quinta câmara cível do tribunal de justiça

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QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
APELAÇÃO Nº 0001086-77.2006.8.19.0038
APELANTE 1: CASA DE SAUDE E MATERNIDADE NOSSA SENHORA DE FATIMA
DE NOVA IGUAÇU SA
APELANTE 2: IRIS DA GUIA SILVA SANTOS E OUTROS
APELADOS: OS MESMOS
RELATOR: DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
RELATÓRIO
Trata-se de ação de indenizatória proposta por Iris da Guia Silva Santos,
por si e representando seus filhos menores, em face de Casa de Saúde e Maternidade
Nossa Senhora de Fátima de Nova Iguaçu S/A em virtude do falecimento do Sr.
Evangelista da Silva Santos, marido e pai dos autores, após ser submetido à cirurgia de
coluna.
Aduzem que o marido e pai dos autores sofrendo de fortes dores nas
costas foi ao consultório do Dr. Diloguardiu que diagnosticou a existência de hérnia de
disco, sendo necessária intervenção cirúrgica, sendo agendada a cirurgia no hospital réu.
Alegam que no dia 04 de maio de 2005, por volta das 8 horas, deu entrada no hospital,
sendo conduzido ao quarto por volta das 15 horas, permanecendo por cerca de 7 horas
sem qualquer assistência médica, alimentar ou psicológica. Sustentam que no dia 06 de
maio foi informado à família do paciente que deveriam ser providenciados três doadores
de sangue do tipo O negativo, pois o banco de sangue não dispunha daquele tipo
específico de sangue, e caso houvesse necessidade não seria possível a transfusão, o
que foi feito pela primeira autora.
Afirmam que no dia 7 foi realizada a cirurgia que teria durado cerca de 9
horas, sem que fosse dada qualquer informação ao paciente ou aos seus familiares
sobre a duração do ato cirúrgico, assim como de seus riscos e procedimentos. Alegam
que na primeira visita a primeira autora encontrou seu marido no corredor, sem
qualquer cuidado especial, num leito improvisado e que o Sr. Evangelista relatou à sua
esposa que estava com fortes dores abdominais, principalmente de seu lado esquerdo,
pedindo-lhe ajuda para que a dor cessasse. Afirmam que a primeira autora pediu socorro
ao chefe de plantão que, sem qualquer verificação, informou-lhe que tal fato era normal.
No dia 08, a primeira autora recebeu telefonema do hospital réu,
solicitando seu imediato comparecimento, pois seu marido fora levado para sala de
cirurgia para nova intervenção a fim de estagnar uma hemorragia interna. Cerca de
cinco horas após a cirurgia, foi informada pelo médico que o estado de saúde de seu
marido era grave e que seria necessário mais sangue e plasma, que estavam vindo de
Assinado por ANTONIO SALDANHA PALHEIRO:000009647
Data: 05/07/2012 17:54:45. Local: GAB. DES ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Botafogo, pois não havia reserva no Hospital réu. Na hora da visita encontro seu marido
num leito da CTI respirando com o auxílio de aparelhos e fazendo hemodiálise, sem
responder a qualquer estímulo. No dia 09, a direção do hospital ligou para a residência
da primeira autora solicitando o seu comparecimento imediato na sede do hospital. Lá
chegando, recebeu a notícia do falecimento do seu marido.
Requer indenização por danos morais e pagamento de pensão mensal
durante a menoridade do segundo e terceiro autores.
