomenda doses preventivas para bradicardias de 0,01 a 0,044 miligramas (mg) por quilograma. Não há recomendação para sua utilização em infusão contínua. Por fim, pode-se utilizar o antagonista opióide ou um antagonista-agonista para reversão dos efeitos, no caso naloxona e nalbufina, respectivamente (GAN; GLASS, 2001). Essas drogas se fixam competitivamente em alguns ou em todos receptores opióides, tomando o lugar do agonista puro (LASCELLES, 2002). Ocorre a reversão da depressão respiratória desencadeada por fármacos como o fentanil, assim como emese e rigidez muscular. Deve-se tomar cuidado com a dor dos pacientes nesse tipo de recuperação, pois ela pode desencadear efeitos sistêmicos indesejáveis como aumento da PAM e da freqüência cardíaca e demanda de oxigênio, pela rápida respiração (CAMU et al., 2001). A nalbufina é considerada antagonista μ, agonista δ e antagonista parcial de κ, tendo, portanto, atividade mista (LASCELLES, 2002). É recomendada sua utilização em processos dolorosos de origem visceral, caso em que se pode 186 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 administrar por via subcutânea, para evitar competição com opióides endógenos. É um fármaco que causa muita dor ao ser injetado (OTERO, 2005). A nalbufina torna-se interessante porque o paciente não perde completamente a analgesia a que está submetido (LASCELLES, 2002). As doses recomendadas para cães de 0,5 a 1mg/kg, com efeito de 4 a 6 horas, e para gatos de 0,5 a 3mg/kg, com efeitos de 2 a 4 horas (OTERO, 2005). Naloxona é o antagonista puro, que atua em todos os receptores opióides. Pode causar estimulação simpática e efeitos adversos, como taquicardia, hipertensão, edema pulmonar e diferentes arritmias cardíacas, podendo desencadear também vômitos e náuseas (OTERO, 2005). A naloxona tem ação rápida, cerca de um a 2 minutos, e duração de efeito de 30 a 60 minutos (CAMU et al., 2001). Pode ser administrada pela via subcutânea, intramuscular ou intravenosa, se lenta, nas doses de 0,04 a 1mg/kg, segundo os sinais clínicos, para cães e gatos, até estar assegurada a não-renarcotização (OTERO, 2005). Não se pode precisar a duração dos opióides no organismo de cada indivíduo, mas existe uma boa idéia de quanto tempo seu efeito irá durar. Após o término do procedimento é fundamental a constante monitoração dos pacientes, principalmente no que se diz respeito ao efeito residual desses fármacos, que podem produzir intensa depressão respiratória. No caso do remifentanil, esse tipo de efeito é pouco comum, mas deve-se levar em conta que seus efeitos analgésicos são rapidamente perdidos, e que, logo após o término da anestesia, se deve imediatamente instituir uma terapia analgésica para o pós-operatório evitando, desse modo, um despertar desagradável no paciente (CAMU et al., 2001). CONCLUSÃO É cada vez maior a preocupação da sociedade com o que diz respeito ao bemestar animal. Conseqüentemente, o profissional da área médica veterinária passa a ter um papel significativo nesse contexto. A anestesiologia é indiscutivelmente uma das áreas que tem se desenvolvido e se destacado dentro da medicina veterinária. Isso ocorre porque há uma demanda cada vez maior de profissionais capacitados para tratar animais mediante procedimentos cirúrgicos, prática que no passado não eram sequer cogitados. Isso acontece não somente devido ao desenvolvimento da medicina veterinária, da tecnociência e dos procedimentos modernos dos criadores profissionais, mas também porque hoje os animais de estimação fazem parte de quase todos os lares, e seus proprietários são bons cuidadores. E este é um campo de atuação médica veterinária que se expandiu. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 187 Nessas condições, cabe ao médico veterinário anestesiologista fazer uso das melhores técnicas e dos fármacos mais adequados a cada situação. Com o exposto supra, procurou-se mostrar que administrar fármacos usando técnicas de infusão contínua traz inúmeros benefícios ao paciente, bem como permite a manipulação dessas drogas de maneira mais fácil e precisa. Registro especial deve ser feito à importância de se oferecer analgesia para pacientes nos momentos certos e em dosagens adequadas, pois isso trará qualidade ao trabalho anestésico, garantido o sucesso do procedimento e trazendo bem-estar ao animal. O uso de opióides de curta-ação tem inúmeras vantagens, quando associados a uma técnica de infusão, por trazer uma melhor precisão com relação aos níveis plasmáticos da droga, oferecer a possibilidade de suspender a medicação quando for necessário e menos efeitos adversos que os opióides de uso corriqueiro na clínica. Assim, pretendeu-se demonstrar que essa técnica relativamente nova apresenta inúmeras vantagens e pode