O SENTIDO ESTRATÉGICO DAS RELAÇÕES BILATERAIS BRASIL-ALEMANHA LUIZ FELIPE BRANDÃO OSORIO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional, do Instituto de Economia/ Núcleo de Estudos Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em Economia Política Internacional. Orientador: Prof. Dr. Franklin Trein RIO DE JANEIRO Fevereiro de 2011 O SENTIDO ESTRATÉGICO DAS RELAÇÕES BILATERAIS BRASIL-ALEMANHA Luiz Felipe Brandão Osório Orientador: Prof. Dr. Franklin Trein Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI) do Instituto de Economia/ Núcleo de Estudos Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Economia Política Internacional, sob a orientação do Prof. Dr. Franklin Trein. Aprovada por: _____________________________________________________ Presidente da Banca Prof. Dr. Franklin Trein - Universidade Federal do Rio de Janeiro _____________________________________________________ Prof. Dr. Daniel Barreiros - Universidade Federal do Rio de Janeiro _________________________________________________ Prof. Dr. Victor Hugo Klagsbrunn - Universidade Federal Fluminense ________________________________________________ Prof. Dr. José Luis da Costa Fiori- Universidade Federal do Rio de Janeiro _______________________________________________ Prof. Dr. Williams da Silva Gonçalves- Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro Fevereiro de 2011 FICHA CATALOGRÁFICA Osório, Luiz Felipe Brandão O Sentido Estratégico das Relações Bilaterais Brasil-Alemanha / Luiz Felipe Brandão Osório– Rio de Janeiro: UFRJ/IE/NEI, 2011. 168f: 31cm Orientador: Prof. Dr. Franklin Trein. Dissertação (Mestrado em Economia Política Internacional) – Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Programa de PósGraduação em Economia Política Internacional, 2011. Referências Bibliográficas: f.154-168 1. Relações Bilaterais Brasil-Alemanha. 2. Sistema Interestatal Capitalista Contemporâneo. 3. Política Externa. 4. Economia Política Internacional. I. Trein, Franklin (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional. III. Título Aos meus pais, Amelita e Sérgio “Alguma coisa Está fora da ordem Fora da nova ordem Mundial...” Caetano Velloso AGRADECIMENTOS A presente dissertação é o resultado do trabalho de dois anos no Rio de Janeiro, cidade que tive a satisfação de passar todo este período. Aqui, realizei, enfim, o meu desejo de dedicar-me exclusivamente aos estudos das questões internacionais. Depois desse tempo, posso dizer que todas as minhas expectativas se cumpriram. Gostaria de agradecer àqueles que, de uma forma ou de outra, me ajudaram nessa trajetória. A Deus, por ter me concedido a saúde, disposição e perseverança necessárias para a realização deste trabalho. Ao Prof. Franklin, de maneira especial, por ter me acolhido como orientando mesmo sem nunca ter sido meu professor de sala de aula. A ele, a minha gratidão pelos inestimáveis ensinamentos, sincero apoio e enorme dedicação dispensada. Ao Prof. Daniel, por aceitar o convite para participar da banca e principalmente pelos conselhos valiosos e pela atenção dada às dúvidas no desenvolvimento do projeto de pesquisa, embrião para alcançar a conclusão desta dissertação. Aos meus pais, Amelita e Sérgio, pelo incondicional apoio, carinho e afeto dados ao longo desta difícil caminhada. Eles, sem dúvida, são os maiores responsáveis por mais essa etapa vencida. Aos meus irmãos, Luiz Guilherme e Betina, pelo seu apoio e carinho, cada um ao seu modo. Aos demais professores, funcionários e colegas do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ. Ao Prof.Victor Hugo Klagsbrunn, pela gentileza de ter aceitado ao convite para fazer parte de minha banca examinadora. À CAPES, pelo apoio financeiro, imprescindível à realização dessa pesquisa. RESUMO O SENTIDO ESTRATÉGICO DAS RELAÇÕES BILATERAIS BRASIL-ALEMANHA Luiz Felipe Brandão Osório Orientador: Prof. Dr. Franklin Trein Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada à banca examinadora do Programa de PósGraduação em Economia Política Internacional (PEPI) do Instituo de Economia/Núcleo de Estudos Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Economia Política Internacional. Brasil e Alemanha, a partir do primeiro decênio do século XXI, iniciaram um novo ciclo em seu relacionamento bilateral. Além das fortes ligações históricas, socioculturais e comerciais, resgatou-se com maior intensidade a cooperação em áreas estratégicas, identificada em momentos anteriores. Essa mudança de orientação só foi possível devido ao contexto internacional contemporâneo. O sistema mundial alcançou hodiernamente uma configuração geopolítica que concede maior margem de manobra aos Estados em relação ao poder hegemônico, resultado das transformações ocorridas ao longo da década de 1970. Aproveitando essa brecha, Brasil e Alemanha, em busca da concretização do projeto de potência nacional adotaram uma postura voltada para a promoção do desenvolvimento e para uma inserção internacional mais autônoma. Palavras-chave: Relações Bilaterais Brasil-Alemanha; Sistema Interestatal Capitalista Contemporâneo; Política Externa; Economia Política Internacional Rio de Janeiro Fevereiro de 2011 ABSTRACT THE STRATEGIC MEANING OF BILATERAL RELATIONS BRAZIL-GERMANY Luiz Felipe Brandão Osório Advisor: Prof. PhD. Franklin Trein Abstract da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional, do Instituto de Economia / Núcleo de Estudos Internacionais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em Economia Política Internacional. Brazil and Germany in the first decade of the XXI Century launched a new circle in their bilateral relation. Besides the solid historical, socio-cultural and commercial ties, cooperation in strategic areas was intensively renewed, based on two previous circles. Such modification was possible due to contemporary international context. The world system reached a geopolitical settlement that concedes a larger liberty to the States concerning to the hegemonic great power as a result of the transformations occurred during the decade 1970. Seizing this breach, Brazil and Germany in the search of realizing each national project of power adopted a guideline based on development promotion and an autonomous international position. __________________________________________________________________________ Key-words: Bilateral relation Brazil-Germany; Contemporary Capitalist Interstate System; Foreign Affairs; International Political Economy. Rio de Janeiro Fevereiro de 2011 Lista de Ilustrações 1. Triângulo Geopolítico- p.65 2. Viagem do Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão à América do Sul- p.71 3. 2009: maior recuo do PIB na história alemã do pós-guerra- p.76 4. Comércio Exterior da Alemanha- p.77 5. Empregados e desempregados- p.78 6. Panorama da economia brasileira e composição de suas principais atividades- p.80 7. Brazil at a glance- p.82 8. Prognóstico do desempenho o PIB das sete maiores economias ante o grupo das sete economias tradicionais- p.83 9. Comparação de desempenho entre economias avançadas, emergentes e crescimento mundial- p.83 10. Intercâmbio Comercial Mercosul X União Europeia- p. 87 11. Intercâmbio Comercial Brasil- União Europeia por principais parceiros- p.87 12. Investimento Estrangeiro Direto distribuição por país de origem de recursos- p.88 13. Investimento Direto Alemão por setor- p.88 14. Veja a variação dos PIBs dos países em 2009- p.90 15. The 15 more attractive economies for location of FDI (2009-2011)- p.90 16. Balança Comercial Brasileira 2008- p.91 17. Investimento Direto na Alemanha origem Brasil e América do Sul- p.92 18. Mão de obra na Alemanha por formação profissional (2008)- p.93 19. Nível de atratividade de investimento: Brasil e Alemanha- p.93 20. Intercâmbio Comercial Brasil- Alemanha (2005-2009)- p.94 21. Desempenho do PIB das principais economias mundiais- p.98 22. Bases militares estadunidenses na Alemanha- p.119 23. Exportações alemãs para os BRIC em comparação com as principais economias da União Europeia- p.129 Lista de Tabelas 1. Balança Comercial 1933-1938- p.28 2. 2009: recuo do comércio exterior- p.77 3. Gross Domestic Product 2009- p.79 4. Tabela do Balanço Comercial do Brasil e variação na destinação do fluxo comercial para Estados Unidos e América Latina- p.81 5. Intercâmbio Comercial- p.86 6. Alemanha: o maior mercado da Europa- p.91 7. Composição do intercâmbio comercial Brasil-Alemanha- p.94 8. Investimento Estrangeiro Direto Alemão no Brasil (2001-2008)- p.97 9. Principais produtos de exportação para a Alemanha (2008)- p.148 Abreviações 1. ASA- Fórum América do Sul-África 2. ASPA- Fórum América do Sul- Países Árabes 3. AUE- Ato Único Europeu 4. BIRD- Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento 5. BRIC- Brasil, Rússia, Índia e China 6. BMBF- Bundesministerium für Bildung und Forschung 7. CDU- Cristilich Demokratischen Union 8. CELAC- Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos 9. DAAD- Deutscher Akademischer Austauschdienst 10. EUA- Estados Unidos da América 11. EU- União Europeia 12. FDI- Foreign Direct Investment 13. FDP- Freie Demokratische Partei 14. FED- Federal Reserve 15. FMI- Fundo Monetário Internacional 16. GDP- Gross Domestic Product 17. IBAS: Fórum Índia, Brasil e África do Sul 18. MCT- Ministério de Ciência e Tecnologia 19. MRE- Ministério das Relações Exteriores 20. Mercosul- Mercado Comum do Sul 21. OCDE- Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico 22. OMC- Organização Mundial do Comércio 23. ONU: Organização das Nações Unidas 24. OPA- Organização Pan-Americana 25. OTAN- Organização do Tratado do Atlântico Norte 26. PEI: Política Externa Independente 27. PIB- Produto Interno Bruto 28. SPD- Sozialdemocratische Partei Deutschlands 29. UNASUL- União das Nações Sul-Americanas 30. UNCTAD- United Nations Conference on Trade and Development SUMÁRIO- O Sentido Estratégico das Relações Bilaterais Brasil-Alemanha Introdução........................................................................................................................14 Capítulo 1- O desenvolvimento histórico de Brasil e de Alemanha na trajetória do Sistema Interestatal Capitalista I. Considerações Iniciais......................................................................................................18 1- O primeiro ciclo da relação bilateral......................................................................19 2- O contexto internacional 1945-1971 e a quarta explosão expansiva sistêmica....31 3- O segundo ciclo da relação bilateral.........................................................................44 4- Considerações finais: a base histórica da cooperação e a trajetória internacional de cada país.............................................................................................................................61 Capítulo II- O terceiro ciclo das relações bilaterais 2003-2010 II. Considerações Iniciais.....................................................................................................64 1- O terceiro ciclo: motivos para o sentido estratégico......................................................65 1.1. O atual estágio do ciclo: fatos bilaterais.......................................................................70 2- O ano Brasil-Alemanha de ciência e tecnologia.............................................................74 3- A situação econômica na Alemanha................................................................................77 4- A situação econômica no Brasil...................................................................................... 80 5- As relações econômicas Brasil-Alemanha........................................................ .............85 6- Oportunidades e vantagens da Alemanha no Brasil.....................................................90 7- Oportunidades e vantagens do Brasil na Alemanha.....................................................92 8- Perspectivas: Brasil e Alemanha....................................................................................94 9- Considerações Finais.......................................................................................................101 Capítulo III: O Sistema Interestatal Capitalista Contemporâneo e a Nova Geopolítica das Nações III. Considerações Iniciais.................................................................................................103 1. O Sistema Interestatal Capitalista Contemporâneo...................................................106 2. A inserção internacional e a política externa da Alemanha.......................................110 3. O Brasil na política externa alemã…………………………………………………....128 4. A inserção internacional e a política externa do Brasil...............................................132 5. A Alemanha na política externa brasileira…………………………………………...146 6. Considerações finais........................................................................................................150 Conclusão.............................................................................................................................153 Referências Bibliográficas..................................................................................................155 Introdução A inter-relação entre o contexto internacional e a inserção externa dos países, como objeto de pesquisa acadêmica, envolve aspectos complexos, de grande relevância para a compreensão da dinâmica mundial hodierna. As relações internacionais contemporâneas ensejam questões que, aparentemente, se revelam contraditórias e paradoxais. Entendê-las, portanto, requer não apenas um exercício de análise dos fatos conjunturais atuais, mas engloba, principalmente, uma visão estrutural sistemática e histórica dos acontecimentos. De acordo com a economia política internacional, é preciso relacionar à dinâmica interestatal determinantes econômicas, políticas e históricas. Isto porque, para esta pesquisa, é a lógica de acumulação ilimitada de poder e de riqueza dos Estados nacionais ao longo dos séculos que rege toda esfera mundial. Os Estados, essencialmente expansionistas e permanentemente insatisfeitos com sua posição no sistema internacional, veem na cooperação bilateral uma alternativa para aumentar seu poder relativo e viabilizar sua projeção externa mais autônoma ao poder hegemônico. Disto decorre a relevância de estudar o sentido das relações bilaterais inseridas no sistema mundial e voltadas ao incremento da posição de cada nação na balança de poder internacional. Os vínculos bilaterais adquirem diferentes significados e tomam determinados rumos, influenciados diretamente pelos desdobramentos da ordem interestatal. Logo, a pesquisa sobre a relação entre Estados requer uma visão sistemática, que ultrapasse o universo dos dois atores. Por isto, a dissertação será dividida em três grandes blocos, os quais mesclarão abordagens históricas, inter-relacionais e de política internacional contemporânea. Entende-se a análise do sentido atual das relações bilaterais entre Brasil e Alemanha necessita de uma discussão que extrapole as iniciativas entre os países e abarque etapas anteriores e particularidades de cada política externa. O primeiro grande capítulo explicitará a trajetória dos países no sistema interestatal, desde sua formação enquanto Estados nacionais, relacionando-os, desde os primeiros contatos bilaterais até suas duas fases de maior intensidade, e contextualizando-os, a partir dos desdobramentos do sistema internacional desde o século XIX, com maior ênfase no século XX, com fulcro no pensamento de Fiori. Mesmo antes do estabelecimento do vínculo diplomático, é possível perceber a potencialidade da parceria, tanto devido a fatores estratégicos quanto a elementos históricos e socioculturais que, ao longo dos anos, aproximaram as nações. Nesse diapasão, é interessante analisar a trajetória de Brasil e de Alemanha dentro do sistema interestatal capitalista. 14 O país sul-americano, introduzido nessa ordem de poder, montada por Estados europeus, desde sua gestação no século XIII até sua consolidação a partir da explosão expansiva do longo século XVI, pela colonização ibérica, caracterizou-se, em princípio, por ser fronteira de expansão do capital, celeiro de matérias-primas para o comércio europeu e totalmente dependente dos rumos da atividade imperial portuguesa. O enfraquecimento de seu colonizador pioneiro no cenário internacional abriu espaço para que outras potências explorassem os recursos do país. O histórico de inserção periférica no sistema manteve-se, a despeito de expurgos de autonomia interna, até meados da década de 1970, quando o Brasil completou seu processo de industrialização tardia. Ainda assim, as circunstâncias sistêmicas mantinham-no acoplado aos movimentos das grandes potências. Por meio de alianças pragmáticas, a diplomacia nacional buscava dar efetividade aos expurgos autonomistas da articulação interna, como registrado nos anos de 1930, em meio ao vácuo hegemônico, e com a explosão expansiva dos anos de 19701. O contexto internacional permitiu que conquistasse maior margem de manobra na busca por uma inserção autônoma ante o poder hegemônico estadunidense. Ciente disso, a diplomacia brasileira retomou as bases desenvolvimentistas que guiaram sua chancelaria ao longo da maior parte do século passado, escapando da tentação ilusória do desenvolvimento associado e periférico, para consolidar sua liderança continental e reivindicar papel protagonista no cenário global. Já o país europeu, dotado de localização cardial no continente, unificou-se graças às condições conjunturais, que permitiram a efetivação, ainda que parcial, do pensamento diplomático prussiano do século XIX, que conseguiu demarcar dentro da única composição territorial circunstancialmente viável o ambicionado Estado alemão. A artificial constituição da pátria germânica e o projeto de potência prussiano, que ganhou robustez com o espantoso crescimento econômico nacional, nortearam a política externa alemã, que simultaneamente cooperava e desafiava a lógica do poder britânico, hegemônico à época. Ao longo do século XX, a Alemanha sofreu tentativas de enquadramento, em razão de sua importância geopolítica, na balança de poder europeia, para o sistema de dominação anglo-saxão, que se perpetuou mesmo com o sopasso2 estadunidense. Primeiramente, com as disposições do Diktat 3ao término da Grande Guerra, e, posteriormente, com a ocupação militar, divisão territorial e o desenvolvimento a convite, resultantes da derrota na Segunda 1 Essa explosão expansiva, iniciada durante os anos de 1970, é considerada por Fiori a quarta em sua leitura histórica do sistema interestatal capitalista 2 Sorpasso é a expressão utilizada por Fiori para caracterizar a ultrapassagem ou sobreposição da hegemonia estadunidense sobre a britânica, que se concretizou com o término da Segunda Grande Guerra Mundial 3 Diktat é a denominação atribuída pelos alemães para caracterizar as severas condenações oriundas do Tratado de Versailles, de 1919. 15 Guerra Mundial. Disto adveio a inserção internacional dos alemães, na Guerra Fria, que se resumiu à condição de gigante econômico, anão político e de protetorado militar. Mesmo com posições sistêmicas diametralmente distintas, a trajetória do Brasil e da Alemanha destaca a possibilidade do fortalecimento da tradicional parceria Norte-Sul, moldada sob os aspectos do sistema mundial contemporâneo, que, em certa medida, resgata o sentido da cooperação de momentos anteriores: como o primeiro ciclo estratégico, iniciado na década de 1930, período de intensificação do comércio compensado e do diálogo político entre as nações; e como a segunda fase seria constituída somente ao final da década de 1960 e durante a de 1970, tendo seu auge na celebração do acordo nuclear. As relações germano-brasileiras ganharam um novo panorama com o início do terceiro ciclo, que deixou de lado a ênfase prioritária à área comercial (suscetível a crises episódicas e conjunturais), e passou a contar com um viés estratégico-estrutural, a partir dos anos 2000, por meio da intensificação dos diálogos políticos entre os países que permitiram iniciativas calcadas em projetos na transferência de tecnologia e em investimentos em infraestrutura, que são voltados para a promoção do desenvolvimento econômico. Com isto, o segundo grande capítulo, ao inter-relacionar as esferas de Brasil e de Alemanha, cuidará da explanação acerca do sentido estratégico e da perspectiva das relações, tendo em vista as iniciativas bilaterais recentes, a situação econômica e as potencialidades de cada país. A intenção é destacar essa fase da relação, que vem sendo construída com diversas e importantes iniciativas empreendidas ao longo deste decênio. O mútuo interesse em interagir eleva as expectativas de concretização dessa parceria estratégica, ainda que não tenha o poder de garantir sua efetividade futura. A despeito das incertezas que cercam os entendimentos bilaterais e de dissonâncias sobre temas globais, a situação econômica de ambas as nações no recente contexto de crise global justificam uma perspectiva otimista das partes, uma vez que o Brasil rapidamente se recuperou dos efeitos recessivos e a Alemanha, malgrado pior desempenho, demonstra robustez no contexto regional. Além do viés econômico, de investimentos e intercâmbios, a racionalidade da aproximação bilateral evidencia-se na prática de política externa de cada país. Uma análise apurada das relações internacionais hodiernas será o núcleo da terceira grande parte, visto que esta pretende revelar como as diferentes inserções internacionais dos países também contribuem para ampliar o horizonte de expectativas do vínculo bilateral, tendo em conta o papel que cada Estado tem na articulação diplomática do outro, dentro da nova geopolítica das nações. 16 As modificações do contexto mundial no alvorecer do século XXI alteraram substancialmente as posições de alguns países na divisão internacional do trabalho, o que reverbera na elaboração das políticas externas dos Estados. O Brasil, voltado ao universalismo pragmático e à diversificação de parcerias, superou sua condição inicial de fronteira do capital mercantil, de mero fornecedor de matéria prima para a industrialização dos colonizadores, para despontar no século XXI como membro do cluster4 de países emergentes que, possivelmente, ganharão um maior destaque no cenário interestatal. Nesta dinâmica, a opção europeia, sobretudo com a Alemanha, resgata sua relevância para a diplomacia nacional, como potência insatisfeita com a ordem hegemônica vigente, constituindo polo alternativo de poder para questionamentos das estruturas. A Alemanha chega ao novel século com uma inserção peculiar. Modelo de desenvolvimento econômico e social é, porém, compelida a transitar sobre um equilíbrio impossível. Ainda ocupada por um considerável efetivo militar que povoa as gigantescas bases de guerra dos Estados Unidos em seu território, a diplomacia alemã busca retomar seu projeto de potência dentro de uma margem estreita de manobra, que, a despeito de não impedi-lo, reduz suas pretensões e as adapta de acordo com a conveniência hegemônica, disto advindo a dubiedade de sua política externa contemporânea. Neste cenário, o Brasil ocupa posição importante na chancelaria germânica como potência emergente, que oferta complementaridades para cooperação em diversas áreas estratégicas. Por fim, diante do que foi exposto nesta introdução, cabe ressaltar que o objetivo desta dissertação de mestrado é analisar o terceiro ciclo estratégico na relação entre brasileiros e alemães, identificado durante o primeiro decênio do século XXI, tendo em vista as posições do Brasil e da Alemanha no cenário internacional, sob o enfoque histórico, econômico e político. 4 Denominação atribuída a um pequeno e restrito grupo voltado para a consecução de interesses determinados. 17 Capítulo 1. O desenvolvimento histórico de Brasil e de Alemanha na trajetória do Sistema Interestatal Capitalista Considerações Iniciais Nesse primeiro capítulo da dissertação, será discutida a trajetória do que consideramos o sistema interestatal capitalista. Dentro dessa contextualização histórica, os processos de desenvolvimento de Alemanha e de Brasil ganharão maior relevância, sem, no entanto, esquecer de outros atores relevantes para os desdobramentos sistêmicos. Resgatar uma perspectiva histórica ampla e relida por um viés que envolve aspectos políticos, econômicos e sociais é de valiosa contribuição para entender a inserção atual dos dois atores nesse cenário complexo. Principalmente, no tocante à política externa, visto que partimos do pressuposto que as orientações diplomáticas são matérias de Estado e obedecem a uma continuidade que pode ser explicada não apenas por fatores políticos, mas também históricos. Não há como pensar a comunidade internacional fora de um sistema de equilíbrio de poder, que coordena o ambiente anárquico dos Estados. Essa aparente “ordenação” não segue a semântica convencional. Não há ordem na acepção clássica do termo, mas uma disposição dos Estados, ao mesmo tempo rígida e precária, que necessita da desordem, para que continue se fortalecendo e se perpetuando. Dessa forma, é plausível afirmar que a ordenação do sistema acontece pela sua constante desordem, visto que o detentor do poder hegemônico norteia suas ações tão somente por seus interesses nacionais. A essência desse comportamento egoístico, muitas vezes contraditório ao sistema de poder cimentado pelo próprio hegemon5, não é escolhida, tampouco planejada, é imposta pela estrutura sistêmica, que se consolidou no longo século XVI6, marco da exitosa expansão europeia sobre o mundo. A unidade estatal hegemônica convive na lógica do sistema interestatal capitalista, criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, segundo seus interesses mediatos e imediatos. Isso porque, nesse ambiente de constante luta pela acumulação, a ordem leva à entropia e, consequentemente, à perda da capacidade coercitiva do líder. Essa premissa de que a desordem leva à ampliação do poder estatal, dentro da esfera de intensa pressão competitiva, contribui para o entendimento de todo o desenrolar histórico 5 Hegemon é o termo cunhado por Charles Kindleberger para definir o Estado detentor do poder hegemônico Longo Século XVI é a expressão utilizada por Fernand Braudel para destacar a relevância dos acontecimentos na Europa no bicentenário 1450-1650, de efeitos que se propagaram ao longo dos séculos seguintes. 6 18 desse processo, desde o período da formação dos Estados nacionais europeus até seus desdobramentos atuais. As evidências históricas apontam para os entes estatais como organismos, em incessante e permanente pressão competitiva, que são levados a defenderem-se e a desenvolverem-se mediante movimentos expansivos. Essa necessidade de transbordamento das fronteiras nacionais norteia a imperiosidade da acumulação interminável de poder e de riqueza. Aquele organismo estatal, que consegue maior influência sobre os outros, e isso se torna consenso, dita a lógica do sistema, que somente sobrevive com a promoção constante da desordem, ora interrompida, ora ocasionada pelas explosões expansivas, momentos de mudanças sistêmicas. Esses períodos de explosão expansiva desse universo ocorreriam no momento em que a competitividade estivesse mais acirrada, no qual as potências mais fortes ampliam seu terreno em detrimento das mais fracas. Fiori identifica esses momentos históricos em quatro específicos, resultantes do aumento da pressão competitiva, quais sejam: entre 1150 e 1350; entre 1450 e 1650; entre 1790 e 1914; e desde a década de 70 até o século XXI. Para esse estudo, serão retratadas as quatro fases, embora de formas distintas. Cumpre ressaltar que as duas primeiras terão uma abordagem bem superficial, uma vez que não constituem o escopo principal da dissertação. Enquanto isso, os dois últimos momentos expansivos ganharão maior relevo, visto que essa dissertação destacará e analisará a inserção internacional histórica de Brasil e de Alemanha a partir de sua constituição durante o século XIX e seu desenvolvimento ao longo do século XX. Por fim, temos a percepção que uma contextualização dos países em debate facilitará a compreensão aqui exposta sobre as particularidades desse sistema-mundo, de importância vital nesse texto, haja vista que suas condicionantes influenciam diretamente na atuação em âmbito bilateral. 1. O primeiro ciclo da relação bilateral Diante das particularidades de cada processo constitutivo nacional e malgrado acontecimentos esparsos e pontuais, como o caso da Canhoneira Panther7 e a ruptura das 7 O incidente diplomático conhecido como o caso da Canhoneira Panther faz referência à embarcação alemã que atracou no Porto de Itajaí, sem a autorização do governo brasileiro, sendo bem recebida pela população local. No entanto, após 10 dias no porto brasileiro, no dia 27 de novembro de 1905, os tripulantes alemães atentaram contra a soberania brasileira ao invadirem domicílios locais, com o argumento de procurar um suposto marinheiro desertor. A reclamação brasileira junto ao governo imperial alemão resultou em um pedido formal de desculpas do Kaiser Guilherme II, momento do zênite imperialista alemão no mundo. Esse ato foi interpretado 19 relações diplomáticas entre os países8, em decorrência da Primeira Grande Guerra, somente se pode considerar como primeiro ciclo efetivo de relações estratégicas entre os dois países na década de 1930 de século XX. Essa condição especial dos laços bilaterais em muito se deveu ao contexto internacional, no qual Brasil e Alemanha estavam inseridos. Após a Grande Guerra, conflito calcado em sentimentos nacionalistas agressivos e em movimentos de diplomacia secreta, ficou demonstrado aos europeus o limite da utopia da belle époque. A ilusão de progresso técnico ilimitado das nações imperialistas conheceu seu fim. O contexto de destruição e de crise econômica, oriundo dos efeitos desgastantes de um conflito dessas proporções, que atravessavam os europeus contrastava com a exuberância irracional dos roaring twenties9 vivida pelo líder na produção industrial, os Estados Unidos da América. A despeito da liderança na produção industrial estadunidense, ainda não se podia falar em hegemonia mundial dos americanos, haja vista o poderio militar britânico e sua tentativa, embora fracassada, de retomada hegemônica, por meio do retorno ao padrão monetário libraouro em meados dos anos 1920. A incapacidade britânica e a nova realidade mundial impediram que houvesse o resgate dos ditames do pré-guerra. O contexto internacional tornava-se cada vez mais complexo, sobretudo após o surgimento de um “estranho no ninho”, a União Soviética. A falta de coordenação econômica acirrava as tensões geopolíticas, o que revelava a instabilidade da balança de poder europeia e a ausência de um poder hegemônico que a moldasse. Em relação à Alemanha, considerada a culpada pela eclosão do conflito, foram impostas impagáveis indenizações e perdas territoriais pela Éntente Cordiale para enfraquecer o ímpeto expansionista germânico. A preocupação tanto de franceses quanto de ingleses era de formas diversas pela literatura especializada, sendo considerado desde conseqüência da exitosa articulação diplomática brasileira a demonstração de respeito dos alemães à Doutrina Monroe e ao emergente poder estadunidense no continente americano. 8 O episódio faz referência à decisão do governo brasileiro em romper os laços diplomáticos com o Império Alemão, em 1917, devido ao torpedeamento de um navio da marinha mercante brasileira, que mesmo de acordo com as regras de neutralidade, foi afundado pelo bloqueio naval alemão imposto à Grã-Bretanha no Atlântico, resultando na morte de três brasileiros. Com o rompimento das relações diplomáticas, em 11 de abril de 1917, o Brasil apreendeu navios alemães atracadas em portos nacionais a título de indenização, o que levou a mais navios brasileiros serem torpedeados. A pressão popular e protestos contra os alemães no Brasil aumentaram o que impactou diretamente na demissão do chanceler Lauro Müller, de origem alemã e favorável à neutralidade, e na declaração de guerra ao bloco germânico aliado, em 26 de outubro de 1917. 9 Roaring twenties é a denominação utilizada pela literatura especializada para caracterizar a impressionante expansão econômica dos EUA no período pós-Grande Guerra. Enquanto a Europa tentava se recuperar dos efeitos nefastos do conflito, ainda com grande dificuldade, os americanos gozavam de prosperidade invejável e, aparentemente, sem limites. Essa percepção de exuberância irracional levou à grave crise econômica de superprodução que abalou o mundo em 1929. 20 minar completamente o poderio alemão. O Tratado de Paz assinado em Versailles foi mais uma submissão do que um acordo, que o tornou conhecido entre os alemães com Diktat10. A marginalização da Alemanha no sistema internacional por meio de uma sequência de humilhações proporcionou o perigoso sentimento revanchista interno, o que geraria graves efeitos posteriormente para a nova configuração geopolítica europeia. O títere regime socialdemocrata instalado após a Revolução de Novembro não conseguiu conter a polarização e a radicalização ideológica no contexto político germânico. O início dos anos 1920 foi catastrófico para os alemães. Envolto em dívidas impagáveis e com sua capacidade industrial atingida, o governo alemão não conseguiu assegurar o pagamento de suas obrigações, bem como passou a conviver com níveis inflacionários estratosféricos, o que deteriorou os índices sociais da população. Sem alternativas no Ocidente, é celebrado com a União Soviética o Tratado de Rapallo, em 1922, de cunho estratégico, como alternativa à sua crise. Percebendo a necessidade de evitar o distanciamento da Alemanha e de garantir o recebimento do circuito de crédito europeu11, os Estados Unidos, atraídos pelos altos juros alemães, incentivaram a entrada de capital estadunidense em território germânico e articularam com as outras potências a reinserção da potência teutônica no sistema internacional, por meio de planos econômicos12 que arrefeceram as disposições de Versailles e de acordos políticos13 que propociaram sua entrada, até como membro do Conselho Executivo, na Liga das Nações. Essa disposição em não deixar a Alemanha pender para o Leste explicita a importância da localização estratégica de seu território, que ocupa posição cardial no continente europeu. Devido a essa tentativa de reenquadramento, os alemães experimentaram no final dos anos 1920 uma efêmera prosperidade, baseada em reformas econômicas internas, com o advento do Rentenmark, na entrada de capital estrangeiro e na disposição internacional, sobretudo estadunidense, em reinseri-la. 10 Os termos impostos à Alemanha incluíam a perda de uma parte de seu território para um número de nações fronteiriças, de todas as colônias sobre os oceanos e sobre o continente africano, uma restrição ao tamanho do exército e uma indenização pelos prejuízos causados durante a guerra. A República de Weimar também aceitou reconhecer a independência da Áustria. O ministro alemão do exterior, Hermann Müller, assinou o tratado em 28 de Junho de 1919. O tratado foi ratificado pela Liga das Nações em 10 de Janeiro de 1920. Na Alemanha o tratado causou choque e humilhação na população, o que contribuiu para a queda da República de Weimar em 1933 e a ascensão do Nazismo. 11 Significa que, para os Estados Unidos receberem as dívidas que França e Grã-Bretanha com eles tinham, era necessário assegurar que a Alemanha pagaria as indenizações a franceses e britânicos, que as repassariam aos americanos. 12 Com destaque para o Plano Dawes, de 1924, e para o Plano Young, de 1929. 13 Com destaque para os Acordos de Locarno, em 1924. 21 Quando um desses pilares foi retirado, o investimento externo, em razão da crise de 1929, o frágil equilíbrio econômico voltou a ruir. A débâcle econômica resultante da quebra da Bolsa de Nova Iorque deteriorou ainda mais a instável configuração política interna, que ficou à mercê de golpistas extremistas. Com isso, o discurso da extrema direita foi ganhando força, legitimado pelo apoio da pequena burguesia e do campesinato. Aos poucos, foi encampando membros dos setores industriais e do exército. O expressivo resultado do Partido Nacional-Socialista nas eleições parlamentares aliado à pressão dos capitalistas fez com que a elite prussiana, nacionalista, representada nos altos postos do exército cedesse ao pleito por Adolf Hitler como chanceler. Em 1933, Hitler foi nomeado pelo Presidente Hindenburg, general prussiano, para a chancelaria do governo. Essa ascensão dos nacional-socialistas ao poder marcou o fim da efêmera República de Weimar e o início do conturbado III Reich alemão. O início do governo nacional-socialista foi, contudo, bastante exitoso. Por meio de agressivas reformas econômicas, o Estado alemão passou a controlar a economia e a estimulála14. A nomeação de um defensor da ortodoxia do padrão ouro e responsável pelo controle da inflação nos anos 1920, Hjalmar Schacht, para Ministro da Economia, mostrou a preocupação nazista com a pressão social anti-inflacionária, de memória recente era traumática, o que agradou as classes dominantes e as finanças internacionais, uma vez que aquelas dependiam destas. A partir de 1929, no entanto, em face das circunstâncias, Schacht abandonou a ortodoxia, recorrendo a políticas autárquicas. Com a decretação do Plano Novo, conhecido também pelo nome de seu idealizador, Schacht objetivava, em convergência com os nazistas, reconstruir a economia, evitar a inflação, restaurar o comércio internacional e permitir o rearmamento. O Plano Novo de Schacht, no início, conseguiu a recuperação da renda agrícola, por meio de subsídios e controle da concorrência externa; o resgate das classes urbanas via consumo; e a contenção pressão política e econômica anti-inflacionária, por meio de salários forçadamente baixos, juros altos e controle de preços. No setor esterno, ao decretar o fim do pagamento das reparações de guerra e o fim de empréstimos estrangeiros, o governo conseguiu isolar dois elementos de instabilidade. O 14 Conjunto de medidas que ficaram conhecidas como Neuer Plan ou Plano Novo, cujas premissas estavam voltadas para a recuperação econômica alemã baseada no aumento do nível de emprego, porém, com salários achatados, visando ao controle da inflação, investimento público e um sistema de controles, que envolvia o cambial, a entrada de divisas estrangeiras e o comércio exterior, por meio de atrelamento das importações às exportações, realizado pelos acordos de compensação. Com os acordos de reciprocidade, a Alemanha poderia obter recursos primários, necessários para seu crescimento, e, ao mesmo tempo, estimular seu setor interno. 22 governo prezou pelo controle balanço de pagamentos, pelo comércio externo e pela entrada de capitais, com a extinção de linhas de crédito do exterior, com exceção das britânicas15. Além disso, buscou-se livrar da dependência ao câmbio estrangeiro e aumentar sua influência no mundo por meio de acordos bilaterais de comércio compensado16, que abarcavam desde países da Europa Central e do Leste até o Cone Sul da América17. Dessa forma, o projeto econômico nazista apresentava considerável ineditismo na Alemanha, uma vez que, por não estar vinculado ao mercado internacional e, por isso, ter fechado sua economia, participação das exportações deixou de ser relevante, diferença significativa em relação ao modelo do pós1945. Ademais, a expansão da demanda doméstica por meio do gasto público não se iniciou pelo setor militar, como no Japão, mas por alguns setores privados, escolhidos como prioritários pelo Estado, como o automobilístico e pela construção civil. O objetivo imediato que legitimaria a expansão nazista era a redução imediata dos estratosféricos níveis de desemprego, o que efetivamente foi alcançado ao final de 1936, com a economia em nível de pleno emprego. Políticas de natureza trabalho-intensivas estavam intimamente relacionadas com métodos coercitivos de expurgar pressões pelo aumento dos salários e pelos incentivos para a iniciativa privada à contratação de trabalhadores. Frieden explica (FRIEDEN, 2008: p.222): “O aumento dos preços estava fora de questão, uma vez que os nazistas destruíram o movimento trabalhista e instauraram o terror nos locais de trabalho. Hitler garantiu a Schacht que os financiamentos mediante déficit não levaria ao aumento de preços, já que o novo regime modificaria as relações econômicas convencionais.” Com fulcro nesse caminho econômico-político alternativo tomado pela aliança entre empresários conservadores, representados por Schacht, e pelos exaltados da pequena burguesia e da agricultura, base de apoio político de Hitler, Overy enxerga diferenças entre a política econômica adotada por Schacht e o modelo liberal posto em prática na Inglaterra e nos EUA (OVERY, 1996: pp. 37-38): 15 O que revela as íntimas conexões financeiras oriundas da influência da Dinastia Hanover nos dois governos e uma das razões da política de apaziguamento de Neville Chamberlain, proteção do capital britânico investido em território germânico. 16 O comércio compensado posto em prática era “um sistema em que importações e exportações eram feitas à base da troca de mercadorias, cujos valores eram contabilizados nas caixas de compensação de cada país.” (CERVO e BUENO, 2002: p.233). 17 Menção aos acordos celebrados com Brasil, em 1934, Argentina e Chile. 23 “There was a difference here between liberal recovery policies such as those in Britain and the United States which were designed to stimulate the early stages of a recovery which would then become self-sustaining and reduce the need for state intervention, and those of the Nazi regime. In Germany the economy travelled in the opposite direction, moving from a cautious introduction of state policies in 1933 to a complete system of controls established by 1938”. A prosperidade econômica germânica no período é resumida por Overy como: (OVERY, 1996: p.51) “(...) the German economic recovery was not Keynesian. It was instead the product of a wide range of increasingly coercive economic policies centred around government strategy to revive investment, control consumer demand and prepare for war.” Verifica-se, portanto, que recuperação econômica, prioridade no regime nazista, não foi keynesiana, como muitos autores colocam, visto que não foi puxada pela renda do trabalho, como ocorreu no New Deal, nos Estados Unidos. Ao contrário, o acelerado crescimento foi impulsionado pelo Estado por meio do gasto público e pela indução do investimento em setores da indústria pesada. Overy defende que essa significativa expansão dos gastos públicos fomentou monopólios, que desatrelados da relação siamesa entre bancos e indústria, foram os responsáveis pela falta de concorrência e consequente ineficiência das empresas alemãs, no momento de mobilização total para o esforço de guerra, que, por sinal, adveio muito antes do previsto pelo planejamento nazista. Assim como ocorreu com a agricultura, que beneficiada pelo controle da concorrência externa, não foi capaz de abastecer o país no front de guerra. O grau de ineficiência para a mobilização para a guerra é ilustrado pela mobilização parcial da economia alemã até 1942, o que corrobora a tese de Overy de que a estratégia de Bliztkrieg do exército alemão não foi uma escolha premeditada, mas era a única opção em meio à falta de preparação adequada a um conflito daquelas proporções. Em verdade, defende que sua economia era uma Blitzkrieg, empenhou-se, inicialmente, na totalidade, mas de sua baixa capacidade. Esse paradoxo pode ser explicado pelo projeto de poder nazista, cuja prioridade inicial era a recuperação econômica, almejando colher seus resultados no longo prazo. Em virtude disso, houve baixo investimento em tecnologia e na capacidade de mobilização de tropas, que já era pequena. Logo, percebe-se o descompasso nítido entre a capacidade econômica, reduzida, e a disposição militar, aguçadamente desmedida. Essa assimetria intensificou a diferença de timing entre os setores internos que controlavam o Estado, o que levou ao fracasso de seu projeto de expansão nacional. 24 Por fim, cabe ressaltar, que pelo viés sociológico, a ideia da nação alemã do período hitlerista difere da nação por adesão, própria da concepção de participação voluntária, liberal democrática de 1848; e da noção de herança natural, sem a necessidade da vontade, de 1870. Nos anos 1930, ela passa a incorporar definitivamente o critério natural biológico, sem dimensão territorial, com fronteiras sempre em movimento de expansão, como tentativa de suplantar as idéias do fim do século XIX e as tensões dos impérios multinacionais. A expansão militar territorial para o Leste Europeu, germanófilo, na linha de discurso do Lebensraum, permitiu o alargamento das fronteiras de influência do capital alemão e deu a Hitler uma posição de maior respeito na diplomacia internacional. O exército alemão voltava a assombrar seus rivais históricos. O limite das anexações germânicas foi firmado com a declaração de guerra de britânicos e franceses à invasão do Bundeswehr na Polônia, o que eclodiria em um embate entre as grandes potências de proporções incalculáveis. Enquanto isso, o Brasil, único país latino-americano a participar da Grande Guerra, participou da Conferência de Versailles, ao lado das potências vencedoras, obtendo o direito a receber indenizações dos alemães pelas sacas de café destruídas nas embarcações torpedeadas; bem como atuou como membro fundador da Liga das Nações. Essa condição não possibilitou ao país a obtenção de um assento no Conselho Executivo do órgão, como era reivindicado pela chancelaria nacional. Durante esse período entre-guerras, o Brasil destacou-se mais pela exportação de café do que por suas ambições políticas. O êxito brasileiro em se inserir na divisão internacional do trabalho ditada pelas grandes nações, se por um lado, criou uma elite nacional enriquecida; por outro, levou o país a fincar suas raízes sobre uma exígua base econômica. Caio Prado Jr. comenta essa assimetria que contribuiu para a crise no antigo sistema colonial em território nacional (PRADO JR., 2006: p.287): “Tornara-se patente a incompatibilidade substancial entre o novo ritmo de existência e o progresso material atingido no país, e sua modesta categoria de mero produtor de um punhado de matérias primas destinadas ao comércio internacional.” A extrema dependência da cultura cafeeira, predominante desde a segunda metade do século XIX, deixa o país frágil economicamente, suscetível a crises periódicas. A dinâmica do modelo agrário-exportador e a inserção periférica do Brasil no sistema centro-periferia geravam para a economia nacional efeitos estruturalmente nefastos. Devido à inelasticidade renda-demanda dos produtos primários, o país não conseguia acumular divisas, mas apenas déficits externos, tendo em vista a constante deterioração dos meios de troca, visto que exportava bens primários, enquanto importava manufaturas. 