Contestação às fls.71/79, sustentando que o paciente era assistido pelo
médico Diloguardiu de Oliveira, em seu consultório, não guardando qualquer relação
jurídica com o hospital, ora réu, que só o recebeu para internação e posterior ato
cirúrgico, através do médico Francisco Sávio de Carvalho, que também não é preposto
da Casa de Saúde, e não compõe seu corpo médico. Aduz que a cirurgia foi realizada no
dia 07 de maio, tendo como cirurgião responsável o Dr. Francisco Sávio, conforme
consta na ficha de internação por ele assinada. Neste documento, encontra-se
consignado que o paciente tinha hérnia de disco em L4 e L5. Afirma que após o ato
cirúrgico, o paciente foi encaminhado, imediatamente, ao CTI, como é procedimento de
rotina, e seu quadro evoluiu com descompensação hemodinâmica e sinais de distúrbio
hidroeletrolítico severo e hipovolemia. Ao exame físico, encontrava-se desorientado,
taquidispneico e agitado. Diante deste quadro, foi solicitada a presença do cirurgião
geral de plantão no CTI, para realizar nova avaliação, que constatou quadro de abdômen
agudo e choque hipovolêmico, instalando imediatamente acesso venoso profundo e
realizado Tomografia Computadorizada, cujo resultado determinou o imediato
encaminhamento ao centro cirúrgico para laparotomia exploradora.
Aduz que, iniciado o procedimento, constatou-se que a lesão da artéria
ilíaca esquerda fora provocada pela primeira intervenção cirúrgica, que tinha como
objeto a correção de hérnia de disco, que não fora percebida pela equipe médica
chefiada pelo Dr. Francisco Sávio, conforme relatório médico datado de 11 de maio de
2005. Afirma que após a laparotomia e identificado o problema, foi realizado pelo
cirurgião geral da ré o procedimento necessário objetivando salvar a vida do paciente
que, contudo, veio a falecer. Alega que a causa da morte foi a lesão da artéira ilíaca
esquerda, quando da realização do primeiro ato cirúrgico, não podendo a ré ser
responsabilizada, tendo em vista que apenas cedeu suas instalações para a realização da
cirurgia, não tendo qualquer envolvimento de sua equipe médica. Aduz que a sua equipe
médica só agiu em razão do quadro crítico apresentado pelo paciente após a primeira
cirurgia e, utilizando-se dos procedimentos necessários e possíveis, identificou a causa
da piora de seu estado de saúde, buscando imediatamente a solução através do
procedimento consistente em lavar a cavidade afia da artéria, controle da hemorragia
com passagem de cateter balão, endarterectomia ilíaca e embolectomia de MIE. Requer
a improcedência dos pedidos autorais, sob o fundamento de que não praticou qualquer
ato que pudesse provocar os danos suportados pelos autores e que não tem nenhuma
relação jurídica contratual com os médicos que assistiram o paciente.
Laudo pericial Às fls.194/207, complementado às fls.218/220. O perito
conclui que os procedimentos médicos adotados pela equipe médica da ré não
contribuíram para a morte do marido e pai dos autores e que tais procedimentos eram
necessários diante do quadro apresentado pelo paciente e observaram a técnica indicada
para o caso.
Promoção final do MP às fls.243/245, opinando pela improcedência dos
pedidos autorais por entender que a ré foi contratada apenas para hospedar o paciente
durante a internação e cirurgia, não sendo responsável, portanto, por qualquer
complicação decorrente da referida cirurgia, já que os médicos que atenderam o
paciente não possuíam qualquer vínculo empregatício com a ré.
Sentença às fls.246/253 julgando procedente, em parte, o pedido para
condenar a ré ao pagamento de R$20.000,00 (vinte e mil reais) para a primeira autora e
R$15.000,00(quinze mi reais) para cada um dos menores, corrigido monetariamente a
partir desta data e acrescido dos juros de mora de 1% ao mês a contar da data do
evento. Entendeu a magistrada que o hospital agiu com culpa, na modalidade
negligência, porque tinha conhecimento do tipo de cirurgia que iria ser realizada,
classificando-a como de alta complexidade, podendo ser necessária uma hemotransfusão
e ainda assim, não tinha, em estoque, tipo sanguíneo do paciente, bem como deixou de
providenciá-lo.