surgir como uma boa alternativa para o crescimento da medicina veterinária bem como para os profissionais da área. REFERÊNCIAS ABOU-ARAB, M. H. et al. Dose of alfentanil needed to obtain optimal intubation conditions during rapid-sequence induction of anaesthesia with thiopentone and rocuronium. British Journal of Anaesthesia. v.98, n.5, p.604-10, 2007. ALLWEILER, S. et al. The isoflurane-sparing and clinical effects of a constant rate infusion of remifentanil in dogs. Veterinary Anaesthesia and Analgesia (Online Early Articles), 2007 disponível em: <http://www.blackwell-synergy.com/doi/full/10.1111/j.14672995.2006.00308.x?prevSearch=allfield%3A%28remifentanil+dog%29>. Acesso: 7 set. 2007. BAILEY, P.; EGAN T. Fentanil e Congêneres. In: WHITE, P. F. Tratado de Anestesia Venosa. Porto Alegre: Artmed, 2001. p.215-248. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. 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Pigmentação da córnea e perda da visão também pode ocorrer. O diagnóstico da CCS baseia-se principalmente nos sinais clínicos e na realização do teste da lágrima de Schirmer. O tratamento da CCS normalmente é medicamentoso e baseado na administração de substitutos da lágrima, antibióticos, agentes mucolíticos e lacrimogênicos. Este trabalho é uma revisão de literatura sobre CCS, incluindo etiologia, sinais clínicos, diagnóstico, tratamento e prognóstico desta afecção. Palavras-chave: Ceratoconjuntivite seca. Cães. Gatos. ABSTRACT Keratoconjunctivitis sicca (KCS) is a disease frequently diagnosed in dogs and is caused by inadequate production of the aqueous portion of the tears. KCS has a number of reported causes. These include immune-mediated diseases, systemic illness, secondary to systemic therapy with sulfas or topical atropine, removal of the third eyelid gland. Clinical signs of KCS are variable, and can include dry cornea, conjunctival hyperemia, blepharospasm, mucoid to mucopurulent ocular discharge and keratitis with neovascularization. Loss of sight due to progressive corneal pigmentation is also possible. Diagnosis of KCS is based on the clinical signs and results of the Schirmer tear test. KCS is most often treated medically. Usually tear replacement, topical antibiotic, mucolytic preparations and tear stimulators are used. This João Antonio Tadeu Pigatto é Médico Veterinário, Doutor, Professor Adjunto, Departamento de Medicina Animal, Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Fabiana Quartiero Pereira é Médica Veterinária, Mestranda em Oftalmologia Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Ana Carolina da Veiga Rodarte de Almeida é Médica Veterinária, Mestranda em Oftalmologia Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Raquel Redaelli é Acadêmica de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Luciane de Albuquerque é Acadêmica de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Endereço para correspondência: Prof. João A. T. Pigatto – Av. Bento Gonçalves, 9090. Bairro Agronomia. Porto Alegre, RS. 91540-000. E-mail: [email protected] p . 1 9 2008 1-200 Veterinária em Foco Veterinária v. 5 v.5, n.2, n.2 jan./jun. Canoas em Foco, jan./jun. 2008191 paper is a study about KCS, based in literature review, including etiology, pathogenesis, diagnostic techniques, options of treatment and prognosis of this affection. Keywords: Keratoconjunctivitis sicca. Dogs. Cats. INTRODUÇÃO A ceratoconjuntivite seca (CCS) ou síndrome do olho seco é uma afecção oftálmica caracterizada pelo ressecamento da superfície ocular, dor, enfermidade corneal e conjuntival progressiva associada com perda da visão. Diversas espécies animais são acometidas, principalmente os cães. A incidência de CCS em cães tem sido estimada em 5% (BARROS, 1997; GELATT, 2003). O diagnóstico é baseado nos sinais clínicos e na avaliação da produção lacrimal (STRUBBE; GELATT, 1999). O tratamento da CCS normalmente é medicamentoso e baseado na administração de substitutos da lágrima, antibióticos, agentes mucolíticos e lacrimogênicos. Em casos refratários ao tratamento medicamentoso a terapia cirúrgica pode ser considerada (MOORE, 1999; GELATT, 2003). As manifestações clínicas iniciais da CCS são freqüentemente semelhantes às de uma conjuntivite, por isso muitas vezes ocorre demora na confirmação do diagnóstico dificultando o tratamento. O objetivo deste trabalho é auxiliar a correta abordagem da CCS permitindo identificação precoce, diagnóstico preciso e tratamento eficaz, pois somente com o maior conhecimento da CCS obtém-se um prognóstico favorável com preservação da visão e da qualidade de vida dos pacientes. FISIOPATOGENIA O filme lacrimal é um fluido trilaminar complexo composto por três camadas: a lipídica, a aquosa e a mucóide. A camada externa