25 Teóricos da época como Raul Prebisch, ao identificar essa dinâmica perversa, defendiam a necessidade de um processo de substituição de importações, fomentado e coordenado pelo Estado que pudesse reverter o quadro desfavorável no comércio internacional. Para que se desenvolvesse um parque industrial nas nações periféricas, era preciso promover a constituição e ampliação do mercado interno, que pudesse competir com os produtos advindos do exterior. Ademais, fortalecer o eixo interno a economia significa avançar no progresso tecnológico de transportes e de comunicação. O momento adequado para a colocação em prática dessas estratégias desenvolvimentistas veio com a grave crise econômica gerada pela quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. A descentralização em favor das oligarquias iniciada com o advento republicano já não se fazia mais suficientemente propícia para garantir os lucros do setor cafeeiro. Conscientes da necessidade do retorno da centralização do Estado, as oligarquias dissidentes, sobretudo do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e da Paraíba, articularam-se com outros setores, como com os militares tenentistas, e alijam do poder a oligarquia paulista. A direta intervenção do Estado na economia do Governo Vargas consegue responder eficazmente às demandas dos interesses cafeeiros, ao mesmo tempo em que planeja e promove a inversão do capital cafeeiro para a construção do desenvolvimento industrial no país. Essa mudança de perspectiva do governo federal deve-se em muito ao contexto internacional da época. A realidade europeia de protecionismo comercial, fragilidade econômica, oriunda da débâcle capitalista, o que enxuga o crédito externo, bem como o acirramento das tensões geopolíticas, proporciona ao Brasil uma margem de manobra para deslocar a base de sua economia do eixo externo para o interno, o que tornaria o país menos vulnerável a convulsões externas. O clima de guerra eminente restringe as importações. Os eficientes remédios utilizados para responder à crise de 1929 contribuem para alcançar em meados da década de 1930 um equilíbrio momentâneo e uma artificial prosperidade, como resultado da transição do antigo sistema colonial em crise para uma modernização conservadora. A política de defesa do setor cafeeiro contribuiu para manter a procura efetiva e o nível de emprego nos outros setores da economia, o que permitiu o investimento em alguns setores industriais. Com esse novo panorama, novos desafios começaram a emergir, como relata Furtado (FURTADO, 2006: p.285): “Na economia tipicamente exportadora de matérias primas, a concorrência entre produtores internos e importadores era quase inexistente. As flutuações da taxa cambial comprimiam a procura de um ou de outro setor, mas não 26 determinavam modificações estruturais na oferta. Ao começarem a concorrer os dois setores, as modificações na taxa cambial passaram a ter repercussões demasiado sérias para que fossem abandonadas as contingências do momento. Perdia-se, assim, um dos mecanismos de ajuste mais amplos de que dispunha a economia e ao mesmo tempo um dos mais efetivos de defesa da velha estrutura econômica com raízes na era colonial.” Por meio da política econômica externa desenvolvimentista, Vargas buscava financiar as indústrias de base, para alavancar o processo industrial. Para isso, aproveitou-se do poder de barganha cedido pelo contexto internacional e habilmente comandou uma estratégia de equisdistância pragmática na polarização mundial. Ao mesmo tempo em que não preteria seu importante parceiro comercial e aliado histórico, os EUA, o Brasil negociava um acordo de comércio compensado com Alemanha, altamente estratégico no sentido de contrapor a influência dos estadunidenses no país e garantir maior espaço de manobra para potencializar suas demandas. Para essa dissertação, em especial, esse acordo de comércio compensado possui um aspecto muito relevante, pois simboliza o primeiro ciclo estratégico das relações bilaterais18. Para além dos fortes laços culturais e sociais, a aproximação entre Brasil e Alemanha ganha efetivos contornos de uma válvula de escape, uma contrapartida ao poderio anglo-saxão no continente, permitida pela realidade interestatal da década de 1930. Nesse período, malgrado a efemeridade, houve um concerto entre os dois governos, voltados à promoção dos respectivos interesses nacionais, e cuja aliança só foi possível devido ao contexto internacional e, por isso, foi utilizada por ambos como desafio ao poder dominante, ainda que este não estivesse ainda plenamente configurado como hegemônico, sob a batuta estadunidense. O comércio compensado era a solução possível para países, como a Alemanha, que tinham sido duramente atingidos em suas importações e exportações pela crise econômica e que não dispunham de meios de pagamento para comercializar internacionalmente. Especialmente, para aos alemães interessava a obtenção de matérias primas para a indústria bélica, que serviria como motor de propulsão da reconstrução de seu mercado interno. Para países, como o Brasil, de economia primário-exportadora, o comércio internacional era vital para a política tanto interna quanto externa. Como colocou Moura (MOURA, 1991: p.16): “essencial para a manutenção da própria ordem econômica e social e disso tanto o governo quanto as classes dominantes e os setores políticos tinham plena 18 Importante ressaltar que esse ciclo foi fundado sob bases anteriores relevantes, como o considerável percentual de alemães, oriundos do II Reich, e de seus descendentes, brasileiros alemães, que além da presença e da parcela demográfica, contribuíam para o desenvolvimento de setores estratégicos no país, como o da aviação civil, com a criação da VARIG, em 1927, e da VASP, em 1934, ambas com a presença de capitais alemães. 27 consciência.” No entanto, o setor industrial nascente e carente de proteção era o que mais advogava por tarifas e acordos compensados, como forma de expandirem seus negócios sem a concorrência de empresas já estabelecidas no mercado internacional. Especula-se que de 1933 a 1938, o comércio entre Brasil e Alemanha tenha propiciado que o número de importações alemãs ultrapassasse o valor das importações de produtos estadunidenses, como demonstra a tabela abaixo, que revela o percentual da participação de Estados Unidos e de Alemanha nas exportações líquidas brasileiras: Tabela: Balança Comercial do Brasil de 1933 a 1938: Importações 1933 Alemanha 1934 1935 1936 1937 1938 11,95 14,02 20,44 23,50 23,88 24,99 Estados Unidos 21,18 23,67 23,36 22,12 22,99 24,21 Exportações Alemanha 1933 1934 1935 1936 1937 1938 8,12 13,13 16,51 13,23 17,05 19,06 Estados Unidos 46,71 39,17 39,44 38,85 36,19 34,32 Fonte: Apud HILTON, 1977, p. 217. O comércio compensado19 posto em prática era “um sistema em que importações e exportações eram feitas à base da troca de mercadorias, cujos valores eram contabilizados nas caixas de compensação de cada país.” (CERVO e BUENO, 2002: p.233). Para esses autores, essa prática era vantajosa: “o comércio compensado afigurava-se uma figura interessante aos industriais brasileiros na medida em que permitiu um controle sobre o mercado interno de tal forma que não fosse inundado por mercadorias concorrentes, de procedência alemã.” (CERVO e BUENO, 2002: p.234). A despeito da militância favorável ao acordo pelos industriais, os setores exportadores de produtos primários, como café, cítricos, tabaco e carnes foram os que mais lucraram. Em 1936, chegou-se a um acordo de ajuste comercial de compensações entre os dois governos, 19 O redirecionamento político-econômico/comercial alemão acabou por provocar uma reorientação geográfica de suas relações exteriores. A Alemanha passou a buscar novos parceiros comerciais, que iriam além de sua periferia imediata europeia, como os países da América Latina, sobretudo Brasil, Argentina e Chile. 28 com o qual o Brasil ambicionava, além dos produtos supracitados, introduzir o algodão brasileiro no mercado alemão, em troca de armamentos para suas Forças Armadas. Autores como Marcelo de Paiva Abreu minimizam os efeitos econômicos do ciclo, ratificando a ideia de que o comércio com a Alemanha significava o afastamento da influência britânica, mas não estadunidense. (ABREU, 1990: p.90): “Os ganhos alemães são, entretanto, superestimados, pois as faturas relativas a produtos alemães eram lançadas em marcos do Reich e não em marcos de compensação. As participações corrigidas indicam que a fatia norte-americana esteve inalterada antes de 1939, em torno de 23-25%, o mesmo ocorrendo com a participação combinada da Alemanha e do Reino Unido, em torno de 28-32%. O que houve foi uma substituição drástica de produtos britânicos por produtos alemães: a participação britânica caiu de 19% para 11%, enquanto a alemã cresceu de 12% para 20% das importações totais brasileiras.” Esse argumento possui respaldo no sentido de que os Estados Unidos continuaram a ser o maior parceiro comercial brasileiro em todo o período e que cada traço de aproximação entre brasileiros e alemães era acompanhado com atenção pelos estadunidenses. Há que se ressaltar, contudo, que alianças de forte conteúdo estratégico do Brasil com outras potências, como a Alemanha, apesar de permanentemente monitoradas, eram toleradas devido à margem de manobra concedida ao governo Vargas pela política da boa vizinhança adotada pelo governo Roosevelt. A condição estadunidense à época não permitia uma postura mais agressiva com seus vizinhos, sob pena de perdê-los de sua órbita de influência20. Aproveitando desse espaço de manobra, Vargas adota uma equisdistância pragmática (MOURA,1991) no que tange à política externa nacional ante os Estados Unidos e outras potências. Essa estratégia de barganha propicia ao Brasil elevados ganhos relativos de poder, que em grande medida só foram possíveis graças à aproximação com a Alemanha. Independentemente dos efeitos econômicos da aproximação, o que deve ser aqui enfatizar é a importância mútua política da cooperação. Tanto o governo alemão quanto o brasileiro lucraram com o incremento dos laços diplomáticos. Se pelo lado germânico, a compra de matérias primas sem a entrada de capital estrangeiro permitiu o fortalecimento do programa de industrialização civil e militar, bem como reequilibrou suas contas externas; pelo 20 No novo contexto que se alinhava, a América Latina, paulatinamente, tornou-se objeto de disputa comercial e ideológica. O recuo da presença inglesa, desde a Primeira Guerra, propiciou o confronto dos novos sistemas de poder, expressos na polarização Alemanha-EUA. Dois pólos, com sistemas políticos, ideologias e práticas comerciais antagônicas, que passaram a disputar a América Latina como ponto de apoio e área de influência, com grande penetração na Argentina e no Brasil. 29 lado brasileiro, a negociação com os alemães sobre a entrada de capitais tedescos em setores estratégicos da indústria de base obrigou os Estados Unidos a cederem em algumas intransigências e a investirem o montante desejado pelos brasileiros na formação de seu parque industrial e na constituição de sua força militar. Nesse ponto, reside a originalidade do momento: além dos benefícios geopolíticos mútuos, a cooperação não ficou restrita à área comercial, ao contrário, extrapolou a tradicional seara econômica e fertilizou possíveis acordos políticos21 e militares22. O curso das relações foi interrompido devido às circunstâncias que moviam o sistema internacional. Importante aliado na América do Sul em virtude de sua posição estratégica e de sua liderança regional, o Brasil optou por uma solução mais pragmática em relação ao equilíbrio de interesses em que se encontrava e juntou-se ao bloco estadunidense contra os países do Eixo. A inicial neutralidade e a posterior pró-aliada de entrar na guerra ao lado dos Estados Unidos levaram o Brasil a romper novamente vínculo diplomático com a Alemanha23, que somente viria a ser retomada na década de 1950, momento de reconstrução do país germânico, derrotado e arrasado pela guerra. 21 Destaca-se a coordenação entre a Gestapo e a polícia do Rio de Janeiro, que traçaram um plano de cooperação, uma troca de experiências na luta contra o comunismo e outras doutrinas contrárias ao Estado, o que resultou na polêmica extradição de Olga Benário. Ademais, o convite formal para que o governo brasileiro integrasse o Pacto Anti-komintern, o que, embora não viesse a se realizar, demonstrava o grau de identidades alcançado. 22 Em especial na seara castrense, a influência germânica revela-se mais evidente, principalmente entre os generais germanófilos à época, como Eurico Gaspar Dutra. Essa corrente que defendia a aproximação com os alemães devido à sua admiração pelas técnicas militares teutônicas, tem raízes no início do século XX. Em 1906, 1908, e 1910 a convite do Imperador alemão Guilherme II, contando com o apoio do Barão do Rio Branco e, do então, ministro da Guerra, e posterior presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca foram enviadas turmas de oficiais brasileiros à Alemanha com o objetivo modernizar as forças armadas nacionais, em função do atraso do Exército e a preocupação de nossa diplomacia com a soberania do país. Nesse momento, a Alemanha travava com a França uma disputa pela liderança militar na Europa, assim, consequentemente, buscavam ampliar seu campo de influência. Essa disputa tanto incluia a ampliação do poderio bélico e inovações táticas, quanto a venda armamento e o envio de missões militares estrangeiras de instrução junto aos exércitos latino-americanos, como já fora experimentado no Chile e Argentina. Esses oficiais, por defederem reformas tendo como modelo a doutrina militar alemã, de retorno, seriam chamados pelos seus adversários de Jovens Turcos, em referência aos oficiais de Mustafa Kemal de forte influência positivista, que também estagiara na Alemanha. De volta ao Brasil, os "Jovens Turcos" empreenderam a reforma do Exército Brasileiro, na qual traduziam obras de militares alemães e difundiam seu sistema de treinamento, práticas e costumes, e escreviam textos enaltecendo o Exército e a indústria bélica germânica. Essa reforma tinha em vista a modernização do exército, e respondia ao processo de conscientização política do exército encaminhada por Benjamin Constant, indivíduo claramente influenciado pelo Positivismo. No entanto, após o término da Primeira Guerra, a opção dos jovens turcos tornou-se geopoliticamente inviável, uma vez que a Alemanha era condenada pelos vencedores do conflito como a grande culpada pela guerra, e o Brasil optou por continuar a modernização de seu Exército pela via francesa, que havia obtido grande destaque no combate aos alemães. 23 O rompimento dos vínculos diplomáticos com os países do Eixo ocorreu durante a realização da III Conferência de Chanceleres, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1942. Nesse encontro, o Brasil optou pela saída da neutralidade e alinhamento ao bloco aliado. Em retaliação desse ato, submarinos alemães e italianos torpedearam mais uma vez embarcações brasileiras, o que inflamou a opinião pública em favor da participação ativa das Forças Armadas nacionais no conflito mundial. Consequentemente, em julho de 1942, foi declarado estado de beligerância pelo Brasil, que enviou tropas para a Europa, engajando-se na guerra. Há quem considere essa manobra como resultado da pressão de alguns setores militares que buscavam, com a entrada na guerra e o aproveitamento do sistema oferecido pelos norte-americanos de Lend and Lease, reaparelhar as Forças Armadas brasileiras. 30 2. O contexto internacional 1945-1971 e a quarta explosão expansiva sistêmica Para uma melhor compreensão do desenvolvimento histórico dos laços germanobrasileiros, é fundamental analisar as nuances do contexto internacional, que influenciaram diretamente nos rumos da relação. Assim, esse subcapítulo será dedicado ao debate dos desdobramentos da ordem de Bretton Woods24, instalada pelos estadunidenses, como forma de organizar a configuração mundial do pós-guerra, sempre de acordo com seus interesses nacionais, até o aumento da pressão competitiva entre os Estados, que levou na década de 1970 a mais uma explosão expansiva25 do sistema interestatal (FIORI, 2008). O fim da Segunda Grande Guerra marcou o sorpasso26, a ultrapassagem, a superposição no controle do poder mundial dos britânicos pelos estadunidenses. Esse longo processo foi iniciado desde as vésperas da Grande Guerra, no qual os EUA se tornaram os líderes da produção global. A assinatura da Carta do Atlântico27, em 1941, parecia o reconhecimento formal dos ingleses em relação à superioridade dos americanos. O suporte material, logístico e bélico cedido pelo Governo Roosevelt simbolizou a incapacidade dos britânicos de manterem-se na guerra sem ajuda externa. A partir desse momento, houve uma sucessão de conferências mundiais lideradas pelos EUA, com o escopo de moldar o sistema interestatal segundo a lógica dos estadunidenses. A supremacia econômica foi confirmada pela militar, após a explosão das bombas atômicas em território japonês. Essa diplomacia do prestígio contribuiu para a persuasão da comunidade internacional a consentir com a hegemonia norte-americana, ainda 24 A ordem ou o sistema de Bretton Woods diz respeito ao gerenciamento econômico internacional estabelecido em julho de 1944, na cidade estadunidense de Bretton Woods. Nessas conferências, acordaram-se regras e criaram instituições para gerir as relações econômicas e financeiras entre os países industrializados naquele período. O dólar foi alçado à condição de moeda internacional, única a ser conversível em ouro, enquanto as outras somente tinham o recurso de converterem-se em dólar. Ademais, criou-se o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento, BIRD, conhecido posteriormente como Banco Mundial, e o Fundo Monetário Internacional, o FMI, responsável pela correção do desequilíbrio na balança de pagamentos dos países. 25 Haja vista que as três primeiras explosões ocorreram nos períodos compreendidos entre 1150 e 1350; entre 1450 e 1650; entre 1790 e 1914 26 Sopasso é o termo em italiano, utilizado pela literatura especializada, para definir a ultrapassagem, a alteração no comando do poder mundial. 27 Carta do Atlântico é a denominação para o acordo de cavalheiros assinado por Winston Churchill e Franklin Roosevelt, cada qual representando sua respectiva nação, Grã-Bretanha e Estados Unidos, no qual se estabelecia os termos para o suporte estadunidense para os aliados na Guerra contra o Eixo. Esse documento foi assinado a bordo de um navio no Oceano Atlântico e não tinha o caráter jurídico de tratado internacional, mas seria legitimado pela moral do compromisso e duraria enquanto seus signatários ocupassem seus cargos de chefia do Estado. Esse acordo proporcionou aos aliados um fôlego extra no combate, uma vez que incluía condições facilitadas de empréstimo e de aquisição de material bélico, bem como suporte logístico. 31 que seja um consentimento imposto. Essa percepção de consenso passa pela noção difundida por Antônio Gramsci (GRAMSCI apud MORTON, 2006: p.95): “It has been established that the moment of hegemony involves both the consensual diffusion of a particular cultural and moral view throughout society and its interconnection with coercive functions of power; or there is corresponding equilibrium between ethico-political ideas and prevailing socio-economic conditions fortified by coercion (…) To sum up, hegemony is marked by the decisive passage from the structure to the sphere of the complex superstructures.” Dessa reorganização mundial derivam a Organização das Nações Unidas, que ratificou a força política e diplomática dos americanos, os Acordos de Bretton Woods, que criaram o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, responsáveis por assegurar a estabilidade econômica, bem como a imposição do dólar como moeda internacional, a única conversível em ouro, garantindo sua hegemonia monetária e financeira, o que ocasionou no padrão ourodólar. A substituição do combalido padrão ouro-libra fazia-se necessária e era desejada pelos demais países, movidos pela vontade de evitar novas políticas protecionistas e de beggar-thyneighbour, que precederam o segundo conflito mundial e abalaram os alicerces do comércio internacional. Ao assumir a posição de provedor do sistema mundial, os EUA experimentaram crescimento vigoroso a partir de 1945 até 1968. Esse período ficou conhecido como Golden Age em virtude da exuberância econômica do modelo estadunidense composto por taxas de crescimento muito superiores àquelas consideradas “milagrosas” em outros países capitalistas, superando, inclusive, os roaring twenties do início do século (SERRANO, 2008). No período do pós-Segunda Guerra, os EUA controlavam dois terços das reservas de ouro no planeta, bem como seu produto interno bruto constituía quase a metade da produção mundial. Ocuparam militarmente o continente europeu e iniciaram a instalação de bases militares em lugares estratégicos do globo, com intuito de cercar a história rival da teia de poder anglo-saxão, o antigo Império Russo, então, União Soviética28. Na esfera econômica, os EUA têm saldo comercial e em conta corrente positivo, o que caracteriza os anos dourados da economia norte-americana. Essa prosperidade espalha-se pelo 28 A contenção dos expansionistas do Cáucaso, conhecida como Guerra Fria, nada mais foi do que a continuidade do Grande Jogo, do século XIX, entre britânicos e russos. A relativa estabilidade da divisão europeia em território alemão e a introdução do dólar nas economias europeias, por meio do Plano Marshall, solidificaram a derrota das potências imperialistas centrais e revelaram o novo equilíbrio de poder entre os emergentes estadunidenses e soviéticos. 32 mundo capitalista, garantindo a liquidez internacional e altas taxas de crescimento para os países da órbita estadunidense, principalmente aqueles aliados estratégicos que foram convidados a desenvolverem-se, como Alemanha Ocidental e Japão, outrora rivais de guerra. Para fomentar o espetacular crescimento doméstico, os EUA bancaram o desenvolvimento econômico de potências europeias, através do Plano de Recuperação Econômica Europeia29, ao introduzir o dólar como moeda para transações intraeuropeias, com o escopo de superar a etapa inicial de “escassez de dólares” do sistema de Bretton Woods, terminada com a criação do Mercado Comum Europeu. Malgrado os benefícios trazidos às potências dominantes, o padrão dólar-ouro exigia esforços em termos de políticas monetárias e fiscais, pois implicava em austeridade para o equilíbrio automático do balanço de pagamentos. As taxas de câmbio fixas impunham uma rigidez econômica que poucos países conseguiam praticar. A partir da década de 60, as contradições do sistema tornaram-se mais evidentes, como bem previra o Dilema de Triffin30. De acordo com esta concepção, era justamente o déficit do balanço de pagamentos dos EUA que gerava liquidez ao sistema mundial, contrariando a lógica das taxas de câmbio fixas. Logo, a política de liquidez do sistema mundial por meio dos constantes déficits estadunidenses em seu balanço de pagamentos era incompatível com o ajuste automático das contas externas do padrão ouro-dólar. O déficit comercial americano, por sua vez, foi o responsável pelo aumento da oferta da sua moeda no mercado, possibilitando o aumento do crédito em dólares que viabilizou expansões muito além da base monetária de alguns países. Grande parte dessa liquidez foi absorvida por filiais de bancos americanos na Europa e pelos próprios bancos europeus, atraindo as instituições financeiras, em virtude da falta de regulamentação do capital para o que ficou conhecido como euromercado, cujo epicentro era a City londrina. Em 1968, ao mesmo tempo em que Londres cortou a conversibilidade da libra em dólar, o crédito interbancário liberou-se internamente do padrão dólar-ouro, passando a estabelecer seu próprio circuito supranacional de crédito, com liquidez abundante e crescente, fora de controle das autoridades monetárias e sem qualquer relação aparente com o déficit do balanço de pagamentos dos EUA. 29 Também conhecido como Plano Marshall. Robert Triffin foi o economista que detectou a grande incompatibilidade inerente do Sistema de Bretton Woods: uma economia, como a estadunidense, não pode criar liquidez internacional se não mediante seu endividamento com outros países, o que vai de encontro com o princípio fundamental da ordem monetária internacional dólar-ouro de equilíbrio automático do balanço de pagamentos. Sem déficits, o país não consegue financiar suas gigantescas despesas militares e prover liquidez para a prosperidade de todo sistema internacional. 30 33 Floresce, portanto, à sombra do padrão dólar-ouro um mercado privado de crédito, espalhado pela Europa e por paraísos fiscais, que alimentou o último auge da economia mundial, criando condições, inclusive, para o posterior milagre econômico brasileiro. A Guerra Fria exigiu que, via ajuda externa e por meio de empréstimos e investimento direto, os EUA tivessem crescentes déficits na balança de pagamentos. Ao longo do tempo, com a reconstrução dos demais países capitalistas centrais, os saldos comerciais e de conta corrente dos EUA são reduzidos continuamente até se tornarem negativos em 1971, os twin deficits. Os EUA perdiam competitividade e precisam livrar-se das amarras dos Acordos de Bretton Woods. Medeiros e Serrano delineiam com muita propriedade o dilema enfrentado pelos formuladores de política econômica, senão vejamos (MEDEIROS e SERRANO, 1999: pp.4-5): “No entanto a desvalorização do dólar dentro da regras do sistema, isto é, via aumento do preço do dólar em ouro não era desejável para os americanos pois havia o risco que tal mudança gerasse de uma fuga generalizada do dólar para o ouro. Se isto ocorresse havia o perigo que a restrição de balança de pagamentos, que não existia para os EUA nesta época da mesma forma que não existia para a Inglaterra no período do padrão ouro-libra (até a Primeira Guerra), voltasse a existir na medida em que pagamentos internacionais passassem a ser feitos cada vez mais diretamente em ouro ao invés de em dólar.” Os demais países centrais recusaram a proposta dos EUA de um movimento coordenado de valorização das moedas dos outros países e insistiam em propostas de reforma que diminuiriam a importância do dólar na economia internacional, como o aumento do papel do ouro e o dos Direitos Especiais de Saque. Dentro de um contexto de crise devido ao rombo fiscal gerado pela Guerra do Vietnã e de um arrocho ortodoxo comandado pelo governo anterior, Richard Nixon assume em um panorama de elevação constante do déficit público. Se nos Estados Unidos a crise era iminente, nos outros países os efeitos da organização do pós-guerra e seus desdobramentos ainda reverberavam. O fim da Segunda Guerra Mundial e os acordos dele resultantes entre as potências aliadas deram nova configuração ao contexto geopolítico, principalmente no que tange à Europa. Com suas principais potências arrasadas, endividadas e ocupadas, as forças do continente ficaram à mercê das estratégias das duas grandes potências vencedoras, Estados Unidos e União Soviética. 34 Sobretudo, no tocante à Alemanha, prevaleceu o entendimento favorável à incorporação do país à esfera de influência estadunidense, sob a forma militar da ocupação e econômica, do investimento e no fomento à recuperação. O país restara do conflito arrasado em sua infraestrutura e com enorme baixa populacional, bem como viu seu território ser ocupado e dividido pelos vencedores. Diversas soluções foram sugeridas para o futuro da Alemanha31, como o Plano Morgenthau32, que previa a transformação de seu território em uma grande colônia agrária. No entanto, após ter sido constatado a satelitização das áreas ocupadas no Leste Europeu à União Soviética, os planos mudaram. A partir de 1948, houve a significativa entrada de aportes financeiros aos alemães, no intuito de reconstruir sua porção ocidental e afastar a influência soviética. Para isso, foi constituída toda uma engenharia financeira, para reerguer a Alemanha e inseri-la no mercado internacional, haja vista a sua estrutura restrita, herança do período hitlerista. Em 1948, iniciou-se, com a coordenação de Ludwig Erhard, a reforma monetária, que além de substituir o Reichsmark em Deutschmark, contribuiu para a liberalização do mercado alemão e impulsionou a tradição moderna de independência do Banco Central germânico. Ainda assim, o marco alemão não era conversível, o que fez com que o comércio regional fosse realizado por meio de acordos bilaterais. O Plano Marshall permitiu a multilaterização desses acordos, tendo efeitos mais políticos do que propriamente econômicos. Com a criação, em 1958, do Balanço de Pagamentos Europeu, a conversibilidade do marco foi facilitada, o que espalhou a influência da economia germânica pela região e transformou os alemães de devedores a credores. A Alemanha Ocidental foi integrada ao sistema interestatal e transformada em grande vitrine do western capitalism. Preocupou-se em expandir o mercado interno, principalmente por meio da recomposição e da coordenação de preços e salários, por meio de um acordo capital-trabalho de grande coesão social. A valorização artificial do dólar possibilitou ao país exportar para seu entorno e para os Estados Unidos, garantindo sua posição de credor e seu rápido crescimento. Ao rechaçar a ideia da Alemanha como colônia agrícola, priorizou-se o crescimento industrial acelerado, na concepção estadunidense, com a quebra dos Konzern33, para viabilizar o capitalismo mercantil e concorrencial. 31 A partir desse momento, qualquer referência à Alemanha dirá respeito somente à Alemanha Ocidental. Henry Morgenthau foi Secretário do Tesouro Americano à época que não se confunde com seu contemporâneo, o realista acadêmico Hans Morgenthau, autor do clássico livro”A Política das Nações”. 33 Os Konzern alemães possuíam estruturas semelhantes a cartéis. 32 35 A cartilha macroeconômica do Estado de bem-estar social keynesiano foi seguida, com algumas particularidades. Com a subordinação das finanças aos interesses industriais, os investimentos públicos foram direcionados pelos commanding heighties34 para infraestrutura e indústrias pesadas, que em uma visão universal não deveriam competir internacionalmente, pois precisavam de mercados amplos, o que veio a justificar a criação da Comunidade Europeia de Carvão e Aço, em 1951. Junto com a expansão industrial, o pacto social-democrata acordou a proteção social expandida dos trabalhadores, na ótica de um Estado corporativista, garantidor da universalidade, o que ia ao encontro da política macroeconômica expansiva centrada na busca pelo pleno emprego e na utilização da política fiscal. O resultado dessa articulação logo foi sentido durante os anos 1950, com o crescimento dos salários reais, com a extinção virtual do desemprego, com o aumento do bem-estar social e a com as altas taxas de crescimento, consideradas “milagrosas35”. Giersch, Paqué e Schmieding (1992) identificam esse desenvolvimento como resultado do estímulo à demanda, o que teoricamente contrastaria com as políticas liberais implementadas no pós-guerra. Nessa contradição reside a particularidade do processo alemão. Erhard, o pai do milagre, que substituiria posteriormente Adenauer como Bundeskanzler36, reformulou o sistema alemão com base na doutrina do Ordoliberalismo37, oriunda da Escola de Freiburg, cujo maior expoente era o economista liberal Walter Eucken. Essa elaboração teórica não caracterizava uma terceira via entre capitalismo e socialismo, mas uma forma específica de liberalismo. Kerber e Hartig apontam sua principal diferença (KERBER e HARTIG, 2009: p.342): “The difference from laissez-faire liberalism lies in its insistence that markets can fulfill their positive functions only if State establishes a clear institutional framework within which spontaneous market processes take place.” Os ordoliberais acreditavam mais na capacidade dos seres humanos em estabelecer regras e moldar instituições que os ortodoxos. Ademais, ao mesmo tempo em que rechaçavam 34 Expressão que diz respeito aos órgãos estatais planejadores e coordenadores do investimento público, que visam ao fomento de atividades prioritárias da economia e, ao mesmo tempo, sem interferir na estrutura do livre mercado e da concorrência, elemento importante da concepção keynesiana. 35 Essa menção a fenômenos não explicáveis pela ciência está relacionada com o curto período experimentado entre a destruição quase que completa da economia alemã após o conflito mundial e sua recuperação em menos de uma década. Em uma visão rasa, realmente parece inexplicável, porém, com a introdução de elementos geopolíticos e geoeconômicos, percebe-se a ilusão que esse conceito traz. 36 Primeiro-ministro e cargo mais elevado da democracia parlamentarista alemã. Erhard ocupou o cargo de 1963 a 1966. 37 O significado etimológico do vocábulo remete à ideia de liberalismo ordenado, premissas liberais e ordem. Em outras palavras, envolvia os conceitos de liberdade, sobretudo a política e a civil, dentro dos limites constitucionais, haja vista que a Escola de Freiburg era uma instituição que abrigava premissas do Direito e da Economia. 36 o planejamento central e o intervencionismo excessivo, como o do Estado nazista, advogavam a participação do ente estatal não como um mero observador do livre mercado, mas como um agente capaz de corrigir as assimetrias e garantir a plena efetividade das premissas liberais, como a proteção dos direitos individuais e os problemas de escassez. Estado forte seria aquele que estabelecesse regras efetivas e indutoras do livre comércio. Kerber e Hartig resgatam outra particularidade que modificou alguns princípios do ordoliberalism, a tradicional economia social de mercado alemã, cujas premissas envolvem a combinação do conceito de mercado com o de bem-estar social. A despeito da relutância original dos ordoliberais sobre o Estado de bem-estar social, os autores entendem que, devido ao grande apelo social que as políticas de seguridade social têm, desde os tempos bismarckianos, o preceito de economia social de mercado acabou incorporado, na prática, pela lógica ordoliberal. (KERBER e HARTIG, 2009: p.343) “The Ordoliberals were, in fact, very reluctant about welfare statism, arguing that the best social policy would be not political redistribution, but market productivity leading to higher wealth for everyone (Eucken, 1952). But social security as a central task of the state enjoyed great resonance in Germany, dating from Bismarck’s introduction of a state-based social security system in the 1880s, so the idea of combining a market economy with the welfare state had great appealeven leading the Social Democratic Party in 1958 and the trade unions in 1963 to accept the concept of social market economy.” O pacto social em torno dessa organização econômica peculiar, de um capitalismo regulado, legitimou o conservadorismo político no poder da República Federal da Alemanha, capitaneado por Konrad Adenauer, representante dos herdeiros industriais de eras anteriores. Com o apoio político estadunidense, acertou-se uma parceria estratégica imposta, que mantinha a ocupação territorial germânica por tropas estrangeiras. Assim, as elites alemãs optaram por aceitar a mudança na inserção internacional da Alemanha. Mais voltada à integração regional, menos afeita à consecução de objetivos nacionalistas, a Alemanha deveria preocupar-se em uma projeção pacífica de gigante econômico e anão político, resguardada pelo guarda-chuva militar estadunidense. Se outrora era sua política externa que guiava as diretrizes do governo doméstico; a autonomia vigiada, a qual os alemães foram submetidos, implicava no movimento contrário, a política interna38 ditava os rumos da diplomacia germânica, limitada pelas imposições externas. 38 O governo conservador e cristão de Konrad Adenauer baseou-se Doutrina Hallstein, cujos princípios basilares remetiam ao não reconhecimento da zona de ocupação soviética como Estado nacional e à defesa do princípio da 37 Medeiros disseca essa escolha política com importantes reflexos econômicos (MEDEIROS, 2004: p. 156): “Do ponto de vista político, como anota Milward (1992), o resgate do estado nacional europeu no pós-guerra tinha por vetor essencial o reconhecimento político da impossibilidade de um projeto alemão exclusivamente nacional. As elites alemãs perceberam, desde a reconstrução do pós-guerra, que seus interesses nacionais seriam muito melhor atendidos subsumidos num discurso e numa prática eminentemente europeia, tal como a historicamente construída pelo Tratado de Roma. Esta prática, que muitos denominaram de soft hegemony ou hegemony by stealth ou ainda semi-sovereignty, resultava de um esforço de construir um espaço econômico unificado onde os interesses econômicos e políticos alemães poderiam se exercer sem confrontos políticos e subordinando-se à liderança dos EUA no plano da segurança e defesa externa da Europa. A sua importância na formação da Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a sua irrelevância na OTAN traduziam os limites e ambições da Alemanha no contexto criado pela Guerra Fria.” Essa peculiar posição de subalternidade e autonomia marcou a reinserção alemã no sistema de poder americano. Sua subalternidade militar era compensada por uma pujança econômica mais autônoma, a partir do momento em que se afirmou como uma economia fortemente enraizada na Europa Ocidental e sua moeda nas negociações intrarregionais, beneficiando-se do alargamento do mercado europeu. Em suma, estrategicamente interessava ao poder americano fomentar a pujança econômica de seu protetorado militar para obter o controle sobre a economia europeia, assim como fez na Ásia com o Japão. Ademais, ao incentivar o setor exportador das outrora rivais de guerra, os EUA buscavam promover uma inserção internacional menos agressiva desses países, com o intuito de ensejar a prosperidade interna e regional sem a necessidade da via bélica, e, ao mesmo tempo, criar rivais para potencializar a competição expansiva em área global, acumulando, assim, mais poder. Adveio, portanto, o convite hegemônico ao desenvolvimento do capitalismo alemão que teve a discricionariedade permitida de atuar de acordo com suas particularidades históricas e sociais. O projeto de desenvolvimento associado abraçado pelas elites alemãs na ordem de Bretton Woods e no sistema de Ialta possibilitou o reerguimento econômico do país representação única, como se somente a porção ocidental correspondesse ao originário Estado alemão, não reconhecendo e condenando quem reconhecesse a soberania da porção oriental como Estado nacional. Ademais, seus ditames doutrinários defendiam uma maior aproximação com o Ocidente e sua ordem de poder institucional. A inserção internacional da República Federal Alemanha fundamentava-se no respeito à ordem global constituída, à aliança atlântica e à parceria estratégica com as Grandes Potências européias por meio da integração. 38 e sua preeminência regional, em troca da abdicação, ainda que não indefinidamente, da hegemonia política e militar europeia. Portanto, a milagrosa recuperação econômica do pós-guerra nada mais foi do que o resultado do arranjo geopolítico arquitetado sob a liderança hegemônica estadunidense. O contexto do pós-guerra, por sua vez, trouxe ao Brasil um ganho relativo de poder, na medida em que esteve ao lado da coalizão vencedora do conflito. Esse incremento na balança de poder internacional trouxe, todavia, ao governo nacional a ilusória percepção da intensidade desse aumento de poder. Apesar de principal sócio econômico dos Estados Unidos na periferia sul-americana, à América Latina não foi dada a mesma atenção conferida à Europa e à Ásia, pelo menos até a Revolução Cubana. Mesmo sem gozar da condição de tema prioritário na agenda estadunidense, o Brasil transformou-se no laboratório de uma estratégia associada entre o capital público e o privado de desenvolvimento que contemplava todos os segmentos do capitalismo central, tendo como maior expoente o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek. Graças a essa posição aliada, a despeito de frustrações e desentendimentos pontuais, o país esteve menos sensível às flutuações econômicas e às mudanças de rumo estratégico no ciclo posterior à Segunda Guerra Mundial. Nesse período conhecido como desenvolvimentista, o Brasil foi um dos poucos países subdesenvolvidos que conseguiu percorrer quase todos os passos previstos para o processo de industrialização retardatária e periférica, registrando uma das mais elevadas taxas médias de crescimento mundial. Dessa forma, o desenvolvimentismo transformou-se na resposta capitalista, tolerada pelos liberais devido às catastróficas conseqüências do primeiro malogro liberal das décadas de 1920 e 1930, ao projeto socialista para os países subdesenvolvidos. Ao lado de uma política interna que privilegiava o discurso desenvolvimentista, iniciado no primeiro governo Vargas, formulou-se uma política externa que estivesse descolada de amarras ideológicas e que pudesse estar voltada ao interesse nacional, que, no momento, estava intimamente relacionado com a ideia do desenvolvimento econômico. Munido dessa percepção, ensaiou-se um movimento diplomático voltado a trazer as atenções do mundo para o subcontinente americano. A proposta da Operação Pan-Americana, idealizado por Augusto Frederico Schmidt, ainda no governo JK, alertava aos Estados Unidos que o desenvolvimento econômico seria o caminho mais sustentável de prevenção ao perigo de disseminação de ideologias diferentes ao capitalismo estadunidense, principalmente no tocante à América Latina. 39 Ainda que não tivesse recebido a devida importância e sem ter obtido êxitos expressivos, a OPA serviu como estágio embrionário para o florescimento de um pensamento revolucionário na cúpula diplomática brasileira, a formulação e aplicação da Política Externa Independente, a PEI. Movimento de cunho globalista, alheio às disputas ideológicas liderada pelas grandes potências, vinculado ao desenvolvimento nacional e de aplicação duradoura, a despeito de mudanças políticas internas, seria o norteador da atuação internacional do Brasil até a década de 1990, excetuando-se o hiato de Castelo Branco, o “passo fora da cadência” (CERVO, 1993). Durante a vigência do modelo de Bretton Woods, debatia-se intensamente o modelo econômico a ser seguido pelo país, que buscava uma reinserção internacional, então não mais ligada à vocação agrário-exportadora, mas predominantemente industrial. O clássico debate brasileiro entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin colocou o desenvolvimentismo e liberalismo como vertentes possíveis ao país, polarizadoras do debate nacional por todo o século XX e início do XXI. A vitória eleitoral das correntes desenvolvimentistas transformou essa estratégia em foco tanto de políticas internas quanto de políticas externas. Enquanto os planos SALTE39, de Metas40 e o Trienal41 buscavam corrigir as assimetrias internas e consolidavam a tendência à continuidade do progresso interno; na seara externa, a Política Externa Independente norteava os rumos de atuação do Itamaraty, voltado ao fomento do globalismo e do multilateralismo, sem quaisquer alinhamentos ideológicos e alianças que não estivessem vinculadas ao interesse nacional, o desenvolvimento pátrio. Malgrado o golpe civil-militar do setor liberal conservador da sociedade brasileira, em matéria de desenvolvimento, a despeito do interlúdio Castelo Branco, as diretrizes foram mantidas, embora sem o viés social de outrora, mas com inclinação política direitista. Aproveitando-se do contexto internacional favorável, no qual se gozava de alta liquidez internacional, devido aos dólares privados do euromercado, e do questionamento da política externa dos Estados Unidos por parte de seus aliados, o Brasil de 1968 e 1973, cresceu a altas taxas, embora o fizesse a partir de um modelo insustentável no longo prazo, calcado no endividamento externo 39 O SALTE foi implementado no governo Dutra (1946-1950) que priorizava Saúde, Alimentação, Transportes e Energia, considerados pilares fundamentais para o desenvolvimento nacional. 40 Plano de Metas foi elaborado pelo governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), voltado ao desenvolvimento nacional e calcado no tripé, no qual os capitais nacionais públicos eram os responsáveis pela industrialização de base, o capital privado nacional, pelos bens de consumo não duráveis e o capital internacional privado, pela indústria de bens duráveis. 