Apelação da ré às fls.255/264, requerendo a reforma da sentença, sob o
fundamento de que os médicos que realizaram a intervenção cirúrgica não faziam parte
de seu corpo clínico, tendo sido contratados em seus respectivos consultórios, tendo o
nosocômio apenas cedido suas instalações para a realização do procedimento, não
podendo assim ser responsabilizado pela morte do marido e pai dos autores. Aduz que a
tese da magistrada de que o hospital contribui com o resultado ao não ter em seus
estoques quantidade de sangue suficiente para fornecer ao paciente, após a realização
do ato cirúrgico, não merece prosperar, tendo em vista que foram disponibilizadas várias
bolsas de sangue ao paciente, que se encontrava com quadro de choque hipovolêmico,
decorrente de lesão inadvertida da artéria ilíaca esquerda, no momento da realização do
ato cirúrgico. Sustenta ainda que sendo cirurgia eletiva, de profissionais que não
integram o seu quadro médico, caberia a estes indagar a respeito da disponibilidade de
sangue do tipo do paciente, para que pudesse ser utilizado em caso de necessidade, ou
mesmo solicitar a casa de saúde que disponibilizasse tal quantidade, o que de fato não
ocorreu. Alega que, após a intercorrência havida após a cirurgia, as consequências foram
assumidas pelo corpo clínico da ré, que empreendeu todos os esforços para salvar a vida
do paciente, embora sem o sucesso almejado. Por fim, afirma a ausência do nexo de
causalidade entre a ação do nosocômio e a causa da morte do paciente.
Apelação dos autores às fls. 266/272, requerendo a majoração da quantia
arbitrada a título de danos morais e fixação em igual valor para todos os apelantes, bem
como a condenação do réu ao pagamento de pensão para os autores menores –filhos do
falecido- até completarem a idade de 24 anos.
Contra-razões da autora às fls.278/281.
Parecer do MP às fls.282/284, opinando pelo conhecimento dos recursos
interpostos e, no mérito, para que seja negado provimento ao recurso da parte autora e
dado provimento ao recurso da parte ré.
Contra-razões da ré às fls.286/290.
É o relatório.
Rio de Janeiro,
de
de 2012.
DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator
QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
APELAÇÃO Nº 0001086-77.2006.8.19.0038
APELANTE 1: CASA DE SAUDE E MATERNIDADE NOSSA SENHORA DE FATIMA
DE NOVA IGUAÇU SA
APELANTE 2: IRIS DA GUIA SILVA SANTOS E OUTROS
APELADOS: OS MESMOS
RELATOR: DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
RESPONSABILIDADE
CIVIL.
AÇÃO
INDENIZATÓRIA.
CIRURGIA ELETIVA NA
COLUNA REALIZADA POR EQUIPE MÉDICA NÃO
INTEGRANTE
DO
QUADRO
DA
RÉ.
FALECIMENTO DO PACIENTE EM DECORRÊNCIA
DE
PERFURAÇÃO
DA
ARTÉRIA
ILÍACA,
OCASIONANDO HEMORRAGIA. NECESSIDADE
DE
NOVA
INTERVENÇÃO
MÉDICA.
ATENDIMENTO
REALIZADO NA CTI
DO
HOSPITAL RÉU. PROVIDÊNCIAS TOMADAS
VISANDO SALVAR O PACIENTE. INSUCESSO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL.
DEFEITO NO SERVIÇO. DEMORA NA OBTENÇÃO
DE CRISTALOIDES E HEMODERIVADOS.
APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA
CHANCE. COM EFEITO, NÃO HÁ COMO
ATRIBUIR, EXCLUSIVAMENTE, AO HOSPITAL A
RESPONSABILIDADE PELO FALECIMENTO DO
MARIDO E PAI DOS AUTORES, RESTANDO
DEMONSTRADO, TODAVIA, TER, CONCORRIDO
PARA A PIORA DO SEU ESTADO CLÍNICO,
ACARRETANDO-LHE
MENOR
CHANCE
DE
MELHORA, VINDO A FALECER, TENDO EM VISTA
QUE
NÃO
TINHA
EM
ESTOQUE
TIPO
SANGUÍNEO DO PACIENTE, BEM COMO NÃO
DILIGENCIOU PARA CONSEGUI-LO EM TEMPO
HÁBIL.
EVIDENTE O DANO MORAL SUPORTADO PELOS
AUTORES.
QUANTUM
ARBITRADO,
EM
OBSERVÂNCIA
AOS
PRINCÍPIOS
DA
RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE E
COM AS PECULIARIDADES DO CASO.
NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº000108677.2006.8.19.0038, originário da 2ª Vara Cível da Comarca de Nova Iguaçu, em
que são apelantes Casa de Saúde e Maternidade Nossa Senhora de Fátima de Nova
Iguaçu S/A e Iris da Guia Silva Santos e outros e são apelados os mesmos.
Acordam os Desembargadores que compõem a Quinta Câmara Cível
do Tribunal de Justiça, por unanimidade de seus votos, em negar provimento aos
recursos.
VOTO
Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais proposta
por Iris da Guia Silva Santos, por si e representado seus filhos menores Nathália Silva
Santos e Matheus Silva Santos em face de Casa de Saúde Maternidade Nossa
Senhora de Fátima de Nova Iguaçu S/A, na qual alegam a responsabilidade do
hospital pelo falecimento de seu marido e pai em virtude de realização de cirurgia na
coluna para corrigir hérnia de disco e, por erro médico, ocasionou a perfuração da
artéria ilíaca. Aduzem que a falta de diagnóstico e pronto atendimento levaram o
paciente ao óbito e não a perfuração da artéria ilíaca de forma isolada.
A douta juíza a quo julgou parcialmente o pedido para condenar a ré ao
pagamento de R$20.000,00 (vinte e mil reais) para a primeira autora e R$15.000,00
(quinze mi reais) para cada um dos menores, corrigido monetariamente a partir
desta data e acrescido dos juros de mora de 1% ao mês a contar da data do evento.
Entendeu a magistrada que o Hospital Réu agiu com culpa, na modalidade
negligência, porque tinha conhecimento do tipo de cirurgia que iria ser realizada no
paciente, classificando-a como de alta complexidade, podendo ser necessária uma
hemotransfusão, porém, não tinha em estoque tipo sanguíneo do Sr. Evangelista.
Apela o Hospital, sustentando que não pode ser responsabilizado pela
morte do paciente, sob o fundamento de que o médico que realizou a cirurgia de
coluna não pertence ao quadro do hospital, tendo este apenas cedido o espaço para
realização da cirurgia. Aduz que o paciente procurou o médico em seu consultório,
tendo marcado a cirurgia no hospital réu. Aduz que tão logo se constatou o quadro
do paciente após a cirurgia tomou todas as providências para reverter o quadro de
hemorragia causado pelo rompimento de artéria ilíaca, porém, infelizmente não
consegui salvar a vida do paciente, vindo este a falecer.
Recorrem os autores requerendo a majoração dos danos morais e a
condenação do réu ao pagamento de pensão aos autores menores até atingirem a
maioridade.
A sentença não merece reparo, tendo a magistrada analisado o caso
com precisão, conforme será demonstrado.
A questão cinge-se a apurar a responsabilidade do hospital réu no
falecimento do marido e pai dos autores.
Conforme consta às fls.206 do laudo pericial, em resposta ao quesito da
ré, o paciente procurou o Dr. Diloguardiu, médico que indicou o procedimento
cirúrgico em virtude de hérnia de disco, no seu próprio consultório.
Esclarece ainda o perito às fls.219 que “ O médico, embasado no Art.25
do Código de Ética Médica tem a prerrogativa de internar e assistir seu paciente em
hospitais privados, mesmo que não faça parte do corpo clínico e sempre que aceitar
as normas existentes na instituição”.
Os estabelecimentos hospitalares enquadram-se na definição de
fornecedores de serviço, presente no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.
A responsabilidade dos Hospitais será objetiva somente no que se
refere diretamente aos serviços prestados pelo estabelecimento, ou seja, aqueles
que digam respeito à internação, às instalações físicas, aos equipamentos, aos
serviços auxiliares, como enfermagem, exames, radiologia, etc., e não aos serviços
profissionais dos médicos que ali atuam ou prestem serviços ao estabelecimento.
Para estes, a responsabilidade será subjetiva, isto é, dependerá da comprovação da
culpa no procedimento médico.