lipídica, secretada pelas glândulas tarsais, possui as funções de retardar a evaporação da lágrima e manter a estabilidade lacrimal A camada intermediária aquosa é produzida pela glândula lacrimal principal e pela glândula lacrimal da terceira pálpebra, constitui 90% do filme lacrimal e contém inúmeros eletrólitos, glicose, uréia, polímeros de superfície ativos, glicoproteínas e proteínas lacrimais (globulinas, albumina, lizosima). A camada interna mucóide originase das células caliciformes da conjuntiva e confere adesão da lágrima à córnea, atuando na manutenção da integridade da superfície ocular (MOORE, 1999; GELATT, 2003; DAVIDSON; KUONEM, 2004) Inúmeras são as funções do filme lacrimal, incluindo, principalmente, a nutrição e a proteção da córnea e da conjuntiva contra corpos estranhos e infecções. Além disso, a lágrima fornece uma superfície corneana homogênea para uma ótima eficiência óptica (MOORE, 1999; SLATTER, 2005). A produção normal de lágrimas é importante para a manutenção da visão e da integridade da superfície ocular (Figura 1). 192 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 A B FIGURA 1 – Superfície ocular normal. (A) olho de cão e (B) olho de gato. Observa-se córnea transparente e conjuntiva com ausência de sinais de inflamação (A) (B). Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS. A CCS caracteriza-se pela diminuição da porção aquosa da lágrima resultando em ressecamento e inflamação crônica da córnea e da conjuntiva, desconforto ocular e visão reduzida, com potencial risco de cegueira. A deficiência da produção lacrimal pode ser congênita ou adquirida, sendo a maioria dos casos considerados idiopáticos ou associados à doença imunomediada (MOORE, 1999). Qualquer raça de cães pode ser acometida, contudo a incidência é maior nas raças Shih Tzu, Lhasa Apso, Pequinês, Buldogue Inglês, Yorkshire Terrier, Pug, Cocker Spaniel Americano, West Highland White Terrrier e Schnauzer, o que sugere uma predisposição genética (CHRISTMAS, 1992; MOORE, 1999; GELATT, 2003). Em gatos, entre as raças mais freqüentemente acometidas por CCS encontram-se Burmês, Abissínio, Himalaia e Persa (WITHELY, 1991). A CCS pode ser induzida pela administração sistêmica prolongada de sulfas ou tópica de colírio de sulfato de atropina (BARROS, 1997) Fármacos pré-anestésicos como atropina, buprenorfina e medetomidina, entre outros, também induzem a diminuição transitória da produção lacrimal em cães (MARGADANT et al., 2003). A ceratoconjuntivite seca também pode estar relacionada a endocrinopatias como hipotireodismo, hipoadrenocorticismo, hiperadrenocorticismo, diabetes mellitus e hipoestrogenismo (GELATT, 2003; CULLEN et al., 2005; BARNETT, 2006; WILLIAMS; PIECE, 2007). Doenças sistêmicas como a cinomose e o herpes vírus podem causar CCS em cães e gatos respectivamente (BRITO et al., 2007). A remoção cirúrgica da glândula da terceira pálpebra tem sido relatada como causa importante de CCS em cães (ALMEIDA et al., 2004; SAITO et al., 2001). Trauma orbital ou supraorbital também pode causar CCS por lesão direta das glândulas lacrimais ou de sua inervação. Além dessas condições, tem sido observado que o envelhecimento também contribui para a diminuição da produção de lágrima (HARTLEY et al., 2006). Animais que apresentam idade próxima de cinco ou seis anos são mais acometidos por CCS (BARROS, 1997). A incidência de CCS é variável em cães e gatos nos diferentes países sendo de Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 193 3,3% nos Estados Unidos, 3,4% no Reino Unido e 5,5% no Brasil. (BARROS, 1997). Apesar dos inúmeros artigos científicos sobre CCS poucos são os estudos populacionais discutindo a incidência desta condição em animais. SINAIS CLÍNICOS Os sinais clínicos podem ser uni ou bilaterais e variam consideravelmente de acordo com o tempo decorrido do início da CCS. Nos estágios mais precoces freqüentemente observa-se desconforto ocular, secreção mucóide, hiperemia conjuntival intensa, fotofobia e neovascularização da córnea (Figura 2). A córnea poderá apresentar-se edemaciada, irregular e muitas vezes ulcerada. Ressecamento ocular severo não tratado pode resultar em perfuração corneana e perda visual (KASWAN et al, 1995; MOORE, 1999; HERRERA et al, 2007). Normalmente o muco acumulado é parte integrante do filme lacrimal que não é drenado pelo sistema lacrimal. A B FIGURA 2 – Olhos de cães acometidos por CCS. A – Observa-se secreção mucóide sobre a córnea. B – Observa-se Intensa hiperemia conjuntival e neovascularização da córnea. Fonte: PIGATTO, J. A.T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS. Nos estágios mais avançados ocorre maior ressecamento da superfície ocular, neovascularização e pigmentação da córnea (Figura 3) e muitas