41 Plano Trienal foi o plano econômico desenvolvido pelo então Ministro do Planejamento Celso Furtado,em 1959, de orientações tanto ortodoxas quanto heterodoxas, voltado à correção de assimetrias internas do país e a seu progresso econômico, tendo sido abortado após o golpe civil-militar em 1964. 40 Nesse contexto em que Brasil e Alemanha cresciam a taxas elevadas e obtinham ganhos políticos questionáveis, o poder hegemônico encontrava sérias dificuldades em manter seu modelo de crescimento e de dominação mundial baseado no sistema monetário e financeiro de Bretton Woods. A contradição inerente entre o equilíbrio automático do balanço de pagamentos, fundado no padrão dólar-ouro, e a política hegemônica dos Estados Unidos foi minando a credibilidade internacional da potência americana enquanto líder do sistema mundial. A solução encontrada pelos EUA para conciliar a preservação do papel internacional do dólar com seu desejo de desvalorizar o câmbio foi decretar unilateralmente a inconversibilidade do dólar em ouro em 1971, como preparação para a iniciativa americana de desvalorização do dólar, que começa em 1973. Essa decisão de desmontar unilateralmente o sistema de Bretton Woods faz a economia mundial capitalista entrar num período de grande turbulência. O sistema financeiro internacional perdia sua base de sustentação. Não havia ainda um sistema definido, mas sim um não-regime monetário. O desequilíbrio monetário e cambial, bem como o excedente de petrodólares expande ainda mais o mercado interbancário, propiciando o nascimento de mercados offshore e paraísos fiscais, bem como a intensificação de movimentos especulativos de capitais. O caos tomava conta da desordem financeira. Com o dólar minado, as outras moedas também se desestabilizaram. A partir de 1973, o mundo passa a conviver com taxas de câmbio flutuantes sujeitas às intervenções dos bancos centrais e de acordos multilaterais. Nesse mesmo ano, o choque do petróleo, com a elevação do preço do barril de petróleo, contribuiu para agravar a crise. No ano seguinte, em meio a uma crise política interna, os EUA adotam uma política recessiva. Em 1976, a reforma do estatuto do FMI procura encontrar saídas, abolindo o valor oficial do ouro e concedendo maior importância aos Direitos Especiais de Saque, como alternativa. O segundo choque do petróleo em 1979 agrava ainda mais a crise do dólar, vis-à-vis o déficit de transações correntes e da conta de capitais dos EUA. Problemas econômicos somados a débâcles políticos, como a derrota no Vietnã; a renúncia do presidente Nixon; conversão ao socialismo das ex-colônias portuguesas na África; fortalecimento da esfera de influência soviética; crescimento japonês na concorrência econômica; cenário de estagflação mundial; a invasão do Afeganistão pelos russos; a Revolução Iraniana; o sequestro na embaixada americana em Teerã; e a Revolução Sandinista na Nicarágua; foram responsáveis 41 pelo surgimento de um consenso no meio político e acadêmico pelo início da decadência do poder americano. Fiori, ao buscar uma explicação para o funcionamento do sistema mundial, desenvolveu a teoria do universo em expansão42, resultado de uma longa pesquisa iniciada em meados dos anos de 1980 que procurava questionar os argumentos utilizados pelo mainstream acadêmico43 da época, o qual identificava nos acontecimentos dos anos de 1970, fortes indícios do declínio da hegemonia estadunidense44. Ao relacionar os campos da Ciência Política, da Economia Política, da História, da Geografia e das Relações Internacionais, Fiori construiu uma multidisciplinar argumentação teórica, baseada nos escritos que envolviam autores de Economia Política Internacional45. A partir desse ramo científico, respaldou suas convicções em uma linha de pesquisa que mescla tendências realistas e neomarxistas, o que fez surgir o arcabouço teórico acerca da formação e do desenvolvimento do sistema internacional contemporâneo46. Desta forma, para o autor, a necessidade de expansão e de exercício constante de poder conforma a lógica da acumulação interminável pautada na competição permanente, inerente ao sistema e baseia os diversos projetos de potência das unidades nacionais, como se verifica na passagem abaixo (FIORI, 2007: p.37): “(...) por definição, todos os países estão insatisfeitos e se propõem a aumentar seu poder e sua riqueza. Nesse sentido, mesmo que de forma acentuada, todos são expansivos, mesmo quando não se propõem mais a conquistar novos territórios.” 42 A teoria do universo em expansão aborda a questão do poder como elemento central. A ratio das relações internacionais é a própria sobrevivência dos Estados. Estes lutam pelo poder global, como as grandes potências, estariam sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, expansão e crise, sem, contudo, perder sua preeminência hierárquica no sistema. 43 Dentre os respeitáveis autores encontram-se Robert Keohane, Joseph Nye, Charles Kindleberger e Robert Gilpin. 44 Fiori, influenciado pelo texto pioneiro e visionário de M. C. Tavares, refutava a tese da decadência norteamericana e ressaltava a estratégica neoconservadora do governo estadunidense de retomada da hegemonia por meio do poderio financeiro, seja pelo choque de juros, seja pela diplomacia do dólar forte, seja da difusão do progresso tecnológico e do discurso de desregulamentação do capital, que culminou no fenômeno da globalização, bem como por meio da influência geopolítica do keynesianisno militar e da restauração da Guerra Fria. 45 Dentre os quais, destacam-se: os teóricos do Imperialismo, como Nicolai Bukharin e Rudolf Hilferding, bem como os neomarxistas contemporâneos Giovanni Arrighi e Immanuel Wallerstein. 46 A teoria de Fiori, por ser elaborada em cima das críticas aos pensadores neomarxistas Arrighi e Wallerstein, quando contesta uma possível fase de outono da potência hegemônica ou uma factível substituição da nova ordem internacional em meados do século XXI, e por possuir uma leitura do processo histórico crítica e alternativa, calcada no poder político e na moeda, acredita que, desde os anos 70, o sistema saiu da entropia do pós-guerra e entrou em fase de crescimento, com periódicas expansões e retrações, tese corroborada em sua teorização, a qual se destaca ante as divergentes abordagens sobre o sistema interestatal capitalista. 42 Ao longo de suas obras, Fiori identifica o sistema mundial do século XXI como resultado do processo, iniciado no longo século XIII47, que percorreu quatro momentos de explosão expansiva que moldaram a trajetória do sistema interestatal capitalista hodierno, distendendo-o interna e externamente. O autor recorreu às guerras de conquista e na revolução comercial dos séculos XII e XIII a razão para a formação dos Estados e das economias nacionais europeias e para sua posterior expansão mundial vitoriosa do século XVI. Com fulcro nessa teorização, Fiori sustenta que o sistema interestatal contemporâneo não foi consentidamente construído, mas sim conquistado pelos europeus, desde seu movimento expansivo iniciado no longo século XIII até sua consolidação ao longo século XVI braudeliano. De acordo com o autor existem duas características fundamentais que distinguem a originalidade e explicam a força vitoriosa desses Estados nacionais que surgiram na Europa durante o longo século XVI, quais sejam (FIORI, 2008: p.29): “(...) a forma como nasceram, dentro de um sistema competitivo e obrigados a se expandirem para sobreviver, como acontecia com as unidades soberanas no período medieval (...) e a forma como se articularam com suas economias nacionais, transformando-as no seu principal instrumento de poder e num fator decisivo de sua expansão imperial.” Essa necessidade constante de gerar ordem e desordem do poder hegemônico serve de base para toda sua formulação teórica e, ao mesmo tempo, para refutar as diversas teorias que surgiram no mainstream acadêmico da Economia Política Internacional à época do aparente declínio da hegemonia americana (FIORI, 2008: p.31) “Assim, se consegue entender melhor porque é logicamente impossível que algum hegemon possa ou consiga estabilizar o sistema mundial, como pensa a teoria dos ciclos hegemônicos. A própria potência hegemônica- que deveria ser o grande estabilizador, segundo aquela teoria- precisa da competição e da guerra, para seguir acumulando poder e riqueza. E para se expandir, muitas vezes, precisa ir além e destruir as próprias regras e instituições que ela mesma contruiu, num momento anterior, depois de alguma grande vitória. Por isto, ao contrário da utopia hegemônica, neste universo em expansão nunca houve nem haverá paz perpétua, nem hegemonia estável. Pelo contrário, trata-se de um universo que precisa de guerras e de crises para poder se ordenar e se estabilizar- sempre de forma transitória- e manter suas relações e esruturas hierárquicas.” 47 Analogia feita por Fiori em alusão ao termo longo século XVI, atribuído a Fernand Braudel 43 Dessa forma, diante da exposição de suas premissas teóricas, o autor resume, sucintamente, a teoria do universo em expansão (FIORI, 2008: pp. 33-34): “(...) o sistema mundial é um universo em expansão contínua, onde todos os Estados que lutam pelo poder global- em particular, a potência líder hegemônicaestão sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, expansão e crise, guerra e paz. Por isto, crises econômicas e guerras não são, necessariamente, um anúncio do fim ou do colapso dos Estados e das economias nacionais envolvidas. Pelo contrário, podem ser uma parte essencial e necessária da acumulação do poder e da riqueza destes Estados, e do próprio sistema mundial.” Tendo em vista essa explanação teórica, a moeda e o poder político tornam-se elementos centrais para entender a trajetória deste sistema, desde sua gênese no longo século XIII até os desdobramentos recentes da quarta explosão expansiva. Em meio ao caos econômico e político do poder hegemônico, resultante desta última grande explosão sistêmica, aumenta-se o espaço de manobra entre os outros membros do sistema, que se encontram na constante busca da efetivação de seu interesse nacional. O vácuo de poder, ainda que tenha sido efêmero, permite a cooperação entre Estados voltada ao incremento de seu poder relativo e à obtenção de parcerias estratégicas que sirvam de alternativa ao poder hegemônico. Nesse intuito, abre-se espaço para iniciativas ousadas e de grande repercussão internacional, como o Acordo Nuclear Brasil-República Federal da Alemanha, o ápice do segundo ciclo das relações estratégicas entre os países. 3. O segundo ciclo da relação bilateral Mais uma vez, assim como ocorreu no primeiro estágio das relações estratégicas entre as duas nações, foi o vácuo de poder no sistema interestatal que permitiu a aproximação. Brasil e Alemanha, munidos da intenção em fomentar seus interesses nacionais, acertam uma parceria inovadora e emblemática, no sentido da cooperação nuclear entre um país desenvolvido e outro em desenvolvimento. O acordo não foi, entretanto, um fato isolado, mas o apogeu de um período iniciado ainda em 1968, momento em que se questionava a viabilidade da hegemonia estadunidense. Nesse diapasão, Alemanha e Brasil passavam por condições políticas e econômicas favoráveis à intensificação da parceria. 44 No contexto alemão, com a saída do democrata cristão Adenauer do poder, discutia-se a inserção alemã no mundo, não mais por meio da Doutrina Hallstein, mas por uma transformação diplomática, que buscasse uma maior aproximação com o Leste Europeu e União Soviética, que ficou conhecida como Ostpolitik48. Essa percepção mais ampla de política externa, para além do eixo atlântico, em certa medida, favoreceu a cooperação com o Brasil49. Apesar do forte conteúdo comercial, as relações da Alemanha com países como o Brasil, não se restringiram a esse campo, extrapolando-o para a esfera estratégica, que envolve concertos políticos, tecnológicos e científicos. Esse alargamento da influência germânica buscava consolidar sua posição para além do continente, uma vez que com o fortalecimento da integração europeia, a Alemanha ampliava sua força econômica e atrelava as economias regionais à sua. Se no campo da política externa, buscava-se maior ganho de poder relativo, internamente, à pujança econômica contrastava a crise de identidade nacional, uma vez que a estratégia de legitimar o regime político por meio da prosperidade econômica pareceu não ser suficiente do aspecto sociológico para formar a coesão social necessária para o estreitamento dos laços entre Estado e povo (ELIAS, 1997: p. 376): “No nível atual dos meios de orientação social, fica-se frequentemente com a impressão de que a pior coisa que pode acontecer para uma nação é uma crise econômica. A esse respeito, comunistas e capitalistas encontram-se na mesma plataforma: uns e outros pensam que a economia é a esfera central de toda e qualquer sociedade. Não compartilho do ponto de vista dessa unidade paradigmática marxista-capitalista. Uma insidiosa crise de identidade, como a que atingiu a República Federal, não é menos ameaçadora que uma crise econômica.” Nesse diapasão, Elias sintetiza a complexidade da questão alemã. A sociedade que detectava na Alemanha nas décadas do pós-guerra era obrigada a reconhecer um sentimento de culpa pela ascensão do partido nacional-socialista ao poder. Por isso, não se manifestava e demonstrava certa desídia ante a peculiar situação política de submissão e o conforto econômico. O principal para muitos alemães era liquidar o passado extremista, mesmo que 48 Autores como J.L. Fiori defendem que foi o sucesso econômico, e o conseqüente fortalecimento da Alemanha Ocidental que permitiu que o governo social-democrata de Willy Brandt tomasse a iniciativa de se aproximar da União Soviética, sem consultar aos Estados Unidos, dando início à segunda movida geopolítica mais importante do início da década de 1970, a Ostpolitik, que seria mantida e aprofundada, depois da reunificação da Alemanha, que resultou no reaparecimento da Rússia no tabuleiro geopolítico europeu. 49 A década de 1970 vinha sendo período de afirmação da autonomia da política exterior alemã e de distanciamento nas relações com os EUA, que somados ao crescente dinamismo de sua economia, permitiam à RFA uma aproximação maior com a América Latina. 45 isso ceifasse sua autonomia política, uma vez que esta era dotada de grande fragilidade por não haver um vínculo estreito entre a sociedade e o Estado, problema que ganha ênfase nessa fase, embora tenha raízes no conturbado processo de formação da Alemanha no século XIX (ELIAS, 1997: p. 16): “A hipersensibilidade em relação a qualquer coisa que recorde a doutrina nacional-socialista resulta do problema de um caráter nacional ser em grande parte envolto num manto de silêncio. (...) Torna-se tão logo evidente que o habitus nacional de um povo não é biologicamente fixado de uma vez por todas; antes, está intimamente vinculado ao processo particular de formação do Estado a que foi submetido.” Com base nisso, resume o que significava do ponto de vista sociológico a República Federal da Alemanha (ELIAS, 1997: p. 361): “Até o momento presente (1973), a relativamente elevada eficiência econômica da República Federal serve para suprimir da consciência pública da nação a necessidade de encarar de frente(sic) os sérios problemas não-econômicos do povo alemão ocidental” Com fulcro nesses dilemas políticos e sociais, grupos políticos insatisfeitos com o conservadorismo das elites no poder articularam manifestações e organizaram movimentos de contestação à ordem vigente, contra o governo reacionário alemão e contra a influência do imperialismo estadunidense no país. A forte repressão estatal conseguiu conter de alguma forma as pressões mais radicais. No contexto brasileiro, por sua vez, os anos 1970 significaram um período dúbio. Se em seus primeiros anos, o país gozou de uma prosperidade sem precedentes em sua história; nos anos terminais, começou a sentir os efeitos de crise que se arrastaria por duas décadas e minaria seu crescimento econômico. Apesar da crise política interna, decorrente dos protestos e da luta armada contra o regime de exceção instalado pelos militares, o robusto panorama econômico contrastava com a debilidade democrática, o que se tornou o pilar de sustentação de setores da caserna no governo civil. Focado em um sistema que privilegiava a entrada de capitais externos, o país aproveitou a onda de liquidez internacional e repetiu, na década de 1970, o crescimento esplendoroso dos “convidados” Alemanha e Japão haviam tido 20 anos atrás. O milagre brasileiro, em especial, contou, dentre outros, com uma importante contribuição dos 46 investimentos alemães que povoavam o país desde a década de 1950 (LOHBAUER, 2000: p.55): “A contribuição dos investimentos alemães fez com que a conjuntura econômica brasileira mudasse totalmente entre 1964 e 1974. De 1966 a 1975, as exportações brasileiras quintuplicaram. Os investimentos estrangeiros subiram de 2,9 bilhões de dólares a 6,7 bilhões de dólares em 1971. Dado que o Brasil era um país em desenvolvimento e os investimentos diretos alemães assumiam um lugar cada vez mais importante, podia-se concluir, já em meados dos anos 1970, que esses investimentos traziam uma contribuição significativa para o desenvolvimento de vantagens comparativas para a oferta de produtos manufaturados brasileiros. A RFA contribuía substancialmente para os passos decisivos que o país dava no sentido da modernização industrial.” Essa parcela de envolvimento alemão no processo de desenvolvimento do Brasil não se deu por acaso, mas sim fruto dos desdobramentos internacionais, como sustenta Christian Lohbauer (LOHBAUER, 2000: p. 64): “Com o objetivo de fortalecer suas economias, os europeus passaram a conquistar mercados com seus produtos e serviços, que antes eram dominados pelos Estados Unidos. O fortalecimento econômico da RFA e do Japão, o permanente déficit comercial dos EUA nos anos 70, a nova ordem política do mundo árabe, a perda do monopólio norte-americano das novas tecnologias, a descolonização da África e a Guerra do Vietnã foram importantes fatores que agiram conjuntamente, afetando a hegemonia norte-americana na América Latina.” Inserido nessa realidade histórica, a Diplomacia do Interesse Nacional, do governo Médici, apresentou uma linha de atuação independente aos EUA, procurando atrelar seus laços com a “opção europeia”50. Em matéria de política externa, em particular na década de 70, verificou-se essa postura mais autônoma, quando rompeu seu acordo militar com os Estados Unidos, ampliou suas relações afro-asiáticas, e assinou o acordo nuclear com a República Federal da Alemanha, apesar da oposição norte-americana. A aproximação com a Alemanha e a caracterização do segundo ciclo da relação, não remonta exatamente aos investimentos dos anos 1950, mas com a visita do então Ministro dos 50 A opção europeia tornou-se quase exclusivamente alemã, em virtude, não apenas dos laços históricos, culturais e sociais, mas por a Alemanha ser um parceiro mais vantajoso por ter menos compromissos com os países ACP e por ser liberal em suas políticas comercial e econômica. 47 Negócios Estrangeiros Willy Brandt ao Brasil e sua proposta de parceria ampliada como o Brasil, em 1968. A partir daí, pavimentou-se o caminho para a intensificação dos vínculos binacionais. Em 1969, celebrou-se o acordo em cultura, ciência e tecnologia51, marco inicial das relações estratégicas52 desse período, haja vista o caráter desenvolvimentista do concerto, que beneficiaria as duas partes integrantes. A diplomacia nacional-desenvolvimentista do Governo Geisel reiterou e aperfeiçoou esta percepção (LESSA, 1995: p.32): “Ao ter início o governo Geisel, torna-se patente o alto nível de complementação dos interesses brasileiros e europeus: de um lado, apresentava-se a estratégia de desenvolvimento em implementação no Brasil e, de outro, manifestavam-se as aspirações dos países europeus de ocupar novos espaços no cenário internacional, mobilizando-se na disputa de mercados para as suas exportações e investimentos, assim como por supridores de matérias-primas, acenando com relações econômicas mais vantajosas, pautadas por amplas linhas de cooperação, independentes de limitações impostas por interesses políticos e estratégicos globais.” O chanceler Azeredo da Silveira apresentava a "opção" européia como signo da mudança de papel que o Brasil desempenhava no cenário internacional, menos dependente dos desígnios estadunidenses (LESSA, 1995: p.33): “Do ponto de vista brasileiro, a Vertente Européia, além de responder imediatamente à necessidade de abertura de novos espaços comerciais e de estabelecimento de novas parcerias políticas, responde à busca de meios para a concretização do projeto de desenvolvimento: afinal, as contradições no interior do núcleo capitalista com a disputa de mercados abriam espaços para se buscar nos países europeus mais desenvolvidos – possuidores de capitais, tecnologias de ponta e disposição de investir – um novo padrão de relações econômicas. Compunham-se, ao lado das necessidades econômicas, fatores de ordem política, que sinalizavam para a importância de uma aproximação com os países europeus. O processo de distensão implementado por Geisel tinha, por sua própria natureza, um caráter limitado e por vezes ambíguo, enfrentado simultaneamente a resistência de setores conservadores do regime militar, por um lado, e as pressões por maior 51 Tratado de Cooperação Científica de 1969 envolvia pesquisa atômica, prospecção de urânio, pesquisa aérea e espacial, pesquisa oceanográfica, de documentação científica e de um banco de dados. 52 Há que se ressaltar que junto com o acordo científico foram assinados convênios nas áreas: espacial, ciências básicas, matemática e computação e treinamento militar com a RFA. 48 liberalização, por outro. Neste sentido, a aproximação com as democracias da Europa Ocidental tinha duplo propósito: significava uma grande relativização da presença dos EUA sobre o cenário doméstico, a reconhecer-se que em diferentes momentos da história contemporânea brasileira essa presença havia contribuído para desestabilizar dinâmicas democráticas e, paralelamente, indicava para os setores favoráveis à liberalização que o regime efetivamente democratizava-se, tanto que já era aceito por democracias tradicionais”. O bom clima política para a cooperação continuou até 1975, quando atingiu seu zênite, com a celebração do acordo nuclear53. A despeito da declaração de se evitar a proliferação de armas nucleares, ambos compartilhavam da noção de que os países deveriam ter acesso ilimitado e nas mesmas condições à pesquisa, desenvolvimento e utilização da energia nuclear para fins pacíficos. Essa percepção demonstra o caráter inovador da iniciativa54, como evidencia Lohbauer (LOHBAUER, 2000: pp.48-49): “Já que não havia diferença técnica entre objetivos pacíficos e militares, estava claro que havia um claro interesse estratégico bilateral. Brandt acentuou que o acordo não só era importante para o futuro dos dois povos, mas também para o futuro das relações entre nações industrializadas desenvolvidas e nações em desenvolvimento.” A complexidade dessa relação envolveu diretamente os Estados Unidos. Antes de negociar com os alemães, os brasileiros procuraram os estadunidenses para a parceria nuclear. Apesar do acordo com a empresa responsável pela transferência de tecnologia, o negócio foi vetado pelo Congresso norte-americano. A atitude irritou os brasileiros e consolidou sua opção pelos europeus, o que chamou a atenção dos formuladores de política nos EUA, bem como azedou as relações do Brasil com seu vizinho do Norte. A pressão de Washington tanto sobre Brasília quanto sobre Bonn resultou na criação de um eixo Washington-Brasília-Bonn, no qual enquanto alemães e brasileiros negociavam, os estadunidenses supervisionavam, uma vez que vetar o acordo não estava mais entre suas 53 O Acordo Nuclear Brasil-Alemanha foi assinado em 1975 por Brasil e Alemanha, que envolvia a empresa KWU, do grupo Siemens, e a Eletronuclear do Brasil, que firmaram a construção de 8 reatores nucleares, dos quais apenas dois foram concluídos até o presente momento, mais de 40 anos de celebração do negócio. 54 Configurava o início de um novo tipo de relações externas baseado na interdependência horizontal, com a transferência de tecnologia sofisticada de um país desenvolvido para um país em desenvolvimento, distinto do modelo dominante nas relações Norte-Sul, exemplo perfeito de cooperação bilateral a que chegaram Brasil e RFA, configurando a possibilidade de se estabelecer uma identidade de interesses, ainda que provisória, entre países com estágios diferentes de desenvolvimento. 49 capacidades de pressão. Assim, Lohbauer resume essa complexa inter-relação (LOHBAUER, 2000: p.65): “O Acordo mostrou os diferentes interesses e prioridades das políticas nucleares dos norte-americanos, alemães e brasileiros, e refletiu seus diferentes papéis no sistema internacional: uma potência nuclear (EUA), um país industrializado e exportador de tecnologia nuclear (RFA), e um país em desenvolvimento importador de tecnologia (BRA).” A magnitude do acordo e sua significação simbólica extrapolavam a margem de manobra concedida. As constantes intervenções dos Estados Unidos e sua influência sobre os dois países envolvidos tornavam a efetivação das ambições ainda mais árduas e contraditórias. Mesmo em relação aos ganhos mais imediatos, os interesses de alemães e brasileiros na parceria divergiam (LOHBAUER, 2000: p. 71): “A RFA poria a realização de um negócio bilionário acima de outros interesses, e o Brasil, por sua vez, na busca de independência energética, prestígio, tecnologia e desenvolvimento, faria o acordo a qualquer custo.” Ainda que interesses comerciais e geopolíticos se confundissem, haja vista que a motivação da RFA para o acordo não era estritamente comercial, a diplomacia alemã demonstrava um pragmatismo maior do que a brasileira, uma vez que as reações das sociedades mostravam-se distintas em relação ao concerto. Enquanto que a brasileira festejava a aparente autonomia no que tange à influência norte-americana, a alemã opunha-se ceticamente, temendo abalos na parceria atlântica (LOHBAUER, 2000: p.125): “Desde o Acordo Nuclear teuto-brasileiro de 1975, ficou claro para a RFA que, apesar de todos os esforços econômicos, o espaço de atuação política na América Latina era bem reduzido. A RFA não estava disposta a enfrentar os custos que decisões de política externa contra interesses dos EUA no subcontinente poderiam provocar.” Justificado para a opinião pública mundial pelo seu lado comercial, o acordo foi firmado, porém com efeitos de longo prazo, que, no desenrolar histórico, não se sustentaram. A necessidade de firmá-lo, contudo era premente para as pretensões internacionais da Alemanha, que buscava inserir-se como uma ponte entre o Norte e o Sul. Nesse aspecto, há o claro reconhecimento do caráter estratégico da relação também pelo governo alemão (LOHBAUER, 2000: p.81): 50 “Contra todas as resistências, o governo alemão mantinha o negócio atômico que lhe assegurava mais de 10 bilhões de marcos. Em outras transações desse gênero com outros países industrializados, Bonn decidiu desistir dos compromissos. Mas, com o Brasil, os alemães tinham uma parceria bastante favorável que poderia render mais vantagens, já que o Brasil ampliava suas relações com o Terceiro Mundo. Isso fazia com que o governo alemão tivesse grande interesse em manter relações cada vez mais próximas com Brasília, numa clara demonstração de Realpolitik.” O discurso diplomático55 atestava a cooperação teuto-brasileira como um modelo de sucesso para as relações entre um país industrializado e uma nação do Terceiro Mundo em rápido crescimento, e que no futuro próximo poderia assumir uma posição de liderança internacional, o que pavimentou entendimentos políticos relevantes, consubstanciados nas visitas presidenciais de Ernesto Geisel e de João Figueiredo à Alemanha e de Helmut Schmidt ao Brasil. Com o tempo e a inércia e dubiedade alemã, as ilusões dos brasileiros de encontrar um eixo de poder alternativo desapareciam e as críticas começaram a emergir (LOHBAUER, 2000: p.123): “Embora a opção europeia pudesse ter sido utilizada em casos ou negócios isolados como um útil instrumento para manifestar emancipação frente aos Estados Unidos (especialmente no caso do Brasil), os latino-americanos não tinham a sensação de que vinham ao encontro de suas expectativas. A crítica latinoamericana estava baseada no argumento de que a Europa Ocidental estava fortemente ligada à coalizão dos países industrializados e tão dependente da política externa norte-americana que os latino-americanos não podiam esperar muito dos europeus para mudar as regras do jogo no sistema internacional.” Assim, o restante de horizonte fértil para futuras iniciativas bilaterais, que ainda resistia, dissipou-se com os acontecimentos na esfera internacional, sobretudo a partir da retomada da hegemonia estadunidense por meio da afirmação de seu poderio financeiro, com o Choque de Juros de 197956 e com a Diplomacia do Dólar Forte57. 55 O Pragmatismo Responsável e Ecumênico foi a linha de atuação diplomática que marcou o governo Geisel, caracterizada por um distanciamento pragmático em relação aos Estados Unidos e pela diversificação de parcerias internacionais. Suas linhas gerais, de autonomia e desvinculação a barreiras ideológicas, também conformaria da Diplomacia Universalista, do governo Figueiredo. 56 Choque de Juros refere-se à elevação das taxas de juros em 1979 pelo recém-empossado presidente do Fed, Paul Volker. É uma das medidas tomadas na lógica da Diplomacia do Dólar Forte que designava a estratégia dos EUA de retomada de sua hegemonia por meio da afirmação de seu poderio monetário e financeiro. 51 A cooperação estratégica durou enquanto a configuração internacional permitiu. A partir do momento de elevação dos juros e da imposição de abertura dos mercados internos e da desregulamentação financeira, os países entraram em uma fase recessiva atrelado ao baixo crescimento interno. Portanto, essa maior margem de manobra diplomática deveu-se notadamente ao contexto internacional, que permitiu a autonomia de escolha de parcerias e a cooperação estratégica entre alguns países. O exemplo do incremento dos vínculos bilaterais entre Brasil e Alemanha dessa época é bastante ilustrativo, uma vez que, desde o final da década de 1960 e durante a década de 1970 até a retomada da hegemonia americana, os países celebraram acordos em áreas basilares do desenvolvimento nacional, como ciência, tecnologia, infraestrutura e fortalecimento nuclear. Em virtude do reconhecimento mútuo de alternativas de incremento da projeção de poder das nações ante o poder hegemônico, essa fase pode ser considerada como o segundo ciclo das relações estratégicas entre Brasil e Alemanha. Os anos de 1970 pareciam ter encerrado o período de Pax Americana devido à grande incerteza do futuro e da grande expectativa da ascensão japonesa. A configuração mundial encontrava-se em mais uma fase de explosão expansiva que, ao contrário do que defendiam os especialistas, não viria a significar o ocaso, mas a restauração fortalecida do poder americano. O fato de ter sido o próprio hegemon o responsável pela desconstituição do sistema por ele configurado pode ser explicado pela leitura que Fiori confere ao sistema interestatal. A base teórica utilizada para explicar a contínua busca das nações pela imposição e pela sobrevivência de seu projeto hegemônico dentro do sistema-mundo é a teoria do universo em expansão (FIORI, 2009: p.334), que aborda a questão do poder como elemento central na convivência entre os Estados: “O conceito de poder político tem mais a ver com a ideia de fluxo do que com a de estoque. O exercício do poder requer instrumentos materiais e ideológicos, mas o essencial é que o poder é uma relação social assimétrica indissolúvel, que só existe quando é exercido; e para ser exercido, precisa se reproduzir e acumular constantemente. A conquista, como disse Maquiavel, é o ato fundador que instaura e acumula o poder, e ninguém pode conquistar nada sem ter poder, e sem ter mais poder do que o conquistado. Num mundo em que todos tivessem o mesmo poder, não haveria poder.” 57 Consideramos como parte dessa estratégia não apenas a valorização da moeda norte-americana, mas também os acordos internacionais que forçaram a valorização de outras moedas e a estratégia da globalização, de abertura financeira e comercial dos mercados nacionais ao capital especulativo estrangeiro. 52 Por isso, na busca pela acumulação de poder está inserido o elemento da pressão interestatal competitiva, que move as ações estatais, sobretudo das potências líderes, a quem interessa a expansão contínua sobre territórios que considerem periféricos (FIORI, 2008: pp.29-30): “Na relação entre os Estados nacionais, como antes, a mera preservação da existência social exige uma expansão constante do poder, porque, na livre competição, quem não sobe, cai. Ou seja, no sistema interestatal, toda grande potência está obrigada a seguir expandindo seu poder, mesmo que seja em períodos de paz, e se possível, até o limite do monopólio do poder absoluto e global (...).Se esta competição desaparecesse, as potências “líderes” ou “hegemônicas” também perderiam força, como todos os demais Estados, e todo sistema mundial se desorganizaria, entrando em estado de homogeneização entrópica.” Com o intuito de retomar as rédeas do poder mundial, após um curto período de instabilidades, os Estados Unidos empreendem uma estratégia de resgate e reafirmação da hegemonia por meio de seu poderio financeiro, haja vista o crescimento de uma nova correlação de interesses internos. Nesse momento, antes do fim do governo Carter, considerado pelos analistas fraco politicamente, ainda em 1979, Paul Volker assume a cadeira do Federal Reserve, dando nova guinada às pretensões imperiais estadunidenses, com o Choque de Juros. Nessa manobra, as taxas de juros nominais e reais atingiram níveis sem precedentes, acompanhadas por um discurso de fomento às inovações financeiras e à desregulamentação, que predominaria na década de 1980. Com esta política, a bolha de preços de commodities e a inflação internacional, que afetavam a economia internacional, foram debeladas. Os EUA, em sua estratégia de restauração liberal-conservadora, retomam progressivamente o controle do sistema monetáriofinanceiro internacional, surgindo um novo sistema financeiro internacional, que, posteriormente ficaria conhecido como dólar flexível (SERRANO, 2008). A particularidade desse novo padrão reside no fim de duas limitações que tanto o padrão ouro-libra, quanto o ouro-dólar impunham aos países que emitiam a moeda chave, a necessidade de manter o câmbio fixo, para que se evitasse a fuga para o ouro e os consequentes déficits na conta corrente, e a possibilidade de incorrer em déficits globais na balança de pagamentos e financiá-los com ativos denominados em sua própria moeda como nos outros padrões anteriormente citados. Ademais, a ausência de conversibilidade em ouro dá ao dólar a liberdade de variar por sua iniciativa unilateral a paridade em relação às moedas 53 dos outros países conforme sua conveniência, por meio de mudanças nas taxas de juros americanas. Medeiros e Serrano detalham e resumem a lógica do novo sistema financeiro mundial, vejamos (MEDEIROS e SERRANO, 1999: p.): “(...) o novo padrão dólar flexível é inteiramente fiduciário, baseado na premissa de que um dólar “is as good as one dollar”, premissa ancorada no poder do Estado e da economia americana no mundo unipolar pós-guerra fria . O dólar é o meio de pagamento internacional, a unidade de conta nos contratos e nos preços dos mercados internacionais e também naturalmente a principal reserva de valor. Flutuações na paridade do dólar com as outras moedas têm efeito apenas nas outras moedas que perdem competitividade quando se valorizam e sofrem pressões inflacionárias quando se desvalorizam em relação ao dólar. A liberdade para fazer flutuar o dólar é assim uma das vantagens do padrão dólar flexível permitindo que os EUA não “tenha” que perder competitividade real em nome da manutenção de sua preeminência financeira. A outra vantagem para os EUA da ausência de conversibilidade em ouro é a eliminação completa da sua restrição externa. Agora os EUA podem incorrer também em déficits em conta corrente permanentes sem precisar se preocupar com o fato de que seu passivo externo líquido está aumentando uma vez que este passivo “externo” é composto de obrigações denominadas na própria moeda americana e não conversíveis em mais nada(...)” A violenta valorização do dólar permitiu a ascensão do discurso acerca da globalização e do keynesianismo militar de Ronald Reagan, eleito em 1980, que contraditoriamente, protegia seu mercado intestino enquanto forçava a liberalização dos outros. A nova estratégia americana tinha por objetivos explícitos: vencer a Guerra Fria, enquadrar os países aliados e retomar a liderança do bloco capitalista. Ademais, propunha-se a reduzir gastos sociais e combater os sindicatos, bem como visava a controlar os organismos internacionais como o FMI, BIRD e a própria ONU de forma mais adequada aos interesses americanos enfraquecendo as tendências multilateralistas ou até terceiro-mundistas que ganharam alguma força nos turbulentos anos 1970. Os países, envolvidos na esfera de influência americana, buscavam alternativas para a sobrevivência no sistema mundial. Os europeus, ainda em 1979, através da serpente monetária, atrelavam as moedas nacionais ao marco alemão, tentando recuperar a pujança de seu mercado comum. 54 Contudo, os acordos de Plaza, em 1985, e do Louvre, em 1987, permitiram a desvalorização do dólar, ao pregar a liberalização monetária, ou seja, o Estado deveria absterse de manter a moeda desvalorizada, deixando-a flutuar ao sabor do mercado. Com isso, os concorrentes diretos dos americanos, Japão e Alemanha foram impelidos a executar um ajuste recessivo de sua economia para segurar o impacto da elevação dos juros e a valorizar suas moedas, quando os EUA ambicionavam ganhar competitividade no comércio internacional. Ficou provado, assim, que ambos não eram ameaça à liderança americana, mas sim componentes do sistema. No que tange à estratégia financeira, o FED, ainda, passou a controlar os bancos domésticos e aqueles pertencentes ao sistema bancário privado internacional. Dessa forma, os bancos transnacionais migraram da City londrina para Wall Street, coroando Nova York como o novo centro financeiro do mundo. Simultaneamente, passaram a bancar o déficit fiscal do hegemon. Os títulos da dívida pública americana, devido à alta liquidez e à valorização, canalizaram o movimento bancário para os EUA. O equilíbrio global do sistema passou a ser feito em cima do déficit público dos americanos, apesar das resistências à políticas econômicas ortodoxas pelos demais países. Estes foram obrigados a praticar políticas monetárias e fiscais restritivas e a obter superávits comerciais para compensar a situação deficitária global dos ianques. Isso esterilizou o crescimento endógeno e transformou a dívida pública em déficits financeiros estruturais. A partir de 1985, com a recuperação americana, seguida da abertura comercial, funcionando como a locomotiva do mundo, diversos países já conseguiam demonstrar sinais positivos, especialmente os países OCDE e os do leste da Ásia. Neste lugar surgiram novas praças financeiras, o que facilitou o movimento das trading companies japonesas e a migração do capital para a China. A política macroeconômica de corte deflacionista somada aos juros altos que gerou a forte recessão mundial, conhecida como Diplomacia do Dólar Forte, marcou a retomada da hegemonia americana no cenário global. O hegemon enquadrava seus adversários e voltava a ditar as regras do jogo de poder mundial. Com as rédeas do poder global novamente assegurada, os EUA puderam continuar a exercer a coordenação do mundo, com base em sua política expansionista, causando “ordem e desordem ao sistema mundo” (FIORI, 2008). Movido pela crença neoliberal, o governo Reagan adotou a dupla estratégia de aniquilamento da competição comercial e ideológica que o país travava com outras potências 55 do globo. Na parte política, fomentou uma nova corrida militar, inaugurando o que muitos vieram a denominar Segunda Guerra Fria (SARAIVA, 2008). Pelo lado econômico, impôs aos integrantes do sistema financeiro mundial a total desregulamentação dos mercados financeiros e a abertura comercial como caminho da salvação rumo à prosperidade coletiva, através de um discurso de mundo globalizado “sem fronteiras”. A ideologia neoliberal da globalização financeira capitaneada por Ronald Reagan e Margareth Thatcher foi apregoada como única saída possível, a âncora de salvação. De acordo com princípios neoliberais, iniciou-se a desregulamentação dos principais mercados de capitais, a começar pela City londrina, em 1986, que ficou conhecido como “Big Bang” (HELLEINER, 1994). A liberalização financeira proporcionou o veloz desenvolvimento de novos instrumentos no mercado de capitais, que multiplicavam a riqueza financeira, o que contribuiu para a difusão rápida da doutrina globalizante. Com o exercício da Diplomacia do Dólar Forte ficou evidente que o papel de hegemon que os EUA assumiram no pós- 2° Guerra Mundial, com o objetivo de fomentar o comércio internacional e garantir a segurança e harmonia do sistema mundo, foi alterado. A potência norte-americana, prevendo sua derrocada, passou a praticar a hegemonia maléfica, em prol de seus interesses e em detrimento dos princípios internacionais. Além da força cambial, os EUA utilizaram diversos movimentos geoestratégicos para neutralizar seus rivais. Ao retomarem o projeto Nixon-Kissinger, que havia perdido fôlego após Watergate, de firmar uma diplomacia triangular na Ásia, aproximando-se da China, como contrapeso ao crescente poderio japonês e como forma de inflamar as divergências dentro do bloco socialista, afetando a URSS, resgataram um importante ator das relações internacionais. O estreitamento Pequim-Washington renovou o convite ao desenvolvimento da China que aproveitou suas potencialidades para ascender, ainda que dentro dos limites do sistema. Em relação aos soviéticos, a pressão foi sentida na corrida armamentista, voltada ao desenvolvimento de novas tecnologias. A rapidez e a dinamicidade das mudanças, aliadas com a supressão dos direitos sociais nos EUA, fez com que o regime socialista não conseguisse acompanhar o ritmo e, devido a deterioração de divergências internas, implodisse. Ao início da década de 1990, com o passar do tempo a estratégia imperialista de Reagan mostrou-se deveras eficiente, se considerado o objetivo expansionista doméstico, o 56 que abria espaço para uma nova disposição do poder mundial, desenhado a partir do definhamento soviético e do triunfo do discurso neoliberal. Os desdobramentos da estratégia bidirecional dos EUA, geoeconômica e geopolítica, nas décadas seguintes corroboraram o pensamento de Tavares (TAVARES, 1985), cuja originalidade reside na comparação com a forma como a Inglaterra, então país hegemônico, debelou a crise dos anos de 1870. A resposta dada pelos britânicos assemelha-se muito àquela dos americanos um século depois, qual seja, a reafirmação da supremacia passou pela imposição do poder de sua moeda e de seu capital financeiro, que reverberou efeitos em todo o mundo, principalmente em seus concorrentes convidados, como a Alemanha. O Choque de Juros de 1979 e a valorização compulsória do marco alemão em meados dos anos de 1980, aliada à forçada desregulamentação financeira, arrefeceu o ímpeto comercial alemão e restringiu sua área de influência ao continente europeu, além de minar as bases do Estado de bem-estar social do pós-guerra, como bem sintetiza Carlos Medeiros (MEDEIROS, 2004: pp.139-140): “A retomada da política hegemônica do dólar no início dos anos 80 interrompeu as possibilidades de se construir em colaboração com os principais países industrializados, alternativas monetárias a um dólar enfraquecido. A estratégia de enquadramento dos aliados e das moedas rivais se deu como reação ao extraordinário sucesso industrial e exportador da Alemanha e do Japão e da contestação do dólar enquanto moeda internacional que caracterizaram a economia mundial no final dos anos 70. A iniciativa norte-americana de retomada da hegemonia econômica e ideológica nas relações internacionais afirmou-se, também, como uma ampla ofensiva interna liderada pelos EUA e Inglaterra contra os sindicatos, o Estado de Bem-Estar, o excesso de democracia, interrompendo o crescimento compartilhado típico do keynesianismo social que caracterizou o capitalismo industrial no pós-guerra.” Essa reafirmação hegemônica por meio de estratégias geopolíticas e geoeconômicas de reestruturação do sistema alterou não apenas as diretrizes das políticas econômicas internas nos países, como também o curso da configuração internacional. Desde a afirmação monetária dos anos 80, de um padrão monetário baseado no dólar flutuante, a economia mundial vem registrando dois movimentos distintos. Enquanto que há um movimento geral caracterizado por baixas taxas de crescimento, decorrentes em grande medida da longa recessão japonesa e do baixo crescimento da Alemanha e da Europa Ocidental; há um movimento particular marcado por elevadas taxas de crescimento nos países asiáticos integrados à divisão 57 internacional do trabalho liderada pelos EUA, numa relação de complementaridade que fornece as bases para um sistema internacional monetário sem lastro metálico, o dólarflexível. Medeiros discute com propriedade a arquitetura desse sistema financeiramente desregulado, voltado ao incessante combate à inflação em detrimento das altas taxas de crescimento interno dos países (MEDEIROS, 2004: p.142): “Observa-se assim que, no padrão monetário baseado no dólar flutuante e sob um regime de ampla liberdade dos fluxos de capitais, os