A propósito, imperioso colacionar precedente do Superior Tribunal de
Justiça que sintetiza a responsabilidade das sociedades empresárias hospitalares por
dano causado ao paciente consumidor:
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL POR ERRO
MÉDICO E POR DEFEITO NO SERVIÇO. SÚMULA 7 DO STJ. VIOLAÇÃO
DOS ARTS. 334 E 335 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. REDIMENSIONAMENTO DO
VALOR FIXADO PARA PENSÃO. SÚMULA 7 DO STJ. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS. TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA DA CORREÇÃO
MONETÁRIA. DATA DA DECISÃO QUE FIXOU O VALOR DA
INDENIZAÇÃO.
1. A responsabilidade das sociedades empresárias hospitalares por
dano causado ao paciente consumidor pode ser assim sintetizada:
(i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar
limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares
adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do
paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição
(por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço
prestado (art. 14, caput, do CDC);
(ii) os atos técnicos praticados pelos médicos sem vínculo de
emprego ou subordinação com o hospital são imputados ao
profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar
de qualquer responsabilidade (art. 14, § 4, do CDC), se não
concorreu para a ocorrência do dano;
(iii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos
profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital,
respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional
responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é
responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser
comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar
da instituição, de natureza absoluta (arts. 932 e 933 do CC), sendo
cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar
a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC).
2. No caso em apreço, as instâncias ordinárias entenderam pela
imputação de responsabilidade à instituição hospitalar com base em
dupla causa: (a) a ausência de médico especializado na sala de parto
apto a evitar ou estancar o quadro clínico da neonata – subitem (iii); e
(b) a falha na prestação dos serviços relativos ao atendimento
hospitalar, haja vista a ausência de vaga no CTI e a espera de mais de
uma hora, agravando consideravelmente o estado da recém-nascida,
evento encartado no subitem (i).
3. De fato, infirmar a decisão recorrida demanda o revolvimento de
matéria fático-probatória, o que é defeso a este Tribunal, ante o óbice
contido na Súmula 7 do STJ. (...). (REsp 1145728/MG. Relator p/
Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO; QUARTA TURMA - Data do
Julgamento 28/06/2011). (grifou-se).
Na hipótese, conforme consta no laudo pericial, o Sr. Evangelista,
sentindo fortes dores na coluna vertebral lombar, procurou o Dr. Diloguardiu, em seu
consultório, que diagnosticou a presença de hérnia de disco de L4-L5, tendo o
paciente sido internado no dia 04 de maio de 2005 no hospital ré e submetido a
procedimento cirúrgico no dia 07 de maio. Tal cirurgia foi realizada por médico não
pertencente ao quadro da ré. Após o ato cirúrgico de alta complexidade, foi
encaminhado ao CTI, tendo apresentado no dia imediato quadro clínico compatível
com choque hipovolêmico motivado por rotura da artéria ilíaca esquerda, sendo
submetido a novo procedimento cirúrgico no dia 08 de maio, vindo a falecer em 09
de maio de 2005, em decorrência do choque hipovolêmico, abdome agudo e lesão
de artéria ilíaca esquerda (fls.202).
Esclarecendo melhor a questão, transcreve-se trecho do laudo, no qual
o perito define choque hipovolêmico às fls.205:
“O choque hipovolêmico é o resultado do volume inadequado do
sangue na circulação, derivado de hemorragia interna ou externa
importante ou de perda hídrica motivada pela queimadura extensa,
traumatismo, doenças (...). No caso em apreço há registro de choque
hipovolêmico devido lesão de artéria ilíaca esquerda”.
O perito constata às fls.202 registro de atraso na efusão de cristalóides
e hemoderivados devido à dificuldade do banco de sangue consegui-lo e, às fls.219,
em reposta ao quesito complementar formulado pelos autores, afirma que as
unidades de saúde, em especial hospitais, podem e devem ter estoque de sangue e
produtos dele derivados para a realização de cirurgias de emergência e eletivas de
grande complexidade.
médicos:
Corroborando o acima exposto, transcrevem-se trechos dos boletins
“(...) Durante o ato operatório foi transfundido com 1 bolsa de
concentrado de hemácias O - (negativo). Não havia mais bolsas de
conc. de hemácias no hospital do seu tipo sanguíneo”. (fls.42 verso).