vezes resultando em perda da visão. A B FIGURA 3 – Olhos de cães acometidos por CCS. A – Observa-se ressecamento da superfície ocular. B – Observa-se neovascularização e pigmentação da córnea. Fonte: PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS. 194 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 DIAGNÓSTICO O diagnóstico da CCS é estabelecido com base na combinação das informações da anamnese e do exame oftalmológico (GELATT, 2003; KOCH; SYKES, 2005). O diagnóstico deve ser precoce e preciso para prevenir e tratar a tempo as complicações da CCS. É fundamental obter a história clínica completa do paciente, especialmente em relação à presença de doenças sistêmicas, ao uso de medicamentos que possam ter desencadeado a CCS e a uma possível remoção cirúrgica da glândula da terceira pálpebra (ALMEIDA et al., 2004). Ambos os olhos deverão ser examinados, tendo em vista que grande parte dos casos de CCS é bilateral. Durante o exame oftálmico deve ser realizada biomicroscopia com lâmpada de fenda, a quantificação da produção lacrimal e o uso de corantes vitais. A biomicroscopia com lâmpada de fenda proporciona magnificação e estereopsia, permitindo avaliação detalhada da superfície ocular, particularmente das úlceras corneais. A quantificação da porção aquosa da lágrima tem fundamental importância no que tange à confirmação do diagnóstico de CCS. Pode ser realizada valendo-se dos testes do fenol vermelho ou do teste da lágrima de Schirmer (TLS). O teste do fenol vermelho apresenta inúmeras vantagens em relação ao teste da lágrima de Schirmer, mas é de difícil aquisição, sendo, por isso, ainda pouco utilizado, tanto em pacientes humanos quanto em animais (MOORE, 1999; STRUBBE; GELATT, 1999). Rotineiramente utiliza-se o TLS para quantificar a produção lacrimal em cães e gatos. É importante que este teste seja realizado antes dos demais, pois a instilação prévia de colírios pode provocar alterações no resultado. O TLS pode ser realizado sem anestesia tópica ou com anestesia tópica, denominando-se TLS1 ou TLS2, respectivamente (GELATT, 2003). O TLS2, que mede a produção lacrimal basal após anestesia da conjuntiva e da córnea, tem aplicação clínica limitada, sendo o TLS1 mais utilizado na rotina. Este teste consiste na colocação de tiras padronizadas de papel absorvente estéril no terço médio do saco conjuntival inferior (Figura 4A). Algumas tiras de papel milimetrado são impregnadas com corante azul para facilitar a leitura do resultado (Figura 4B). A B FIGURA 4 – Tiras de papel milimetrado colocadas no saco conjuntival inferior de um cão (A) e de um gato (B) para quantificar a produção de lágrima. PIGATTO, J. A. T. Serviço de Oftalmologia Veterinária UFRGS. Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 195 Após 1 minuto, a tira de papel filtro é retirada do saco conjuntival e a quantificação da produção de lágrima é feita pela medida da extensão do papel filtro que ficou úmida. O TLS1, que não inclui o uso de anestésico tópico, mede o lacrimejamento basal e reflexo. O valor considerado normal para cães é 21 ± 4 mm/minuto e para gatos 16 ± 3.8 mm/minuto (STRUBBE; GELATT, 1999). Os corantes vitais mais empregados são o rosa bengala e a fluoresceína. O corante de rosa bengala detecta células desvitalizadas, defeitos epiteliais agudos e filamentos de muco. O corante de fluoresceína detecta defeitos epiteliais corneanos e determina o tempo de ruptura do filme lacrimal (BASTTISTELLA; KARA-JOSÉ,1999). O diagnóstico diferencial é de extrema importância para a diferenciação da CCS das demais doenças que acometem a superfície ocular, principalmente da conjuntivite (MOORE, 1999; DAVIDSON; KUONEN 2004; KOCH; SYKES, 2005). TRATAMENTO O tratamento medicamentoso é instituído inicialmente, e tem como metas repor a lágrima, estimular a produção da lágrima e manter a integridade da superfície ocular (WITHELY, 1991; MOORE, 1999; GELATT, 2003; KOCH; SYKES, 2005). Para a reposição lacrimal foram desenvolvidos colírios com composição semelhante aos componentes da lágrima. As lágrimas artificiais são indicadas para umedecer a superfície ocular e aliviar o desconforto ocular. As lágrimas artificiais devem ser instiladas 6 a 8 vezes ao dia e geralmente associadas com outros agentes terapêuticos até que a produção lacrimal retorne aos níveis fisiológicos (MOORE, 1999). As substâncias mucolíticas podem ser utilizadas para facilitar a remoção do muco. Normalmente utiliza-se, para este fim, colírio de acetilcisteína a 5% aplicado 3 a 4 vezes ao dia durante 30 a 60 dias (KOCH; SYKES, 2005). Em casos de contaminação bacteriana secundária à CCS, colírios contendo antibióticos devem ser administrados. Inicialmente, o tratamento é prescrito três a quatro vezes ao dia, depois reduzido