PROJETO de ETWINNING 2012/13 «Festival de cinema filosófico» - Guião para curta metragem TEMA: A filosofia e a questão da identidade humana num mundo globalizado MÉTODO DE TRABALHO: debate de ideias entre 3 jovens amigos, estudantes de filosofia; debatem um problema filosófico atual que consiste em saber que atitude adotar face à diversidade de culturas. CENÁRIO: os amigos encontram-se num café, num parque, em casa ou noutro lugar adequado (cuidado para que seja um lugar sem ruído, para não dificultar o registo áudio, e cuidado com a luz, para não obscurecer a imagem), e revelam-se felizes pelo encontro. Fernando: Ainda bem que vos encontro! Estou a precisar de discutir umas ideias que foram hoje apresentadas na aula de filosofia e que não estão nada de acordo com o que eu pensava! Ricardo: As aulas de filosofia são mesmo assim. Os setores têm sempre algo a criticar nas nossas ideias. Quentin: Sinto-me inseguro nessas aulas; nunca sei o que dizer, pois nunca está certo – ou está errado, ou está incompleto, ou é superficial, ou está bem pensado mas há outro ponto de vista tão bom ou ainda melhor que o meu… Ricardo: É uma disciplina mesmo estranha! Diz que procura o saber perfeito, respostas racionais e objectivas, mas no fim nunca chega a essa objectividade e deixa os problemas sempre em aberto e é por essas aberturas que os setores entram para pôr em causa os nossos argumentos e teses. Quentin: Mas ao porem-nos em causa, obrigam-nos a pensar melhor e a perceber que aquilo que julgávamos saber não passa afinal de uma opinião tonta, mal fundamentada e que por vezes defendíamos com uma arrogância ingénua e estúpida. Ricardo: Certo. Esse espírito crítico dos setores acaba por tomar conta de nós. Agora não opino antes de analisar os argumentos que tenho para defender as minhas opiniões e imaginando-me advogado do «contra» para colocar contraargumentos à minha tese e avaliar se esta merece que eu me arrisque na sua defesa. Fernando: sim, sim, às tantas já somos nós a debater connosco próprios, antes de debatermos com os outros. Ricardo: Lá em casa, esta minha nova atitude problematizadora está a criar-me algumas dificuldades na relação com os meus avós que eu tanto adoro. Fernando: que dificuldades são essas? Ricardo: os meus avós sempre foram queridos comigo. Contudo, têm umas opiniões a que eu nunca dei muita importância e que, agora, me parecem muito erradas e que têm de ser abandonadas. Quentin: de que opiniões estás a falar? Ricardo: dizem que Salazar foi um dos melhores portugueses de sempre; que os produtos portugueses é que são de qualidade e também que a nossa cultura e futebol são os melhores; que o Brasil, Angola, Moçambique e os demais territórios do antigo Império Português nunca se deviam ter separado de Portugal, porque a sua civilização foi-lhes dada pelos portugueses e que antes da chegada dos portugueses os povos locais não tinham civilização e a cultura que tinham não prestava; que as orientações do Papa e dos padres são para seguir, pois são a vontade de Deus; e coisas assim. Fernando: olhem, os problemas que estou a enfrentar são parecidos. Devo confessar que eu concordava com algumas das opiniões dos teus avós, como, por exemplo, a ideia de que devemos orgulhar-nos da civilização ocidental, quando em comparação com outras culturas. Todavia, hoje o prof. lançou a questão de se devemos ser nacionalistas e introduziu um conceito de que eu nunca tinha ouvido falar – o etnocentrismo – e eu percebi que as opiniões que vinha defendendo podem estar na origem de problemas sérios. Quentin: não vejo nada de mal em cada um defender a cultura do seu país! Ricardo: cuidado, Quentin! Essa defesa levanta dificuldades, sim. Fernando: Repara: tu és de origem francesa, logo vais defender orgulhosamente a cultura francesa… Ricardo: … o Fernando é de origem brasileira, pelo que vai defender com o mesmo orgulho a cultura do país dele… Fernando: …e o Ricardo, que nasceu e sempre viveu em Portugal, vai defender com o mesmo orgulho a cultura portuguesa. Ricardo: Isto correrá bem até ao ponto em que as três culturas apresentarem soluções diferentes para o mesmo problema relevante. Aí acabará gerando um conflito. Fernando: também há o problema de saber o que é a cultura brasileira, a cultura francesa, a cultura portuguesa e, ao mesmo tempo, o que é a cultura do Frenando, a do Quentin e a do Ricardo. Ricardo: Tens razão. As partes filosófica e científica da cultura e até muita da cultura artística é igual em todos os