esforços de contenção dos efeitos altamente instáveis da flutuação do câmbio sobre a economia e sobre a posição patrimonial das empresas têm levado a uma política econômica obcecada com a inflação aprisionando a taxa nominal de juros e a política fiscal na função essencial de controle das flutuações cambiais.” Preocupado com a estabilidade monetária, após os Acordos de Plaza e do Louvre, Jacques Delors, o então comissário dos europeus, elabora o Ato Único Europeu, no qual firma as bases para uma moeda comum para a zona europeia, configurada em 1992 pelo Tratado de Maastricht. Acreditava que uma política macroeconômica unificada poderia fortalecer a posição dos europeus no contexto de poder americano, sem, no entanto, refutar os princípios basilares do neoliberalismo. Isso fez com que a coordenação macroeconômica adotasse práticas deflacionistas, que favoreceram o mercado intraeuropeu, porém, deteriorando suas pretensões internacionais. Esse fenômeno é conhecido com internacionalização conflituosa, na qual o estado nacional cede ou perde o controle de sua política econômica em promover o crescimento articulado da economia nacional, como delineia Medeiros (MEDEIROS, 2004: pp. 143-144): “Assim, a diluição de territórios monetários na ordem liderada pelos EUA e pelo dólar introduz duas questões que se articulam: a subordinação da política macroeconômica à restrição externa, o conflito de interesses entre frações de capital, e a vulnerabilidade a instâncias de poder, independentes do estado nacional.” Nessa nova engenharia econômica internacional, a estratégia norte-americana diminuiu a importância econômica relativa, da Alemanha e do Japão, ao associar-se com a economia chinesa, o que contribuiu para transformar a Ásia no principal centro de acumulação capitalista do mundo, e contribuiu também para transformar a China numa 58 economia nacional com poder de gravitação sobre a economia mundial. Essa nova geoeconomia internacional, e seu imenso potencial de crescimento, aumentaram a intensidade da competição intercapitalista. Em meio à elevação da pressão competitiva, o Brasil, na condição de liderança regional e periferia mundial, foi dragado pelos efeitos da nova estratégia estadunidense, devido, em grande parte, a seu modelo de crescimento calcado no investimento estrangeiro. No momento em que o crédito internacional minguou, o país foi à bancarrota. Os Choques do Petróleo, matéria prima fundamental no crescimento doméstico, e o Choque de Juros, que levou os juros da dívida externa a níveis estratosféricos, minaram o progresso econômico do país na década de 1980 e início de 1990 e a estratégia desenvolvimentista nacional, que, a despeito de sístoles e diástoles, durou quase 60 anos. Os efeitos dessa postura neoconservadora, após o Choque dos Juros de 1979, da política estadunidense foram nefastos para os outros países. O mundo entra em recessão em 1983 e muitos bancos vão à bancarrota. Com isso, o volume de empréstimos e investimento direto estrangeiro cai drasticamente nos países do Terceiro Mundo, o que leva sua dívida externa à estratosfera. Isso transformou, por exemplo, o santo milagreiro da economia brasileira, o investimento externo, no diabo que demonizou as finanças nacionais. A derrocada dos preços das commodities no mercado internacional ocasiona na deterioração dos meios de trocas, afetando profundamente os países periféricos. A crise de liquidez mundial obriga os países latino-americanos a sucessivas desvalorizações cambiais com vistas ao pagamento dos juros da dívida externa. Ao invés de tentar reverter essa disparidade, o governo Reagan colabora para o agravamento das consequências ao praticar uma política de proteção comercial. Os periféricos, como na América Latina, após a moratória da dívida externa dos brasileiros em 1987, somente conseguiram sair da débâcle econômico em meados dos anos 90. Isto é, toda década de 80 e início de 90 foi considerada perdida em termos de desenvolvimento. Essa nova engenharia financeira internacional mascarada pelo aludido processo de globalização, que nada mais foi do que o alargamento do espaço supraeconômico do poder hegemônico, fortaleceu os movimentos de desenvolvimento associado, resgatando projetos neoliberais, como saída à crise econômica, que oportunamente foi vinculada ao definhamento do modelo do Estado de bem-estar social. Os países dessas zonas periféricas buscavam uma saída imediata para a estagnação da década anterior. Isso fez ganhar coesão o discurso neoliberal, avesso ao desgastado modelo 59 desenvolvimentista. De fato, a partir do início dos anos 1990, retoma-se a expansão acelerada de fluxos de capitais, devido aos baixos juros nos EUA, para a periferia, que a despeito de inúmeras crises, mantém-se com grandes flutuações durante toda a década. Esse retorno dos investimentos foi viabilizado pela abertura promovida pela ascensão dos liberais ao poder, que compeliu os Estados nacionais a adotarem as regras do remédio imposto pelos estadunidenses, o Consenso de Washington. O documento sustentava a premente necessidade da adoção de uma política econômica ortodoxa, na qual foram suprimidos aos entraves à livre circulação do capital estrangeiro especulativo. Sucessivas bolhas especulativas e crises bancárias com assaltos cambiais direcionados indistintamente contra países de moedas forte ou fracas, começaram a mostrar a verdadeira face da abertura de mercados, atingindo, sobretudo, os emergentes México, Tigres Asiáticos, Rússia, Brasil e Argentina. Logo, percebe-se que as assimetrias promovidas pela globalização financeira influenciaram diversas áreas, potencializando a concorrência desleal, a concentração de renda e a centralização de poder. Ocorreu, de fato, a nacionalização do plano internacional nos moldes americanos e não a apregoada internacionalização dos espaços nacionais. Nesse aspecto, Fiori destaca a centralidade do papel do Estado no sistema e a relação simbiótica que aquele estabelece com o capital interno, formando as economias nacionais, que ao se expandirem, impõem ao sistema sua lógica. Dessa forma, percebe-se que a globalização dos mercados não é nenhuma inovação histórica, mas a continuação de um modelo histórico de dominação mundial (FIORI, 2008: pp. 31-32): “Desde o início do sistema mundial moderno, o expansionismo dos Estados líderes teve um papel decisivo no desenvolvimento de suas economias nacionais, e vice-versa. O impulso conquistador desses Estados impediu que seus mercados locais se fechassem sobre si mesmos e alargou suas fronteiras, com a inclusão de outras economias no seu território econômico supranancional, ao mesmo tempo que foi criando oportunidades monopólicas para a realização dos lucros extraordinários que movem o capitalismo.58 Neste novo sistema interestatal manteve-se- num patamar muito mais elevado- a mesma relação virtuosa que já existia na Europa no século XIII e XIV, entre acumulação do poder, as guerras, o aumento contínuo da produtividade e do excedente econômico; e entre as guerras, as dívidas públicas, os sistemas de crédito e a multiplicação do capital financeiro.” 58 “Desses grandes lucros derivam as consideráveis acumulações de capitais, tanto assim que o comércio à distância se reparte apenas entre poucas mãos(...) só os grandes comerciantes praticam e concentram em suas mãos lucros anormais.” (BRAUDEL apud FIORI, 2008: p. 49) 60 O matrimônio entre Estado e finanças apregoado na teoria de Fiori ratifica a percepção de Bukharin, que enxergava na corrida imperialista uma forma de internacionalização do organismo nacional (FIORI, 2008: pp. 32-33): “Desde o início do novo sistema interestatal até hoje, a expansão competitiva de seus Estados-economias nacionais criou impérios e internacionalizou a economia capitalista, mas nem os impérios nem o capital internacional eliminaram os Estados e as economias nacionais.(...) Nesse sentido, pode-se afirmar que não existe capital nem capitalismo sem a mediação nacional do poder, do território e da moeda, ou seja, não existe capital em geral; existem sempre capitais nacionais que se internacionalizam sem perder seu vínculo e sua referência com alguma moeda nacional ou soberana. E através da história, todas as moedas internacionais foram sempre as moedas nacionais dos Estados vencedores. Por isto, pode-se dizer que existe uma hierarquia de moedas que corresponde, mais ou menos, à hierarquia de poder dos seus Estados emissores.” 4. Considerações finais: a base histórica da cooperação e a trajetória internacional de cada país A contextualização histórica dos dois ciclos, nos quais o sentido estratégico da relação ficou mais evidente, é fundamental para a compreensão do atual estágio do relacionamento bilateral entre Brasil e Alemanha. Países de processos de constituição distintos e posições internacionais semelhantes no tardio surgimento, porém, completamente díspares na forma de inserção no sistema político moderno, montado pelas economias-nacionais europeias expansivas do século XVI. Enquanto a Alemanha emergiu em um contexto altamente competitivo e conectado às principais ligações comerciais do mundo, o Brasil surge em uma área de fronteira do sistema, sobre a qual as grandes máquinas de acumulação europeias exerciam sua influência e sua exploração, e que mesmo quando independente politicamente não passou por guerras sistêmicas que acirrassem a pressão competitiva interestatal, como ocorreu no âmbito europeu. Similares na condição de não hegemônicas, ambas buscaram a liderança regional, coladas nas estruturas sistêmicas pré-determinadas, e por meio de parcerias internacionais objetivaram a consolidação de seu status em sua área de influência e uma maior autonomia em sua inserção externa. 61 Dissonantes no posicionamento na divisão internacional do trabalho e na balança de poder mundial, pois os germânicos ocupavam lugar central, enquanto os brasileiros, assento periférico. A aproximação entre os dois Estados, com a contribuição dos laços históricos, sociais e culturais, é reconhecidamente repleta de complementaridade e foi tentada, sempre que as brechas sistêmicas permitiram. Os dois primeiros ciclos são evidências dessa dinâmica. O primeiro, datado nos anos 1930, quando se havia um vácuo hegemônico, uma vez que, a despeito de possuir a liderança econômica, os Estados Unidos ainda não eram reconhecidos pela comunidade internacional como hegemônico. A efetividade das relações durou até a eclosão do conflito sistêmico, com a adoção de uma postura pragmática da diplomacia brasileira. O segundo, marcado pela intensificação dos laços principalmente na década de 1970, ocorreu devido ao aumento da pressão competitiva no sistema gerado pelas débâcles americanas e pela implosão da ordem do pós-guerra, que levaram ao constante questionamento da vitalidade hegemônica. Durou até a estratégia de retomada hegemônica jogar o mundo em uma grande crise, para impor seu poder financeiro e geopolítico, o que retraiu as pretensões autonomistas dos Estados. Esse movimento de aumento da pressão interestatal e o consequente rompimento da estrutura de Bretton Woods desordenaram o sistema, levando-o a expandir-se para outras áreas, como para a Ásia, com o acordo sino-americano e a emergência econômica do Japão e dos Tigres Asiáticos. A agressiva e imperialista reação estadunidense a seu declínio relativo surtiu efeitos catastróficos em algumas áreas do globo e atingiu seu ápice com sua vitória na Guerra Fria durante os anos de 1990. Durante esse decênio, os Estados Unidos conseguiram uma enorme expansão de sua influência, o que deu margem para, na década seguinte, a vitória interna de um projeto explicitamente imperialista, voltada a moldar o sistema-mundo unilateralmente. Por outro lado, a crescente insatisfação com os desiguais impactos da globalização e os fracassos do militarismo estadunidense expuseram os limites do unilateralismo. Simultaneamente, as conseqüências dos arranjos geopolíticos dos anos 1970 emergiram com o robusto crescimento de China e Índia, que impulsionaram novamente a economia mundial. Nesse cenário, os espaços de manobra dos países alargaram-se, dando início a alterações na configuração interestatal. 62 Aproveitando mais uma vez a margem de discricionariedade, Brasil e Alemanha, a partir de meados dos anos 2000, renovaram sua parceria, sob a égide estratégica, reiniciando um novo ciclo geopolítico das relações bilaterais. Diante dessa análise da trajetória de Brasil e de Alemanha dentro da releitura da evolução do sistema interestatal capitalista, por meio do prisma da economia política internacional, é imperioso avançar a pesquisa para o nível micro da problemática. 63 Capítulo 2. O terceiro ciclo das relações bilaterais 2003-2010 Considerações Iniciais Diante da contextualização histórica da trajetória de Brasil e Alemanha, bem como de seus dois ciclos estratégicos bilaterais anteriores, cabe à presente dissertação discutir os aspectos que compõem o atual sentido dessa relação, no estágio, que é considerado nessa pesquisa, de terceira fase estratégica. O período em questão abarca o início do primeiro governo Lula até o ano de 2010. A intenção deste capítulo é demonstrar que, devido às circunstâncias hodiernas do sistema internacional, Brasil e Alemanha adquiriram maior margem de manobra e dela aproveitam-se, para fomentar uma parceria binacional que extrapole o âmbito estritamente comercial, atingindo áreas estratégicas, assim como ocorreu em momentos anteriores da relação, identificados como primeiro e segundo ciclos. Com o escopo de atestar essa renovada disposição dos dois governos nacionais em cooperar, serão expostos dados e acordos que corroboram a perspectiva positiva que envolve a aproximação recente. Ademais, nessa parte ficará mais evidente o entendimento da pesquisa acerca do conceito de estratégia, que dentro da percepção da Economia Política Internacional, em muito se assemelha, confundindo-se, por vezes, como a noção da geopolítica, estando intimamente vinculada à ideia de desenvolvimento econômico. Como o progresso econômico nacional vincula-se ao incremento tecnológico, o acordo bilateral celebrado em 1969 sobre ciência e tecnologia entre Brasil e Alemanha ganha significado especial. Principalmente no tocante ao interesse de sua retomada e aperfeiçoamento, com o estreitamento das parcerias por meio do Ano Brasil-Alemanha de Ciência e Tecnologia, firmado para comemorar os 40 anos de seu instrumento pioneiro. Esse interesse mútuo em cooperação bilateral não é novidade, o elemento que se destaca, no entanto, é o engajamento do lado alemão em transbordar as áreas tradicionais dos laços históricos. Esta disposição relaciona-se com a presente situação política e econômica da Alemanha. O que é imperioso ressaltar não é o desempenho econômico dos alemães durante o período de expansão da liquidez mundial, mas sua performance durante a crise financeira de 2008 e os nefastos efeitos que a débâcle gerou para seus indicadores socioeconômicos, o que garante uma melhor compreensão de sua posição no cenário interestatal. Ao mesmo tempo em que o credit cruch afetou a Alemanha, também atingiu a economia brasileira, que demonstrou uma reação exitosa à crise, fortalecendo ainda mais sua 64 inserção internacional como potência emergente, pretensão que é aventada devido aos atuais indicadores socioeconômicos brasileiros. Assim, tendo em vista as particularidades de cada país, não restam dúvidas da grande potencialidade da parceria binacional, que apresenta vantagens para ambos os lados. Brasil e Alemanha apresentam-se como terrenos férteis para a consecução de seus objetivos internos, bem como para suas ambições na política internacional. Disto decorre o promissor horizonte de perspectivas, cuja efetivação ainda é incerta, visto que ressona efeitos em longo prazo e depende, em larga medida, dos rumos que o sistema interestatal possa tomar. O importante é notar que as iniciativas são constantemente lançadas e nelas é manifestada a vontade política, o que, para as relações internacionais, já representa grande esforço e um passo fundamental rumo à sua concretização. 1. O terceiro ciclo: motivos para o sentido estratégico Para que um determinado lapso temporal seja considerado um ciclo, sobretudo no sentido estratégico que vem sendo propagado por esta dissertação, é preciso que seja composto tanto por evidências internas quanto externas. Este capítulo tratará dos elementos internos da relação, ou seja, o nível bilateral da cooperação entre Brasil e Alemanha. Com isto, iniciativas e entendimentos políticos serão fundamentais para delinear uma efetiva intensificação dos laços binacionais. Antes de analisarmos os acordos entre as duas sociedades, é imperioso examinar de forma mais detalhada o significado do sentido estratégico para essa pesquisa, responsável por qualificar três períodos específicos do histórico relacionamento. O sentido estratégico envolve uma concepção que extrapola dimensões meramente comerciais, que apenas reproduzem a desigualdade e a injustiça da divisão internacional do trabalho, e que está voltada para o desenvolvimento nacional dos países, cujo progresso é fundamental para a sua inserção no sistema interestatal. Dessa forma, percebe-se que o conceito “estratégico” é composto pela interação dos prismas tanto interno quanto externo. Ademais, essa ideia, em grande medida, assemelha-se e, para as relações internacionais, por vezes, confunde-se com a percepção da geopolítica, que traz para a ciência política a vital noção de espaço. Apesar de sua difusão e incorporação por outros ramos, como o empresarial, por exemplo, essa percepção de estratégia goza de um conteúdo poroso e extremamente maleável. Dentre suas diversas implicações etimológicas, não existe qualquer uniformidade, podendo o 65 mesmo termo referir-se a situações muito diversas. Para conseguirmos delimitá-la, nos afastaremos de sua acepção tradicional militar de tática para introduzir o elemento espacial, constituindo um conceito também militar, mas de cunho mais moderno, o geopolítico. Imbricada na definição de estratégia aparece a ideia do oferecimento de oportunidades que importam ser aproveitadas, ou seja, ganhos, mesmo que em diferentes proporções, podem ser presumidos. Outros elementos implícitos no conceito são a organização em busca de objetivos, que, em geral, demandam maior tempo de maturação e a percepção de que já outros concorrentes, que não serão contemplados pelos benefícios do projeto, pelo contrário tenderão a perder relativamente algo. Essa concorrência influi diretamente na elaboração das estratégias, bem como em seu grau de difusão desejável, uma vez que ao observador externo não podem aparecer explicitamente. Sua forma de manifestação reside nas entrelinhas de atitudes, acordos e declarações. O observador pode deduzir das ações passadas os fins e as políticas seguidas, mas dificilmente pode deduzir desse comportamento a estratégia para o futuro. Quando muito pode vislumbrá-la através dos caminhos que observa estarem a ser percorridos. Por este caráter dúbio, que ambiciona revelar-se, embora não em sua essência, a criatividade e o conhecimento de mundo, histórico, político, geográfico, econômico e social, desempenham papel fundamental. Logo, o sentido estratégico envolve uma combinação da ciência política e da geografia, bem como as relações que existem entre a condução da política exterior de um país e o quadro geográfico no qual ela se exerce. Na concepção moderna das relações internacionais, pelo viés da Economia Política Internacional, de matriz realista, a geopolítica está vinculada a três valores inseparáveis, representados pelo triângulo eqüilátero de vértices política, poder e estratégia. Constituem um triângulo indissolúvel de causa e efeitos recíprocos, como ilustra a figura abaixo. Triângulo Geopolítico 66 Desta forma, não se pode ter uma política (almejar a conquista de um objetivo), sem possuir poder para investir (poder, ou mesmo potencial, militar, econômico ou diplomático) e sem se ter uma estratégia que orienta a aplicação inteligente do poder para a conquista do objetivo da política. Nessa interação, a estratégia é o instrumento hábil a potencializar o poder do Estado, o que viabiliza sua busca pela consecução de seus interesses nacionais. O entendimento quanto ao sentido de parcerias estratégicas a ser considerado na presente análise as associa à condição de relacionamento privilegiado, em nível bilateral, para a realização de interesses (não necessariamente comuns), tidos como importantes para consecução de objetivos internos e/ou externos de parte dos Estados que as constituem. Argumenta-se que a construção de parcerias, pelo Brasil, por exemplo, esteve sempre voltada para o acesso a recursos, insumos e oportunidades a serem canalizados para o processo de desenvolvimento, justamente por sua inserção periférica dentro do sistema interestatal, e que, nesse sentido, possui também funcionalidade para o fortalecimento de sua área regional de influência, como o continente sul-americano, uma vez que desfrutam de posição semelhante, ainda que não o seja de forma automática e não exclua o risco de gerar áreas de divergência, assimetrias com seus vizinhos ou mesmo acusações de subimperialismo. A construção de parcerias estratégicas pelo Brasil associa-se, segundo Antônio Carlos Lessa, ao processo de escolha de parceiros preferenciais, no contexto do que ele denomina "universalismo seletivo". Em suas palavras (LESSA, 1998: p.31): "a construção de parcerias estratégicas é fruto da compatibilização da vocação histórica do Brasil para a universalidade com a necessidade de aproximações seletivas, o que abre a possibilidade para movimentos de adaptação aos nichos de oportunidade e aos constrangimentos internacionais que se apresentam conjunturalmente." Por esta razão, universalismo, pragmatismo e o estabelecimento de parcerias estratégicas orientadas por um sentido de flexibilidade e de não exclusão vêm representando, ao longo dos anos, importantes elementos operativos que conferem funcionalidade e adaptabilidade à política externa brasileira frente às mutantes condições do cenário internacional, em suas expressões global, multilateral, regional e sub-regional. Sua construção supõe, ademais, um complexo, que nem sempre é satisfatoriamente alcançado, ajuste de 67 interesses, prioridades e compromissos definidos em distintos eixos e em circunstâncias igualmente diferenciadas. Antônio Carlos Lessa define o complexo conceito de parceria estratégica (LESSA, 1998: p.35): “A construção de parcerias estratégicas pelo Brasil tem assumido, em diferentes contextos, um caráter instrumental para a promoção do desenvolvimento do país, constituindo-se a partir de interesses e oportunidades definidas em cada caso, sem caráter excludente e, portanto, dentro da perspectiva universalista que caracteriza a política externa brasileira. A funcionalidade e o conteúdo dessas alianças não estão definidos de forma estática; pelo contrário, respondem mais às mudanças no contexto interno e externo e ao modelo de desenvolvimento a que servem, e menos a considerações de ordem ideológica e cultural.” Acrescenta ainda a influência do contexto internacional na constituição e na eficácia dos entendimentos (LESSA, 1998: p.35): “Trata-se, portanto, de uma estratégia versátil e orientada por um sentido de oportunidade, de caráter realista e pragmático. Por essa razão, é possível identificar, ao longo da evolução histórica da política externa brasileira, diferentes formas de parcerias definidas segundo a natureza dos interesses em jogo, dos sócios mesmos e das circunstâncias internacionais: aquelas indutoras do desenvolvimento, como as que envolvem os países do Primeiro Mundo; aquelas voltadas para a sustentação do desenvolvimento, como as estabelecidas, sobretudo, com países em desenvolvimento; e formas mistas.” Nesse sentido, a Alemanha representa, para o Brasil, opção de relacionamento que lhe permite, por um lado, aprofundar suas relações com os países industrializados ao mesmo tempo em que afirmava seus esforços de autonomia ante os Estados Unidos; por outro, permitir-lhe-ia ascender a recursos indispensáveis à construção da potência, ainda que regional, e responder aos entraves estruturais tanto os domésticos quanto os postos pelas determinantes sistêmicas contemporâneas. Essa escolha da “alternativa alemã” é desenvolvida a partir de vínculos políticos, econômicos e sócio-culturais pré-existentes, e que conferiam bases para o adensamento das relações bilaterais por meio de arrojadas iniciativas de cooperação. Com a Alemanha, o Brasil mantivera um relacionamento que ultrapassava o intercâmbio comercial, possuindo fortes laços socioculturais, devido à imigração. 68 O acordo bilateral de comércio compensado dos anos de 1930 marcava, dentre outros interesses, uma tentativa de cooptação dos brasileiros, cuja considerável ala política manifestava simpatia à aproximação, para junto da esfera de influência germânica, assim como foi feito com países do centro e do leste europeu. Os ininterruptos vínculos econômicos a partir dos anos 1950 e que se aprofundara ainda mais ao final da década de 1960, quando a Alemanha tornou-se o maior exportador mundial líquido de capitais, já possuíam outro sentido. Nesse momento, o país germânico procurava reinserir-se no contexto internacional, aproveitando os efeitos de seu “milagre econômico”. Esse transbordamento alemão detinha cunho mais comercial e menos resultado de um projeto de Estado, que, então, assumia o papel de “convidado” na ordem de Bretton Woods, na qual era colocado como gigante econômico e anão político. Essa condição não mudou muito, mesmo com o retorno da conotação geopolítica do relacionamento bilateral durante os anos 1970, uma vez que esse ciclo estratégico foi mais uma tentativa pontual e episódica de incremento de poder, devido à aparente fragilidade do poder hegemônico naquele contexto, do que um movimento planejado entre Estados. Em virtude desse espírito, verificou-se sua efemeridade. O retorno dessa intensificação nos anos 1990, novamente iniciando-se pela via econômica, então, incrementada pelas negociações interblocos, não veio a fertilizar acordos estrategicamente mais próximos, os quais somente vieram a ser possíveis com a configuração mundial adquirida pós-anos 2000. Cabe salientar que a funcionalidade das parcerias se estabelece não somente em razão dos objetivos e prioridades da política externa, mas se associa também a aspectos conjunturais que realçam seu valor e favorecem sua implementação. Assim, a parcerias do Brasil com Alemanha pode beneficiar-se de um conjunto de fatores contextuais que lhes conferia operacionalidade: foram estabelecidas na esteira de longo período de crescimento e de afirmação da crescente multipolaridade econômica que, ao lado de outros fatores, lhes permitia, respectivamente, afirmar interesses de maior autonomia relativa frente aos Estados Unidos concomitantemente à busca de um reposicionamento no jogo de poder internacional. A parceria do Brasil com a Alemanha, além do sentido de complementaridade que as orientava, foi também condicionada pelas relações dos dois países com o poder hegemônico, que não estavam desvinculadas das transformações que afetavam o próprio sistema internacional e as bases da hegemonia norte-americana. Essas aproximações estratégicas anteriores, como a atual, são nada mais do que respostas a mudanças sistêmicas e formas 69 parciais pelas quais se procurava avançar interesses, reduzir vulnerabilidades e auferir ganhos relativos. 1.1. O atual estágio do ciclo: fatos bilaterais O marco inaugural dessa nova fase do relacionamento foi configurado com a visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva59 à Alemanha, quatro semanas após ser eleito, em janeiro de 2003. A despeito de não produzir resultados imediatos, a iniciativa teve grande significado político para aproximação, que viria a se tornar efetiva, com uma intensa troca de visitas políticas, a partir da segunda metade da década. Em maio de 2006 o então recém-empossado Ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, fez uma visita oficial ao Brasil e defendeu a intensificação do diálogo da Alemanha com os grandes países emergentes, como Brasil, Índia, África do Sul e China. Em março de 2007 o outrora Presidente Federal Horst Köhler também esteve durante cinco dias no país para uma visita de Estado, na qual classificou o Brasil como membro do cluster de “estados dinâmicos”. No mesmo ano, o Presidente Lula foi convidado e compareceu à reunião do G-8 em Heiligendamm, no norte da Alemanha. Em maio de 2008, a Chanceler Federal Angela Merkel esteve no Brasil, ocasião em que foi assinado o Plano de Ação da parceria estratégica conjunta alemã-brasileira e o novo acordo energético. Além da alta cúpula política, numerosas visitas de autoridades estatais, como membros do Parlamento Federal alemão ou dos Estados Federados, ocorreram no mesmo período, contribuindo para um diálogo intenso. Em dezembro de 2009, durante visita de uma comitiva brasileira à Alemanha, o Presidente Lula da Silva e a Chanceler Federal Merkel decidiram continuar a fortalecer as estreitas e profundas relações nos campos político, cultural, econômico e social. Nesse encontro, o Presidente da República falou abertamente em uma terceira fase do relacionamento60. Ele e a líder alemã concordaram em intensificar o diálogo político entre Brasil e Alemanha estendendo o Plano de Ação da Parceria Estratégica nas seguintes áreas: Governança Global; Mudança do Clima e Diversidade Biológica; Desarmamento e Não- 59 Apesar de não ter sido citada nominalmente, a Alemanha esteve presente no seu discurso de posse, no qual já havia a menção de fortalecimento dos laços e da cooperação com a União Europeia e com seus países membros. 60 Há que ser ressaltado que a terceira fase abordada pelo Presidente Lula não coincide com os ciclos defendidos nessa dissertação, uma vez que o Estado brasileiro considera a primeira fase com a imigração alemã há 150 anos e a segunda com a entrada de investimentos e empresas alemães durante as décadas de 1950 e 1960, que tiveram participação relevante na industrialização do país. A terceira fase envolve o fortalecimento dos vínculos científico, tecnológico e de inovação. 70 Proliferação; Defesa; Ciência, Tecnologia e Inovação; Desenvolvimento Sustentável e Energia e Cooperação Econômica e Empresarial. Dentre os sete atos assinados na ocasião, possuem significado especial, para esta dissertação, o memorando de entendimento entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Federal da Alemanha sobre Cooperação Econômica, sobretudo nos Domínios da Infraestrutura e da Segurança, com Vistas à Copa do Mundo Brasil, em 2014, e aos XXXI Jogos Olímpicos e XV Jogos Paraolímpicos no Rio de Janeiro, em 201661; e o Protocolo de Intenções sobre o Ano Brasil-Alemanha da Ciência, Tecnologia e Inovação 2010/1162. Ademais o debate de questões da agenda internacional, como aquelas com vistas à reforma do sistema das Nações Unidas, da política internacional de desarmamento ou do contínuo desenvolvimento do Direito Penal Internacional e da jurisdição penal internacional, mostrou o considerável concerto político entre Brasil e a Alemanha, a despeito de diversas divergências pragmáticas em outros pontos da pauta internacional, justificados pelas diferentes inserções sistêmicas. O ano de 2010 adquiriu importância ainda maior nessa dinâmica em virtude da visita em março do Ministro dos Negócios Estrangeiros Guido Westerwelle ao Brasil, na qual defendeu o aumento de investimentos e admitiu a subvalorização da América Latina na política externa alemã. Em sua rota de viagem ao continente americano, a prioridade ao Cone Sul fica evidente, com as estadias no Chile, Argentina, Uruguai e Brasil, neste em duas cidades, Rio de Janeiro e São Paulo, como demonstra a figura abaixo: 61 Conhecido como Projeto 2014/2016, lançado em 18 de novembro 2009, para realizar os grandes eventos desportivos, em 2014 e 2016, em estreita cooperação econômica com a República Federal da Alemanha. 62 A relevância desse documento, que ficou conhecido como Iniciativa Win-Win, será ressaltada no tópico posterior. Cabe nesse momento apenas destacar sua quarta cláusula que dispõe: “O Governo da República Federativa do Brasil reconhece os amplos e concretos benefícios da cooperação com o Governo da República Federal da Alemanha e deseja estabelecer um programa de visitas estruturado, bem como um mecanismo permanente de cooperação bilateral.” 71 Viagem do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha à América do Sul Fonte: Embaixada da República Federal da Alemanha Nesta ocasião, constatou-se que a percepção dessa terceira fase das relações é manifestada também, e com grande intensidade, pelo lado alemão, com é possível identificar nas palavras de Westerwelle (WESTERWELLE, 2010): “Queremos nessa terceira fase continuar ampliando as cooperações já existentes, explorar novas áreas da cooperação e assumir juntos responsabilidades globais.”. Aproveitando os bons ventos políticos, em abril, iniciou-se a celebração do ano BrasilAlemanha de Ciência, Tecnologia e Inovação, durante o encontro interministerial, no Brasil. A presença dos ministros Annete Schavan, do Ministério Alemão de Educação e Pesquisa e de Ségio Rezende, do Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil, demonstrou a sintonia entre as instituições governamentais. Posição que é ratificada pela ministra da Educação Annete Schavan, em visita ao Brasil, em abril deste ano (SCHAVAN, 2010): “Agora, estamos diante de um novo período, que certamente será marcado pela colaboração mútua com vista ao fortalecimento dos sistemas de ciência, tecnologia e inovação dos dois países”. Em maio, durante o Encontro Econômico Brasil-Alemanha realizado em Munique, o ministro alemão voltou a enfatizar a importância do estreitamento dos laços bilaterais históricos (WESTERWELLE, 2010): “(...) não estamos começando do zero. O Brasil e a Alemanha são parceiros estratégicos e já podem visualizar cooperações bem-sucedidas. No final do ano passado, passou a vigorar o Acordo Energético. Esse é o fundamento político para uma estreita cooperação nessa área. O Brasil e a Alemanha querem, juntos, avançar 72 nas energias renováveis, elevar a eficiência energética e levar novas tecnologias para o mercado. Aqui podemos aprender um com o outro e nos complementar.” Na mesma ocasião, o estadista alemão ressaltou ainda o caráter político do vínculo, destacando a sintonia e Brasil e Alemanha nas discussões da agenda internacional, reafirmando o sentido da relação, que, na sua visão, dispõe de um horizonte fértil para áreas estratégicas dentro da sistemática internacional (WESTERWELLE, 2010): “Queremos aproveitar o estreito entrelaçamento econômico dos nossos países também como fundamento para uma maior sintonia política. Internacionalmente, o Brasil ganhou importância. É só uma questão de tempo até as jovens e ambiciosas sociedades como o Brasil ocuparem seu lugar natural no mundo. Nas Nações Unidas, no G-20, na Organização Mundial do Comércio e em negociações internacionais sobre o clima, o Brasil vem desempenhando um importante papel. Frequentemente lutamos pela mesma causa, seja no fortalecimento da ONU, na reordenação da arquitetura financeira global ou na nossa intervenção pelo desarmamento no mundo inteiro. A cooperação global cada vez mais estreita baseia-se em nossa tradicionalmente estreitas relações bilaterais, quais pretendemos continuar aprofundando. Com isso, abordo o núcleo de nossas relações: compartilhamos os mesmos valores fundamentais. Esse é o melhor e mais estável instrumento para parcerias entre Estados, isto é, democracia e Estado de Direito, a necessidade de cooperação internacional e a primazia do Direito Internacional Público. Temos concepções muito semelhantes sobre o valor da liberdade individual. Isso nos une.” Desta forma, percebe-se que a cooperação política bilateral é multiforme. Além de abrangir assuntos como direitos humanos, proteção ambiental, proteção de povos indígenas, economia, energia, bem como assuntos trabalhistas e sociais; dedicam especial atenção ao intercâmbio científico-tecnológico e cultural, marco desse terceiro momento da relação. Com essas iniciativas bilaterais recentes, verifica-se a intensificacao de um diálogo político, de bases pragmáticas, que amplia o horizonte de expectativas dos laços binacionais, tornando possíveis futuros projetos econômicos e estratégicos. Constata-se que, em muito devido à atual posição que os países ocupam no sistema internacional, a renovação da tradicional parceria Norte-Sul acontece sob outros termos, que não expropriatórios e não assistencialistas, como ocorreu em outras épocas. Assim, esta pesquisa buscará na análise desta nova configuração da parceria, calcada nos pilares da ciência, tecnologia e inovação, sem perder o foco crítico, uma vez que a base 73 desse relacionamento ainda reside sobre intenções futuras e documentos não vinculativos, que ficam ao sabor da vontade política. 2. O ano Brasil-Alemanha de ciência e tecnologia A celebração do Ano Brasil-Alemanha de Ciência e Tecnologia63 ocorrer no período 2010-2011 não é um evento isolado. Essa recente aproximação nessa área estratégica, que tende a estimular maior acumulação de capital nos Estados, evidencia, dentro do contexto mundial hodierno, um novo ciclo nas relações bilaterais, cuja tendência difere de momentos passados. As correntes peculiaridades do sistema-mundo conferem maior margem de manobra para Brasil e Alemanha, que aproveitam a oportunidade para fomentar uma histórica e com maiores perspectivas de efetividade, parceria estratégica. A data marca os 40 anos do primeiro acordo no campo da ciência e pesquisa celebrado em 1969. Com sua ênfase diminuída pelas circunstâncias internacionais, em 1996, a cooperação científica e tecnológica com o Brasil voltou à pauta com maior vigor, no contexto do acordo-quadro firmado sobre a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico entre a Alemanha e o Brasil, que prevê a inclusão de parceiros da indústria em projetos de cooperação entre os dois países64. O eixo ministerial assumiu o papel de articulador. Pelo lado alemão, o Ministério para a Educação e Pesquisa (BMBF) há tempos vem organizando iniciativas semelhantes com parceiros internacionais considerados estratégicos. O foco do evento é a cooperação em pesquisas avançadas e excelência científica de ambos os países envolvidos, com o intuito de conferir-lhes maior visibilidade e proporcionar um novo impulso no desenvolvimento de suas relações. O Ano Brasil-Alemanha de Ciência, Tecnologia e Inovação 2010/11 tem base na experiência recente da Alemanha com países parceiros como a China e Israel, outras nações tidas pelos alemães como importantes atores globais, o que denota seu projeto de política externa de cooperação pela internacionalização da ciência e pesquisa. Pelo lado brasileiro, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) trabalham conjuntamente para garantir efetividade nas 63 A cláusula terceira do Protocolo de Intenções, assinado, ainda em 2009, explicita as bases da relação: “3- O Ano Brasil-Alemanha da Ciência, Tecnologia e Inovação tem por objetivo intensificar a cooperação científica e tecnológica, com especial ênfase na promoção da inovação e do desenvolvimento sustentável e na divulgação do potencial dos dois países como locais propícios à inovação.” 64 Há que se ressaltar a disposição demonstrada pelo Ministro do Exterior alemão Guido Westerwelle, em cerimônia recente em Munique, em relação à realização, em 2013, do ano da Alemanha no Brasil. 74 iniciativas, o que ilustra parte da tática de horizontalização65 da política externa nacional, ao envolver outros órgãos, que não exclusivamente o Itamaraty, para o fomento da cooperação internacional. Com o Ano Internacional da Ciência, objetiva-se aumentar a conscientização sobre a diversidade e excelência da cooperação bilateral científica e dar novo impulso à cooperação científica e tecnológica. Desta forma, as relações entre Brasil e Alemanha deverão se desenvolver, por um lado, por meio de novos projetos bilaterais e da intensificação do intercâmbio de estudantes e pesquisadores; e, por outro, por acordos entre empresas privadas e estatais que incentivem a inovação e o surgimento de novas tecnologias, ambientadas à nova dinâmica global. Destarte, os dois países almejam enfrentar juntos os desafios globais tais como as alterações climáticas e o desenvolvimento sustentável; e explorar estratégias e as suas aplicações em novas tecnologias e inovações, o que reforça a competitividade de Brasil e Alemanha, uma vez que aumenta a acumulação de capital, e exponencializa seu potencial de pesquisa. As áreas incluídas nos projeto abrangem temas fundamentais no contexto internacional hodierno, como meio ambiente, clima, desenvolvimento sustentável, aeroespacial, agricultura, saúde e novas tecnologias66 assim como na cooperação no ensino superior e formação profissional67. As iniciativas nestes campos tendem a contar com linhas de financiamento que viriam dos dois lados por meio do Ministério da Educação e Pesquisa Alemão e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que é voltado principalmente para o intercâmbio de cientistas. No tocante à educação, as organizações intermediárias de cooperação no ensino superior, especialmente o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), são 65 Conceito entendido como uma tentativa de retirar a participação na formulação de política externa do acesso restrito da hierarquia do corpo diplomático para envolver outros órgãos no processo, como no caso em questão, outros Ministérios, que, de alguma forma, se relacionam com as relações internacionais do país. 66 As novas tecnologias envolvem a biotecnologia, tecnologia industrial, nanotecnologia e tecnologias da informação. A preocupação com essas áreas é manifestada na cláusula 5 do Protocolo de Intenções: “5- A cooperação será consubstanciada em projetos conjuntos destinados a desenvolver processos, produtos e serviços concretos nas áreas interdisciplinares da Inovação, Sustentabilidade e Tecnologia. A definição de temáticas prioritárias (por exemplo, nas áreas de mecânica fina, nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia ambiental, tecnologia de materiais, ótica, microeletrônica e biologia) deverá ser realizada no início de 2010 no âmbito do Comitê Gestor bilateral do Ano Brasil-Alemanha de Ciência, Tecnologia e Inovação 2010/2011” 67 Objetivo manifestado na cláusula oitava do Protocolo de Intenções: “8- O Ano Brasil-Alemanha da Ciência, Tecnologia e Inovação 2010/11 também tem como objetivo intensificar a cooperação entre instituições de ensino superior e o intercâmbio já existente de pesquisadores e estudantes entre os países.” 75 responsáveis por vários intercâmbios de cooperação acadêmica com o Brasil, que vêm crescendo constantemente68. Na Alemanha, educação e ciência, pesquisa e desenvolvimento estão no centro das prioridades e compõem um vetor significativo de sua política externa, que é bastante horizontalizada69. Além da infraestrutura de alta qualidade, do equipamento das instalações de pesquisa e dos altos investimentos estatais, o país conta com a atuação eficientes instituições de ciências70, de matriz pública e privada, bem como órgãos financiadores71 de grande relevância interna e externa. No Brasil, o panorama é amplamente diversificado e possui algumas diferenças regionais. As investigações científicas ocorrem principalmente em universidades federais e estaduais, que dispõem das grandes instituições de pesquisa72, com financiamento do governo federal e estadual, bem como alguns importantes centros de pesquisa são financiados por empresas privadas. O orçamento para pesquisa científica dos estados depende da receita de impostos locais. Estados com alta densidade populacional e grande número de empresas, tais como São Paulo e Rio de Janeiro, obtém recursos financeiros significativamente maiores do que estados do Norte e Nordeste do país. Desta forma, é possível inferir que Brasil e Alemanha, a despeito de não gozarem de condições ideais, possuem elevado grau de complementaridade, que permite prever uma larga margem de cooperação em busca do avanço nas áreas mais precárias, principalmente, no tocante à ciência e tecnologia. Neste diapasão, é imperioso notar que iniciativas no sentido de estreitamento dos laços, não apenas de intercâmbio, mas também de estrutura física e logística, como foi evidenciado na criação da Casa da Ciência e Inovação Alemã, em 2009, na cidade de São Paulo73. Essa instituição é responsável por promover palestras, seminários e congressos, com o escopo de aproximar ainda mais a realidade alemã da brasileira, assim como é feito em outras nações também consideradas estratégicas na diplomacia germânica. A iniciativa, antes 68 Estima-se que atualmente haja 184 parcerias entre universidades alemãs e brasileiras. Essa referência faz menção aos diversos organismos públicos e privados que exercem influência na prática diplomática alemã, como serviços de financiamento em pesquisa e educação, como o DAAD, e fundações de partidos políticos, que, com escritórios pelo mundo, difundem os ideais e incentivam o intercâmbio e a produção acadêmica. 70 Dentre os quais se destacam o Max Planc Insitut, Sociedade Frauenhofer e a Comunidade Leibniz 71 Dentre os quais se destacam o Ministério da Educação e Pesquisa, a Fundação Alemã de Pesquisa, a Fundação Alexander Von Humboldt e o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico 72 Dentre as quais se destacam o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e a Financiadora de Estudos e Projetos. 73 Não sem razão a capital paulista foi escolhida, uma vez que lá se encontram o maior número de indústrias alemãs fora da Alemanha. A instalação de um centro como a Casa de Ciência e Inovação é parte de uma estratégia de política externa conhecida como política externa científica. 