para duas vezes, conforme a secreção mucopurulenta diminui e, eventualmente, descontinuado quando os sinais de infecção desaparecerem. Além disso, os proprietários devem ser instruídos para manter a superfície ocular limpa, minimizando o acúmulo de muco e o risco de contaminação bacteriana. Agentes colinérgicos têm sido utilizados para estimular a produção lacrimal por causa da inervação parassimpática da glândula lacrimal. O agonista muscarínico 196 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 cloridrato de pilocarpina é um potente estimulante da secreção das glândulas exócrinas, e sua atividade como sialogogo é conhecida há mais de um século. Os efeitos colaterais sistêmicos incluem náuseas, diarréia, transpiração, sialorréia e até casos de espasmo brônquico e bradicardia (KOCH; SYKES, 2005). Tendo em vista os efeitos colaterais sistêmicos e a eficácia duvidosa do tratamento tópico, a pilocarpina está sendo cada vez menos utilizada. A partir das evidências da etiologia autoimune da CCS a ciclosporina A (CsA) tópica tem sido utilizada para estimular a produção lacrimal (MORGAN; ABRAMS, 1991; GILGER; ALLEN, 1998; TANG-LIU; ACHEPONG, 2005). A CsA foi introduzida no início da década de 80 como imunossupressor para uso pósoperatório em pacientes humanos submetidos a transplantes de órgãos (FUKUSHIMA et al., 2006). Os linfócitos T infiltram a glândula lacrimal na CCS, destruindo os ácinos das células produtoras da camada aquosa da lágrima. A CsA é um imunomodulador específico que inibe os linfócitos T, particularmente as células T helper, revertendo o ciclo inflamatório e diminuindo a secreção de mediadores inflamatórios. O tecido glandular lacrimal que ainda se encontra viável, recupera-se e reinicia a produção lacrimal (TANG-LIU; ACHEPONG, 2005; FUKUSHIMA et al., 2006). Para estimular a produção lacrimal, a CsA é utilizada na forma de colírio ou pomada em intervalos regulares de 8 ou 12 horas, dependendo da severidade do caso. A CsA não é eficaz para todos os casos (GILGER; ALLEN, 1998; GELATT, 2003). Várias semanas de tratamento contínuo são necessárias para que o aumento na produção lacrimal seja observado. Normalmente a CsA é utilizada de modo contínuo (GELATT,2003; KOCH; SYKES, 2005). Nos casos não responsivos ao tratamento medicamentoso pode ser realizado tratamento cirúrgico. Este procedimento consiste na transposição do ducto parotídeo da cavidade oral ao saco conjuntival inferior permitindo a substituição da lágrima por saliva. Complicações tanto trans quanto pós-operatórias podem ocorrer. Torção, laceração, ou trauma no ducto parotídeo pode ocorrer durante o procedimento cirúrgico. Devido à maior concentração de minerais na saliva em comparação com a lágrima, depósitos de minerais podem ocorrer na córnea (MOORE, 1999; SLATTER, 2005). PROGNÓSTICO O reconhecimento precoce da CCS e o tratamento adequado são fundamentais para o prognóstico favorável. Os valores do TLS1 fornecem informações a respeito da Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 197 possível resposta à terapia com CsA. Os cães com valores de TLS1 pré-tratamento entre 0 e 1 mm/min têm aproximadamente 50% de chances de responderem à CsA tópica com aumento da produção lacrimal. Cães com valores pré-tratamento de 2 mm/ min ou mais têm 80% de chance de melhorarem a produção lacrimal (MOORE,1999;GELATT, 2003). Em cães, somente poucos pacientes se recuperam completamente, sendo necessários exames de seguimento. O prognóstico para CCS é freqüentemente mais favorável em gatos do que em cães (STADES et al, 1999). CONCLUSÕES A CCS é uma importante afecção ocular que acomete cães e gatos levando ao comprometimento da superfície ocular e à diminuição da visão. Tem sido demonstrado que o diagnóstico precoce e a adesão do proprietário ao tratamento adequado permitem um prognóstico favorável. Com este trabalho procurou-se auxiliar a correta abordagem da CCS permitindo detecção precoce, diagnóstico preciso e tratamento eficaz, pois somente assim poderemos preservar a visão e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. REFERÊNCIAS ALMEIDA, D. E. et al. Iatrogenic keratoconjunctivitis sicca in a dog. Ciência Rural, v.34, n.3, p.921-924, 2004. BARNETT, K. C. Congenital keratoconjunctivitis sicca and ichthyosiform dermatosis in the Cavalier King Charles Spaniel. Journal of Small Animal Practice, v.47, p.524-528, 2006. BARROS, P. S. M. Córnea em medicina veterinária. In: BELFORT, R.; KARA-JOSÉ, N. Córnea Clínica-Cirúrgica. Roca; 1997, p.603-607. BASTTISTELLA, R; KARA-JOSÉ, N. Corantes e quelantes em oftalmologia. In: VITA SOBRINHO, J. B. Farmacologia & Terapêutica Ocular. Cultura Médica; 1999, p.122. BRITO, F. L. C. Et al. Microalterations in the third eyelid gland of dogs with keratoconjunctivits sicca secondary to distemper. 