No Boletim do CTI denominado “Evolução Médica“ às fls.45, constatase, como bem analisou a juíza a quo que por diversas vezes foi solicitado sangue,
plaquetas, hemácias, o que não foi obtido pelo hospital, tendo o paciente falecido.
Ora, sendo a cirurgia realizada eletiva, complexa, sendo comum a
realização de transfusão de sangue nesse tipo de cirurgia, conforme constatado pelo
expert às fls.206, teria o hospital réu que ter, ou diligenciar em providenciar em
tempo hábil, quantidade suficiente de sangue e outros materiais necessários à
complexidade do procedimento cirúrgico agendado e realizado dois dias após a
internação do paciente. Assim, não há como entender que o hospital Recorrente
tenha se utilizado de todas as medidas imprescindíveis à melhora do quadro da
paciente.
Com efeito, da apreciação dos elementos nos autos, não há como
atribuir, exclusivamente, ao hospital a responsabilidade pelo falecimento do marido e
pai dos autores, restando demonstrado, todavia, ter, concorrido para a piora do seu
estado clínico, acarretando-lhe menor chance de melhora, vindo a falecer, tendo em
vista que não tinha em estoque tipo sanguíneo do falecido, bem como não
diligenciou para consegui-lo a tempo de salvar a vida do paciente.
Assim, irretocável a sentença que assim concluiu:
“(...) O Hospital Réu agiu com culpa, na modalidade negligência,
porque tinha conhecimento do tipo de cirurgia que iria ser realizada no
Sr. Evangelista, classificando-a como de alta complexidade, podendo
ser necessária uma hemotransfusão. Ainda assim, o Hospital Réu não
tinha, em estoque, tipo sanguíneo do falecido senhor e, deveria ter
tomado uma das providências seguir:
-providenciar um estoque do tipo sanguíneo do falecido;
- ou não permitir a realização da cirurgia, já que era eletiva, enquanto
isso não ocorresse.
Não agindo com a prudência necessária exigida daqueles que lidam
com a vida humana e suas dores, atraiu o réu, para si, a
responsabilidade pelo evento. Ainda que se argumente que não seria
possível afirmar-se que o Sr. Evangelista teria sobrevivido se tivesse
sido transfundido, com o sangue que lhe era adequado, não se pode
afastar a responsabilidade do Réu pela consequência do evento por que
houve a perda da “última chance” (...) O Hospital Réu, além de não ter
hemoderivado em estoque, deixou de providenciá-lo por, pelo menos,
doze horas, tempo mais que suficiente para fazer uma checagem em
todos os bancos de sangue do estado do Rio de janeiro e providenciar a
sua chegada ao Hospital (...)”.
Desta feita, resta patente a conduta ilícita do Hospital, porquanto,
repita-se, embora não há como afirmar, seguramente, que, caso tivesse
providenciado, de imediato, o hemoderivado, o óbito seria evitado, certo é que seria
garantido ao paciente maiores chances de melhora no seu quadro clínico e,
consequentemente, maior probabilidade de sobrevivência.
Sobre o tema, ensina o ilustre Professor Sérgio Cavalieri Filho, em sua
obra Programa de Responsabilidade Civil, 8ª edição, Editora Malheiros, pág.
379/380:
“(...) A indenização, por sua vez, deve ser pela perda da oportunidade
de obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem. Em
outras palavras, o elemento que determina a indenização é a perda de
uma chance de resultado favorável no tratamento. O que se perde é a
chance de cura e não a continuidade de vida. A falta reside em não se
dar ao paciente todas as chances de cura (obrigação de meio). A
chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura,
o que refletirá no montante da indenização. Em última instância,
o problema gira em torno do nexo causal entre a atividade médica
(ação ou omissão) e o resultado danoso consistente na perda da
chance de sobrevivência ou cura. A atividade médica, normalmente
omissiva, não causa a doença ou a morte do paciente, mas faz com que
o doente perca a possibilidade de que a doença possa vir a ser curada.