69 76 de tudo, é mais uma plataforma para o diálogo, que visa ao incremento do intercâmbio bilateral. Ainda que os projetos bilaterais até aqui apresentados desfrutem de um promissor horizonte, para sua real efetivação, é preciso compreender a posição de cada país na arena internacional. Neste aspecto, a situação econômica das nações envolvidas, sobretudo após a crise financeira mundial de 2008, que abalou os mercados internacionais de uma forma comparável à quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, merece maior atenção, uma vez que permite delinear o alcance das expectativas dos projetos, bem como o grau de complementaridade da relação e sua capacidade fértil. Assim, serão debatidos alguns elementos relevantes tanto da posição econômica alemã quanto da brasileira. 3. A situação econômica na Alemanha A débâcle financeira iniciada em 2008 atingiu severamente os mercados europeus. Principalmente, os países, que durante as décadas de 1980 e 1990 abriram seus mercados internos completamente ao capital estrangeiro, viram sua economia em frangalhos e tiveram que buscar socorro não apenas dentro da União Europeia, mas também junto ao Fundo Monetário Internacional. Aqueles que ainda resistiram na liberalização completa apregoada pelos ventos globalizantes sentiram os impactos em menor proporção, embora muito danosa. A Alemanha, afetada pela queda das exportações no comércio internacional, haja vista que esse setor é responsável por 80% de da composição de seu produto interno bruto, viu seu PIB encolher radicalmente. Com isso, puxou toda zona do euro, atrelada à política macroeconômica coordenada, para o mesmo caminho, resistindo aos pleitos por ajuda econômica de sócios menores, ainda mais afetados. Na figura abaixo, pode-se ter uma dimensão melhor do estrago causado na economia alemã, que, em 2009, amargou o maior recuo de seu produto interno bruto no período do pósguerra. 77 No tocante ao comércio exterior alemão, de fundamental importância para seu modelo de desenvolvimento baseado na economia social de mercado, os efeitos foram nefastos, identificáveis nos gráficos abaixo: Fonte: Embaixada da República Federal da Alemanha A queda pode ser considerada ainda maior, se levarmos em conta que a crise financeira interrompeu a crescente trajetória do comércio exterior alemão, que durante o qüinqüênio 2004-2008, assim como toda economia mundial, gozou de invejável prosperidade. Vejamos: 78 Para reverter esse cenário de queda livre da economia alemã, pujante desde o pósguerra, medidas contracíclicas foram tomadas pelo Estado, com o intuito de injetar maior liquidez no mercado interno e retomar a confiança do setor externo. O caminho encontrado e defendido pelo governo alemão nas reuniões internacionais sobre o tema foi o de estímulo à economia por meio de pacotes de conjuntura, que facilitaram o acesso ao crédito e reduziram a carga tributária, induzindo maior investimento e aumentando o volume e transferências de renda; e de leis de regulamentação do mercado financeiro, culpando a falta de regras como responsável pela bancarrota. Após o êxito das medidas e o arrefecimento dos efeitos deletérios, projeta-se um horizonte mais otimista ao final de 2010, no qual se espera que o produto interno bruto cresça, no mínimo, em 1,4%, se comparado com o de 2009, que sofreu retração. Com os incentivos, a demanda pública aumentará e os investimentos de capital crescerão moderadamente, com espaço ainda maior, visto que as capacidades de produção ainda não foram totalmente saturadas. Na contramão desse movimento expansionista da economia, o consumo doméstico ainda continuará baixo, uma vez que o país não alterou sua linha econômica ortodoxa, que mantém constantemente os juros altos e os salários baixos, para aumentar a poupança e conter pressões inflacionárias, historicamente temidas pela população alemã. Essa mescla de crise econômica e manutenção de uma política macroeconômica ortodoxa, que tem como principal escopo o controle da inflação, contribui fundamentalmente para a deterioração dos indicadores sociais. O nível de desemprego, por exemplo, assim como em outros países europeus que sentem os efeitos reflexos da ortodoxia praticada pelos economistas alemães, atingiu patamares preocupantes, a despeito de sua recente queda, como pode ser visto no gráfico abaixo. A linha verde clara representa o número de desempregados, enquanto que a azul faz menção aos empregados. Fonte: Embaixada da República Federal da Alemanha 79 Situações conjunturais anômalas, como esta, reverberam conseqüências políticas graves, uma vez que, nessas sociedades, a diminuição do bem-estar social gera uma insatisfação popular que é capitalizada por partidos conservadores, que muitas vezes escondem seu perfil extremista, e canalizada para sentimentos xenofóbicos, o que contribui ainda mais para a formação de um círculo vicioso, responsável por implodir a coesão social, o que afeta ainda mais as perspectivas de melhora. Malgrado os prognósticos futuristas pessimistas, a Alemanha ainda possui um condição econômica robusta, haja vista seu produto interno bruto, que apesar da perda relativa de posição, ocupa o quarto lugar no ranking mundial. Dado que não pode em hipótese alguma ser desprezado, visto que revela seu gigantismo econômico e toda sua potencialidade como parceira bilateral. Sua liderança no continente europeu garante-lhe destaque e o protagonismo na região. Com o gráfico abaixo, é possível analisar os número absolutos de seu PIB, divulgados em 2009 pelo Banco Mundial. 4. A situação econômica no Brasil A situação econômica atual do Brasil, a despeito de não possuir indicadores conjunturais da robustez de um país desenvolvido, emerge como potencialmente capaz de atingir níveis mais satisfatórios e consideráveis no contexto internacional. O ocaso financeiro de 2008 revelou a capacidade de resistência da economia doméstica a crises vindas do exterior. Enquanto em períodos da história recente do país quaisquer distúrbios econômicos nos mercados estrangeiros causavam abalos sísmicos no mercado interno, o Estado brasileiro adotou uma estratégia de resistência que teve seu êxito 80 reconhecido pelos poucos efeitos deletérios gerados internamente e pela condição de ser um dos primeiros países a deixar a posição de recessão técnica para trás. Em grande medida, o grande responsável por esse cenário favorável à nação foi a atuação do Estado, que, quer por meio de investimentos estatais, quer por renúncia tributária, quer por disponibilização de crédito, dinamizou o mercado interno e evitou maiores danos ao produto interno bruto, que, praticamente, não recuou. Abaixo, o gráfico demonstra a alocação dos gastos estatais, fundamentais na recuperação econômica nacional. Panorama da Economia Brasileira e composição de suas principais atividades Fonte: Embaixada da República Federal da Alemanha Muito em virtude do papel do Estado como emprestador de última instância e promovedor do sistema capitalista, muito pelo relativamente baixo peso das exportações líquidas na composição do produto interno bruto do Brasil e dos países latino-americanos, verifica-se que no tocante ao comércio exterior a queda na América Latina ocorreu em proporções bem menores do que a que irrompeu em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos. No gráfico abaixo, é possível identificar e comparar o desempenho do comércio exterior brasileiro, no período de 2007-2010, tendo em conta o prognóstico para esse ano, senão vejamos: 81 Tabela do Balanço Comercial do Brasil e variação na destinação do fluxo comercial para Estados Unidos e América Latina Fonte: Embaixada da República Federal da Alemanha Ao lado das medidas tomadas antes e durante o caos financeiro, o Brasil desenvolve projetos para consolidar sua posição no cenário internacional, por meio de instrumentos responsáveis por conter os vendavais oriundos das finanças e do comércio mundial. Entre as estratégias, encontram-se a criação de um banco de exportação e importação, um Eximbanco74, capaz de corrigir desequilíbrios e de incentivar o setor externo; o fortalecimento de um sistema público de garantia, que invista em infraestrutura; a criação de empresa brasileira de seguros, para fomentar atividade empresarial; a devolução mais rápida do crédito tributário; a criação de um regime de drawback e compras governamentais da preferência da empresas brasileiras. A mesma preocupação que o país atribui a seu setor externo é refletida do seu prisma interno. Na seara doméstica, os indicadores brasileiros a partir de 2003 apresentaram considerável melhora, demonstrando a força do fator demográfico nacional nessa dinâmica. O incremento da área socioeconômica induz um efeito de transbordamento saudável ao desenvolvimento interno. Um olhar geral, mas apurado, revela a potencialidade do Brasil, se comparada com a de outros países vizinhos. 74 Instituição bancária responsável por fomentar e controlar a balança comercial brasileira por meio de exportações e importações, sob os moldes de seu congênere estadunidense já existente. 82 Fonte: Banco Mundial Dessa forma, constata-se que o acelerado crescimento econômico não é acompanhado em paralelo pelos indicadores sociais, que necessitam de um tempo maior de maturação para apresentar bons resultados, o que faz o país ficar um pouco atrás de seus vizinhos latinoamericanos. Contudo, na seara econômica, fica evidente a mudança na estratégia de desenvolvimento dos anos 1990 para os anos 2000, nos quais o país não cresceu a taxas chinesas, embora de forma equilibrada, o que contrasta com o baixo crescimento e com o desequilíbrio estrutural da década passada. Menos endividado, a economia doméstica incrementa seu setor comercial externo, o que surte impactos nos indicadores internos da produção. O crescimento nacional confere substrato a previsões de agências internacionais quanto ao desempenho do produto interno bruto do país no futuro próximo. Analistas afirmam que o país, em conjunto com outras seis economias emergentes, ultrapassará o grupo das sete nações mais ricas atualmente, já em 2020, alijando a Alemanha e outros europeus das posições pioneiras. 83 Prognóstico do desempenho do PIB das sete economias emergentes ante o grupo das sete economias tradicionais A mesma tendência também é prevista pelo Fundo Monetário Internacional, que compara o presente desempenho das economias emergentes, das avançadas e o mundial, projetando-o para 2010 e 2011, vejamos: Comparação de desempenho entre as economias avançadas, emergentes e o crescimento mundial 84 Tendo em vista a perspectiva favorável tanto interna quanto externamente, o Brasil adentra o século XXI repleto de potencialidades a serem exploradas e dotado de uma condição emergente inédita, o que o credencia a parceiro desejado na arena global. 5. As relações econômicas Brasil-Alemanha A presença da Alemanha75 nos investimentos na América Latina, sobretudo no período pós-guerra, por exemplo, com a entrada no Brasil de indústrias estrategicamente importantes, como a automobilística, na esteira do aproveitamento dos benefícios de seu espantoso crescimento econômico, o milagre alemão76, mostrou-se linear, embora de intensidades diferenciadas até a atualidade. Uma análise mais apurada das particularidades da diplomacia econômica da relação bilateral expõe a complementaridade estratégica. A Alemanha, como nação de considerável desenvolvimento tecnológico e econômico, cujo comércio exterior possui grande peso na composição de seu produto interno bruto, o que demonstra sua franca abertura às exportações mundiais, tem a capacidade de contribuir para evitar o aprofundamento da reprimarização77 da agenda comercial brasileira, bem como de firmar parcerias duradouras com o Brasil, com o escopo de reduzir sua grande dependência do setor externo, o que a levou a sofrer fortes abalos no contexto de crise financeira mundial. O Brasil, por sua vez, interessado no estreitamento da parceria e na transferência de tecnologia, incentiva o intercâmbio entre empresários e pesquisadores, assim como investe na agregação de valor a produtos primários, estratégicos aos alemães, como oportunidade de ampliar o espaço para a venda de suas manufaturas e estabelecer relações comerciais com outros mercados europeus, bem como de corrigir as distorções na balança comercial entre os dois países. O foco na inovação tecnológica da cooperação bilateral e a insistência na abertura à importação de outros tipos de produtos brasileiros são fundamentais para mudar o quadro deficitário para o Brasil no comércio com a Alemanha. 75 Referência à República Federal da Alemanha, constituída em 1949, após o término da Segunda Guerra Mundial. 76 O Milagre Alemão é o termo utilizado para designar as vigorosas taxas de crescimento da economia alemã no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, sobretudo nos anos de 1950, sendo possível somente devido às elevadas transferências de recursos feitas pelos EUA, com o escopo de financiar a reconstrução econômica do país, arrasado durante o conflito mundial. 77 O termo reprimarização da agenda comercial brasileira faz alusão ao significativo aumento, ocorrido em meados dos anos 2000, da exportação de produtos primários, retomando os momentos históricos, nos quais o Brasil demonstrava vocação eminentemente agrícola para o comércio exterior. A despeito do ganho de importância dos produtos primários na pauta de exportação nacional, essa ainda é composta majoritariamente de produtos manufaturados, o que relativiza a ideia de retorno ao papel de país agroexportador no cenário mundial. 85 Cientes da imprescindibilidade do constante desenvolvimento econômico, Brasil e Alemanha promovem gradualmente estreitamento dos laços com iniciativas que perpassam a esfera meramente econômica e fortalecem o diálogo político78, a despeito das crescentes dissonâncias em temas globais, traço que ilustra a diferente inserção autônoma no sistema mundo de cada país. Verificam-se, atualmente, dois obstáculos a serem revertidos: o primeiro é o efeito Roterdã79, que prejudica os números da relação comercial; o segundo é a perda de valor agregado das exportações do Brasil para a Alemanha, principalmente após a crise financeira de 2008, o que intensificou a deterioração dos meios de troca, aumentando a exportação de produtos primários e a importação de produtos industrializados. O déficit comercial, existente há 15 anos, oriundo desses fatores, prejudica o Brasil, grande exportador primário que, no entanto, tem a maior parte de sua pauta de exportação preenchida por produtos manufaturados. Em virtude disso, existe a necessidade de um equilíbrio, para evitar um perigoso retrocesso no comércio exterior brasileiro, o que iria de encontro às expectativas de crescimento do país. A intensificação das relações econômicas, a partir da década de sessenta, levou a Alemanha à condição de segundo principal investidor estrangeiro no Brasil, respondendo então por cerca de 13% dos investimentos diretos realizados no país, com peso muito importante no desenvolvimento industrial brasileiro. No tocante ao comércio, a Alemanha passou a ser o terceiro parceiro comercial do Brasil e o primeiro no âmbito da Europa Ocidental, passando a ser o Brasil, por sua vez, o mais importante parceiro alemão fora do âmbito da OCDE. Nas áreas de cooperação financeira, técnica e científica tecnológica há igualmente um intenso relacionamento englobando áreas como proteção ambiental, formação de recursos humanos, energia, biotecnologia e o setor aeroespacial, dentre outros. No entanto, foi o Acordo sobre Cooperação no Campo dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear firmado em 1975, e considerado então fundamental para o pretendido domínio, pelo Brasil, do ciclo do combustível nuclear, que sinalizou a disposição de ambos países de construir sólida parceria para além dos planos comercial e financeiro. Assim, apesar dos inúmeros percalços na implementação do Acordo e dos resultados muito aquém do esperado, 78 Referência a visitas recentes de importantes políticos do Estado alemão ao Brasil e de membros da alta cúpula do governo brasileiro à Alemanha. 79 Segundo as estatísticas alemãs, em 2008 o Brasil teve um superávit com a Alemanha, enquanto as estatísticas brasileiras registraram déficit. Isso pode ser explicado pela metodologia distinta que os dois países utilizam para colher os números de comércio exterior. Ocorre que parte do que é exportado pelo Brasil à Alemanha é internalizada na União Europeia pelo porto de Roterdã, e não entra em nossas estatísticas como exportações para a Alemanha, e sim para a Holanda, o que explica o chamado Efeito Roterdã. 86 o mesmo teve importante significado político em nível bilateral, dado ter sido a Alemanha o único país então disposto à cooperação nuclear com o Brasil nos termos por este desejados. As dificuldades econômicas do Brasil, com o aprofundamento da crise financeira na segunda metade dos anos setenta, acentuaram as contradições do modelo de substituição de importações; posteriormente, a superação da bipolaridade e a reunificação alemã, e os compromissos assumidos pela Alemanha no âmbito da integração européia praticamente inviabilizaram a continuidade da parceria nos termos originalmente concebidos, e gradualmente minaram as condições que a haviam sustentado. Com a retomada do viés estratégico atual, as relações comerciais também foram intensificadas. Uma análise apurada da evolução do intercâmbio comercial entre os países nos permite compreender a dinâmica do vínculo bilateral. O aumento das trocas é acompanhado pela elevação gradual das exportações e das importações, permanecendo, todavia, o incômodo saldo deficitário, que não favorece nenhum dos lados, pelo contrário, inibe maior aproximação e contribui para o afastamento comercial. Dentro dessa percepção, há que se ressaltar a necessidade de desconsiderar o ano de 2010, que, em razão da crise mundial, se mostrou um ano atípico para as relações de trocas interestatais. Uma perspectiva mais otimista veria o déficit comercial como uma larga margem a ser explorada pelas exportações brasileiras dentro do mercado alemão, bem como esse resultado negativo seria fruto da vocação exportadora alemã, norteadora de seu modelo de desenvolvimento. Quanto aos dados, vejamos: Ao inserirmos a União Europeia na análise, o panorama é alterado, uma vez que os europeus estão entre os maiores parceiros comerciais do Brasil, com elevado superávit comercial, como demonstra os dados elaborados pelo Ministério das Relações Exteriores: 87 Ainda que pese o saldo comercial positivo, e crescente até a crise de 2008, dos europeus, enquanto um bloco econômico, com os brasileiros, quando a análise é particularizada à esfera dos Estados nacionais, as imperfeições emergem, principalmente no tocante aos alemães, que, a despeito de possuírem a maior economia do continente, não respondem pela maior parte das exportações, em face do Efeito Roterdã, como comprovam as estatísticas oficiais do governo brasileiro. 88 Se pelo lado da balança comercial há assimetrias a serem corrigidas e fronteiras a serem expandidas, pelo lado do investimento direto a situação não é muito distinta. A Alemanha encontra-se atrás dos Países Baixos, dos Estados Unidos e da Espanha. Seu volume de investimento manteve-se gradual ao longo da década, só atingindo um aumento substancial nos últimos dois anos, movimento que também foi afetado pela débâcle financeira. Passado o terremoto econômico e diante de tantos acordos políticos, a perspectiva é que esse montante se eleve. Vejamos os números atuais: Este investimento direto alemão é canalizado para algumas áreas específicas como a automobilística, química, equipamentos e máquinas e bancos. Logo, há ainda um enorme espaço em outros setores a serem devidamente explorados. 89 O esperado estreitamento econômico da relação adquire funcionalidade para os países, ao permitir a consecução da defesa de interesses de comércio exterior e a garantia de suprimento adequado de insumos, recursos, produtos e tecnologias, essenciais ao desenvolvimento econômico, e cuja promoção representa o objetivo fundamental dos dois departamentos de política externa. Assim como definido pelo pragmatismo responsável que a orientou até meados dos anos oitenta a política externa brasileira, a cooperação com os alemães concede ao Brasil maior margem de autonomia frente aos Estados Unidos, ao diversificar as opções de acesso a mercados e a fontes de investimentos e tecnologias em um contexto em que se acentuam as vulnerabilidades frente à crise econômica que se instaurou internacionalmente, a partir do ocaso do mercado subprime nos Estados Unidos. 6. Oportunidades e vantagens do Brasil para a Alemanha O relativamente baixo nível de investimento alemão no Brasil não se sustenta racionalmente, uma vez que o país sul-americano é altamente atrativo, com diversas potencialidades a serem aprofundadas. O investimento direto estrangeiro, historicamente, no Brasil, possui caráter instrumental de alavancagem do desenvolvimento, de redução de vulnerabilidades e de elevação de seu status de poder na ordem econômica internacional. Sua dependência não se faz mais necessária, uma vez que o crescimento interno emerge de forma equilibrada e com alicerces em seu mercado doméstico, todavia, não que se desprezar a importância do capital estrangeiro como instrumento complementar ao desenvolvimento nacional. Atuais projeções ratificam o otimismo sobre a nova fase do Brasil no contexto internacional. De acordo com os prognósticos de organizações internacionais, a evolução é significativa. Ao longo das últimas décadas, o país passou do décimo para o oitavo, e deve estar entre as cinco maiores economias do mundo, até o fim da próxima década. Ao trazer o conjunto de países emergentes para a análise, a força dessas economias no futuro fica mais evidente, quando se prevê que somados serão responsáveis por 57% de toda produção mundial. Ademais, presenciarão cada vez mais a internacionalização de suas empresas, ocupando o Brasil papel relevante nessa dinâmica. O otimismo é justificado não apenas nas tendências, tanto do estado quanto das empresas, quando se analisa o desempenho real do produto interno bruto das principais economias globais, após a crise financeira de 2008. Vejamos: 90 Fonte: geomundi.org Além de seu promissor desempenho econômico, o Brasil apresenta outras vantagens que complementam o histórico e estrutural interesse alemão por matérias primas. O país sulamericano é um dos maiores produtores mundiais de minério de ferro, de carne, de frango, de biocombustíveis, como o etanol; e um dos maiores mercados para produtos manufaturados, como para cosméticos, para telefonia celular e expansão de serviços eletrônicos. Pelo gigantismo de seu mercado interno, o país encontra-se atualmente entre as 15 maiores economias mais atrativas para a locação do investimento estrangeiro direto, conforme expões o gráfico: O Brasil revela-se não apenas como um polo atraente de investimentos, como também mercado consumidor para as exportações germânicas, haja vista sua performance comercial 91 em 2008, na qual as importações de produtos industrias foram bastante requisitadas. No ano em questão o país conseguiu um expressivo volume comercial e um superávit com alto potencial de crescimento, conforme demonstra o gráfico abaixo: Balança Comercial Brasileira-2008 Dessa forma, a complementaridade da parceria fica evidente, visto que o Brasil apresenta vantagens e perspectivas que atendem às expectativas alemãs para o comércio internacional. 7. Oportunidades e vantagens da Alemanha para o Brasil Assim como o Brasil, a Alemanha também oferece condições vantajosas e complementares para a celebração da parceria. O país germânico, além de maior e mais estável economia europeia, é o maior mercado consumidor do continente. Vejamos: Fonte: Embaixada da República Federal da Alemanha 92 Além de seu grande mercado interno, a locomotiva econômica da Europa tem o potencial de servir como porta de entrada dos produtos brasileiros no continente. O espaço para crescimento ainda é grande, tendo em vista os reduzidos investimentos brasileiros na Alemanha, já que o Brasil, em 2008, ocupou o segundo lugar na América Latina em volume investido em território germânico, atrás do México. No que tange à América do Sul, o pioneirismo brasileiro é indiscutível, responsável por dois terços do total, conforme o gráfico: Fonte: Embaixada da República Federal da Alemanha Malgrado o baixo volume de investimentos, algumas empresas brasileiras, em seu momento internacionalizante, aproveitam o espaço no mercado alemão. Dentre as mais significativas se encontram a Sabó (que na Alemanha adotou o nome Kaco), fornecedora de pecas automobilísticas; a Weg, de motores elétricos; a Tupy, fornecedora de pecas automobilísticas; a Votorantim, de cimento, mineração, metalurgia, celulose e autogeração de energia; a Conquest One, de informática; e a Semeate, de máquinas agrícolas. Todas responsáveis por produtos manufaturados, o que desfaz em parte a crítica do interesse único e exclusivo alemão em produtos primários nacionais. Outro diferencial germânico são os programas de fomento ao investimento oferecidos pelo governo alemão, que beneficiam diversas empresas em diferentes esferas. Junto com as oportunidades de promoção empresarial, a sociedade alemã é formada por uma parcela considerável de mão de obra qualificada, mais da metade, o que alarga os horizontes das empresas lá instaladas. Vejamos: 93 Fonte: Embaixada da República Federal da Alemanha Dessa forma, sobram motivos para ver os alemães como uma via vantajosa de parceria. Uma economia líder e um país global player, de elevada produtividade, com excelentes técnicos e mão de obra altamente qualificada; com preocupação ambiental constante; de grande força inovativa e altos investimentos em ciência e tecnologia; excelente infraestrutura; programas de incentivo interessantes às empresas; e altíssima qualidade de vida; características que colocam a Alemanha entre um dos países mais atrativos no mundo ao investimento comercial. 8. Perspectivas: Brasil e Alemanha Com fulcro na situação econômica de cada país, tendo em consideração o ampliado horizonte de vantagens e oportunidades, os benefícios da relação tornam-se mais evidentes. A atratividade das duas nações em escala mundial aumenta as perspectivas de cooperação, sendo ratificada pelo gráfico, que abrange o período de 2009 e 2010: Nível de Atratividade de Investimento: Brasil e Alemanha Fonte: Embaixada da República Federal da Alemanha 94 No tocante à área comercial, a despeito do saldo deficitário em favor da Alemanha, cabe destacar a relevância do intercâmbio em números absolutos e o espaço fértil a seu incremento, como demonstram os números: Uma análise mais apurada do balanço comercial desse relacionamento contribui para entender os setores em que os contatos são mais estreitos, vejamos: 95 Com base na tabela acima, podemos detalhar o sentido do comércio binacional. As exportações brasileiras à Alemanha compõem-se, em grande parte, de produtos primários, como café, minérios, carne, sementes e frutos oleaginosos; o que aparentemente atestaria um clássico modelo de trocas comerciais entre países industrializados e não industrializados, do pensamento cepalino de centro-periferia. Malgrado quaisquer críticas que possam vir a criticar a relação com a Alemanha, há na pauta exportadora brasileira uma parte não desprezível de manufaturados, que teoricamente equilibraria a relação, como automóveis, aeronaves e máquinas e equipamentos. Ainda que houvesse este panorama equilibrado, uma análise para além dos dados revelaria sua ilusão. Nesse aspecto, dois importantes prismas da relação devem ser abordados. Primeiro, a parcela dos produtos manufaturados enviada à Alemanha, principalmente no que tange a automóveis e máquinas e equipamentos, é oriunda de indústrias germânicas, instaladas em território brasileiro, que aproveitam o menor custo de produção para garantirem seus lucros privados, sem qualquer programa de transferência de tecnologia. O segundo aspecto, apesar de não desprezar este primeiro vetor, entende a relação atual sob um viés mais amplo. Normalmente, seria atribuído ao fato relatado acima, associado ao aumento das exportações brasileiras puxado pelos produtos primários, um possível retrocesso na posição nacional no cenário global. Para esta visão, estaríamos voltando à condição primário-exportadora anterior aos anos de 1930. Questionada sobre este problema da desindustrialização da pauta exportadora nacional, Maria da Conceição Tavares apresenta uma lógica que inverte o argumento da reprimarização, defendendo a remodelagem da divisão internacional do trabalho, conforme as transformações contemporâneas (TAVARES, 2010): ”Não tem centro e periferia como antes. Tem países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos.” Baseada nessa premissa, a economista desenvolve seu raciocínio (TAVARES, 2010): “A discussão agricultura versus indústria é datada, do pós-Segunda Guerra. Ninguém vai fazer uma opção por um outro. Precisa de agricultura familiar, de agrobusiness, da indústria de transformação.(...) Na indústria, a parte de capital estrangeiro em geral não faz desenvolvimento tecnólogico, traz da matriz, o que é um problema. Mas, como a divisão internacional do trabalho está mudando, também há a tendência de adaptar produtos a cada mercado em que as empresas estão instaladas.” Dessa forma, a intelectual desenvolvimentista difere o atual papel do Brasil no mundo daquele que o país exercia durante o período de substituição de importações do pós-guerra, e 96 consegue mensurá-lo, imputando-lhe possíveis soluções macroeconômicas aos desafios recentes (TAVARES, 2010): “Não, naquela altura o problema era basicamente a rigidez da pauta de exportações, que não é o caso agora. A gente só tinha produtos primários e o único período em que houve aumento de preços das matérias-primas foi durante a Guerra da Coreia (1950-1953). (...) Além disso, o processo de substituição de importações não poupava divisas, pelo contrário, era para substituir importações por produtos internos. Ao fazer isso, ampliava o mercado interno e ampliava a demanda [por bens de capital importados para aumentar a produção]. Hoje em dia você tem uma indústria montada. O problema é o câmbio. (...) A situação, portanto, não se parece nada com a do período entre 1950 e 1980. Não tem crise no balanço de pagamentos no sentido clássico. E muito menos dívida externa. Conseguimos passar essa crise (2008) sem problemas na dívida externa, com reservas, coisa que nunca aconteceu em nenhuma crise internacional desde o século 19. Agora, tem que ter uma política industrial mais clara, uma política cambial obviamente controlada, que não se resolva apenas com os juros.” Com fulcro nesse diagnóstico, a professora situa a inserção internacional do Brasil e suas perspectivas, mais uma vez rechaçando a ideia da primarização da pauta exportadora (TAVARES, 2010): “Estamos num período de transição, no qual acho que o Brasil tem chance. Ter uma disponibilidade de recursos naturais como nós temos, que vai da água ao petróleo, não é qualquer país que tem. Isso ajuda, ao contrário de antes. Não estamos baseados no café, mas numa pauta totalmente diversificada. E a coisa do pré-sal vai ajudar.” Diante do debate acerca das exportações, as importações adquirem menor relevância, uma vez que a maioria da pauta é calcada em produtos manufaturados, haja vista a histórica e estrutural carência alemã de recursos naturais. O que merece maior consideração é o interesse alemão em alterar aspectos da relação comercial, no sentido de seu desenvolvimento nas novas tecnologias, como a informacional, telecomunicações e de computadores. As exportações alemãs ao Brasil ainda estão intimamente relacionadas com as indústrias tradicionais, como a automobilística e a de máquinas e equipamentos. Desta necessidade decorre a imperiosidade da cooperação bilateral, estreita áreas como ciência e tecnologia, interessante a ambos os lados, pois são setores que permitem um desenvolvimento econômico mais acelerado e uma inserção internacional menos dependente das grandes potências tecnológicas. 97 A imprescindibilidade da correção das assimetrias da relação torna-se patente, quando observado o fluxo e o direcionamento do investimento direto alemão no Brasil. As tabelas abaixo denotam que a urge a necessidade de mudança do quadro atual, visto que, durante o período abordado, houve, a despeito da queda relativa de posição, a manutenção de um nível de investimentos, que decaiu com a crise financeira. A importância do fluxo permaneceu, no entanto, seu direcionamento continua voltado para as indústrias alemãs tradicionais, aqui instaladas desde a década de 1950, que colaboraram com o processo de industrialização do Brasil, porém, não contribuem atualmente para a transferência de tecnologia, que os desafios globais contemporâneos exigem. Vejamos: Cientes da relevância da alteração desse panorama, Brasil e Alemanha buscam entendimentos mais próximos, cujo otimismo reside na perspectiva dos países em prognósticos internacionais, senão vejamos o desempenho recente dos Estados no tocante a seu PIB: 98 Desempenho do PIB das principais economias mundiais Fonte: Embaixada da República Federal da Alemanha A despeito do baixo crescimento em 2008, da queda brusca em 2009 e da baixa expectativa em relação ao produto interno bruto alemão em 2010, a opção pelos europeus não deve ser descartada. A Alemanha possui relevante posição no tabuleiro internacional tanto política quanto economicamente, o que a torna um polo de poder expressivo, na estratégia brasileira de diversificação de parcerias. O Brasil, por sua vez, tem pela frente um horizonte de considerável expectativa de crescimento, devendo ser ressaltada também seu elogiável desempenho durante a tormenta financeira de 2008. A consolidação de líder regional e potencial global player faz do país um parceiro promissor, tanto devido à gigantesca dimensão de seu mercado interno, com elevado potencial de expansão, quanto à sua proeminência entre os países de menor desenvolvimento tecnológico. Desta forma, aumentam as expectativas do incremento da cooperação, que perpasse a esfera econômica, já tradicional, mas que a ela não se restrinja, como fica demonstrado pela recente aproximação bilateral. Os novos contornos da geopolítica das nações, ao mesmo tempo em que traz desafios, propicia a intensificação dos laços em áreas outrora pouco difundidas, mas de elevado peso estratégico. Com o Plano de Ação da Parceria Estratégica, de 2008, Brasil e Alemanha alargaram as possibilidades de cooperação. No que tange à governança global, ambos se mostram insatisfeitos com a manutenção da estrutura das organizações internacionais estipulada no pós-guerra. Tanto Brasil quanto Alemanha defendem mudanças principalmente no Conselho de Segurança da ONU, âmbito no qual o concerto fica mais evidente. A articulação diplomática entre os países os levou à formação e à composição de um grupo de nações, o G-4, que advogam pela alteração do órgão, bem como sua entrada, baseados nas mudanças do contexto internacional, que já não corresponde mais à ordem de Bretton Woods. Interessante notar que os outros membros são 99 Índia e Japão, que juntos com Brasil e Alemanha formam um grupo heterogêneo que agrupa dois países emergentes, Brasil e Índia, e dois “convidados80”, Japão e Alemanha, que, com o fim da Guerra Fria, ganharam maior autonomia e, por isso, reivindicam a alteração de seu status internacional. Embora o concerto no âmbito da ONU seja o mais evidente e relevante, Brasil e Alemanha compartilham de interesses comuns em outras instâncias, como no G-20 financeiro, no qual se posicionam a favor de um maior controle ao capital financeiro e à organização bancária. Em outras searas, como a comercial existem diferenças pontuais, que garantem o pragmatismo na relação. Todavia, no pleito mais importante para o Brasil em relação à União Europeia, o Brasil tem o apoio dos alemães, mais precisamente, na reforma da política agrícola comum europeia, cujos subsídios afetam diretamente os interesses brasileiros. No que diz respeito à mudança do clima e à diversidade biológica, malgrado a falta de concerto quanto às responsabilidades que cada país deve assumir no combate à destruição ao meio ambiente, há um claro consenso e nítida disposição de ambos em alargar os vínculos da cooperação, sobretudo nos assuntos relacionados a desenvolvimento sustentável e energia alternativa, o que é corroborado pelos diversos eventos realizados durante ano passado e o corrente ano81. No tocante ao desarmamento e à não-proliferação nuclear, ambos compartilham dos mesmos valores pacifistas e promotores do direito internacional. A cooperação nuclear, como a iniciada na década de 1970, para os países deve ter uso na área civil e fins pacíficos. A postura das chancelarias é de se colocar em defesa do diálogo e da observância das regras internacionais em caso de Estados que ainda insistem em fomentar programas nucleares militares. Ainda que, na recente aprovação de sanções frente ao Irã, a Alemanha tenha divergido do Brasil quanto à forma de tratamento da questão, alinhando-se ao consenso hipócrita e pouco criterioso das grandes potências, a cooperação e o entendimento permanecem. O mesmo pragmatismo demonstrado nesta área faz-se presente no que tange à defesa. Mesmo tendo o Brasil adquirido recentemente equipamentos militares da França e de com ela possuir contatos constantes e acordos sobre o assunto, os alemães reconhecem a legitimidade destes vínculos, bem como exaltam neste ponto o pragmatismo da relação germano-brasileira. 80 Referência à sua condição do pós-guerra, na qual, devido à derrota no conflito, foram inseridos como protetorados militares e potências econômicas, em virtude do desenvolvimento a convite nessas economias impulsionado pelo capital estadunidense, que proporcionou aos países seus período milagrosos, de altas taxas de crescimento, e fortalecimento econômico. 81 Os eventos estão relacionados no sítio eletrônico oficial do Ano de Ciência, Tecnologia e Inovação Brasil e Alemanha: http://www.dbwti.de/br/163.php 100 Por fim, a maior aproximação nas áreas de ciência, tecnologia e inovação, iniciada ainda no final dos anos 1960 e início dos 1970, de contornos mais tênues, ganha dinamismo com a celebração do Ano, que pretende resgatar os laços de outrora e incrementá-los. A cooperação educacional, no ensino superior e formação profissional, por meio de intercâmbios acadêmicos entre universidades e instituições de pesquisa, alavanca os entendimentos. Áreas como engenharia, saúde, desenvolvimento sustentável, novas e alternativas técnicas agrícolas e desenvolvimento aeroespacial fazem parte o repleto cardápio de opções de parcerias. Com isto, não restam dúvidas do amplo horizonte de perspectivas que sustenta a parceria estratégica, que avança em áreas de grande potencial econômico e político, haja vista que surtem efeitos diretos no desenvolvimento nacional. 9. Considerações Finais Este capítulo, intermediário na dissertação, encontra seu lugar devido à sua importância para se alcançar o tema nuclear desta pesquisa. Diante da contextualização histórica de cada Estado nacional dentro do sistema interestatal capitalista, coube apontar as diversas e coordenadas iniciativas políticas e econômicas tomadas pelos dois lados, para demonstrar a emergência de um novo, o terceiro, ciclo na relação. Fundamental para caracterizá-lo foram a vontade e o entendimento político expostos, no contexto de países com situações econômicas distintas, porém, com elevado grau de complementaridade. Enquanto que o aspecto da política externa, sobretudo ante as projeções internacionais das nações, será analisado com maior profundidade no próximo capítulo, para a afirmação do horizonte de perspectivas a instrumentalização do setor econômico para o alcance do desenvolvimento estratégico desempenhou papel relevante e determinante, visto que atrai o interesse mútuo, pois vai além do restrito comércio bilateral. Esta articulação é evidenciada mais claramente no estreitamento dos vínculos binacionais para além da seara comercial, suscetível a crises episódicas e conjunturais, o que abrange acordos políticos nas áreas de ciência e tecnologia, de efeitos menos instáveis e mais estruturais. Isto nos permite inferir que a noção de desenvolvimento trabalhada nesse momento da relação bilateral não corresponde àquela percepção retrógrada difundida nas décadas da Guerra Fria, nas quais se pregava o dever dos países desenvolvidos de fomentar a prosperidade nos países subdesenvolvidos. Ao contrário, este assistencialismo hipócrita, que 101 apenas mascarava a perpetuação da condição de periferia do Sul, não reverbera nesse novo ciclo. A atual cooperação possui um vetor geopolítico forte, possível de ser acordado entre países que reconhecem a importância da aliança devido à complementaridade, na qual ambos colhem benefícios favoráveis a sua afirmação autônoma internacionalmente. Cabe, por fim, ressaltar que o horizonte de expectativas é alimentado pelos dois países, em virtude de nunca terem conseguido margem de manobra mundial tão vasta quanto à atual, no tocante ao sistema interestatal, o que, de alguma forma, é ilustrado pelos impactos que a crise financeira de 2008 no mundo, principalmente para Brasil e Alemanha. O otimismo que cerca a parceria, fruto do potencial de desenvolvimento econômico dos países, não significa, porém, que as iniciativas serão efetivadas e os objetivos, necessariamente, alcançados. Se os esforços binacionais serão transformados em desenvolvimento estratégico, é impossível prever. O que esta dissertação objetiva é analisar e destacar a postura voltada à inserção autônoma que norteiam a atuação da chancelaria de ambos os países e como essa intenção baliza a retomada da parceria bilateral sob novos termos. Com isto, tendo visto o sentido estratégico da presente intensificação dos vínculos bilaterais, restará ao próximo capítulo tratará de forma mais detalhada da inserção internacional que cada país atualmente desfruta e como suas chancelarias se articulam no cenário internacional hodierno, unilateral, bilateral e multilateralmente. 102 Capítulo 3. O Sistema Interestatal Capitalista Contemporâneo e a Nova Geopolítica das Nações Considerações Iniciais Após o debate acerca da contextualização histórica das inter-relações do Brasil e da Alemanha no sistema interestatal e da análise do atual ciclo da parceria, esta dissertação será finalizada com o retorno a uma abordagem mais abrangente, que situe a política externa contemporânea de cada nação dentro dos contornos atuais do cenário internacional. O resgate dos movimentos diplomáticos em meio às diferentes inserções externas na discussão de relações binacionais é fundamental, na ótica da Economia Política Internacional, haja vista a influência que o movimento sistêmico exerce sobre a cooperação entre dois países. Principalmente, no caso de Brasil e Alemanha, o sentido estratégico desse relacionamento tem seu início, fim e efetividade pautados nas transformações mundiais. Em virtude disso, a compreensão da atual fase das relações Brasil-Alemanha passa pela explanação do presente momento do tabuleiro de poder global. O chamado, nesta dissertação, de sistema interestatal capitalista contemporâneo compõe o período iniciado a partir da quarta explosão expansiva sistêmica dos anos 1970 até a atualidade. Como parte deste lapso temporal já foi debatida nessa pesquisa, para este capítulo, será fundamental empreender a discussão a partir da década de 2000. Este decênio foi escolhido justamente por deixar explícito dentro do sistema internacional os limites do poder hegemônico estadunidense, o que propiciou uma nova configuração geopolítica dos Estados. A acachapante vitória dos Estados Unidos na Guerra do Golfo, em 1991, simbolizou não apenas o enterro de muitos resquícios da Guerra Fria, como também comprovou a irresistível força militar dos estadunidenses. Associado ao poderio bélico, o crescimento econômico e a ilusória sensação de prosperidade global, que ratificava o triunfo ideológico, difundido na década de 1990, proporcionaram ao poder dominante um ganho relativo de poder enorme, embora insustentável, sobretudo ante uma rede hegemônica desregulada e malevolente, ou seja, sem mecanismos de controle, uma vez que a ordem de Bretton Woods havia sido eclipsada ainda na década de 1970. O sistema financeiro internacional já não possuía as mesmas amarras do padrão dólarouro, pelo contrário, estava calcado em um não regime, cujo pilar era uma moeda internacionalizada, o dólar, moeda nacional, sem rastro metálico, senão apenas lastreada no poder americano. Esse novo padrão econômico conhecido como dólar-flexível possibilitou a 103 retomada das rédeas do controle econômico, questionado durante os anos 1970, bem como serve como base da estratégia explicitamente imperial dos Estados Unidos, na busca pelo domínio mundial. Durante a última década do século XX, os norte-americanos impuseram um unilateralismo ao globo que, a despeito do discurso de harmonia e estabilidade, oriundo do processo de globalização, foi responsável por um número maior de intervenções da força estadunidense em outros territórios do que durante o período da Guerra Fria. Fiori sintetiza toda a complexidade desse momento colocando-o como consequência do período de quarta explosão expansiva do sistema internacional, iniciada por idos dos anos de 1970, para embasar sua teoria e para explicar os desdobramentos do fim da Guerra Fria (FIORI, 2008: pp. 33-34): .