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No Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCV-UFRGS) foram analisados 23 cães que apresentavam imagem radiográfica compatível com neoplasia óssea no esqueleto apendicular. Avaliou-se a evolução destes animais, cujos proprietários optaram por não realizar quimioterapia. Destes, 16 optaram por não realizar a amputação, utilizando somente analgésicos, 5 optaram pela cirurgia e 2 por eutanásia no momento do diagnóstico. A sobrevida média foi de 3,8 meses, sendo 3,4 meses para os cães tratados apenas com analgésicos e 4,9 meses para os cães tratados apenas com a amputação. Palavras-chave: Neoplasia óssea. Cão. Quimioterapia. Imagem radiográfica. Cristiano Gomes é Médico Veterinário, Mestre, Professor Substituto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Serviço de Oncologia Veterinária. Av. Bento Gonçalves, 9090. Porto Alegre/RS. E-mail: [email protected] Ruben Lundgren e Camila Spagnol são Médicos Veterinários Autônomos. Lisiane Foerstnow Cavalcanti e Vanessa Bergel Lipp são Graduandas da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Kelly Cristine Ferreira, Luciana Oliveira de Oliveira e Raquel Machnacz Kroetz são Médicas Veterinárias – Serviço de Oncologia Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Emerson Antonio Contesini e Rosemari Teresinha Oliveira são Professores Adjuntos – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. p . 2 0 2008 1-206 Veterinária em Foco Veterinária v. 5 v.5, n.2, n.2jan./jun. Canoas em Foco, jan./jun. 2008201 Survival times of dogs with compatible image of bone neoplasms from appendicular skeleton by the radiographic examination ABSTRACT Osteosarcoma is the most common primary bone tumor in dogs accounting for up to 85% of malignancies originating in the skeleton. The main treatment is amputation associated with chemotherapy. At Veterinary Hospital of Federal University of Rio Grande do Sul were analyzed 23 dogs with compatible image of bone neoplasms by the radiographic examination from appendicular skeleton. Through telephone contacts it was possible to evaluate these animals evolution, whose owners chose not to use the chemotherapy. Sixteen owners opted to treat just with analgesics, five opted for the surgery and two dogs were euthanized at the moment of the diagnostic. The mean survival times was 3,8 months, being 3,4 months of the dogs without surgery and 4,9 months of the dogs treated with surgery alone. Keywords: Bone neoplasm. Dog. Chemotherapy. Radiograph image. INTRODUÇÃO As neoplasias ósseas representam aproximadamente 5% de todos os tumores de cães e gatos. Estes tumores são geralmente malignos, sendo o osteossarcoma o mais freqüente, representando mais de 85% destas afecções (MORRIS; DOBSON, 2001; DERNELL, 2003). Entretanto, podem-se encontrar outros tipos histológicos (MORRIS; DOBSON, 2001). As neoplasias ósseas ocorrem principalmente em cães de porte grande a gigante (STRAW, 1996; MORRIS e DOBSON, 2001). Esta enfermidade ocorre principalmente em cães de meia idade a idosos e os machos parecem ser mais predispostos que as fêmeas (MORRIS; DOBSON, 2001). As características radiográficas deste tumor são lesões líticas e proliferativas na região metafisária dos ossos longos, aumento de volume dos tecidos moles, com calcificação se estendendo a estes tecidos, formando espículas periostais (aspecto de explosão solar), a presença do “Triângulo de Codman” que se caracteriza por uma reação óssea entre o periósteo e o córtex, além desta neoplasia raramente atravessar a cápsula articular (CHUN; LORIMIER, 2003; DERNELL, 2003; LIPTAK et al., 2004; OGILVIE, 2004). Estas características são indicativas de neoplasia óssea, entretanto o diagnóstico definitivo e a diferenciação do seu tipo histológico são obtidos através da histopatologia (WATERS, 1998; MORRIS; DOBSON, 2001). O tratamento de escolha é a amputação associada à quimioterapia com cisplatina, carboplatina, doxorrubicina ou uma combinação destes (CHUN; LORIMIER, 2003). A quimioterapia adjuvante constitui uma tentativa de prevenir ou atrasar o início da doença metastática (MORRIS; DOBSON, 2001). O tratamento utilizando somente a amputação tem função paliativa, atuando somente no alívio da dor, sem aumentar 202 Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 significativamente o tempo de sobrevida do paciente (LIPTAK et al., 2004). Animais submetidos à amputação e quimioterapia adjuvante com cisplatina, carboplatina ou doxorrubicina apresentam sobrevida média de 278 a 325 dias (BERG et al., 1992; BERG et al., 1995; BERGMAN et al., 1996). Enquanto que animais submetidos apenas à amputação, apresentam período de sobrevida mais curto, com