Se o paciente, por exemplo, tivesse sido internado a tempo ou operado
imediatamente talvez não tivesse falecido. A omissão médica, embora
culposa, não é, a rigor, a causa do dano; apenas faz com que o
paciente perca uma possibilidade. Só nesses casos é possível falar em
indenização pela perda de uma chance. Se há erro médico e esse erro
provoca ab orige o fato de que decorre o dano, não há que se falar em
perda de uma chance, mas, em dano causado diretamente pelo
médico. (...)”. (grifou-se)
Destarte, inegável a responsabilidade do réu, que, com sua conduta
diminuiu a chance de sobrevivência do marido e pai dos autores, que veio a falecer,
fato que, inquestionavelmente, causou profunda dor e angústia aos demandantes.
A prova do dano, nestas hipóteses, está no próprio fato que o ensejou;
ou seja, está ínsita ao próprio evento danoso.
Colacionam-se julgados nesse sentido:
INTERNACAO HOSPITALAR. HOSPITAL PUBLICO. SERVICO MEDICOHOSPITALAR
DEFEITUOSO.
PERDA
DE
UMA
CHANCE.
RESPONSABILIDADE CIVIL DE PESSOA JURIDICA DE DIREITO
PUBLICO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERNAÇÃO
DE PACIENTE EM REDE PÚBLICA. ALTA HOSPITALAR. PERDA DA
CHANCE. DANO. Ação indenizatória decorrente dos danos causados
pela precoce alta hospitalar da Autora que no dia seguinte necessitou
de nova internação de emergência para tratamento cirúrgico em virtude
de projétil de arma de fogo na perna. A perícia, embora afaste o nexo
causal, relata que os danos na Autora derivaram de complicações
tardias da lesão sofrida, o que demonstra a falha na prestação do
serviço com a alta hospitalar precipitada que impôs à Autora.
Caracterizados os elementos da responsabilidade civil da pessoa jurídica
de direito público, deve esta indenizar a vítima em razão da perda da
chance em se tratar de forma eficiente e conseguir a cura. Dano
material derivado da incapacidade permanente como apurou a perícia,
arbitrado em salário mínimo em vista da falta de prova dos ganhos da
vítima. Manifesto o dano moral pelo sofrimento imposto à Autora,
fixada a verba em atenção ao princípio da razoabilidade. Recurso
provido. Vencida a Des. Maria Ines Gaspar.
(005612896.2004.8.19.0001- APELACAO; DES. HENRIQUE DE ANDRADE
FIGUEIRA - Julgamento: 16/02/2011 - DECIMA SETIMA CAMARA
CIVEL).
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO.
INTERNAÇÃO EM HOSPITAL DA REDE PÚBLICA. AÇÃO DE REPARAÇÃO
DE DANOS. CAUSA DE PEDIR FUNDADA NA MÁ PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO EM RAZÃO DE FERIMENTO DECORRENTE DE PROJÉTIL DE
ARMA DE FOGO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA CALCADA NO LAUDO
PERICIAL QUE AFASTOU O NEXO CAUSAL. REFORMA. ACÓRDÃO QUE,
POR MAIORIA, JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS PARA CONDENAR
O MUNICÍPIO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS E MORAIS. VOTO VENCIDO EM PRESTÍGIO À SENTENÇA.