nossos países, logo identifica-nos e não nos distingue. Fernando: Por outro lado, no que há de diferente entre Brasil e Portugal, como eu vivo em Portugal há algum tempo, a minha cultura já é uma mistura de ambas. Já não sou nem brasileiro, nem português – sou um portugabrasileiro! Ricardo: Portugabrasileiro, eheh, gosto do nome! Mas não te sintas desenraizado por isso. Não penses que isso se passa só contigo. O que está em causa é seres uma síntese das tuas experiências e isso acontece com todos. Quentin: Comigo acontece o mesmo, sim. Mas já tu, Ricardo, porque dizes que estás na mesma situação? Ricardo: Eu vivi sempre em Portugal. Porém, os meus avós viveram em Angola até 1975. Trouxeram de lá muita da culinária, da música, do ritmo lento de viver e eu, ao conviver com eles, fui influenciado por tudo isso. Quentin: Ah, estou a ver! … e cada filme de Holywood que eu vejo, cada livro de Jorge Amado ou de Garcia Marquez que leio, etc, metem em mim um pouco da maneira de ser dos seus autores e dos mundos que retratam. Fernando: No fim, temos de decidir se devemos promover a diversidade cultural, tolerando e defendendo a preservação de cada cultura na sua integridade, Ricardo: … ou se devemos defender a nossa cultura como uma forma superior de enfrentar os desafios humanos … Fernando: Aqui devemos falar de como é importante relacionarmo-nos bem para que tenhamos uma boa vida de paz e prosperidade. Quentin: uma boa vida não é possível em clima de dominação e desrespeito pela integridade física, moral e intelectual de todos. Ricardo: Certo. Logo, o etnocentrismo (seja o nacionalista, o fundamentalista religioso, o sexista, o ideológico, etc), que é arrogante conflituoso, não nos conduz a essa vida boa. Fernando: Concordo. Mas o relativismo, que defende a necessidade de tolerar todas as culturas, leva a uma atitude passiva face à diferença, pelo que acaba a tolerar as maiores barbaridades e, inclusive, as culturas etnocêntricas, que já vimos serem um atentado à vida boa. Quentin: Mas é preferível ao etnocentrismo! Este é intolerável. Fernando: O setor apresentou na aula o interculturalismo como a tese que resulta da tentativa de superar as deficiências do etnocentrismo e do relativismo. Defende que apesar de cada cultura ter os seus próprios valores deve-se procurar valores comuns, universais, transubjetivos, consensuais. Ricardo: Boa! Só quando tais valores existirem e forem respeitados poderemos viver todos em paz. Fernando: Não vejo como é possível que pessoas com sensibilidades e modos de ser e pensar tão distintos como os que há no mundo, podem chegar a tão ambicioso entendimento, sem ser pela imposição dos mais fortes. Ricardo: O prof. também disse que o método de trabalho do interculturalismo é a argumentação, colocando todos a apresentar os seus valores e as suas virtudes e defeitos, todos sendo submetidos ao espírito crítico dos outros e tendo a oportunidade de se justificar e defender, mas todos empenhados na procura de valores universalmente aceitáveis. Quentin: É uma tarefa difícil, mas não é impossível e o que está em causa é tão importante que vale a pena termos total dedicação nesse trabalho. Ricardo: Esta atitude interculturalista conseguiu já resultados bem interessantes, como é a declaração universal dos direitos humanos. Fernando: Não será essa declaração de valores universais a afirmação do etnocentrismo ocidental? Ricardo: Essa é uma objecção forte, mas também ela criticável: qualquer um que aceite que devemos tratar todo o ser humano com respeito e segundo o valor da igualdade, entenderá estarmos perante valores que não sofrem do egocentrismo tradicional das culturas particulares. Quentin: Sim. São valores resultantes da razão filosófica, argumentativa, lógica. Fernando: Podemos então concluir que é importante termos filosofia para desenvolvermos essa racionalidade filosófica. Ricardo: A filosofia é afinal útil, pois por ela somos chamados a usar a nossa racionalidade para que possamos universalmente viver melhor. Quentin: Concluímos, ao contrário da maioria das pessoas, que a filosofia é útil, é o exercício do raciocínio de forma a tornar-nos cada vez mais humanos, cada vez melhores pensadores e, com isso, cada vez mais pacíficos, mais prósperos, enfim, mais felizes. Ricardo e Fernando [em uníssono]: De acordo! Fernando: O nosso setor de filosofia gostaria de ter assistido a esta nossa conversa, não acham? Ricardo e Quentin [em uníssono]: sem dúvida! Autor: Fernando Teixeira Revisão: Jorge Rocha