média de 3 a 4 meses (MORRIS; DOBSON, 2001). O objetivo deste trabalho foi avaliar a evolução clínica dos cães com imagem radiográfica compatível com neoplasia óssea no esqueleto apendicular atendidos no Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCV-UFRGS), cujos proprietários optaram por não realizar terapia adjuvante com quimioterapia. MATERIAL E MÉTODOS Foram avaliados 23 cães atendidos no HCV-UFRGS que, ao exame radiográfico, apresentaram imagens compatíveis com neoplasias ósseas em ossos longos, no período de março de 2003 a março de 2005. Para serem caracterizadas como neoplasias ósseas, as imagens apresentavam lise cortical, podendo ou não apresentar descontinuidade do córtex e neoformação óssea. Microfraturas, interrupção do periósteo e a presença do “Triângulo de Codman” também podiam ser observadas. Os dados foram analisados quanto à raça, idade, sexo e localização do tumor destes animais, sendo excluídos do trabalho animais com dados clínicos incompletos. Os proprietários foram questionados através de contatos telefônicos e revisões clínicas quanto ao tempo de evolução do tumor, opção de tratamento, evidência de metástases e o tempo de sobrevida após o diagnóstico. RESULTADOS E DISCUSSÃO A raça mais acometida foi a Rottweiller, com 15 casos (65%), seguida de cães sem raça definida com 4 casos (17%), Pastor Alemão com 2 casos (9%) e Fila Brasileiro e Dálmata com um caso cada (4%). Não houve predisposição quanto ao sexo: dos 23 cães, 12 eram fêmeas (52%) e 11 machos (48%). A idade média foi de 7 anos e meio. Em 13 animais (56%) a lesão estava localizada no membro anterior e em 10 (44%) no membro posterior. Os dados referentes à idade média dos cães acometidos e das raças mais predispostas foram de acordo com o que a literatura descreve, que acomete principalmente cães com idade média de 7 anos e de raças de porte grande a gigante Veterinária em Foco, v.5, n.2, jan./jun. 2008 203 (MORRIS; DOBSON, 2001; KIRPENSTEIJN et al., 2002; CHUN; LORIMIER, 2003; DERNELL, 2003; ENDICOTT, 2003; LIPTAK et al., 2004). A maior incidência na raça Rotweiller pode estar relacionada com uma predisposição genética, além de, se tratando de uma raça de grande porte, o rápido crescimento ósseo durante o início do desenvolvimento e o estresse em razão do peso suportado, possivelmente resultando em microfraturas na região diafisária, podem favorecer um maior número de animais acometidos dessa raça (MORRIS; DOBSON, 2001). A literatura cita que esta enfermidade acomete principalmente machos e que os membros anteriores são duas vezes mais freqüentes, porém estes dados não foram evidenciados no presente estudo (MORRIS; DOBSON, 2001; DERNELL, 2003; ENDICOTT, 2003). Isto pode ter ocorrido devido ao tamanho da amostra de animais contida neste estudo. Além disso, analisou-se a ocorrência de tumores com imagem radiográfica de neoplasia óssea, sem a confirmação histopatológica de osteossarcoma como descrevem os autores, onde este tipo tumoral representa cerca de 85% dos tumores ósseos (MORRIS; DOBSON, 2001; DERNELL, 2003). Em todos os casos, os proprietários relataram rápida evolução das lesões. O tratamento apenas com analgésicos foi optado por 16 proprietários (70%), o tratamento com amputação do membro foi adotado por 5 proprietários (22%) e em dois casos (8%) a eutanásia foi realizada no momento do diagnóstico. A média de sobrevida destes pacientes foi de 3,8 meses, variando entre 3 dias a 10 meses. Em 14 casos (61% do total), os proprietários optaram pela eutanásia dos cães após o aparecimento de sinais clínicos como apatia, anorexia, perda de peso e dispnéia, onde os exames complementares revelaram imagens compatíveis com metástases. Sete cães vieram a óbito. Dentre os 16 cães que receberam somente o tratamento para a dor, a sobrevida média foi de 3,4 meses e dentre os 5 cães em que foi realizada a amputação a sobrevida média foi de 4,9 meses (Tabela 1). TABELA 1 – Sobrevida média dos cães com imagem compatível com neoplasia óssea através do exame radiográfico em ossos longos atendidos no HCV-UFRGS durante o período de março de 2003 a março de 2005, sem o uso de quimioterapia. Tipo de tratamento Número de animais Média de sobrevida (meses) Analgésicos 16 3,4 Amputação 5 4,9 Eutanásia no momento do diagnóstico 2 - Total 23 3,8 O tempo de sobrevida dos pacientes foi bastante curto, o que já era esperado, pois, na maioria dos casos, já existem micrometástases no momento da apresentação/ diagnóstico do tumor primário. Em função disso, muitos proprietários requisitam eutanásia quando ocorre recidiva local do tumor ou as metástases pulmonares causam sinais clínicos de depressão, anorexia e/ou desconforto respiratório (MORRIS; DOBSON, 2001; JOHNSON; HULSE, 2003). A evolução clínica