(....) E nesta conjuntura, em particular, as crises e guerras que estão em curso fazem parte de uma transformação estrutural, de longo prazo, que começou na década de 1970 e que aponta, neste momento, para um aumento da pressão competitiva mundial- geopolítica e econômica- e para o início de uma nova corrida imperialista entre as grandes potências, que já faz parte de mais uma explosão expansiva do sistema mundial, que se prolongará pelas próximas décadas e contará com uma participação decisiva do poder americano.” Assim, paradoxalmente, essa estratégia imperial, somada aos efeitos geradores de desigualdade e de concentração de renda da globalização, elevou a pressão competitiva interestatal, o que gerou mudanças de poder relativo na configuração mundial. Os atentados terroristas de 2001 e os fracassos militares e civilizadores82 explicitaram o projeto imperial dos Estados Unidos, bem como suas fraquezas e sua natural perda de poder relativo, haja vista o enorme ganho da década anterior. Esse novo equilíbrio possibilitou uma maior margem de manobra entre as outras nações, o que viabilizou a emergência de novos atores dentro da teia de poder americano. Potências do século XIX voltaram a reivindicar papel mais autônomo, como Alemanha e Japão; a Rússia retomou um posto de destaque após a tragédia dos anos 1990; e novos poderes emergentes surgiram no horizonte, principalmente pelo seu potencial econômico, sobretudo a China, com a complementaridade econômica com os Estados Unidos que fortalece o padrão dólar-flexível. 82 Civilizador foi o adjetivo utilizado para descrever o discurso estadunidense ao invadir o Afeganistão e o Iraque, no qual constava a imperiosidade de levar a esses países a democracia liberal, teoricamente, promotora da paz, da liberdade e da igualdade. Esse projeto civilizador, com o passar, dos anos provou-se um retumbante fracasso, principalmente, após a realização de eleições comprovadamente fraudulenta nos dois países ocupados, nas quais venceram os candidatos apoiados pelo poder ocupante. 104 Nesse contexto mais fragmentado e mais competitivo, as nações intensificam seus laços com outros Estados, como alternativa, com o escopo de alcançar uma inserção internacional mais autônoma, menos dependente, do poder hegemônico. A análise da política externa, nesse prisma, possibilita identificar a interação das particularidades internas e externas de cada país (LOHBAUER, 2000: pp.21-22): “Como afirma Celso Lafer, toda política externa constitui um esforço, mais ou menos bem-sucedido, de compatibilizar o quadro interno de um país com seu contexto externo. É por isso que na análise da política externa de um Estado convém, analiticamente, levar em consideração duas dimensões distintas, porém complementares.” É neste aspecto que a atual fase da cooperação estratégica entre Brasil e Alemanha ganha sentido. A intenção por maior autonomia por meio da diversificação de parcerias e seu viés para além dos ganhos comerciais é atualmente manifestada com maior clareza tanto pela chancelaria alemã quanto pela brasileira, bem como pelo significado que cada país possui na elaboração da política externa contemporânea. A política externa germânica, de postura inovadora, manifestadamente marcada pela defesa dos interesses nacionais, encontra neste direcionamento dificuldades e contradições, que ora são benéficas e ora maléficas, geradas pelas atuais circunstâncias geopolíticas de sua inserção. Com seu vetor europeu (ocidental e parte do oriental) engessado pela parceria atlântica, a Alemanha busca para além da histórica, temida e vigiada cooperação com a Rússia, estreitar os laços, principalmente no que tange ao desenvolvimento econômico e estratégico, com os países emergentes, dentre os quais aparece o Brasil. O reconhecimento desses países como eixos articuladores regionais motiva seu ávido comportamento em busca da efetivação destas parcerias, estabelecidas em termos distintos de acordos anteriores. Desta mudança de postura e de foco, decorre a relevância que o vetor mundial ocupa na pauta de política externa teutônica. Se por um lado, as velhas potências83 se esforçam para incrementar sua posição internacional por meio de vínculos alternativos de poder; por outro, interessa aos poderes emergentes a cooperação com nações de elevado desenvolvimento tecnológico e industrial, sob o argumento de consolidarem-se como potências globais e não apenas regionais. Neste sentido a diplomacia brasileira empreende um projeto de universalismo pragmático, o qual não se prende a alianças ideológicas ou geográficas, ao contrário, é 83 Surgidas no século XIX, como a Alemanha. 105 pautado na diversificação de parcerias, voltada ao desenvolvimento interno, nacional e de sua área de influência próxima, a América do Sul. Sob esta orientação, o governo brasileiro celebrou acordos de cooperação em diversas áreas com uma miríade de países, com o intuito de diminuir sua dependência aos Estados Unidos e de afastar a influência imperialista ianque de sua vizinhança. A opção europeia aparece nesta empreitada como um vetor utilizado historicamente, principalmente no que tange às relações Brasil-Alemanha no século XX, como forma de contrapor o poderio norte-americano. Tanto pelo aspecto histórico quanto pela condição da Alemanha como maior economia na Europa e nação de considerável desenvolvimento tecnológico, o país germânico adquire relevância para a concretização das diretrizes de política externa brasileira. Dessa forma, tendo em conta as particularidades e direcionamento da política externa teutônica e brasileira, bem como o papel que um país desempenha na articulação diplomática do outro, resta, por fim, concluir o capítulo por meio da análise das perspectivas não apenas dos Estados objeto de estudo dessa dissertação, mas também, e mais precisamente, delas inseridas na nova geopolítica das nações. Por fim, este capítulo procura ilustrar como a configuração contemporânea do sistema interestatal propicia uma margem de manobra relevante que é utilizada pelas diplomacias nacionais, em busca da efetivação de seus interesses de Estado, que nunca se satisfaz, visto que se encontra em constante procura pelo aumento de poder relativo. Essa articulação diplomática, em meio ao acirramento da pressão competitiva interestatal, delineia o atual sentido estratégico que permeia a terceira fase das relações bilaterais Brasil-Alemanha. 1. O Sistema Interestatal Capitalista Contemporâneo O sistema interestatal capitalista contemporâneo terá sua evolução, a partir de 2001, analisada neste capítulo, uma vez que esse lapso é fundamental para a compreensão do terceiro ciclo das relações Brasil-Alemanha. Junto com os desdobramentos factuais importantes, ganhará relevo a base teórica que sustenta a dinamicidade das relações internacionais. Com a interação das abordagens teórica e factual, objetiva-se delinear os contornos que moldam o contexto atual e contribuem para sua nova conformação, sob a perspectiva de fortalecimento de cada projeto nacional de desenvolvimento com base na contradição sistêmica inerente. Imbuído desta concepção, Fiori sintetiza o movimento da quarta explosão expansiva ao longo da década de 1970 e a estratégia 106 imperial estadunidense de retomada hegemônica que, manifestada nas décadas de 1970 e 1980, perpassou a vitória na Guerra Fria nos anos de 1990 até chegar ao estágio atual, reflexo do acerto econômico feito por China e Estados Unidos e da multiplicação de novos Estados nacionais, fatores que o levam à previsão de uma corrida imperialista contemporânea em meio à presente configuração geopolítica (FIORI, 2008: p. 24): “(...) desde a década de 1970, está em curso uma quarta explosão expansiva do sistema mundial. Nossa hipótese é que- desta vez – o aumento da pressão competitiva dentro do sistema mundial está sendo provocado em grande medida pela estratégia expansionista e imperial dos Estados Unidos, mas também pela multiplicação de Estados soberanos do sistema, que já são cerca de duzentos, e, finalmente, pelo crescimento vertiginoso do poder e da riqueza dos Estados asiáticos, e da China em particular. O tamanho desta pressão competitiva neste início do século XXI permite prever uma nova corrida imperialista entre as grandes potências, e uma gigantesca explosão das fronteiras deste universo em expansão.” O autor destaca de relevante nesta nova configuração a emergência da China, movimento impulsionado pelo acordo sino-americano dos anos de 1970, e a globalização definitiva do sistema, conceito que caracteriza o fim das esferas de influência e a encampação de todos os países sob uma mesma lógica sistêmica. Tendo em vista estas transformações, percebe-se a expansão do poder do capital financeiro, que cresce à medida do poder político. Nas últimas décadas, verifica-se o deslocamento do centro dinâmico da acumulação capitalista mundial para o Leste asiático, corroborado pelo casamento financeiro sino-americano, díade que sustenta a economia mundial. Devido ao dinamismo do comercio chinês, a China emerge como centro articulador da semi-periferia e da periferia da economia mundial. No entanto, o robusto crescimento chinês não ameaça o controle dos EUA sobre o sistema monetário internacional, ao contrário, o corrobora e o fortalece. O sistema dólarflexível não possui qualquer outro padrão de referência que não seja o poder global dos EUA, o que envolve a credibilidade dos títulos de sua dívida pública, que, por sua vez, tem como um de seus grandes financiadores o capital chinês. A era imperialista americana busca a ampliação do seu território econômico supranacional por meio do matrimônio conveniente estabelecido entre a globalização americana e o milagre econômico chinês para a sustentação da estrutura de poder americano, 107 constituindo o núcleo duro da competição geopolítica mundial. O acirramento desta pressão competitiva interestatal fortalece as estruturas do poder americano. O fato do centro nevrálgico da nova competição geopolítica mundial residir no eixo EUA-China não implica dizer que o poder americano está em decadência ou o próprio sistema interestatal anglo-saxão aproxima-se de seu apocalipse. Pelo contrário, a complementaridade econômica dos dois gigantes propicia a expansão capitalista mundial e contribui para a manutenção do poderio estadunidense. É exatamente esta aparente estabilidade que desestabiliza o sistema e permite que o núcleo central das grandes potências continue a ditar os rumos da política internacional. A compra de títulos da dívida pública americana pelos chineses permitiu que a política deficitária dos anos 1990 continuasse nos anos 2000, acrescida de uma política fiscal e monetária expansionista, que priorizava a expansão desmedida e ilimitada do crédito. A completa falta de regulamentação financeira possibilitou diversas operações financeiras dos bancos que iam além de sua capacidade econômica. Ademais, o crédito barato incorporou ao mercado de consumo uma parcela da população de menor poder aquisitivo e com histórico de inadimplência, o que catapultou os setores fundados no crédito como o automobilístico e o de construção civil. Com o consumo interno acelerado e os crescentes gastos externos, principalmente os militares, o Federal Reserve, em 2004, aumenta progressivamente as taxas de juros, o que gera um curto-circuito no sistema creditício. A dificuldade de quitar as dívidas contraídas junto aos organismos financeiros foi apenas o gatilho que impulsionou o sistema financeiro estadunidense para a iminente crise, que atingiu todo o planeta, revelando mais um sintoma da hegemonia americana. A crise financeira que, em 2008, se abateu sobre os mercados financeiros mundiais veio corroborar a eficiência da estratégia americana de dominação e de transformação do mundo em seu espaço supranacional econômico84. A Pax Americana, mais do que nunca, repousa em um inquestionável domínio americano. Seu poder é tão abrangente que, ao contrário da Inglaterra na Pax Britannica, exerce sua hegemonia a partir de uma moeda economicamente fraca, o dólar, que passa por constante perda de valor e, mesmo assim, tem papel central no sistema monetário mundial. O ativo americano provê liquidez instantânea, garante a segurança nas operações de risco e serve como unidade de conta da riqueza financeira virtual. Disto retira sua força, pois tem valor onde não há padrão financeiro rígido, ou seja, um sistema monetário financeirizado, que garante ao dólar segurança e a arbitragem. 84 Expressão cunhada por Rudolf Hilferding, em 1905, para caracterizar o espaço de influência do capital financeiro nacional. 108 A crise econômica, deflagrada em setembro de 2008, é mais um indício, diferentemente do que pensam alguns autores85, de que a hegemonia americana ainda estará forte, enquanto o dólar americano for a moeda internacional, apesar dos possíveis reveses econômicos oriundos da gigantesca perda de riqueza financeira, ocorrida com o ocaso das principais instituições mercadológicas. Tavares resume o terremoto financeiro (TAVARES, 2009: p. 3): “Apesar da crise do sub-prime, um derivativo especial do mercado de hipotecas, ter ocorrido já na gestão de Ben Bernanke no FED, ela foi apenas o detonador de uma crise financeira mais geral que se vinha gestando lentamente, através de uma excessiva expansão da liquidez, do endividamento e de sucessivas bolhas de preços de ativos, processados pela desregulação e complexidade do novo sistema financeiro privado, montado no governo Clinton e continuado no governo Bush.” Ademais, a débâcle financeira trouxe à tona a verdadeira face da globalização e desregulamentação financeira. Países que seguiram sua lógica, agora, a partir da implosão do sistema financeiro, amargam o gosto do império ianque. O mundo deixou rapidamente para trás o efêmero e excepcionalmente episódico modelo regulado de governança global, liderado pela hegemonia benevolente86 dos Estados Unidos, do pós-guerra, e foi se movendo na direção de uma nova ordem mundial com características mais imperiais do que hegemônicas A própria natureza competitiva e hierárquica do sistema impede que todos tenham o mesmo sucesso, criando a impressão equivocada de que só alguns possuem o “destino manifesto” de organizar o resto do mundo. Toda política externa soberana terá que ser sempre inovadora, e estará em competição com a política das potencias que supervisionam o status quo internacional. Essa premissa não é uma circunstância irrelevante ou é o produto de uma ideologia, é uma consequência de uma “regra” essencial do sistema interestatal capitalista contemporâneo, delineada pelo sociólogo alemão Nobert Elias: “quem não sobe, cai”. 85 Dentre os quais se incluem os defensores de teorias que envolvem ciclos hegemônicos, como Arrighi e Wallerstein. 86 Concepção liberal de hegemonia, na qual o poder hegemônico atua como estabilizador do sistema, por isso sendo o provedor da segurança, do comércio, da moeda e da efetividade das organizações internacionais, o que de acordo com as teorias da estabilidade hegemônica, traria ao sistema benefícios que se estenderiam a todos seus componentes estatais. Essa visão do poder hegemônico atuando em prol do desenvolvimento do sistema encontra certo fundamento, se analisado o período da Ordem de Bretton Woods. Todavia, uma análise mais abrangente da trajetória interestatal nos revela que esse período foi uma exceção, sem precedentes históricos. Mesmo assim, os efeitos benéficos que gerava aos países, a despeito do crescimento internacional do pós-guerra, são questionáveis. 109 Dessa forma, pode-se dizer que os anos 2000 trouxeram uma mudança no panorama das relações internacionais. Os ataques terroristas de 2001 e o espantoso crescimento econômico de China e Índia conferiram novos traços à teia de poder estadunidense. Os atentados de 2001 no território norte-americano e os crescentes questionamentos aos efeitos da globalização expuseram a postura explícita, bélica e unilateral da política externa estadunidense, como preconiza Fiori, que identifica uma nova geopolítica das nações, mais claramente delineada a partir deste século (FIORI, 2008: p.37): “Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, entretanto, a estratégia imperial americana ficou mais visível, porque assumiu uma postura explícita, bélica e unilateral (...) Ao mesmo tempo, pode-se dizer que, do ponto de vista do curto prazo, que a crise de liderança dos Estados Unidos depois de 2003, deu visibilidade ou abriu portas para que novas e velhas potências regionais passassem a atuar de forma mais desembaraçada na defesa de seus interesses nacionais e na reivindicação de suas zonas de influência.” Dentre as velhas e novas potências regionais que manifestadamente na defesa de seus interesses nacionais e na reivindicação de suas zonas de influência, encontram-se Brasil e Alemanha, que, cada qual à sua maneira e partindo de sua posição sistêmica, direcionam sua política externa na busca de uma inserção internacional mais autônoma ante o poder hegemônico. 2. A inserção internacional e a política externa da Alemanha A Alemanha, grande potência europeia, que desde o século XIX desafia lógica anglosaxônica do sistema interestatal capitalista, com seu projeto autônomo de poder, foi obrigada a mudar os rumos de seu Sonderweg87, após sua ocupação e divisão pelos aliados, decorrente da derrota na Segunda Guerra Mundial, sendo compelida a submeter sua política externa às peculiaridades do sistema bipolar de poder. O fim da Guerra Fria e a reunificação de seu território proporcionaram ao país ganhos relativos de poder e colocaram a política externa alemã em uma situação deveras peculiar. Com margem de manobra maior, a diplomacia germânica adotou uma postura mais explícita de defesa de seus interesses nacionais. Seus movimentos internacionais são, contudo, limitados pela forçada parceria atlântica, uma vez que a ocupação externa em seu território 87 Sonderweg é o termo em alemão que designa a via alternativa tomada pela Alemanha recém-unificada, do século XIX, que buscava uma inserção autônoma no sistema de poder britânico, com o escopo de viabilizar seu projeto de líder mundial (BARRACLOUGH, 1984) 110 persiste, sobretudo a estadunidense, que restou após os acordos de reunificação, o que inibe qualquer possibilidade de confrontação mais incisiva com os americanos, o que, porém, não lhe acarreta somente desvantagens. A condição de gigante econômico e anão político da Alemanha durante a Guerra Fria não mais corresponde à realidade. Sua pujança econômica foi mantida, a despeito dos elevados custos fiscais da reunificação territorial, e até ampliada, alargando seu espaço econômico por toda Europa Ocidental, com a introdução do Euro, e pela Europa Oriental, com a extensão dos limites da União Europeia. Sua força política aumentou exponencialmente a partir dos ganhos advindos de seu incremento territorial, como a incorporação de sua porção oriental, a retirada das tropas soviéticas de suas fronteiras e de sua elevação demográfica. Sua nova condição Pós-Guerra Fria possibilitou uma postura mais pró-ativa nos fóruns multilaterais e a favor de mudança na ordem mundial estabelecida pelo sistema de Ialta. Fiori sintetiza o processo identificando os primeiros movimentos de autonomia da política externa alemã, ainda na década de 1990, que retoma as raízes históricas da formação da nação germânica (FIORI, 2010: p. 33): “Depois do fim da Guerra Fria e da reunificação da Alemanha, este país se transformou na maior potência demográfica e econômica do continente e passou a ter uma política externa independente, pautada nos seus próprios interesses nacionais, que incluem o fortalecimento dos laços econômicos e financeiros com a Europa Central e com a Rússia.” Essa modificação na inserção germânica dentro do sistema deve-se às relevantes alterações sistêmicas, como preconiza Fiori, que identifica uma nova geopolítica das nações, mais claramente delineada a partir deste século. Com fulcro na teoria do universo em expansão, é possível explicar e analisar os movimentos na política externa alemã contemporânea a partir das baixas taxas de crescimento da década de 1990 até a consolidação de sua reunificação durante os anos 2000. Neste momento, o ganho relativo de autonomia dos protetorados estadunidenses do pós-guerra torna-se mais evidente, como argumenta Fiori (FIORI, 2004: p.106): “(...) essa nova engenharia econômica mundial e a prolongada estagnação das economias alemã e japonesa vem recolocando o problema dos seus projetos nacionais derrotados ou bloqueados, e a necessidade de retomá-los como forma de sair da crise, sem contar com a ajuda americana. (...) Tudo indica que estas 111 divergências tenderão a crescer mais do que diminuir, e no médio prazo, Alemanha e Japão se tornarão autônomos dos Estados Unidos.” Fiori argumenta que, além do incremento econômico e político que os convidados do pós-guerra obtiveram com o fim da Guerra Fria, é o próprio poder hegemônico em meio à estratégia expansionista que força países outrora desmilitarizados, como a Alemanha a voltar a fomentar seu setor bélico e os incentiva a incursões fora de seus territórios, como forma de amealhar apoio em suas custosas guerras mundo afora (FIORI, 2004: p. 105): “A própria necessidade norte-americana de alianças e apoios nas guerras do Afeganistão e do Iraque acabou devolvendo a liberdade de iniciativa militar ao Japão e à Alemanha (...)” Assim, o autor resume a condição da Alemanha durante o século XX e o gradual retorno da defesa de seus interesses nacionais, como consequência natural das relações de poder entre os Estados (FIORI, 2008: p.46): “Em outras palavras, a política imperialista perseguida pelos vitoriosos tende a provocar uma política imperialista igual e contrária por parte dos derrotados. E se o derrotado não tiver sido arruinado para sempre, ele desejará retomar os territórios que perdeu e, se possível, ganhar ainda mais do que perdeu na última guerra. Esta foi a condição da Alemanha durante todo o século XX (...)” Atrelado a esta concepção de constante luta interestatal pelo poder, emerge o dilema alemão. Como um vírus, ele nunca morre, transmuta-se. A problemática da localização cardial da Alemanha e sua inserção internacional é renovada a cada transformação sistêmica e sobre a ordem global reverbera efeitos. O cientista político Christian Lohbauer compartilha desta percepção e ainda ressalta a importância do dilema alemão para a solução da questão da segurança europeia (LOHBAUER, 1994: p.76): “A questão alemã nunca foi restrita aos alemães. Ela sempre foi uma questão europeia e de alcance mundial. Não importa se fraca ou fragmentada, ou forte e dominante, a Alemanha, das Land in der Mitte, permanece no centro da segurança e das inseguranças europeias.” O dilema alemão88, apesar de antigo, sempre se renova, uma vez que continua sem solução. Seu início e seu espaço de abrangência, bem como a área que influencia, são de 88 Para muitos autores, como Heinrich Winkler, a questão ou dilema alemão durou 184 anos, tendo surgido em 6 de agosto de 1806, quando o último imperador do Sacro Império Romano Germânico, de Francisco II, se curvou ao ultimato de Napoleão, e teria durado 184 anos, até a reunificação da Alemanha, em 1990. Para esse trabalho, 112 difícil determinação. O que, em princípio, era uma questão restrita a um povo, tornou-se relativa a toda Europa, atingindo as relações geopolíticas mundiais. Ao pleitear um território comum, contínuo e unificado politicamente, os povos germânicos, que se identificavam nos elementos culturais, como as raízes genealógicas e a língua, ambicionavam ter relevância nas relações internacionais. É imperioso ressaltar que a simples vontade coletiva de um grupo étnico não seria capaz de abalar as estruturas das relações entre Estados. O ponto fundamental é compreender como o histórico desejo coletivo foi manipulado, como as ideologias políticas, emergentes no século XIX, de raízes na Revolução Francesa, e as manobras diplomáticas, oriundas dos movimentos geopolíticos do contexto hegemônico britânico, contribuíram para a concretização e para a transmutação deste processo de unificação política. A solução dada à questão alemã no século XIX por meio da unificação sob a liderança prussiana e da exclusão da Áustria revelou o resultado da interação de condicionantes externas e internas, que modelaram um Estado nacional completamente diferente daquele defendido pelos germânicos, embora fosse pragmaticamente o único possível à época, sem que estilhaçasse o equilíbrio europeu. Este realismo pragmático, que norteou o surgimento de um Estado alemão forte e centralizado no ponto cardial da Europa, não conseguiu satisfazer a política interna, tampouco seus rivais externos; ao contrário, acirrou ainda mais a pressão competitiva europeia. Constituído em uma linha onde o equilíbrio era impossível, o Estado alemão buscava em sua política externa uma forma de legitimar e conservar a estrutura interna de poder. Com a crescente politização de novos grupos de interesses, que emergiam em meio à acelerada industrialização, voltados à disputa pelo controle da cúpula estatal, a sociedade alemã questionava constantemente aquele Estado de bases prussianas. Em meio a conflitos internos, a Alemanha conduziu sua diplomacia como instrumento para efetivar seu projeto de potência, na esperança que êxitos na arena internacional pudessem conceber a coesão social. Este projeto de poder seguiu uma lógica diversa e oposicionista, no discurso, em relação ao poder hegemônico britânico. O caminho alternativo de hegemonia, a ser trilhado pelo Estado alemão, ficou conhecido como Sonderweg, e seus desdobramentos levaram a Alemanha a ser ator fundamental das relações internacionais do século XX. As derrotas em duas guerras mundiais e a ocupação militar de seu território por tropas estrangeiras impuseram um novo perfil a sua inserção internacional e a sua política externa. o marco temporal será mais extenso, uma vez que consideramos o início da questão alemã com a consolidação do Sacro Império Romano Germânico, em 962, com Otto, o Grande, e entendemos que o dilema continua ainda em aberto na contemporaneidade. 113 Com o fim da Guerra Fria e a reunificação territorial, a Alemanha obteve considerável ganho relativo de poder, o que potencializou suas ambições internacionais. Uma análise sobre a política externa alemã contemporânea demonstra uma maior autonomia e uma maior atenção aos interesses nacionais em detrimentos da vontade internacional. O que se percebe é o retorno ao exercício de seu projeto de poder, agora, adaptado às determinantes geopolíticas da configuração interestatal hodierna. Ao trazer o dilema alemão para a atual posição autônoma da República de Berlim, mais independente se compara à República de Bonn, Lohbauer prevê a peculiaridade que hodiernamente povoa os movimentos, por vezes dúbios, por vezes contraditórios, da política externa do Auswärtiges Amt (LOHBAUER apud MEAD, 1994: p.107): “O Quarto Reich será uma grande potência com sérios problemas de política externa, que será forçada pela pressão dos acontecimentos a traçar um curso independente, quer deseje quer não.” Essa trajetória independente envolve alguns aspectos particulares e não ocorre na mesma intensidade em todos os vetores da política externa alemã. Para uma melhor compreensão da problemática, cabe a divisão da estratégia internacional germânica, do pósguerra até hodiernamente, em distintas direções setoriais, como a oeste, representada pela Westpolitik, que abrange a parceria atlântica (relações com Estados Unidos e Canadá) e a parceria gaulista (relações com a Europa Ocidental); a leste, a Ostpolitik, que abarca a Europa Central, do Leste, bem como a Rússia e as ex-Repúblicas Soviéticas; a europeia, a Europapolitik, que diz respeito aos limites geográficos da União Europeia; e a mundial, Weltpolitik, que simboliza as relações da Alemanha com os outros países, como os emergentes, e com as organizações internacionais. O primeiro vetor de política externa a ser debatido é o da Westpolitik. Desde a República de Bonn, liderada pelo democrata cristão Konrad Adenauer, as relações com o oeste foram, em certa medida, cooperativistas, a despeito de pontuais manobras confrontacionistas89, delineadas pela Doutrina Hallstein, cujos princípios basilares remetiam ao não reconhecimento da zona de ocupação soviética, como Estado nacional, e à defesa do princípio da representação única, como se somente a porção ocidental correspondesse ao originário Estado alemão. Ademais, seus ditames doutrinários defendiam uma maior aproximação com o Ocidente e sua ordem de poder institucional. A inserção internacional da República Federal Alemanha fundamentava-se no respeito à ordem global constituída, à aliança atlântica e à parceria estratégica com as Grandes Potências européias por meio da integração, inicialmente econômica. Arrasada pela guerra, dividida e ocupada pelas principais 89 Um exemplo é o Acordo de Cooperação Nuclear com o Brasil, em 1975. 114 potências mundiais, bem como governada por uma coalizão liberal, relativamente soberana, cujos interesses atendiam aos dos aliados atlânticos, não era possível imaginar outra solução para a porção ocidental que não o alinhamento automático e uma política de boa vizinhança com rivais históricos. A posição pró-ocidente da República de Bonn foi ratificada por sua entrada na Organização Militar do Atlântico Norte, a OTAN, pela assinatura dos Tratados de Roma, que impulsionaram a Comunidade Econômica Europeia e pelo recebimento de elevados investimentos estadunidenses em sua economia, o que viabilizou altas taxas de crescimento ao longo da década de 1950. Há que se ressaltar, todavia, que esse alinhamento foi mais uma imposição e uma necessidade de reinserção na esfera global, ante as circunstâncias sistêmicas do contexto bipolar, do que uma escolha autônoma. O pragmatismo da política externa do II Reich frente aos europeus e norte-americanos foi substituído por um posicionamento mais dependente e colaboracionista. Esse comportamento do pós-guerra não gerou, todavia, apenas desvantagens. No que tange ao aspecto econômico, a Alemanha experimentou além do pujante crescimento doméstico, a extensão de sua influência comercial e financeira pelo continente europeu. O marco alemão foi fortalecido e tornou-se base da economia regional. Uma leitura simplista da reinserção associada alemã do pós-guerra enxergaria somente as desvantagens da celebração das parcerias forçadas, as quais, porém, foram balanceadas por contrapartidas benéficas, sobretudo na seara econômica. Dessa forma, os alemães retornaram à condição de potência, embora na contraditória condição de gigante econômico e anão político, haja vista a dependência militar e o alinhamento nas discussões internacionais. O Acordo Dois mais Quatro90 que arregimentou o processo de reunificação foi mais uma forma consensual de admissão da nova inserção da Alemanha, após seu incremento de poder oriundo do fim da divisão territorial e da ocupação soviética. Antes de reunificação, a incorporação da banda oriental germânica foi uma anexação acordada, a despeito da discordância de franceses e britânicos, repleta de contrapartidas, tanto pelo lado econômico quanto pelo geopolítico para as partes envolvidas. Aos Estados Unidos e à União Soviética interessava o retorno de uma Alemanha fortalecida ao cenário europeu, como forma de reequilibrar a balança de poder na Europa. A tentativa francesa de controlar o ímpeto expansionista alemão por meio da vinculação da economia germânica às europeias, tendo como base uma moeda comum, o Euro, apresentou até agora resultados questionáveis e um futuro incerto ante a hodierna configuração geopolítica. A política europeia ocidental, devido a seu déficit militar, apresenta um desenvolvimento anômalo, estagnado em matéria de 90 Acordo que envolvia as duas Alemanhas, Ocidental e Oriental, e as potências aliadas, vitoriosas na Segunda Guerra Mundial, França, Grã-Bretanha, Estados Unidos e União Soviética, celebrado em 1990. 115 segurança e a contento das políticas macroeconômicas ortodoxas alemãs, que esterilizam o crescimento regional e submetem as economias europeias ao conservadorismo interno germânico. Com isso, no prisma gaulista, a diplomacia alemã tergiversa. A política alemã para a União Europeia tem-se mostrado dúbia, visto que, na condição de locomotiva econômica do bloco, os tedescos não demonstram vontade política de conduzir o estreitamento da integração europeia, nos moldes impostos pela lógica hegemônica, mas nas diretrizes próprias, o que é atualmente inviável, dado a diversidade de projetos de poder confrontantes que a organização continental abriga. No tocante à parceria atlântica, a dubiedade também é evidenciada. Mais do que em qualquer outra área, o cerne do atlantismo reside na questão da segurança, especificamente na presença da OTAN. Acordada a entrada da porção oriental na organização e a continuação da ocupação, agora exclusivamente, estadunidense no território alemão, o fortalecimento alemão tornou-se interessante aos americanos, até mesmo no aspecto militar, como parceiro aliado na divisão dos custos de guerra. A expressão cunhada pelos norte-americanos para os alemães partner in leadership confere a dimensão da aproximação: um líder europeu associado ao projeto hegemônico estadunidense, que aceite dividir seus custos em troca da proeminência regional. O argumento para atrair os alemães ainda mais para a esfera atlantista segue o raciocínio abaixo (LOHBAUER apud MEAD, 1994: p.108): “Segundo Mead, “para os ocidentalistas” esta aproximação com o leste tem sido historicamente a fonte de todos os problemas alemães. Nesta visão, elementos orientais na história alemã (como o absolutismo prussiano), ou o embaraço da política externa alemã no leste (com a aliança de Bismarck com o Império Habsburgo ou a operação Barbarossa de Hitler) tem repetidamente levado à derrota alemã e à desestabilização europeia. Esta escola de pensamento baseia-se na ideia de que a salvação alemã repousa na formação de laços cada vez mais estreitos com o ocidente e na renúncia de suas origens e ambições no leste europeu.” A ameaça de uma aliança bilateral especial entre Berlim e Washington explica o apoio de franceses e britânicos à Aliança Atlântica, bem como recentes acordos militares entre Paris e Londres91. Em outras palavras, para além dos americanos, mesmo aos europeus interessa, ainda que não permanentemente, a continuação da presença militar da OTAN na Europa, como forma de garantia de contenção do ímpeto imperialista germânico. O comportamento do 91 Referência ao acordo militar celebrado entre esses rivais históricos em 2010. 116 eixo gaulista, durante o processo de reunificação, demonstra claramente a existência de um problema alemão, e, em princípio, uma aliança sem os Estados Unidos seria uma aliança dominada pelos germânicos. A Alemanha, por sua vez, não encontra grandes dificuldades em conciliar a sua fidelidade à Aliança Atlântica com o seu papel de motor da integração europeia. Desde 1991 tem participado ativamente tanto no processo de renovação da OTAN quanto da formação de uma identidade europeia autônoma de defesa. Desta forma, criada para conter explicitamente os soviéticos e implicitamente os alemães, a continuidade da presença da OTAN em território europeu após a dissolução soviética, apesar de ter seu aspecto antigermânico ressaltado, persiste, visto que atende aos objetivos estratégicos dos Estados Unidos, pois garante sua ocupação militar da Europa; de França e Grã-Bretanha, uma vez que contém o poderio bélico da Alemanha; e, em certa medida, da própria Alemanha, que, ainda que pese sua insatisfação ante a exclusividade da OTAN e as limitações por ela impostas, com o equilíbrio de poder assegurado pelo Tratado Atlântico, pode expandir sua influência pela Europa, sobretudo no aspecto econômico. Malgrado a convergência de interesses em relação à Aliança Atlântica, cabe ressaltar que essa sintonia pragmática envolve a percepção dos europeus, principalmente alemães, franceses e britânicos, que a dependência militar regional deve ser episódica e não exclusiva. Lohabauer resume a posição cética dos alemães (LOHBAUER, 1994: p.115): “A exclusividade da OTAN é o que realmente parece incomodar muito os alemães. Acima de tudo, a OTAN era uma aliança ocidental com o objetivo de conter os soviéticos, mas, tacitamente, sua função era também conter os alemães. À medida que o objetivo anti-soviético enfraquece, fortalece o seu aspecto antialemão. Assegurando a continuidade da presença de tropas estrangeiras em solo alemão, e integrando as forças alemãs dentro do amplo comando, a OTAN asseguraria a Europa contra o renascimento da agressividade alemã. Uma vez que a reunificação torna-se um fato e os soviéticos iniciam a retirada de suas tropas do território alemão, é compreensível que a Alemanha procurasse alternativas para a OTAN.” Portanto, assim como no eixo gaulista, a relação atlântica é permeada constantemente pela dialética da cooperação e conflito, sobretudo nas áreas geopolítica e militar. Com maior margem de manobra para a atuação internacional, as imbricadas questões sobre a intervenção alemã em assuntos e em territórios estrangeiros voltou à pauta, incentivada pelo poder hegemônico, ante as mudanças sistêmicas, o que não significava alinhamento automático. 117 Logo com o imediato fim da Guerra Fria, o debate acerca da remilitarização, em caso de incursões militares no exterior, voltou à tona na sociedade alemã, sobretudo em relação à participação alemã na coalizão liderada pelos Estados Unidos na Guerra do Golfo. À época, seguiu-se a interpretação legalista do Tribunal Constitucional em respeito ao dispositivo da Carta Magna que vedava incursões do exército germânico para além de seus limites fronteiriços, evitando assumir responsabilidades no conflito do Golfo. O reconhecimento diplomático pioneiro e contestável de outrora territórios de influência germânica, ex-membros da Confederação Austríaca, Eslovênia e Croácia, em meio à dissolução da Iugoslávia, marcou o início da ingerência autônoma alemã em assuntos de segurança europeia em áreas, nas quais o poderio alemão historicamente reverberou. Nesse diapasão, a interpretação da Suprema Corte Alemã sobre o dispositivo constitucional foi alterada, recebendo o exército nacional a chancela jurídica para intervenções além das bordas germânicas. O Tribunal Constitucional Alemão considerou que a Constituição não impede o Bundeswehr de atuar em missões multinacionais de manutenção da paz fora da área da OTAN, desde que aprovadas, caso a caso, por maioria parlamentar. É evidente que essa decisão, por si só, não possibilita a normalização absoluta da política de defesa alemã. Desde logo porque o SPD e parte do FDP tendem a opor-se a uma política sistemática de intervenções. Lohbauer sintetiza a dinâmica da (re)inserção internacional da Alemanha no pósGuerra Fria (LOHBAUER apud ASMUS, 1994: p.97): “O colapso do comunismo no leste europeu, a unificação alemã e a desintegração do Estado soviético fizeram a segurança alemã menos dependente das ações americanas. Consequentemente, Washington tem menos peso sobre o comportamento alemão do que no passado. Nos Estados Unidos, o fim da Guerra Fria provocou um reexame nas suas prioridades e compromissos globais, incluindo sua presença militar na Europa. Embora os dois países continuem a ter razões para manter estreitas relações, as forças que fizeram a cooperação germano-americana tão importante murcharam. A Alemanha agora tem mais influência internacional do que em qualquer momento depois da Segunda Guerra Mundial. No entanto, as elites alemãs permaneceram pró-ocidentais e pró-europeias. (...) O potencial de mudança e instabilidade na política doméstica alemã e pólítica externa é, todavia, maior do que em qualquer momento desde os anos 50.” Assim, em 1999, após a aprovação parlamentar devida, com o apoio e sob o comando da OTAN, tropas alemãs desembarcaram no Kosovo, com o escopo declarado de estancar o 118 militarismo sérvio, como a primeira incursão do Bundeswehr para além de suas fronteiras desde a Segunda Guerra Mundial. Em 2001, repetiu-se o apoio à OTAN e mais tropas foram enviadas ao Afeganistão, com o objetivo declarado de combater regimes que protegiam células terroristas, hostis à democracia e aos valores liberais, embora o meta não declarada da participação tenha sido a tarefa de assegurar futuras rotas comerciais aos alemães na Ásia Central92. Contudo, a Alemanha demonstrou independência e não alinhamento automático ao não enviar tropas ao Iraque, em 2003, apesar da requisição atlântica. Atitude justificada na ilegalidade da intervenção feita à revelia dos órgãos internacionais, nos laços econômicos e históricos que Berlim possui com Bagdá e na oposição do SPD, partido governante à época, às intervenções no estrangeiro. Além dos entraves sistêmicos, os obstáculos à afirmação da Alemanha como um Estado normalmente militarizado, capaz de adquirir um protagonismo correspondente ao seu poder econômico, são de natureza doméstica. A vontade política do governo alemão em aumentar a sua influência no interior das organizações de segurança tem sido confrontada com limites constitucionais, rechaço de alguns setores políticos com a oposição de uma parte importante da sua opinião pública. Krippendorf sintetiza a complexa dinâmica interna alemã acerca de sua opção hegemônica (KRIPPENDORF, 1995: p.34): “Sem ter em mente uma nova hegemonia alemã sobre a Europa, não se entenderá parte da atual polêmica acerca da perspectivas e orientações da política externa alemã, após a reunificação e a decisão de retornar a capital do Estado para Berlim. Parcelas da classe liberal da política alemã, exatamente por isso, promovem a integração europeia com tanta energia, porque elas próprias querem bloquear a opção hegemônica como possível no futuro; a mesma motivação move parte de seus parceiros políticos na Europa Ocidental, que desejam ligar e integrar esta Alemanha tão forte economicamente, antes que ela ganhe elevada forca política e não por último militar.” Dessa forma, tanto na frente atlântica quanto na gaulista, ou seja, no seu vetor ocidental, na sua Westpolitik, a Alemanha trafega em um equilíbrio impossível, de alto potencial conflitivo, haja vista a limitação imposta pelos projetos de poder rivais franceses e britânicos, pelo lado gaulista, e pela efetiva ocupação e dependência militar, pelo lado atlântico, ante as crescentes ambições autonomistas germânicas. 92 A expressão meta não declarada faz menção à declaração do outrora Bundespräsident Horst Köhler, que defendeu a manutenção das tropas alemãs no Afeganistão com a justificativa de garantir rotas comerciais. Após a declaração, o Presidente Federal renunciou ao cargo. 119 A persistente ocupação militar pelos Estados Unidos até os diais atuais revela-se robusta, haja vista os 75.600 militares efetivos, empregados nas 25 bases americanas, sob as quais ainda pairam dúvidas acerca da existência ou não de armas nucleares. Algumas das bases estadunidenses estão ilustradas no mapa de 2008: Bases militares estadunidenses na Alemanha Fonte: US_military_bases_in_Germany.svg O segundo vetor é o da Ostpolitik, cuja importância histórica ocupou posição cardial na pauta externa até a derrota na Segunda Guerra Mundial. A postura inicial de negação e de condenação a quem reconhecesse sua porção ocupada a leste congelou por alguns anos o tradicional eixo leste da diplomacia germânica. Somente a partir da década de 1970, em meios às transformações geradas pelo amadurecimento dos arranjos de Ialta e de Bretton Woods, bem como pela robusta condição econômica alemã, obtida por meio do desenvolvimento associado, pôde o governo do social-democrata Willy Brandt, inserido no contexto de détente da Guerra Fria, retomar a Ostpolitik alemã. O estreitamento de relações comerciais com Leste Europeu e o reconhecimento da República Democrática Alemã como Estado-nação, reduziu as tensões dentro do território germânico e pavimentou os caminhos para os posteriores entendimentos voltados à unificação e que geram efeitos na atual configuração mundial. Fiori considera essa aproximação a segunda movida geopolítica mais impactante do início dos anos 1970 (FIORI, 2007: p. 84): 120 “Mas existe outra maneira – mais dialética – de ler estes mesmos acontecimentos, a partir do processo de reconstrução do sistema mundial e do sucesso da hegemonia norte-americana, depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Deste ponto de vista, o renascimento competitivo da Alemanha e do Japão foi uma conseqüência necessária do crescimento econômico capitalista da “era de ouro” e da estratégia norte-americana de articulação preferencial da sua economia com as economias alemã e japonesa, induzida pela Guerra Fria, dentro da Comunidade Européia, e pela Revolução Chinesa e as Guerras da Coréia e do Vietnã, no Sudeste Asiático. Foi este mesmo sucesso econômico e o conseqüente fortalecimento da Alemanha Ocidental que permitiram que o governo social-democrata de Willy Brandt tomasse a iniciativa de se aproximar da União Soviética, sem consultar aos Estados Unidos. Dando início à segunda movida geopolítica mais importante do início da década de 1970, a Ostpolitik, que seria mantida e aprofundada, depois da reunificação da Alemanha, e do reaparecimento da Rússia no tabuleiro geopolítico europeu, depois do fim da Guerra Fria e do desmembramento da União Soviética.” Após o restabelecimento de relações diplomáticas, comerciais e políticas93, a aproximação com a União Soviética e com o Leste Europeu permitiu à República Federal diversificar suas parcerias, econômicas e políticas, escapando da exclusividade do eixo oeste. O retorno dos conservadores ao poder após a queda de Brandt, apesar de não ter retrocedido, deixou as relações em estado de latência. A crise do bloco oriental, que culminou na queda do Muro de Berlim e nas revoluções liberais na Leste Europeu, impulsionou um importante movimento da política externa alemã: a efetivação da Doutrina Hallstein sob as premissas da Ostpolitik. A RFA anexou a RDA e pode, finalmente, usufruir o direito de representação do Estado alemão, liderando do processo de unificação territorial, ao mesmo tempo em que consubstanciava sua influência no Leste Europeu por meio de acordos de cooperação. O fim da Guerra Fria e a consequente retirada das tropas soviéticas do Leste Europeu possibilitaram aos alemães o retorno completo às bases da política externa oriental dos tempos pré- Segunda Guerra94. O inevitável alargamento do espaço econômico alemão sobre aquela 93 Nesse aspecto político, a Conferência de Segurança e Cooperação na Europa de Helsinque, em 1975, teve significado especial. Considerado o ponto culminante na política de détente, certificou os limites, na Europa Central e do Leste, do pós- Segunda Guerra, seriam mantidos e respeitados. Assim, o documento final foi assinado pela esmagadora maioria dos países europeus, inclusive pelas duas Alemanhas, por União Soviética e pelos Estados Unidos. 