EMBARGOS INFRINGENTES. DESACOLHIMENTO. MANUTENÇÃO DO
ACÓRDÃO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. O
FATO DE A PACIENTE, 24 HORAS APÓS TER RECEBIDO ALTA DO
HOSPITAL EMBARGANTE, TER SIDO DIAGNOSTICADA PELA EQUIPE
MÉDICA DE OUTRO HOSPITAL COM QUADRO GRAVE, TENDO DE SER
SUBMETIDA A CIRURGIA DE URGÊNCIA, É SUFICIENTE PARA
DEMONSTRAR A FALHA DA EQUIPE MÉDICA POR TER DADO ALTA À
PACIENTE PRECOCEMENTE .ASSIM RESTOU INEQUÍVOCA A
NEGLIGÊNCIA DOS MÉDICOS DO HOSPITAL EMBARGANTE, QUE
DEIXARAM DE EMPREENDER TODOS OS ESFORÇOS POSSÍVEIS PARA
ALCANÇAR O MELHOR RESULTADO NO RESTABELECIMENTO DA
SAÚDE DA PACIENTE, OMITINDO-SE AINDA QUANTO À GRAVIDADE
DO SEU QUADRO E OS CUIDADOS NECESSÁRIOS. O NEXO CAUSAL É
QUESTÃO DE LÓGICA. TAL CONDUTA INADEQUADA TIROU DA
EMBARGADA A CHANCE DE CURA OU DE QUE AS SEQUELAS
PERMANENTES EM SUA PERNA FOSSEM MINORADAS, CASO O
HOSPITAL LHE TIVESSE PRESTADO ANTES O ATENDIMENTO
ADEQUADO.
DESPROVIMENTO
DO
RECURSO.
(005612896.2004.8.19.0001-EMBARGOS INFRINGENTES - DES. NAGIB SLAIBI JULGAMENTO: 06/07/2011 - SEXTA CÂMARA CÍVEL).
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DEFEITUOSO. PARTURIENTE QUE
CHEGOU AO HOSPITAL ÀS 10 HORAS DA MANHÃ, JÁ EM TRABALHO
DE PARTO E COM REGISTRO DE COMPLICAÇÕES NO PRIMEIRO
PARTO, E SOMENTE FOI ENCAMINHADA PARA CESAREANA ÀS 21:35
HS., QUANDO O FETO JÁ SOFRIA BRADICARDIA. MORTE DA CRIANCA
POUCAS HORAS APÓS O PARTO, SEM QUE RECEBESSE OS CUIDADOS
NECESSÁRIOS. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. AINDA QUE A PROVA
PERICIAL TENHA AFIRMADO NÃO TER FICADO COMPROVADO ERRO
MÉDICO, NÃO SE PODE DEIXAR DE CONSIDERAR QUE A NEGLIGÊNCIA
NO ATENDIMENTO DA PARTURIENTE, E DEPOIS A FALTA DE VAGA EM
UTI NEONATAL FORAM CAUSAS DETERMINANTES DO ÓBITO
PREMATURO. FATO QUE CONFIGURA FATO DO SERVIÇO, SENDO
EVIDENTE O DANO MORAL SUPORTADO PELA APELANTE. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação 0008685-18.2005.8.19.0001;
DES. LUISA BOTTREL SOUZA - Julgamento: 30/03/2011 - DECIMA
SETIMA CAMARA CIVEL).
Quanto ao arbitramento do dano moral, consoante cediço, o mesmo
deve ser feito em observância aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e
da vedação do enriquecimento, de modo que o quantum indenizatório se revele justo
e suficiente para a reparação do dano, sem, contudo, ensejar à vítima um
enriquecimento sem causa.
Desta feita, levando-se em conta os critérios supramencionados e,
acima de tudo, considerando as circunstâncias fáticas e peculiares da presente lide e
o sofrimento experimentado pelos autores, mostra-se correto o quantum
indenizatório a título de danos morais arbitrado pela douta magistrado a quo.
Por fim, não deve ser acolhido o pedido de condenação ao pagamento
de pensão aos autores menores, porquanto, como bem salientou o juízo a quo, a
responsabilidade do hospital não pode ser estendida a tal ponto, tendo em vista que
não concorreu diretamente com o evento danoso, mas não atuou de forma a afastálo.
Frise-se que a causa da morte do marido e pai dos autores foi o choque
hipovolêmico, abdome agudo e lesão de artéria ilíaca esquerda decorrente da
primeira cirurgia de hérnia de disco realizada por médicos não integrantes da equipe
do hospital. Desta forma, em tese, estes devem responder de forma mais
abrangente.
Por todo o exposto, voto no sentido de negar provimento aos
recursos, mantendo-se a íntegra da bem lançada sentença.
Rio de Janeiro,
de
de 2012.
DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator
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