foi muito rápida, apresentando uma sobrevida média semelhante à descrita na literatura, não havendo diferença significativa entre cães amputados e não amputados. Assim, a amputação auxiliou na eliminação do desconforto e da dor local, sem aumento da sobrevida destes animais. Nenhum cão deste estudo teve sobrevida maior que um ano após o diagnóstico (MORRIS; DOBSON, 2001; KIRPENSTEIJN et al, 2002; CHUN; LORIMIER, 2003; DERNELL, 2003; ENDICOTT, 2003; LIPTAK et al, 2004). CONCLUSÃO Estes dados confirmam a necessidade de terapia adjuvante com quimioterapia em cães com tumores ósseos, onde a amputação utilizada isoladamente é um método paliativo de tratamento, auxiliando somente em uma melhor qualidade de vida do paciente com o alívio da dor, sem aumentar significativamente a sua sobrevida. REFERÊNCIAS BERG, J. et al. Treatment of dogs with osteosarcoma by administration of cisplatin after amputation of limb sparing surgery. J Am Vet Med Assoc. v.200, p.2005-2008, 1992. BERG, J. et al. Results of surgery and doxorubicin chemotherapy in dogs with osteosarcoma. J Am Vet Med Assoc. v.206, p.1555-1559, 1995. BERGMAN, P. J. et al. Amputation and carboplatin for treatment of dogs with osteosarcoma: 48 cases (1991-1993). J Vet Intern Med. v.10, p.76-81, 1996. 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Os artigos científicos, revisões bibliográficas, relatos de casos e notas devem ser enviados em tres cópias redigidas em computador, em word, fonte 12, Times New Roman, espaço duplo entre linhas, folha tamanho A4 (21,0 x 30,0 cm), margem direita 2,5cm e esquerda 3cm. As páginas devem ser numeradas e rubricadas pelos autores. Os trabalhos devem ser acompanhados de ofício assinado pelos autores. Os artigos serão submetidos a exame por 3 pesquisadores com atividade na linha de pesquisa do tema a ser publicado, tendo a Revista o cuidado de manter sob sigilo a identidade dos autores e dos consultores. Disquetes serão solicitados após a submissão dos trabalhos e aprovação pelos consultores. 1- O artigo científico deverá conter os seguintes tópicos: Título (em português e inglês); RESUMO; Palavras-chave; ABSTRACT; Key words; INTRODUÇÃO (com revisão da literatura); MATERIAL E MÉTODOS; RESULTADOS E DISCUSSÃO; CONCLUSÃO; AGRADECIMENTOS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 2- A revisão bibliográfica deverá conter: Título (em português e inglês); RESUMO; Palavras-chave; ABSTRACT; Key words; INTRODUÇÃO; DESENVOLVIMENTO; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 3- A nota deverá conter: Título (em português e inglês); RESUMO; Palavraschave; ABSTRACT; Key words; seguido do texto, sem sub-divisão, abrangendo introdução, metodologia, resultados, discussão e conclusão, com REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 4- O relato de caso deverá conter: Título (em português e inglês); RESUMO; Palavras-chave; ABSTRACT; Key words; INTRODUÇÃO (com revisão de literatura); RELATO DO CASO; RESULTADOS E DISCUSSÃO; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ORGANIZAÇÃO DO TEXTO Título Deve ser claro e conciso, em caixa alta e negrito, sem ponto final, em português e inglês. Autores Deve constar o nome por extenso de cada autor, abaixo do título, seguido de informação sobre atividade profissional, maior titulação e lugar/ano de obtenção, Instituição em que trabalha, endereço completo e E-mail. Resumo e Abstract O resumo deve ser suficientemente completo para fornecer um panorama adequado do que trata o artigo, sem, porém, ultrapassar 350 palavras. Logo após, indicar as palavras-chave / key words (mínimo de três) para indexação. Citações e Referências Bibliográficas Citações bibliográficas no texto deverão constar na INTRODUÇÃO, MATERIAL E MÉTODOS E DISCUSSÃO no artigo científico, conforme exemplo: um único autor (SILVA, 1993); dois autores (SOARES & SILVA, 1994); mais de dois autores (SOARES et al., 1996). Quando são citados mais de um trabalho, separa-se por ponto e vírgula dentro do parênteses (SOARES, 1993; SOARES & SILVA, 1994; SILVA et al., 1998). Referências devem ser redigidas em página separada e ordenadas alfabeticamente pelos sobrenomes dos autores, elaboradas conforme a ABNT (NBR-6023). Tabelas e Figuras As Tabelas e Figuras devem ser numeradas de forma independente, com números arábicos. As Tabelas devem ter o título acima das mesmas, escrito em letra igual à do texto, mas em tamanho menor. As Figuras devem ter o título abaixo das mesmas. Tabelas e Figuras podem ser inseridas no texto. Endereço para correspondência Revista VETERINÁRIA EM FOCO Av. Farroupilha, 8001 - Prédio 60 - Sala 01 São José / RS - Brasil CEP: 92425-900 E-mail: [email protected] Disponível eletronicamente www.editoradaulbra.com.br www.ulbra.br/veterinaria/rfoco.htm