94 Nessas épocas foram estabelecidos tratados de cunho estratégico com a Rússia/União Soviética, como a Liga dos Três Imperaradores, de 1872, o Tratado de Resseguro, de 1887, ambos durante o regime imperial, o Tratado de Rapallo de 1922, durante o regime republicano de Weimar, e o Tratado Ribbentrop-Molotov ou Pacto de Não-Agressão, de 1939, durante o governo hitlerista. 121 região ocorreu com o posterior alargamento da União Europeia, embora desacompanhada da influência militar, cuja responsabilidade ficou a cargo da OTAN. No tocante à histórica e estratégica parceria com os russos, as bases ficaram, ainda que informalmente, estabelecidas com as garantias de investimentos alemães em territórios caucasianos e pela crescente e incômoda dependência europeia, sobretudo alemã, do gás e petróleo russos. Este regime de cooperação mútua entre alemães e russos é visto com grande desconfiança e inúmeras ressalvas entre os formuladores de política ocidentais. Tanto que logo após a retirada das tropas russas do Leste Europeu, este espaço foi ocupado pela força atlântica, com o intuito de construir um cordão sanitário que impeça maior aproximação germano-russa. A presença primeiramente da OTAN, seguida pela União Europeia, busca colocar rédeas sobre o tradicional movimento alemão para o leste, na visão germânica, sua histórica área de influência, não o impedindo, mas o guarnecendo e o controlando sob a lógica ocidental. O sistema de freios montado para conter o expansionismo alemão direto leva a alguns julgamentos, que, com o tempo, se revelam precipitados (LOHBAUER, 1994: p. 77): “Finalmente, a tradicional opção alemã de conduzir sua política oscilando entre leste e oeste (Schaukelpolitik) não existe mais, principalmente porque a maior potência do leste, a ex-União Soviética, simplesmente se desintegrou. A tendência de aproximação do leste europeu com o oeste (Drang nach Westen) é muito mais relevante para o futuro europeu do que a velha visão alemã de pressão para o leste (Drang nach Osten).” A análise supracitada precisa ser contextualizada, antes de criticada, haja vista que identifica uma relevante alteração na forma de discussão da política externa alemã. A incorporação do Leste Europeu pelas instituições ocidentais, leia-se OTAN e União Europeia, não significa necessariamente que essa região agora faz parte do eixo oeste, ou seja, foi transferido da Ostpolitik para a Westpolitik e que a política pendular entre leste e oeste da Alemanha não existe mais. De acordo com a recente e estratégica aproximação entre Alemanha e Rússia, não há substratos para afirmar que esse eixo foi desconsiderado como elemento de barganha ante o ocidental. É possível inferir que tanto o ímpeto alemão de pressão para o leste continua, haja vista a penetração de investimentos alemães e a insatisfação acerca da ingerência política atlântica no Leste Europeu, quanto, agora, a Rússia mais as ex-Repúblicas soviéticas são parceiros importantes no jogo diplomático de poder. Para esta pesquisa, tendo em vista as mudanças, corretamente identificadas por Lohbauer, o Leste Europeu não será debatido com profundidade no vetor da Ostpolitik, mas 122 sua discussão será transplantada, ao lado de assuntos outrora gaulistas, para uma esfera europeia, intimamente relacionada à expansão da União Europeia e da OTAN, a Europapolitik, haja vista a postura alemã neste eixo. Assim, a conjuntura europeia será o terceiro vetor a ser analisado. O projeto de unificação europeia representou aspirações francesas de criação de um bloco regional, com aspirações de relativa autonomia ante os Estados Unidos, embora sob a chancela militar estadunidense, como bem sustenta Lohbauer (LOHBAUER, 1993: p. 96) “(...) todas as estruturas de cooperação e segurança européias desde a CECA tiveram um empurrão dos EUA” Com o desenvolvimento da organização regional, a Comunidade Europeia expandiuse e passou a abrigar pelo menos três projetos hegemônicos distintos, excludentes e confrontantes, liderados por Grã-Bretanha, França e Alemanha (sem contar o projeto hegemônico estadunidense, que objetiva manter as ambições de poder das nações europeias sob controle). Fiori resume bem a complexa estrutura que envolve o jogo de interesse no bloco (FIORI, 2008: p. 43): “A Europa está cada vez mais dividida entre os projetos estratégicos de seus três principais sócios, a França, a Grã-Bretanha e a Alemanha, com suas alianças cruzadas e flutuantes com os Estados Unidos.” Enquanto a união se restringia a aspectos comerciais conseguiu relevantes avanços, todavia, em outras matérias, como política externa e segurança, devido à confrontação das diferentes estratégias de poder e sua dependência militar, ficou estagnada. Logo, seu desenvolvimento institucional foi levado em velocidades distintas e anômalas, o que elevou os questionamentos acerca de sua natureza e de sua viabilidade (FIORI, 2008: p.43): “Atualmente, a União Europeia se transformou numa unidade política fraca, com uma moeda supostamente forte e com pouca capacidade de iniciativa estratégica autônoma e unificada no sistema mundial.” Principalmente após o fim da bipolaridade mundial, a integração europeia ganhos novos rumos e nova dinâmica. Grande perdedora da configuração de poder Pós-Guerra Fria, na Europa, a França buscava encontrar forma para contrabalancear o ganho relativo de poder dos alemães. Lohbauer sintetiza (LOHBAUER, 1994: p. 81): “O contraste da posição anglo-alemã de “widening” à Europa está justamente no comportamento francês. A França tinha um interesse geopolítico em evitar a unificação alemã e o fim das esferas de influência das superpotências. Em uma Europa dividida, construída sobre uma Alemanha dividida, a influência da França 123 era maximizada. O fim da Europa dividida significou, sobretudo para a França, a ascensão alemã. A França emergiu como o grande perdedor da Guerra Fria.” Comprometida em aprofundar o processo, como contrapartida à França pela reunificação territorial, a Alemanha garantiu o controle macroeconômico da geração e gestão de uma moeda comum, sem nenhum Estado que garanta sua existência e credibilidade95. Fiori expõe a problemática (FIORI, 2010: p.32): “É por isso que eu digo que o euro tem uma “falha de nascimento”, e que funcionou até hoje como uma estrutura peculiar de moeda semi-privada e inconclusa, sendo aceita com base na crença privada e na certeza pública de que o BCE e a Alemanha cobririam todas as dívidas emitidas pelos países da eurozonacomo de fato ocorreu até 2008, permitindo que todos esses países praticassem taxas de juros quase iguais às da Alemanha, apesar da imensa desigualdade política e econômica que existe entre os Estados membros da união monetária europeia.” Somado à estrutura macroeconômica peculiar do Euro veio o alargamento da União Europeia para os países do Leste Europeu, movimento que mascarou e passou por cima das metas ortodoxas de Copenhagen, exigíveis a novos membros da organização. O movimento atabalhoado evidenciou a pressão dos Estados Unidos para estender os limites da União Europeia para além de Viena, já que a OTAN já se fazia presente nos territórios anteriormente ocupados pela União Soviética. O expansionismo induzido tentou prever e controlar o ímpeto germânico sobre uma região, a qual os alemães exercem historicamente grande influência. Lohbauer resume o processo (LOHBAUER, 1994: p. 81): “Para a Alemanha, o argumento de ampliar a Europa para o leste é mais um Zwang nach Osten do que Drang nach Osten, mais um empurrão por obrigação e necessidade do que por destino planejado.” Fiori define bem a União Europeia e seu recente espraiamento: (FIORI, 2008: p.43): “A Europa se transformou numa sociedade economicamente rica, politicamente pacífica e intelectualmente pasmada neste início do século XXI. E o motivo é claro: a União Europeia não tem um poder central unificado capaz de definir e impor objetivos e prioridades estratégicas aos seus Estados-membros, mantendo-se sob o comando militar e o protetorado atômico dos Estados Unidos. 95 A dissertação segue a linha de pensamento cartalista da moeda, elaborada por Georg Friedrich Knapp, ainda em 1905. A teoria cartalista da moeda estabelece que o Estado, devido a sua capacidade de cobrar tributos, determina a unidade de conta do sistema monetário, função primordial da moeda para esta concepção. A moeda estatal está no ápice da hierarquia de créditos do sistema monetário. Contudo, além desta hierarquia entre as moedas privadas vis-à-vis a moeda estatal, existe ainda uma dimensão hierárquica entre Estados nacionais, a qual tem como reflexo uma hierarquia entre as moedas desses mesmos Estados. 124 Esta impotência já faz tempo que imobiliza a Europa, e ficou ainda mais patente depois da ampliação forçada da União Europeia pelos Estados Unidos, para incluir os países que pertenciam à órbita soviética até 1991.” Esse cenário ficou explicitamente conturbado após a crise financeira de 2008, que, além de elevar à máxima potência as desconfianças na integração europeia, expôs suas sérias fraturas estruturais, o que se relaciona diretamente com o atual posicionamento da política externa alemã em relação à diplomacia econômica europeia. O mosaico de estratégias de poder e a consequente acefalia emperram qualquer iniciativa mais profunda no campo político e posturas menos tergiversantes no campo econômico. Consciente de que ocupada a Alemanha não pode fazer como a Prússia fizera com a Áustria nos tempos do Zollverein, a diplomacia germânica tenta colher os frutos econômicos da união e impor, paralelamente e cuidadosamente, seu projeto de poder próprio aos países periféricos do continente, sobretudo os da porção oriental, seguindo as bases de sua Ostpolitik, delineada ainda no século XIX. Ao agir somente em busca do bônus que a integração europeia lhe concede, leia-se o espraiamento de seu espaço econômico supranacional, ainda que sem seu pleno controle, o governo de Berlim não demonstra vontade em querer arcar com o ônus da expansão econômica pelo continente, o que ficou evidenciado na postura omissa e condenatória em relação à recente débâcle grega e ao eminente colapso da periferia ocidental europeia. Fiori discorre sobre os acontecimentos recentes (FIORI, 2010: p.32): “Já no caso da crise europeia de 2010, o que ocorreu e está em pleno curso é de fato uma crise monetária, e de insolvência do próprio euro, uma moeda que é emitida por um Banco Central “metafísico”, que não pertence a nenhum Estado, nem administra a dívida de nenhum Tesouro Central. E que, portanto, não aceita atuar como last resort em caso de crise fiscal ou financeira de qualquer um dos Estados membros da eurozona.” Os desdobramentos dos acontecimentos mundiais nos anos 2000 e o crash financeiro internacional de 2008 deram mais força aos argumentos dos eurocéticos. A ampliação da União Europeia e a política macroeconômica supranacional foram questionadas devido às soluções nacionais encontradas pelos países centrais, Alemanha e França, para escapar dos efeitos nefastos do credit crunch, o que deixou os outros membros da organização europeia, de estrutura econômica mais débil, ainda que dependentes da economia germânica, à deriva, os quais tiveram que recorrer a organismos financeiros internacionais, como o Fundo 125 Monetário Internacional. A Alemanha assumiu a liderança das posições ortodoxas, dentro da Europa, transformando-se numa referencia mundial, na luta contra o intervencionismo estatal e contra qualquer tipo de ativismo do Banco Central Europeu, decidindo absorver a sua própria crise, aceitando uma forte recessão, e transferindo para os grandes países importadores, a responsabilidade pela reativação da economia mundial. Conceição Tavares perpassa a dubiedade e passividade intencional da diplomacia alemã, ao comentar os efeitos do crash financeiro de 2008 (TAVARES, 2010: p.10): “Então, na verdade, quem foi mais atingido foram os demais países desenvolvidos, a periferia europeia do Leste Europeu, periferia da Alemanha ou da Rússia, enfim. A Alemanha não ajudou. Aliás, a Alemanha não desempenhou papel nenhum, a não ser só para ela mesmo, o que é fantástico, porque a Alemanha devia se considerar responsável pelo mercado comum europeu pelo menos, e não está se considerando.” O ato de deixar à deriva, sem qualquer suporte econômico, os países do Leste Europeu e os próprios sócios europeus mais frágeis e altamente endividados, duramente afetado pelo meltdown de 2008, é uma amostra de reação autônoma da Alemanha ao alargamento vigiado e condicionado da União Europeia, acompanhada de seu protetor militar, a OTAN, que limitou a condução da política externa alemã em um espaço considerado pelos germânicos e pelos russos como zona de influência e de segurança continental. Como solução para os males econômicos e políticos que assombram a integração europeia o governo conservador alemão, a despeito de Berlim já controlar o Banco Central Europeu, que não tem capacidade de intervir diretamente nos governos nacionais da comunidade, propôs a criação de um Fundo Monetário Europeu com o intuito de exercer seu protetorado macroeconômico sobre o resto da Europa, uma vez que adquirirá com essa medida um instrumento de intervenção mais direta, com poder de punição aos faltosos, com a exclusão da zona do euro, bem como apoia o Tratado de Lisboa, em virtude da possibilidade de controle político de todos os novos estados que se associaram à União Europeia. Alguns analistas internacionais ainda defendem que a solução para um futuro mais otimista da integração regional seria a preeminência alemã nas rédeas do processo de estabilização política e econômica, ocupando o vácuo de poder, conforme defende Lohbauer (LOHBAUER, 1994: p. 87): “O que a Alemanha precisa e pode fazer é matar dois pássaros com um só tiro. Implementar suas profundas relações com a França, que já estão em avançado 126 grau de integração econômica e política, e, ao mesmo tempo, assumir o vácuo de poder (Machtvakuum) causado pelo fim da grande potência do leste.” Esta posição é ratificada pelo especialista em geopolítica Zbigniew Brzezinski (BRZEZINSKI apud LOHBAUER, 1994: p. 93) : “A Alemanha está preparada para reter os medos europeus de seu poder tornando-se verdadeiramente integrada na Europa, proporcionando a que outros países europeus estejam completamente integrados e determinando que os problemas econômicos e financeiros sejam de fato liderados pela Alemanha”. O que os dois analistas não abordam, entretanto, é que o projeto europeu não está livre para ser controlado. Existem diversos interesses que se contrapõe e impedem avanços. A União Europeia nada mais é do que uma diferente forma de articulação da balança de poder europeia, como a do século XIX, com a forte e não desprezível presença militar de uma potência hegemônica extracontinental. Outro ponto que não é exaustivamente debatido é se realmente interessa às ambições alemãs a retomada das rédeas e o aprofundamento da integração nos moldes que ela atualmente se conforma. Sua hodierna configuração até agora favorece consideravelmente uma postura autônoma e expansionista alemã, ainda que não plenamente, e ocorrendo nas brechas cedidas pelos Estados Unidos. Isso faz com que a ocupação militar europeia se torne conveniente aos objetivos germânicos para sua liderança regional, na qual, pelo aspecto econômico e político, a Alemanha busca extrair apenas os bônus, sem ter a obrigação formal de arcar com os ônus. Os membros da União Europeia, principalmente aqueles que adotaram a moeda única e os mais frágeis economicamente, esperam que os alemães assumam sua proeminência no continente. Entretanto, o fazem aguardando que haja restrições na atuação germânica e que estas sejam ainda autoimpostas pelos alemães, o que seria factível somente em um cenário utópico. Dessa forma, o eixo da Europapolitik apresenta-se mais complexo do que aparenta. A União Europeia sustenta-se em um equilíbrio de poder, no qual avanços políticos mais profundos são impossíveis, sem que um líder projete seu poder sobre os outros e consequentemente transforme o pretenso projeto supranacional em estritamente nacional. No tocante ao quarto vetor, a política germânica para o mundo, que não se confunde com a Weltpolitik de Guilherme II, é relevante abordar dois aspectos distintos. O primeiro remete à ordem global moldada pelo poder americano. Após referendar as iniciativas estadunidenses durante o período da Guerra Fria, os germânicos alteraram substancialmente sua postura de potência domesticada. A Alemanha, na condição de grande potência, defende o status quo, quando lhe é favorável, como na liberalização do comércio de 127 manufaturados, porém o questiona se entender que lhe prejudica, como no caso do assento permanente no Conselho de Segurança. Hodiernamente, a postura internacional do país está mais voltada a um multilateralismo de atrito do que seu outrora papel coadjuvante. Assim como no caso do assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, a diplomacia alemã critica abertamente o que lhe desagrada, como a intervenção estadunidense no Iraque, além de desempenhar um papel propositivo, como as iniciativas de maior regulamentação financeira lançadas no âmbito do G-20 financeiro. O segundo aspecto envolve o atual estágio da aproximação estratégica com os países emergentes, considerados em sua política externa como os Ankerländer96. O estreitamento da relação bilateral com cada país, potencialmente forte, revela um fortalecimento da postura autônoma dos alemães, no escopo de promover seu desenvolvimento tecnológico à margem da cooperação com o hegemon, com um espaço de manobra relativamente maior àquele da década de 1970, quando essas parcerias ganharam maior destaque. Esse vetor torna-se interessante e atraente à medida que as iniciativas alemãs são correspondidas pelos países emergentes. Outro fator relevante que em uma política mundial, relacionada a países sem um histórico de rivalidade que aspiram igualmente a ascender na balança de poder global, as restrições sistêmicas são menos efetivas e as objeções políticas, mais diluídas. Neste diapasão, a parceria com o Brasil assume posição relevante na política externa alemã que merece ser discutida com maiores detalhes. 3. O Brasil na política externa alemã Dentro do vetor da Weltpolitik alemã, divisão que engloba as relações do país germânico com outros países e organizações internacionais fora de seu âmbito imediato de atuação, cabe aqui destacar a importância que as nações emergentes vêm adquirindo. Na diplomacia teutônica, Estados considerados estratégicos com suas regiões, devido a diversos e variados fatores, que vão desde localização geográfica a potencial econômico, ganharam especial significado e atualmente atraem a atenção dos formuladores de política externa. Com isso, o conceito desenvolvido pelos especialistas germânicos para os países que se encontram nas áreas de fraturas globais recebeu enfoque mais apurado. A denominação alemã Ankerländer para Estados, considerados pela diplomacia germânica, estratégicos, possui conotações implícitas que necessitam de uma maior explanação. 96 Ankerländer é o conceito atribuído pela diplomacia alemã e pela litertura especializada para países estratégicos no tabuleiro mundial, daí a referência da palavra às articulações do corpo humano (Anker). O conceito abrange tanto países dotados de relevante desenvolvimento quanto países com graves problemas econômicos. Para o presente estudo, serão considerados aqueles emergentes e potenciais candidatos a potências no cenário internacional. 128 Em primeiro lugar, é interessante notar que a relevância obtida pelo conceito somente veio à tona diante à postura mais autônoma adotada pela diplomacia teutônica. Durante o período de Guerra Fria, a ambição mundial alemã manteve-se restrita, com exceção dos espasmos autonomistas da década de 1970, momento em que os resultados do desenvolvimento a convite se tornaram maduros. Dessa forma, constata-se que o resgate da visão diplomática alemã para além de seu continente denota o espaço de manobra existente no sistema interestatal. Em segundo lugar, o reconhecimento da parte alemã de áreas geopoliticamente importantes no globo revela não apenas a influência que os países nas zonas de fratura exercem como também a ambição germânica de estar presente nas principais questões internacionais. Essa vontade de participar ativamente e discutir a agenda global reforça e incrementa seu status de potência. Por fim, tanto o contexto internacional favorável quanto as manifestações internas de autonomia agregam complexidade ao conceito, essencialmente genérico. Utilizado pela literatura especializada como uma definição de países que exercem relevante influência política e econômica em suas zonas regionais. O significado, por sua vez, pode ser tanto negativo, nações estagnadas ou em constante crise, quanto positivo, locomotivas regionais. Em síntese, são Estados que possuem poder ou potencial político e econômico capaz de atuar na estrutura de governança global. De acordo com o Instituto Alemão para Política do Desenvolvimento (DIE)97, os países articuladores da musculatura internacional seriam quinze, dentre os quais estariam contidos Estados tão díspares quanto Brasil, China, Rússia, Argentina, Vietnã, Arábia Saudita, Índia, Irã, Turquia, Indonésia, Tailândia, Paquistão, Egito, México, Nigéria e África do Sul. Para esta pesquisa, o papel do Brasil na política externa alemã merecerá maior destaque. Reconhecido como Schwellen98 und Ankerland, o Estado brasileiro emerge como ator de relativa influência global e parceiro potencial. Essa condição é atestada pelo fato da Alemanha demonstrar grande interesse nas iniciativas de aprofundamento da relação, como ocorre, por exemplo, no incremento dos vínculos políticos e econômicos, não apenas para o desenvolvimento doméstico como também para a conquista de maior autonomia na inserção externa. 97 Sigla referente ao Deutsches Institut für Entwicklungspolitik, com sede em Bonn, órgão atualmente responsável por pensar o desenvolvimento global, sobretudo das nações que exercem influência na estrutura de governança internacional, fundado em 1964. 98 Schwellenländer é a denominação atribuída pelo Banco Mundial aos países em desenvolvimento, como o Brasil, que não corresponde necessariamente ao conceito de Ankerländer dos alemães, a despeito de alguns elementos coincidentes. 129 O que se verifica em uma análise sintética das manobras estratégicas do Auswärtiges Amt99 é a retomada da tradicional Ostpolitik, sob novos aspectos, um distanciamento conveniente da Westpolitik e uma tentativa de fortalecimento de uma nova Weltpolitik100, menos agressiva e ideológica e mais pragmática e cooperativa, que envolve as diversas parcerias em setores estratégicos com os Ankerländer, países emergentes de grande relevância geopolítica. Devido a esse aspecto de uma Weltpolitik, que se confunde com uma Realpolitik101 mundial, as perspectivas são de fortalecimento das parcerias com países emergentes, diversificando a presença do capital alemão para além dos limites da Europa. A crise financeira atual demonstrou expôs a fragilidade do modelo de desenvolvimento alemão, altamente baseado no comércio internacional, a qual a Alemanha busca corrigir por meio de sua diplomacia de diversificação de parcerias estratégicas. A excessiva dependência às exportações e a restrição de seu espaço supranacional econômico à Europa são razões que motivam a diplomacia alemã a extrapolar as fronteiras continentais. Isso fica comprovado nas perspectivas comerciais da Alemanha, que são bem mais reluzentes junto às economias emergentes dos BRIC102, por exemplo, que com seus vizinhos regionais, marcados pelo baixo crescimento. O quadro abaixo evidencia a recente força das exportações alemãs para os países emergentes, vejamos: Exportações alemãs para os BRIC em comparação com as principais economias da União Europeia 99 Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, um dos órgãos do país responsável pela condução de sua política externa. 100 Weltpolitik é um vetor da política externa alemã, cuja denominação faz alusão à estratégia adotada pelo Kaiser Guilherme II na década de 1890. 101 Realpolitik foi a pragmática estratégia da política externa alemã da Era Bismarckiana, utilizada após a unificação territorial, que tinha uma ênfase prioritária na Europa e na manutenção do equilíbrio de poder no continente. 102 Referência ao acrônimo cunhado pela agência de investimento Goldman Sachs para qualificar as potências emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China, no que diz respeito a seu potencial econômico atrelado a sua capacidade política. 130 Para além do mercado interno, campo fértil às exportações alemãs, o Brasil é visto na diplomacia germânica como uma ponte para obtenção de maior alcance nas relações Sul-Sul. O país sul-americano, como hodiernamente se apresenta, exerceria o papel de advogado das nações de desenvolvimento industrial recente, e boas relações com o Brasil significaria maior trânsito em economias promissoras e de considerável mercado interno, sobretudo na América do Sul. A intensificação das relações germano-brasileiras integra a estratégia alemã de expandir seus investimentos, para além de sua zona de influência imediata, em áreas fomentadoras de desenvolvimento, como infraestrutura. Exemplos desses entendimentos perpassam a construção da Companhia Siderúrgica do Atlântico103 e a Iniciativa Win-Win104. O concerto com a nação brasileira extrapola o âmbito comercial. Nessa terceira fase das relações bilaterais Brasil e Alemanha foram eleitos três pontos cardeais, para nortear as iniciativas: primeiro, o uso sustentável de matérias primas, desenvolvimento de novas tecnologias ecologicamente amigáveis e trabalho conjunto quanto às questões climáticas; segundo, o desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação; terceiro, a atuação na agenda global de fomento à paz internacional entre potência desenvolvida e emergente. Quanto ao uso de tecnologias sustentáveis e o engajamento mútuo nas questões climáticas, percebe-se um nível médio, ainda incipiente, de aproximação. Iniciativas autônomas e bilaterais são tomadas em direção ao desenvolvimento de técnicas ecologicamente responsáveis. Na Alemanha, essa área já possui um progresso maior, constatado na conscientização da população, no sistema de coleta e reciclagem de lixo, no incentivo a energias alternativas, como a solar e a eólica, e na força política do movimento ambientalista local. No Brasil, a despeito de um menor avanço no que tange ao nível populacional, tanto social quanto política, há que se destacar não apenas o potencial natural, mas também o grau de desenvolvimento de energias alternativas, como o biodiesel e o etanol. Ademais, na esfera estatal, o governo federal e a chancelaria demonstram empenho nas questões climáticas ao estabelecerem voluntariamente metas de redução de desmatamento florestal e de emissão de gases poluidores, prioridade ainda relegada pelas nações 103 A Siderúrgica produzirá 5 milhões de toneladas anuais de placas de aço e aumentará em 40% as exportações brasileira do produto. A ThyssenKrupp possui participação de 73,13% no empreendimento, enquanto a Vale detém os 26,87% restantes. Toda a produção será exportada, o que representará um aumento de 40% nas exportações brasileiras de aço e uma contribuição anual de US$ 1 bilhão no balanço de pagamentos do Brasil. A Vale é responsável pelo fornecimento do minério de ferro para o complexo siderúrgico, por meio de um contrato de 15 anos com a ThyssenKrupp. 104 Entendimento político no sentido de possibilitar acordos e recebimento de investimento alemão nas obras necessárias e na organização dos eventos esportivos de alcance global a serem realizados nessa década no Brasil, como Copa do Mundo e Olimpíadas. 131 desenvolvidas. Assim, resta evidente o espaço de complementaridade que existe e se estende por investimento em energias alternativas até entendimentos políticos sobre o futuro do ecossistema mundial. No tocante ao desenvolvimento de tecnologia, ciência e inovação, o Ano celebrado entre os dois países, a inauguração de um espaço físico e de debate do assunto, como a Casa da Ciência e Inovação, recentemente aberta em São Paulo, bem como a previsão do Ano alemão no Brasil, em 2013, presente na agenda do ministério dos negócios estrangeiros alemão, conferem perspectivas positivas para a intensificação dos laços bilaterais em áreas fundamentais ao desenvolvimento nacional. A Alemanha apresenta-se cada vez mais aberta a receber estudantes e pesquisadores brasileiros, incrementando seu tradicional viés educacional da política externa. O envio de especialistas ao Brasil é fomentado permanentemente, assim como projetos que transbordem o lado estritamente comercial. Em relação à atuação global conjunta há que se ressaltar sua maturidade e pragmatismo, responsável pela valorização das convergências e respeito às divergências. Atuam em concerto na reforma das instituições multilaterais, sobretudo no que tange ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, e do sistema financeiro, na condição de potências questionadoras da ordem vigente. Divergem, contudo, em questões comerciais e climáticas, principalmente em virtude de suas inserções internacionais distintas. Ademais, o Brasil aparece como parceiro potencial dos alemães em temas difusos, de grande influência na atual agenda global, como boa governança, prevenção de conflitos externos, migração, não proliferação, proteção ao meio ambiente e combate ao terrorismo. O potencial à cooperação de Brasil e Alemanha nos temas globais é elevado, visto que são Estados de posições assimétricas na balança de poder mundial, que, no entanto, visam a alterar a estrutura vigente. Logo, sua complementaridade reside nas capacidades diferentes canalizadas para insatisfações similares. Desta forma, o reconhecimento mútuo dessas condições, expresso em acordos bilaterais e em declarações conjuntas, torna-se fundamental na aproximação política e diplomática. Assim como na chancelaria germânica, no Itamaraty, a opção alemã ganha destaque e emerge. Antes de adentrarmos na presença alemã na política externa, é imperioso analisar as diretrizes que norteiam a diplomacia nacional, bem como a inserção do Brasil no sistema mundo. 4. A inserção internacional e a política externa do Brasil Historicamente, a política externa brasileira, devido à sua inserção na divisão internacional do trabalho, atua em dois eixos específicos, um simétrico, que envolve a relação 132 com os países que, ainda que de formas variadas, estariam nas mesmas condições do Brasil, sobretudo na esfera americana; e outro assimétrico, que envolve o relacionamento do Brasil com as grandes potências, no qual há um relevante desnível hierárquico. Logo após a independência, a atuação diplomática do Brasil resumiu-se no eixo simétrico na resolução das questões fronteiriças, algumas herdadas do período colonial, e no assimétrico, na submissão a tratados comerciais leoninos impostos pelas potências europeias, que imobilizavam uma política fiscal autonomista do Estado brasileiro, em troca do reconhecimento da condição soberana nacional. Durante o II° Reinado, a dinâmica exterior não foi muito alterada. As inovações foram a Grande Política Americanista105 do Visconde do Uruguai, na qual o Brasil intensificou seus laços com seus vizinhos amazônicos por meio de tratados de fronteira, vinculados à livre navegação no Rio Amazonas, estendendo a atuação diplomática para além da Bacia do Prata, no eixo simétrico; e o sentimento autonomista antitratados desiguais, que reinava como consenso entre os partidos políticos, na tentativa de seguir uma política fiscal autônoma e diminuir a dependência externa, no eixo assimétrico. Esse expurgo de autonomia não resistiu à interação das circunstâncias políticas internas e externas, que privilegiaram o modelo agroexportador e o endividamento externo, em detrimento de uma agenda manufatureira. Com a Proclamação da República, manteve-se a bipolaridade na política externa, porém, sob novos termos. A utilização do eixo assimétrico a favor do Brasil para incrementar sua força nas relações simétricas ficou mais evidente. O americanismo pragmático do Barão do Rio Branco, de raízes monroístas, serviu de contrapeso à influência britânica e à, então, crescente pujança argentina na região. Essa articulação entre os eixos e até dentro deles, como forma de equilibrar a posição brasileira nas duas esferas de atuação, a despeito de sístoles e diástoles a longo das décadas, seguiu-se pelas décadas seguintes, passando pela equisdistância pragmática do Governo Vargas até o globalismo incipiente do Governo Juscelino Kubitschek. Devido à Política Externa Independente, inaugurada no Governo Jânio Quadros, o vetor mundial ficou mais explícito na atuação exterior do Brasil, diversificando a polaridade clássica entre as potências do Norte e suas relações com a América do Sul. A diretriz pragmática, não vinculada a nenhuma ideologia política, possibilitou ao país alargar seu horizonte diplomático e sua autonomia externa. Em meio a um contexto de bipolaridade 105 Política Externa adotada por Paulino José Soares de Sousa, o Visconde do Uruguai, que esteve à frente da chancelaria nacional de 1849 a 1853, quando iniciou a Grane Política Americanista, que consistia em duas áreas de atuação prioritárias, a defesa da fronteira Norte por meio de tratados bilaterais, fundados no princípio do UTI possidetis de facto e na vinculação da solução de questões lindeiras à livre navegação no Rio Amazonas, e da fronteira Sul por meio da retomada do intervencionismo na Bacia do Prata. 133 engessada, de questionamento e de retomada da hegemonia americana, a política externa autônoma não galgou a eficácia desejada, embora tenha deixado um legado a ser seguido. Após a ilusão neoliberal de um desenvolvimento e uma inserção associada à potência hegemônica, os Estados Unidos, a herança universalista e pragmática foi retomada pelo Governo Lula, viabilizada pela nova configuração geopolítica dos anos 2000. Dessa forma, parece anacrônico resgatar a divisão bipolar dos eixos simétrico e assimétrico. Para esta dissertação, a política externa brasileira é dividida em três grandes vetores: o primeiro, americanista, abarcará as relações do Brasil com as nações sulamericanas, na área entendida com zona de influência imediata da diplomacia nacional, com as Américas Central e do Norte, o que inclui os Estados Unidos; o segundo, universalista, tratará das relações do Brasil com o mundo, o que exclui a União Europeia; o terceiro, europeu ocidentalista, discutirá as relações brasileiras com os membros da integração europeia, principalmente no tocante ao vínculo com a Alemanha. Na América do Sul, o cenário, diferentemente da Europa, não foi marcado por disputas hegemônicas entre os seus próprios estados nacionais. Inicialmente, a região desempenhou papel de fronteira de expansão na divisão internacional do trabalho imposta pelas grandes potências europeias. Suas lutas políticas e territoriais intestinas nunca atingiram a intensidade nem tiveram os mesmos efeitos que na Europa, formação de Estados centralizados e predadores, constituídos como economias nacionais. Sem este elemento da competição interestatal pelo controle hegemônico, que influenciasse no processo de construção do Estado nacional, o continente ficou à mercê das estratégias impostas pelo imperialismo europeu. Durante o século XIX, assim como ao longo do século XX, como defende Fiori (FIORI, 2009: p.37), o subcontinente americano viveu até a guinada à esquerda dos anos 2000 uma “fase laboratorial de experiências de livre cambismo impostas pelos países de maior desenvolvimento industrial”. No início do século XXI, a América do Sul, descrente com o fracassado receituário de Washington106, iniciou as guinada à esquerda. Em poucos anos, quase todos os seus países elegeram novos governos de orientação nacionalista, desenvolvimentista ou socialista, que 106 Referência à lista de políticas econômicas, elaboradas por centros econômicos estadunidenses e organismos financeiros internacionais, que tinham como escopo guiar a atuação dos países latino-americanos no combate à hiperinflação e à crise da dívida externa. As medidas destacavam-se por serem extremamente draconianas, apelando ao ortodoxismo, como forma de viabilizar a reversão do quadro desfavorável. Com o tempo, elas revelaram-se equivocadas, inibidoras do crescimento e fomentadoras do aumento dos países endividados à dependência externa. 134 mudaram o rumo político-ideológico do continente, durante a primeira década do século107. Com a mudança no cenário político, os países passaram a adotar uma postura mais autônoma em relação aos Estados Unidos, que, a despeito de terem mantido sua supremacia militar e sua importância econômica para o subcontinente, perderam sua liderança ideológica e adotaram, a partir daí, uma posição mais passiva e distante dos assuntos regionais. A nova configuração internacional, por sua vez, permitiu que a América do Sul emergisse no sistema-mundo como área potencialmente forte, de relativa estabilidade política e econômica, com uma maior autonomia da política externa dos Estados com relação aos seus centros tradicionais de poder econômico e político. Fiori define essa posição atual e expõe suas perspectivas (FIORI, 2008: p. 58): “De todos os pontos de vista, portanto, a América do Sul é hoje uma região essencial para o funcionamento e a expansão do sistema mundial, e por isso deve sofrer uma pressão econômica e política cada vez maior, de fora e de dentro da própria região.” Esta recente funcionalidade da América do Sul no contexto internacional está relacionada à inserção expansionista da China. A voracidade chinesa por recursos naturais atrelada a políticas econômicas autonomistas e responsáveis dos sul-americanos permitiu aos países da América Meridional construir mecanismos de proteção contra a vulnerabilidade a crises externas, bem como investirem na integração regional que extrapolasse o âmbito estritamente comercial, como assinala Fiori (FIORI, 2008: p. 58): “Por sua vez, os novos preços internacionais das commodities fortaleceram a capacidade fiscal dos Estados sul-americanos e estão financiando políticas de integração de infraestrutura energética e de transportes do continente. Além disso, permitiram a formação de reservas em moedas fortes, diminuindo a fragilidade externa das economias regionais e aumentando a capacidade de resistência e negociação internacional dos seus Estados.” Ainda que tenham ocorrido avanços, a região ainda prescinde de maior segurança e estabilidade. Com o escopo de reduzir estas fragilidades e, ao mesmo tempo, corrigir as assimetrias entre os próprios vizinhos, a chancelaria nacional encara as discrepâncias regionais como uma das prioridades imediatas. O resgate do Mercosul, em 2003, presente no 107 Esta mudança eleitoral do quadro político sul-americano trouxe de volta o ideário nacionaldesenvolvimentista, marginalizado durante a década de 1990. São ideias e políticas que remontam, em alguma medida, a movimentos pela maior autonomia da América Latina em relação às elites locais e ao poder americano, ocorridos ao logo do século XX. Essa nova linha de pensamento latino-americano foi ilustrada com a eleição de setores progressistas no Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Equador, Venezuela e Chile (apesar deste ter guinado à direita nas eleições de 2010). 135 discurso de posse do Presidente Lula, e o enfoque posterior dado ao continente, por meio de ações inovadoras, demonstram a disposição política do Brasil em fortalecer seu entorno. Projetos estritamente comerciais foram conjugados com iniciativas sociais e de melhoria de infraestrutura interna. A despeito de não exercer uma liderança explícita, o Brasil, como maior economia regional, procura assumir os custos da integração ao apoiar ações propostas por outros parceiros e ao ceder em questões sensíveis a seus vizinhos. Com isso, adquire confiança multilateral para conduzir projetos mais ambiciosos, como a UNASUL e o Banco do Sul. O primeiro busca uma maior concertação política entre as nações sulamericanas, livre de intervenções externas, que objetiva se espraiar para outros campos, como o econômico, o social e o cultural. O segundo, além de uma cooperação macroeconômica, busca criar um mecanismo de fomento próprio para tratar os desequilíbrios econômicos, sem depender da ajuda externa repleta de condicionalidades. Ambas as iniciativas supracitadas, bem como a postura brasileira na região, estão voltadas para o fortalecimento autônomo da área, sem a necessidade de ingerências estrangeiras, que historicamente se revelaram esterilizadoras do crescimento interno. Dessa forma, para além dos gargalos internos, a integração sul-americana visa à proteção ante a competição externa, que tende a acirrar-se, na visão de Fiori (FIORI, 2008: p. 59): “Já não há possibilidade de escapar da pressão competitiva mundial, e isto acelera a formação objetiva e incontornável de um subsistema estatal no continente sul-americano, potencializando o poder interno e externo de seus Estados. Mas a integração econômica do continente ainda permanece um desafio absolutamente original, porque suas economias não são complementares, porque não existe um país que cumpra o papel de locomotiva da região, e porque a América do Sul não tem um inimigo externo comum. De qualquer maneira, a adolescência assistida da América do Sul acabou. E o mais provável é que esta mudança provoque, no médio prazo, uma competição cada vez mais intensa entre Brasil e Estados Unidos pela supremacia na América do Sul.” Com base no atual direcionamento da política externa brasileira na América do Sul e o consequente fortalecimento da zona meridional americana, Fiori identifica a tendência de acirramento da competição entre Brasil e Estados Unidos pela supremacia na área. O pragmatismo e a maturidade defendidos nos discursos de ambos os lados nas relações bilaterais brasileiro-estadunidenses não se aplicam a todas as searas do relacionamento. No tocante à América Central, há certa dubiedade no arranjo de interesses, o que é um sintoma inequívoco do aumento da pressão competitiva dentro do continente americano. 136 Se por um lado, os Estados Unidos apoiam a atuação protagonista do Brasil na missão de paz da ONU no Haiti; por outro, em crises que envolvem segurança militar, como nos terremotos na ilha haitiana, em 2010, e convulsões políticas, como ocorreu em Honduras, os norte-americanos impõem sua vontade, sem qualquer respeito a regras, a instituições ou à boa prática diplomática. O Brasil, por sua vez, tem exercido uma razoável influência ideológica que extrapola a porção meridional do continente, atuando sobre alguns governos de esquerda da América Central, bem como se mantém coerente na defesa do direito internacional e da não intervenção estrangeira em assuntos internos dos vizinhos. Malgrado a América Central e Caribe ainda serem considerados pelo Departamento de Estado estadunidense como o Mediterrâneo Americano108, a diplomacia brasileira não se furta de defender valores universais e de articular apoio com todos os latino-americanos, como foi visto na CELAC, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, criada em 2010, sem a presença de Estados Unidos e Canadá, em um arco política que vai da Terra do Fogo até a margem meridional do Rio Grande. Dessa forma, o país lusófono adquire legitimidade perante os hispano-americanos para construir um caminho alternativo dentro do continente, combinando indústrias de alto valor agregado com a produção de alimentos e commodities de alta produtividade, bem como autossuficiência energética, estratégia em andamento na América do Sul. Em relação à América do Norte, principalmente aos Estados Unidos, o alinhamento automático de outrora foi deixado de lado em nome de um pragmatismo, passível de controlar a dinâmica cooperação-conflito. Se na área energética, o Brasil celebra acordos de entendimentos com os Estados Unidos sobre a utilização do etanol, na seara comercial, os países divergem sobre os subsídios estadunidenses a produtos agrícolas, como o algodão, chegando a haver conseqüências jurídicas na Organização Mundial de Comércio109. 108 Referência à tese geopolítica de Nicolas Spykmann. Vale ressaltar que o sentimento de impotência que resultou do desfecho das tensões no Haiti e em Honduras não deve ser perpetuado. A verdade é que não houve nem uma derrota vexatória nem uma vitória explícita da posição diplomática do Brasil. Em virtude do poder hegemônico ainda considerar a região central da América como mare nostrum, o espaço de manobra da diplomacia brasileira é bem reduzido. A despeito dessa dificuldade, o que deve ser destacado é a atuação em si, que só por existir e defender uma posição autônoma em favor da soberania estatal dos Estados latino-americanos e caribenhos, já demonstra grande avanço e expansão da esfera diplomática brasileira. Sobretudo no caso hondurenho, a postura do Itamarati se mostrou louvável, apesar de sua não efetivação. Nos movimentos diplomáticos, muitas vezes, pressões políticas de curto prazo, quando fortemente embasadas, geram efeitos no longo prazo. 109 Desde 2002 em disputa e após reiteradas decisões favoráveis ao Brasil, o Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio decidiu, em 2009, pelo direito à retaliação do governo brasileiro devido aos subsídios ilegais estadunidenses distribuídos ao algodão. A decisão envolve o direito à retaliação cruzada, podendo o Brasil aplicá-las não em relação ao algodão, mas a patentes de produtos americanos, o que o governo brasileiro afirmou disposição de fazer. 137 Questionamentos quanto à ordem mundial, ainda vinculada àquela estabelecida em Ialta110, e ao sistema internacional monetário também conferem contornos ao realismo que conduz a relação. Quanto a Canadá e México, a intensidade dos vínculos segue low-profile, a despeito da participação deste nas iniciativas que envolvam a América Latina, porém, sua opção pela aliança com os vizinhos do norte, afastou os mexicanos dos brasileiros. No vetor americanista, os indícios levam a concluir que o Brasil optou por uma alternativa autonomista, ante a possibilidade de um projeto associado à hegemonia estadunidense, que não essencialmente é conflitante com a supremacia norte-americana, mas, por questões sistêmicas, alcançará necessariamente níveis de tensão, o que é pensado, de alguma forma, pela estratégia nacional, haja vista a recém-aquisição de equipamentos bélicos e da celebração de acordos militares com outros países, como os com a França111. Dessa forma, não restam dúvidas acerca da ascensão pragmática, e autonomista, do Brasil dentro do continente americano, apesar de todas as dificuldades que esse movimento possa vir a levantar. Como forma de efetivar essa inserção mais soberana, o Itamarati terá que desenvolver instrumentos para poder atuar simultaneamente no tabuleiro regional e em outros espaços transversais de articulação de interesses e alianças, como na celebração de parcerias estratégicas com eixos de poder alternativo, como a Alemanha, e com potências emergentes, Estados e economias nacionais que também estão se expandindo rapidamente e reivindicando uma maior participação nas decisões do núcleo central de poder do sistema mundial, entre as quais se destacam a China, a Índia e a Rússia. Nesse diapasão, na primeira década do século XXI, o Estado e os capitais brasileiros mudaram sua estratégia de inserção internacional, aumentando sua presença e seu ativismo fora do continente sul–americano, não apenas no aspecto econômico, mas também nos entendimentos políticos e nas articulações diplomáticas, o que demonstra a alteração na condução do vetor universalista da política externa nacional. A atuação e liderança do Brasil em foros multilaterais atestam essa inclinação globalista do Itamarati. Na Organização Mundial do Comércio, G-20 busca, a despeito de retrocessos e avanços, defender a posição dos países em desenvolvimento sobre questões 110 Referência à Conferência de Ialta, realizada em fevereiro de 1945, na Península da Criméia, na então União Soviética, na qual se decidiu acerca da nova configuração internacional para viger no pós-guerra. Sua maior característica foi o acordo sobre o poder de veto dos Cinco Grandes no Conselho de Segurança da futura organização internacional. 111 No final do ano de 2008, o Brasil celebrou acordo com a França, que envolveu a aquisição, pelo Brasil, de cinco submarinos e 50 helicópteros com tecnologia francesa, além da construção de um estaleiro militar e de uma base naval em território brasileiro. Ademais, fertilizou-se campo para outras negociações como a preferência pelos caças Rafale, na compra a ser feita pela Aeronáutica, bem como se cogitou a parceria francesa na transferência de tecnologia para a construção de um submarino nuclear. 138 agrícolas, para evitar repetições das imposições dos países desenvolvidos, como houve na Rodada Uruguai. A discussão da crise internacional por meio do resgate do G-20 financeiro e a posição do Brasil em prol de um maior controle das instituições financeiras marcaram seu protagonismo na arena global. O país ainda manteve sua reivindicação à cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, unindo-se em seu pleito a nações insatisfeitas com a configuração mundial de Ialta, como Japão, Alemanha e Índia, e mostrando que é capaz de assumir responsabilidades globais, com o comando da Força de Paz da ONU, no Haiti. Em âmbito interestatal, a diplomacia nacional costurou alianças que vão desde assuntos econômicos a temas sociais. Ao ser chamado a integrar o G-5, junto com México, China, Índia e África do Sul, para participar ativamente nas discussões do G-8, cúpula que abarca as sete maiores economias mundiais mais a Rússia, o papel e o potencial do país foram reconhecidos pelo cluster elitista que controlava os rumos da economia mundial. Recentemente, tomou uma posição de liderança mundial nas negociações da Conferencia do Clima de Copenhagen112, antecipando-se ante a inércia das grandes potências. Com essa postura, a política externa brasileira demonstra vontade política de cooperação com os países desenvolvidos, porém, sem deles depender para articulações globais, em torno de temas relevantes para o futuro da comunidade internacional. Por meio da criação, em 2003, do Fórum de Diálogo entre Brasil, Índia e África do Sul, o IBAS, a chancelaria brasileira conseguiu trazer questões sociais relevantes para um debate amplo, que envolve três continentes que padecem ante os baixos índices de desenvolvimento socioeconômico, o que além de cooperação em áreas como assistência às mazelas sociais, dentre os países e até mesmo fora desse triângulo, fortalece os laços para a aproximação em outras esferas. Essa intensificação do Brasil nas relações Sul-Sul propicia a atuação como representante e intermediador de entendimentos interblocos, com áreas antes negligenciadas pela atuação diplomática nacional, como o fórum de diálogo com os países árabes, ASPA, entre América do Sul e Países Árabes, e o ASA, entre América do Sul e África, que colaborou na ampliação da presença econômica brasileira e sua colaboração internacional com a África Negra. Ao mesmo tempo, ao estreitar os seus laços diplomáticos com os países árabes, o Brasil amplia seus horizontes para próximo das grandes questões internacionais, como o 112 Nessa ocasião, o Brasil apresentou metas voluntárias de redução do desmatamento florestal em 80% e de suas emissões de até 2020 de 36,1 a 38,9%, o que destoou da postura inerte das grandes potências mundiais quanto aos temas, bem como articulou discussões por meio de um grupo de países emergentes, o BASIC, que envolve Brasil, África do Sul, Índia e China, para discutir as questões climáticas. 139 conflito árabe-israelense, haja vista sua postura equidistante e em favor de uma solução pacífica. O alargamento das perspectivas diplomáticas e sua crescente força internacional, galgada em posições coerentes com os princípios internacionais, permitem ao Brasil transitar em assuntos delicados, como sua atuação de defensor do hemisfério Sul livre de armas nucleares113 e do desarmamento mundial114. Para a diplomacia nacional, desarmamento e nãoproliferação são lados opostos da mesma moeda: sem um processo de desarmamento efetivo, dificilmente poderão ser evitados os perigos da proliferação nuclear. Assim, seu compromisso com uma comunidade multinacional pacífica e justa o credencia a ajudar na mediação de impasses, como a tentativa dos aliados ocidentais de isolar o Irã, por meio de sanções, em razão da polêmica sobre a finalidade de seu programa nuclear. Em recente artigo, Fiori comenta a articulação turco-brasileira em torno da discussão sobre imposição de sanções internacionais ao país persa, destacando a mudança na nova geopolítica das nações e a consequente postura da diplomacia nacional, mais independente e afirmativa (FIORI, 2010): “Existe consenso que a estrutura de governança mundial estabelecida depois da II Guerra Mundial, e reformulada depois do fim da Guerra Fria, já não corresponde à configuração do poder mundial. Está em curso uma mudança na distribuição dos recursos do poder global, mas não se trata de um processo automático, e dependerá muito da capacidade estratégica e da ousadia dos governos 113 Referência à criação de Zonas Livres de Armas Nucleares (ZLANS) em grande parte do Hemisfério Sul, com os Tratados de Tlatelolco (América Latina e Caribe, 1967), Rarotonga (Pacífico Sul, 1985), Bangkok (Sudeste Asiático, 1995) e Pelindaba (África, 1996). Nesse sentido, o Brasil vem apresentando na AssembléiaGeral das Nações Unidas (AGNU), desde 1996, um projeto de Resolução de ampla aceitação, instando a que seja reconhecido o estatuto de desnuclearização criado por aqueles Tratados e a que iniciativas análogas sejam tomadas por parte de outros países e regiões, no quadro dos esforços internacionais em prol do desarmamento nuclear geral e completo. 114 O país tomou diversas medidas internas consideradas exemplares para os defensores da não proliferação e do desarmamento nuclear. A Constituição Federal de 1988 proíbe definitivamente, em seu Artigo 21, a utilização da energia nuclear para fins que não sejam exclusivamente pacíficos. Ademais, nesse diapasão, o Brasil assumiu uma série de compromissos internacionais que dão garantias jurídicas de que não fabricará ou adquirirá armamentos nucleares. Em primeiro lugar, firmou com a Argentina, em agosto de 1991, o Acordo para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear, que criou a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC). Em seguida, ambos os países firmaram um acordo com a ABACC e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para a Aplicação de Salvaguardas, conhecido como Acordo Quadripartite, que entrou em vigor em 1994. Em maio de 1994, entrou em vigor para o Brasil o Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (Tratado de Tlatelolco), assinado em 1967, primeiro instrumento internacional a sacramentar uma região habitada do Globo como zona desnuclearizada. Em setembro de 1998, o Brasil aderiu ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que é peça central do regime internacional de não-proliferação de armas nucleares que é, hoje, o mais universal dos Tratados internacionais, já que dele participam 186 países, incluindo o Brasil. A conclusão, em 1996, da negociação do Tratado para a Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT) e os avanços no processo de desarmamento nuclear, com os Tratados START I e START II (firmados entre Rússia e Estados Unidos), constituem fatores que motivaram a adesão brasileira. 140 envolvidos nesse processo de transformação. O Oriente Médio faz parte da zona de segurança e interesse imediato da Turquia, mas no caso do Brasil, foi a primeira vez que interveio numa negociação longe de sua zona imediata de interesse regional, envolvendo uma agenda nuclear, e todas as grandes potências do mundo. A mensagem foi clara: o Brasil quer ser uma potência global e usará sua influência para ajudar a moldar o mundo, além de suas fronteiras. E o sucesso do Acordo já consagrou uma nova posição de autonomia do Brasil, com relação aos Estados Unidos, Inglaterra e França e, também, com relação aos países do Bric.” O sucesso que o autor atribui ao acordo entre os emergentes deve ser relativizado. A despeito do protesto de Brasil e Turquia, as sanções contra o Irã foram aprovadas no Conselho de Segurança da ONU, em face ao apoio dado pelos detentores do poder de veto. Ainda que, em princípio, possa parecer um rechaço à postura brasileira, a articulação autônoma entre países do hemisfério Sul sobre temas globais tem enorme potencial de gerar efeitos positivos às nações envolvidas no longo prazo, sobretudo ao Brasil, que se não ganhou, também não perdeu no imbróglio, visto que mais uma vez optou pelo diálogo, pela solução diplomática à condenação sistemática, como foi feito por outras potências. Por fim, outra esfera de atuação brasileira que deve ser destacada é a aproximação com as potências emergentes China, Índia e Rússia, bloco conhecido pelo acrônimo BRIC. Países de características díspares, mas que encontram na intensificação dos vínculos uma forma de afirmação autônoma e de fazer a comunidade internacional ouvir suas reivindicações e questionamentos sobre a configuração interestatal. O potencial do Brasil bem como suas recentes articulações externas incita o debate acerca de sua atual inserção internacional, enquanto ator global relevante, em meio a uma nova configuração do sistema-mundo. Detentor da maior concentração de biodiversidade do planeta e de uma matriz energética relativamente limpa, o Brasil desenvolve a tecnologia e a indústria de produção de biocombustível renovável, o que lhe credencia ao acesso a fontes alternativas e sustentáveis de energia, sem deixar de dispor das tradicionais. Com a confirmação das novas descobertas da camada do pré-sal, o país passará a ter uma das cinco maiores reservas de petróleo do mundo, transformando-se num dos seus maiores exportadores de energia, fator estratégico para seu posicionamento no século XXI. A incentivada e promovida internacionalização de suas empresas e capitais ampliam a participação de firmas brasileiras no mundo. Além do setor bancário, desenvolvido, empresas estatais, como a Petrobrás, e empresas nacionais, como a Vale, ligadas a recursos naturais, ocupam posições de destaque na economia mundial e expandem crescentemente seus 141 negócios. Setores diversos vinculados à indústria ganham proeminência, como a Embraer, JBS Friboi, Odebrecht, Votorantim e Braskem, e avançam para além das fronteiras domésticas. Outro aspecto relevante para o país é a dimensão de mercado interno de grande capacidade de crescimento, o que possibilita a menor dependência ao capital externo. Ademais, o controle estatal das empresas fomentadoras115 do crédito permite ao país reduzir sua vulnerabilidade a crises estrangeiras, como foi visto em 2008. Para além de ser um fator interno fundamental ao progresso nacional, o mercado doméstico apresenta-se como um trunfo nas negociações externas, haja vista sua amplitude e potencial, o que atrai a atenção de investidores externos. Nessa tendência de reduzir a dependência do Brasil a determinados mercados e de ampliar os horizontes do alcance da influência nacional, a diplomacia brasileira promove a diversificação de parceria, com fulcro em um pensamento universalista pragmático, resultado da convergência da vontade interna, de viabilizar o desenvolvimento doméstico, e da externa, de estender o raio de ação da chancelaria. O viés pragmático não implicou o sacrifício do conteúdo valorativo dos preceitos internacionais nem dos princípios orientadores da política externa brasileira. O Brasil aposta na superação das assimetrias por meio do diálogo, na definição de interesses comuns, que respeitem a proporcionalidade do benefício mútuo, e na criação de confiança por meio da cooperação e da responsabilidade no cumprimento do pactuado. O respeito aos assuntos internos de cada país, bem como aos valores de cada povo, sem intervir ou emitir juízos de valor, não impede que a diplomacia seja solidária e não indiferente a mazelas sociais e a rupturas institucionais dos diversos países. O desafio que se põe ao governo brasileiro será uma expansão e consolidação de sua liderança regional, sem perder o pragmatismo em relação às grandes potências, sem subjugar o destino dos países mais fracos e sem crescer em meio à não promoção da a prosperidade regional. O Brasil, com seu histórico de periferia submissa aos interesses das grandes potências, atravessa uma fase de afirmação consentida como líder regional e postulante cada vez mais credenciado da representação dos países de menor desenvolvimento industrial e tecnológico no sistema global o que releva seu reposicionamento no equilíbrio de poder interestatal. Fiori cita a guinada a uma política externa voltada ao desenvolvimento e resume os desafios brasileiros a serem vencidos (FIORI, 2008: p.64): 115 Referência à tríade composta pelo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional do Desenvolvimento Social, o BNDES. 142 “Mais recentemente, entretanto, depois de 2002, a política externa brasileira mudou de rumo e assumiu uma posição mais agressiva de afirmação sul-americana e internacional, dos interesses e da liderança brasileira. Mas o Brasil ainda enfrenta limitações importantes para expandir seu poder internacional: primeiro, porque seu competidor estratégico na luta pela hegemonia sul-americana são os Estados Unidos, potência líder mundial e seu principal sócio e protetor durante todo o século XX; em segundo lugar, devido à sua baixa capacidade de coordenação estratégica do desenvolvimento econômico com uma política externa de afirmação do poder brasileiro em escala internacional.” Esta otimista e aparentemente consensual nova posição do Brasil no sistema-mundo gera, no entanto, controvérsias entre os especialistas, quando analisada sob a perspectiva da divisão internacional do trabalho, norteada pela concepção clássica cepalina de centroperiferia. Na contramão do consenso acerca do incremento da inserção internacional do Brasil, Nildo Ouriques, em recente artigo, critica essa noção, corroborando a corrente que defende o retrocesso ou mesmo estagnação da posição brasileira, a partir dos anos 2000, com o aumento expressivo da exportação de produtos primários aos demandantes asiáticos, sobretudo à China (OURIQUES, 2010): “A suposição de que o Brasil “mudou sua posição no mundo” é uma ideologia que, como tal, possui certa correspondência com a realidade objetiva. De fato existem condições para que ela se estabeleça entre nós: em última instância e por mais contraditório que pareça, a suposta “nova posição” do Brasil no mundo é produto do aprofundamento da dependência e do subdesenvolvimento, a característica principal de nossa formação social.” Munido pelo pensamento marxista estruturalista e influenciado pelas teorias da independência, Ouriques vai além, minimizando a divisão hierárquica do sistema, na qual autores, como Wallerstein, introduzem a noção de semi-periferia (OURIQUES, 2010): “Esta súbita exibição do orgulho nacional no período recente é uma consequência necessária da última onda expansiva da economia mundial que consagrou o lugar de países como o Brasil no sistema capitalista. Mas é preciso deixar claro: a despeito das aparências, o lugar reservado para o Brasil é aquele que tradicionalmente nos reservam os amos da humanidade: a periferia do sistema.” 143 Reforça sua argumentação de que a recente prosperidade experimentada pelo Brasil seria episódica, em virtude de circunstâncias passageiras do sistema-mundo, uma vez que a acumulação de capital desigual e combinada do sistema centro-periferia não foi alterada. Ademais, sustenta que a inserção externa do país mais autônoma seria uma ilusão, patrocinada pela burguesia doméstica, que historicamente nunca apresentou um projeto nacional, capaz de modificar a vocação agrário-exportadora do país (OURIQUES, 2010): “Enquanto a conjuntura mundial permitir, será possível ostentar o orgulho ilusório de que finalmente estamos ocupando um “novo lugar no mundo” quando na verdade a política oficial reforça nosso velho assento na periferia sistêmica, destinado a ofertar matérias primas para as empresas multinacionais dos países metropolitanos elevarem sua taxa de lucro exatamente num período crítico da acumulação mundial. Seria surpreendente se fosse distinto, pois sabemos qual a vocação da burguesia brasileira quando o assunto é o destino do Brasil no mundo. A burguesia brasileira não possui projeto nacional!” Em contrapartida, a economista Maria da Conceição Tavares, em entrevista recente, reconheceu a condição de exportador de produtos primários do Brasil, mas a enxerga sob uma ótica diferente de Nildo Ouriques, positivamente, analisando, primeiro, a peculiar posição da China, em contraste com a clássica divisão internacional do trabalho anglo-saxônica (TAVARES, 2010): “O que tem que entender é que a China é um híbrido. Não pode ser considerada mais um país em desenvolvimento, mas tem uma área subdesenvolvida, com uma população gigantesca, no campo. A China ainda tem que caminhar para dentro, desenvolver o mercado interno. Mas ela tem um solo esgotado. Ao contrário da mudança de centro [capitalista] da Inglaterra, que não tinha produtos primários, para os EUA, que tinham, o que levou ao fim do modelo primário-exportador na América Latina, a China vai ter décadas ainda importando produtos primários, tanto na parte alimentar quanto na de minério e petróleo. Para nós está bom.“ Imbuída dessa percepção positiva acerca da atual inserção brasileira, Conceição Tavares defende a existência de uma mudança radical na divisão internacional do trabalho, haja vista o aumento das exportações em quantidade e em extensão, para todo o mundo. Ademais, levanta uma questão que diferenciaria a atual configuração daquela do pós-guerra: a exportação cavalar à China, dotada de gigantesco mercado consumidor, o que não ocorria e não ocorre na relação com os Estados Unidos (TAVARES, 2010): 144 “Você não pode deixar de levar em conta que mudou a divisão internacional do trabalho. Paradoxalmente, não vejo muita gente mencionar isso. Houve uma mudança radical da divisão internacional do trabalho, na qual nós estamos bem colocados porque a gente exporta para todo mundo. E, em particular, no que diz respeito a matérias-primas, exportamos mais para a China do que para a Europa, por exemplo. Nunca exportamos matérias-primas para os EUA.” Com isso, rechaça a visão negativa acerca da reprimarização da pauta exportadora, argumento muito utilizado para criticar a presente posição brasileira. Tavares aponta que os termos de troca hodiernos, diferentemente de meados do século XX, são favoráveis ao Brasil, pois os demandantes não seriam concorrentes dos produtos nacionais, como eram e são os Estados Unidos (TAVARES, 2010): “(...) Isso não tem nenhum cabimento, porque a primarização da pauta de exportações de hoje não se parece nada com a de então. Ao contrário daquela época, quando havia relações de troca desfavoráveis, as relações são favoráveis. Quem demanda produtos primários é a China e a Ásia inteira, que crescem muito mais do que o resto do mundo. Naquela época, os EUA eram nossos concorrentes.” O otimismo de Conceição Tavares é compartilhado por Márcio Pochmann, quando o professor e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA, concorda com a tese da alteração da divisão internacional do trabalho por meio da ascensão dos países emergentes, chamados de países-baleia, e da consequente redução de poder relativo dos países centrais. O economista vai além ao constatar que a nova inserção externa poderia contribuir para a correção de assimetrias sociais internas (POCHMANN, 2010): “Resumidamente, constata-se que a emergência dos países-baleia termina por alterar a divisão internacional do trabalho neste início do século 21, com redução do peso relativo dos países do centro do capitalismo mundial. Apesar disso, a trajetória dos países-baleia segue desigual e combinada, com distintos impactos internos em termos de combinação dos desempenhos econômicos e sociais, que geram oportunidades inéditas de superação da condição de subdesenvolvimento.” Acerca da questão sobre a ausência de um projeto nacional formulado pela burguesia nacional, Carlos Medeiros desloca o debate do eixo da existência de estratégias para o da eficácia, que dependerá da complexa interação entre estruturas e instituições, do embate entre interesses econômicos e políticos, que não está imune aos efeitos dos conflitos sociais e das transformações internacionais (MEDEIROS, 2010): “(…) national economic strategies are 145 formed by particular interactions between institutions and economic structures and evolve according to social conflicts in a non neutral international environment.” Marco Aurélio Garcia, assessor da presidência para assuntos exteriores e parte da tríade116 considerada a responsável pelos rumos da diplomacia universalista pragmática dos Anos Lula, destaca, em recente entrevista, a política externa como viés importante nessa interação (GARCIA, 2010): “A política externa do Brasil não pode ser simplesmente entendida como um mecanismo de projeção do Brasil no mundo, ela é um elemento substancial do próprio projeto nacional brasileiro. Nós não podemos nos pensar fora do mundo, fora da região.” Dessa forma, tendo em vista as diferentes visões apresentadas, de estadistas a renomados acadêmicos, a despeito de sentimentos céticos ou otimistas, é possível concluir que a política externa brasileira em seu vetor mundo visa a projetar os interesses brasileiros e a incrementar o perfil externo do país, ainda que questionado seu êxito ou sua natureza, interrelacionada com aspectos internos e externos. Nesse sentido, o Itamarati, no vetor universalista, pauta-se na diversificação de parcerias tanto no plano das vinculações bilaterais, quanto nos foros multilaterais, objetivando o aproveitamento de oportunidades de manobra para elevar sua autonomia ante a teia hegemônica. Assim como no eixo universalista, no vetor europeu há a dinâmica bipolar que envolve ora o âmbito bilateral, ora o interblocos. Para essa dissertação, na vertente europeia, terão relevância as relações bilaterais do Brasil com a Alemanha, como explicitará a análise mais apurada do país germânico na diplomacia nacional. 5. A Alemanha na política externa brasileira A escolha da Alemanha como parceira estratégica não é privilégio da conjuntura atual nem uma escolha feita ao acaso e sem precedentes. Além dos fortes vínculos sociais e culturais, adquiridos com a imigração germânica para o território brasileiro ao longo do século XIX, não só a Alemanha, mas também a Europa Ocidental como um todo, desempenham função fundamental na formulação da política externa brasileira. Dessa forma, o vetor europeu pode ser dividido em eixos, que são mutáveis de acordo com a conjuntural, envolvendo o relacionamento do Brasil com os diversos países europeus. O primeiro seria o eixo histórico-latino que contém as relações do Brasil com Espanha, Portugal e Itália, de grande identidade cultural, sobretudo linguística, costumeira e 116 Os outros membros seriam o chanceler Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário Geral do Itamarati até 2009 e atual Ministro Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. 146 genealógica, que recentemente vem sendo resgatado, notadamente com a Espanha e no aspecto comercial e financeiro. O segundo abarca os vínculos de baixa intensidade, no qual se inserem países com elevado potencial de relacionamento, que, contudo, não se concretiza efetivamente, como Grã-Bretanha, Irlanda, novos membros do Leste Europeu, Bélgica, Holanda, Áustria, Grécia e Países Escandinavos. Há que se destacar a incipiente, todavia, promissora cooperação com a Suécia em matéria de biocombustíveis. Por fim, o terceiro relaciona os laços com os alemães e franceses. Como seus países são as principais potências econômicas e políticas da porção ocidental do continente, são utilizados, em medidas diferentes, como válvulas de escape à dependência hegemônica. Não sem razão, foram fechados acordos militares com os dois países. O acordo com os franceses, de maior monta e visibilidade, envolveu a venda de equipamentos militares e de tecnologia para o incremento das Forças Armadas brasileiras. Nesse mesmo sentido, o Brasil, em menor escala, também adquire peças do arsenal germânico, como veículos de guerra. Ademais, associada ao poderio econômico e geopolítico das nações, a presença de contingentes de imigrantes social e economicamente influentes, principalmente no caso alemão, confere efetividade à cooperação bilateral. A importância de Berlim na diplomacia brasileira extrapola a influência histórica e cultural no Brasil e envolve sua força econômica e política do continente europeu no sistema mundial, que estrategicamente é utilizada pela diplomacia nacional em contraposição ao poder hegemônico estadunidense. Na relação entre brasileiros e alemães a partir da década de 1930 reside a expressão mais permanente, visível e recorrente do conceito de parceria estratégica. Principalmente, no relacionamento bilateral com os alemães, a história da política exterior do Brasil ilustra os momentos de aproximação mais relevantes, coincidentes com as brechas abertas no sistema interestatal para o aprofundamento da cooperação e com a orientação autonomista dos governos nacionais. Já desde o século XIX, porém, com maior intensidade, no século XX, durante os 60 anos do nacional-desenvolvimentismo na política externa brasileira, sempre quando sistemicamente permitido, a Alemanha foi cogitada como parceiro estratégico, quando não dela partiam as iniciativas de aproximação. Nesse aspecto, a reciprocidade existia, sendo mutuamente correspondida, a despeito de posições distintas, buscavam uma inserção internacional mais autônoma. 147 Amado Cervo sintetiza a relação e destaca a importância da participação alemã no desenvolvimento industrial brasileiro (CERVO, 1995: p.100): “Como mostram particularmente os estudos do nosso colega Moniz Bandeira, desde os anos 30, os sucessivos governos do Brasil viram na Alemanha a alternativa potencial de maior peso político e econômico para o Brasil, depois dos EUA. Tanto para o comércio quanto para os investimentos de base e para a industrialização, na fase política do nacional-desenvolvimentismo brasileiro, que se estendeu de 1930 a 1990, a Alemanha foi um trunfo estratégico e uma parceria essencial ao desenvolvimento brasileiro.” Percebe-se ainda que a vertente europeia, como instrumento na procura de alternativas políticas ou econômicas ao relacionamento com os Estados Unidos permaneceu, mesmo durante e após os anos de 1990, com o interregno marcado pelo desenvolvimentismo associado da diplomacia nacional. Por exemplo, a negociação com a ALCA durante esse período foi marcada pela estratégia triangular de Brasil/Mercosul-ALCA-União Europeia/Alemanha. A intensificação dos laços, sobretudo comerciais, com os europeus caracterizava-se pelo intuito de conseguir vantagens comerciais, de um lado, que fossem suficientes para forçar o outro lado a ceder em determinadas questões comerciais. Christian Lohbauer identifica uma linearidade nas pretensões autônomas externa do Brasil, até a alvorada do novo século, independentes de mudanças políticas internas, e aponta sua relação com o estreitamento dos laços com a Alemanha (LOHBAUER, 2000: p.23): “De 1964 a 1999, dois fatores constantes devem ser considerados: 1) independentemente dos períodos militares, da transição ou da democracia, há uma significativa continuidade da política externa brasileira no que se refere à busca de uma relativa autonomia em relação aos Estados Unidos. Diante disso, a RFA será, durante todo o período estudado, o ator principal da alternativa europeia; 2) o constante interesse econômico alemão no potencial do mercado brasileiro, seguindo sua prioridade econômica de país exportador de equipamentos e tecnologia.” A intensificação do sentido estratégico retorna com a diplomacia universalista pragmática do Governo Lula, que, além de contar com uma maior margem de cooperação concedida pelo poder hegemônico, converge com as ambições soberanas da hodierna política externa germânica. A despeito de divergências comerciais, que estão mais relacionadas, em 148 sua maioria, com medidas protecionistas a produtos agrícolas117 da União Europeia, a vontade política mútua em torno do aprofundamento das relações vem sendo constantemente demonstrada e reiterada. Há que se ressaltar que, apesar da Alemanha não dominar exclusivamente o vetor europeu, ela o polariza. A opção europeia é multifacetada, haja vista a particularidade da relação de cada país com o Brasil, e, por isso, a escolha alemã faz transparecer o reconhecimento brasileiro ante a potencial influência sistêmica dos germânicos. Esta força envolve não apenas aspectos geopolíticos, mas também econômicos. Além de seu mercado interno, a Alemanha aparece para o Brasil como porta de entrada para toda a Europa, no que tange a investimentos e ao intercâmbio comercial. O potencial de irradiação global que tem a economia alemã na União Europeia é cada vez maior, sobretudo pela pouca competitividade dos produtos dos países de menor capacidade econômica que adotaram a moeda única. O Brasil é o mais importante parceiro comercial da Alemanha na América Latina e a Alemanha, por sua vez, é o quarto maior parceiro comercial do Brasil, atrás somente de China, Estados Unidos e Argentina. A Alemanha, além de se destacar mundialmente por seus índices de exportação, é ainda um grande importador mundial, sobretudo de produtos primários, como demonstram as tabelas: Fonte: Câmara de Comércio Brasil-Alemanha/Porto Alegre Diante desse panorama, tanto econômico quanto geopolítico, é possível perceber a relevância, histórica e ainda atual, da Alemanha na diplomacia brasileira, que contribui como 117 Nesse ponto, o destaque é para a Política Agrícola Comum da União Europeia, que prejudica, em muito, a exportação de produtos agrícolas para a Europa e a concorrência no mercado internacional de alimentos, uma vez que os subsídios conferidos a produtores europeus são tão altos que eles chegam a exportar sua produção, garantindo-lhe uma posição que não conseguiriam se os incentivos não existissem. A Alemanha, diferentemente da França, idealizadora e patrocinadora do projeto agrícola, defende, assim como o Brasil, a redução dos elevados subsídios. Em parte, o pleito parece que será atendido em um futuro próximo, após iniciado, em 2008, o processo de reforma da política agrícola europeia. 149 polo alternativo de poder e, de alguma forma, na inserção internacional do Brasil na nova divisão do trabalho118, haja vista sua demanda por produtos primários. 6. Considerações finais À guisa de conclusão deste terceiro capítulo, que envolveu basicamente as nuances do contexto mundial a partir dos anos 2000 e a relação deste com as atuais diretrizes de política externa de Brasil e Alemanha, algumas observações se fazem pertinentes. Primeiramente, o foco da análise concentra-se no resultado do movimento de expansão, iniciado durante a crise gerada pelo aumento da pressão competitiva nos anos de 1970, por meio de transformações estratégicas do projeto de poder estadunidense, como forma de retomada das rédeas globais. Com seu ápice atingido após a vitória dos anos de 1990, a face imperialista de construção de um sistema nos moldes americanos foi tornando-se explícita, assim como seus limites, expostos pelos fracassos militares recentes119, o que gerou a paradoxal reativação das estratégias nacionais dos Estados, inaugurando o período da “nova geopolítica das nações” (FIORI, 2007), em um cenário no qual esse sistema moderno nunca esteve tão estendido120, abrangendo regiões que já estiveram à margem do processo mundial de acumulação de capital. A primeira década do século XXI evidenciou o espantoso crescimento chinês, consequência do acordo com os Estados Unidos, que selou o simbiótico matrimônio que move a economia mundial e acirra as tensões geopolíticas ao redor do globo. A incapacidade hegemônica de moldar o mundo a seu bel prazer e a autodestruição das estruturas de poder criadas pelo próprio hegemon, potencializam as ambições autônomas de outros concorrentes, que ascendem, acirrando a competição interestatal. O deslocamento do centro da acumulação de capital do mundo para o Leste Asiático leva os especialistas a repensarem a noção clássica da divisão internacional do trabalho. A emergência asiática altera as estruturas de poder, abrindo brechas às aspirações de outras nações, não significa, contudo, que ameace a hegemonia estadunidense, que, para o marco teórico da Economia Política Internacional, adotado nessa dissertação, ainda detém as rédeas do poder militar e do controle da moeda. Em verdade, a competição potencializa o poder hegemônico, visto que o poder relativo das relações interestatais, para existir, precisa ser exercido, sob pena de atrofiar. 118 Referência ao pensamento de Maria da Conceição Tavares já exposto nessa dissertação. Vide as fracassadas e custosas intervenções no Afeganistão, iniciada em 2001, e no Iraque, iniciada em 2003. 120 Evidência disso é o aumento do número de Estados nos últimos 20 anos, após o ocaso da ordem bipolar da Guerra Fria. 119 150 Desse pressuposto advém a necessidade dos Estados nacionais de aumentar seu poder relativo por meio de uma inserção internacional autônoma, ainda que vinculada ou não na teia hegemônica. Em virtude disso, quando há margem de manobra, a face estratégica das cooperações bilaterais ou interblocos torna-se mais evidente e factível. Por isso, relações alternativas ao polo hegemônico ganham relevância, como demonstra a denominada terceira fase dos vínculos estratégicos entre brasileiros e alemães, que extrapola o âmbito estritamente comercial e abarca ramos como ciência, tecnologia, energia, investimentos em infraestrutura e acordos políticos. Este sentido dos laços binacionais mostra os dois prismas de um mesmo processo: o dos Estados, refletido em sua política externa voltada ao desenvolvimento e à autonomia nacional ante o poder hegemônico; e o do sistema-mundo, cuja configuração contemporânea permite essas manobras geopolíticas. Diante dessa premissa, a análise do momento atual da relação bilateral entre Brasil e Alemanha requer o debate sobre as diretrizes externas de cada país, inseridas dentro da dinâmica do panorama internacional. Em relação à política externa alemã, percebe-se a complexidade que envolve sua atuação internacional, uma vez que, ao mesmo tempo em que o poder hegemônico estimula a autonomia germânica, ao convocar à atividade seu setor militar e ao consentir em sua expansão econômica, assegura o equilíbrio de poder da balança europeia por meio da ocupação militar em terras teutônicas e da manutenção das forças bélicas e do arsenal nuclear da OTAN no continente europeu. A presença bélica estrangeira na Alemanha possui um sentido dúbio, a partir do momento em que restringe sua autonomia e impõe aos alemães uma parceria estratégica, que, mesmo forçada, lhe garante benefícios consideráveis, dentre os quais a possibilidade de expandir suas alianças a países emergentes, como o Brasil, cuja relação é menos conflituosa que no âmbito europeu. A política externa brasileira, por sua vez, após resgatar internamente as diretrizes nacionais desenvolvimentistas de outrora, enxerga na diversificação de parcerias, tanto as SulSul quanto as Norte-Sul, uma oportunidade de alargar seus horizontes diplomáticos e de reduzir sua dependência ao poder hegemônico. Para além do comércio expropriatório121 e do desenvolvimentismo assistencialista de épocas anteriores, a emergência das potencialidades nacionais, que extrapolam as econômicas, permite a celebração de acordos estratégicos com 121 Sobre os de tratados de livre comércio Norte-Sul, Chang vaticina (CHANG, 2003): “Os acordos de livre comércio entre países de níveis de produtividade muito diferentes destinam-se, a médio prazo, ao fracasso, pois os países pobres vão tomar consciência de que eles não o estão ajudando a se desenvolver.” 151 países de inserções internacionais distintas, com base em termos mais recíprocos, haja vista a redução da diferença de produtividade entre centro e periferia na divisão mundial do trabalho. O Itamarati, por meio de seu universalismo pragmático ou seletivo, opta por parcerias que envolvam o desenvolvimento econômico, social e tecnológico, sem comprometer a soberania do país, buscando a concretização de sua aspiração a liderança regional, tendência potencialmente geradora de tensões com os objetivos hegemônicos para o continente americano. Com isso, ante as particularidades externas dos dois países, constata-se que a atual cooperação é resultado de vínculos históricos e de uma orientação atual que confere importância ao relacionamento, porém, a ele não se restringe. A relação bilateral estratégica entre Brasil e Alemanha é apenas mais um eixo alternativo em cada visão diplomática, que, ao lado de outros, mais relevantes ou não, compõem os projetos de inserção autônoma, cada qual à sua maneira, das duas nações. 152 Conclusão Diante do que foi exposto ao longo desta dissertação, para fins de conclusão, cabem algumas observações. Em primeiro lugar, em face do enfoque da economia política internacional, pode-se inferir que a relação entre Estados não deve ser analisada, sem a devida compreensão das particularidades do sistema internacional, responsável por influenciar diretamente na forma de condução e na eficiência dos acordos bilaterais. Ademais, tendo em mente a relevância da ordem interestatal para os laços bilaterais, é pertinente incluir no debate o entendimento acerca do processo de formação de cada país, que está inter-relacionado com sua inserção internacional. A partir dessa verificação, é possível depreender o significado e as raízes históricas da cooperação que envolve Brasil e Alemanha, nações de trajetórias e posições distintas, surgidas no mesmo século, que historicamente se reconhecem como potenciais parceiros na construção de alianças alternativas, que diminuam sua dependência ao poder hegemônico. Este sentido estratégico do relacionamento bilateral foi identificado em três momentos distintos, intimamente vinculados com o desenvolvimento histórico do sistema. Em outras palavras, a cooperação em um viés mais amplo, geopolítico e geoeconômico, só foi possível quando se abriu brechas ou espaços para essas manobras. Este estudo identifica a emergência de margens de manobra sistêmicas em períodos estratégicos específicos. Os ciclos perpassam os anos de 1930, período de vácuo hegemônico, os anos 1970, lapso temporal que marca a explosão expansiva sistêmica e a percepção de crise relativa do poder hegemônico, e os anos 2000, nos quais a estratégia imperialista e seus limites do projeto hegemônico se tornaram mais evidentes, o que elevou a pressão competitiva entre os Estados e ocasionou em uma nova configuração internacional. Em segundo lugar, cabe ressaltar que, diferentemente dos anos de 1950 e 1960 (outro período de intensificação dos laços bilaterais, cuja aproximação ficou restrita a comércio e investimentos, em um contexto de inquestionabilidade da hegemonia estadunidense), as bases da cooperação bilateral estendem-se para áreas vitais ao desenvolvimento econômico mútuo. Percebe-se que estes setores abarcam o estreitamento dos vínculos em alta indução na cadeia produtiva, como ciência, tecnologia e infraestrutura, bem como em acordos e entendimentos políticos e diplomáticos estabelecidos entre os dois governos, impulsionando a realização de eventos e de constante intercâmbio científico e tecnológico. Com isto, é plausível identificar indícios de um terceiro ciclo estratégico na recente aproximação entre Brasil e Alemanha. 153 Em terceiro lugar, para além dos compromissos econômicos bilaterais, outro prisma que reflete o sentido geopolítico da parceria é o da condução da política externa de cada país. Com o alvorecer do novo milênio e com a consequente nova configuração da geopolítica das nações, Brasil e Alemanha tiveram suas inserções internacionais consideravelmente alteradas, o que se percebe pela maior autonomia com que passaram a guiar suas políticas externas. A forma como direcionam suas atuações diplomáticas evidencia seu viés desenvolvimentista autônomo (em relação ao poder hegemônico) tanto na relação bilateral, pelo resgate da cooperação estratégica de ciclos anteriores, quanto no âmbito multilateral, pela diversificação de parcerias e pelo questionamento das estruturas da ordem hegemônica vigente. Assim, também a articulação diplomática dos países (não apenas entre eles, mas entre todos os atores do sistema interestatal) no cenário internacional revela indícios do resgate da potencial complementaridade da parceria germano-brasileira voltada para a consecução dos seus objetivos nacionais. Por fim, é imperioso ressaltar que essa aproximação estratégica entre países não significa necessariamente que produzirá resultados imediatos ou até mesmo que seus escopos serão alcançados. A despeito da disposição política até o presente momento demonstrada, não há garantias de efetividade das iniciativas, nem no curto nem no longo prazo. Todavia, nesse sistema político internacional, a cooperação interestatal, ainda que de impactos nebulosos, mas, sobretudo, no ínterim em que se aumenta a pressão competitiva, sinaliza objetivos geopolíticos dos Estados, que estão sempre insatisfeitos e em constante concorrência pelo aumento de seu poder relativo e de sua riqueza. A promissora parceria germano-brasileira, sob termos estratégicos, pode sucumbir ante os acontecimentos globais relevantes ou as mudanças políticas internas, como pode se expandir e frutificar. As incertezas são inerentes dos relacionamentos interestatais. Fundamental é, contudo, saber identificar a semelhança do período atual com os outros dois anteriores e os objetivos autonomistas dos órgãos formuladores da política externa contemporânea. Brasil e Alemanha possuem laços históricos, que abarcam esferas culturais, sociais, políticas e econômicas, sob os quais se construiu a percepção mútua de reconhecer o outro país como polo alternativo de poder, sempre quando houve margem de manobra para a parceria. Logo, a recente aproximação denota, portanto, as ambições autonomistas de brasileiros e alemães em meio à nova configuração do equilíbrio de poder interestatal. 154 Referências Bibliográficas ABELHAUSER, Werner. Wirtschaftsgeschichte der Bundesrepublik Deutschland 1945-1980. Suhrkamp: Frankfurt am Main, 1983. ABREU, Marcelo de Paiva. A Ordem do Progresso: cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Editora Campus: Rio de Janeiro, 1990. ALMEIDA, Paulo Roberto de. “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”. 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