As plantas exóticas infestam Portugal Introduzidas, sobretudo, para fins ornamentais ou exploração florestal, centenas de espécies vegetais estrangeiras têm vindo a conquistar o país. Hipnotizados pela sua beleza, habituámo-nos a conviver com elas sem suspeitarmos dos seus verdadeiros impactos. O biólogo Jorge Nunes revela algumas das mais nefastas, alerta para os seus efeitos sobre a biodiversidade e a economia e lembra que cada um de nós pode ser parte do problema ou da solução. Os Descobrimentos não foram apenas um período áureo da expansão de Portugal no mundo, que permitiu o achamento de novas terras, de novas gentes e de valiosas riquezas, como pedras preciosas e especiarias. Serviram igualmente para descobrir inúmeros organismos totalmente desconhecidos dos povos europeus. Como as pessoas ficavam maravilhadas com a beleza e o exotismo de muitas espécies recolhidas nos quatro cantos do mundo, elas eram trazidas regularmente para a Europa. Terá sido por essa altura que se iniciou aquilo a que poderemos chamar “introdução de espécies exóticas” (que tanto podem ser animais como plantas, fungos, protistas ou moneras), uma prática que se foi acentuando com o incremento da mobilidade humana, da globalização, do turismo e da exploração comercial da fauna e da flora. A denominação “exóticas” lembra-nos que não são indígenas, tendo sido transportadas e introduzidas em lugares distintos dos seus locais de origem. No entanto, estamos tão habituados a vê-las e a conviver com elas que raramente nos lembramos da sua origem estrangeira, chegando a confundi-las com espécies autóctones. Isto é particularmente verdade no caso das plantas, que têm o dom de nos enfeitiçar com a sua beleza e com os seus odores inebriantes. A adoração das plantas estrangeiras, que entretanto se espalharam um pouco por toda a parte, chega ao ponto de lhe serem dedicadas festas ou de se verem transformadas em atrativo turístico. Ainda há poucos anos, faziase em Viana do Castelo a Festa da Mimosa, entretanto rebatizada como “Festa da Primavera”, para evitar polémicas. E hoje mesmo, na página oficial do governo dos Açores, pode ler-se: “Perdido no Atlântico, estendese o mais profundo dos segredos (…) por entre o verde das fajãs e o mar azul das baleias, o sentimento de um povo brota em cascata, embelezado pelas hortênsias, nascidas no coração de cada açoriano.” Nesta fase, o leitor poderá ficar um pouco confuso e perguntar-se-á: mas, afinal, as mimosas e as hortênsias são espécies exóticas? É verdade, quem diria? Possivelmente, ouvirá muita gente dizer: mas as mimosas deitam um cheirinho tãããão booom! São tão bonitas e perfumadas! Até já fazem parte daqueles raminhos que são benzidos na missa (compostos tradicionalmente por alecrim, oliveira, rosmaninho…) e depois guardados religiosamente durante todo o ano para “proteger dos maus ares”. Há lugares onde substituíram até a tradição das maias (giestas que eram colocadas nas portas e nas janelas das casas, no primeiro de maio, para afastar os diabos, os maus olhados e a fome, segundo crenças antigas), sendo presença comum nos para-brisas dos automóveis. Não pode ser! E as hortênsias, que são a flor símbolo de muitas ilhas açorianas, como o Faial e a Terceira? Que seria dos Açores sem os quilómetros e quilómetros de hortênsias a pincelar de azul o verde infinito da paisagem? Talvez os Açores fossem um lugar melhor sem as ditas hortênsias, também conhecidas localmente como “hidrângeas” ou “novelões”. Isto porque a Hydrangea macrophylla, originária do Japão, é exótica (podendo até ser considerada uma invasora em alguns lugares do arquipélago), tal como as mimosas (Acacia dealbata), oriundas do sudoeste da Austrália e da Tasmânia, o são no continente, onde atingem densidades elevadas em inúmeros locais, desde o Minho ao Algarve. Intrusas e invasoras Quando uma planta é introduzida num ecossistema diferente do seu local de origem, podem ocorrer três situações distintas: - não encontra condições adequadas à sua sobrevivência e acaba por extinguir-se; - encontra condições boas, torna-se residente e vive em equilíbrio com os restantes seres vivos do ecossistema (diz-se “exótica”, “estrangeira”, “alienígena” ou “intrusa”); - ou depara-se com condições muito favoráveis (sem predadores naturais e com vantagens competitivas relativamente as espécies nativas), pelo que se torna invasora. O termo “invasora” (infestante ou praga vegetal) usa-se normalmente para designar uma espécie naturalizada com elevada taxa de reprodução e que é capaz de colonizar áreas afastadas da zona inicial de introdução, sem necessidade de intervenção humana. Para evitar mal-entendidos, convém esclarecer que nem todas as espécies “exóticas” existentes em Portugal são obrigatoriamente “invasoras”. Veja-se o caso da batata e do milho, das tílias e dos plátanos, das laranjeiras e dos limoeiros, dos pessegueiros, das amendoeiras, das alfarrobeiras e dos castanheiros, todas espécies que foram introduzidas mas não crescem de forma descontrolada de modo a pôr em causa a vegetação autóctone. Então, o que leva uma planta a tornar-se invasora? Depois de ser introduzida num novo habitat, ocorre habitualmente um período de naturalização. Este corresponde a um intervalo de tempo, mais ou menos longo, em que a espécie começa a formar novas populações, em habitats naturais ou seminaturais, que se mantêm a si mesmas – até aqui, chama-se apenas “exótica”. Entretanto, determinados fatores, como incêndios, alterações no uso dos solos, agentes dispersores, entre outros, podem facilitar o aumento rápido da sua distribuição, ocorrendo aquilo que se denomina por “invasão biológica”. Esta ofensiva vegetal passa muitas vezes despercebida aos olhos do cidadão comum, ele próprio frequentemente responsável por interromper o equilíbrio que facilitou a invasão: através da dispersão da espécie, da abertura de clareiras, da realização de queimadas, etc. As consequências de uma propagação infestante estarão dependentes de aspetos diversos, como as características do campo de batalha (leia-se: habitat invadido), a taxa de crescimento e reprodução do invasor, bem como a eficiência dos seus mecanismos de dispersão. Algumas plantas crescem tanto e tão rapidamente que passam a dominar os habitats, competindo e em alguns casos substituindo as espécies indígenas e alterando as características ecológicas dos ecossistemas (transformando os seus parâmetros ambientais, consumindo com maior eficácia os recursos disponíveis no meio, etc.). O confronto entre espécies exóticas e indígenas é claramente uma guerra desigual, que acaba sempre com a derrota das nativas. Logo, não é de estranhar que as espécies invasoras constituam, na atualidade, uma das maiores ameaças à conservação da biodiversidade a nível mundial. Neste caso, os investigadores falam a uma só voz: consideram-nas, juntamente com a destruição dos habitats, a principal ameaça para a conservação das espécies autóctones, sobretudo quando estas se encontram em perigo de extinção. Trata-se de “um dos maiores problemas da conservação da natureza em Portugal”, segundo a Liga Para a Proteção da Natureza (LPN), organização fundada em 1948. Porém, os impactes não se resumem aos desequilíbrios dos ecossistemas, com a diminuição da biodiversidade e, em determinados casos, a extinção de espécies, a diminuição da disponibilidade de água nos lençóis freáticos e o aumento da erosão dos solos ou variações no reservatório genético das comunidades, através de alterações do fluxo genético, de hibridações e até da criação de novos genótipos invasores. São igualmente económicos (com perdas avultadas na produção agrícola, florestal e piscícola e gastos elevados na aplicação de medidas de controlo de pragas botânicas), de saúde pública (uma vez que algumas dessas plantas causam doenças, como alergias, e são vetores de pragas) e culturais e sociais (isto se encararmos as áreas naturais como espaços de recreação e ecoturismo, com importantes funções educacionais, culturais, sociais, espirituais e religiosas), entre outros. O pior de tudo é que, além de serem imensas as consequências, são geralmente irreversíveis. Após a sua instalação, são tremendas as dificuldades em parar a expansão ou erradicar estas espécies. Alienígenas invadem Portugal Apesar do seu nome, estes organismos são ameaças bem terrenas. Com origem nos quatro cantos do mundo, desde as distantes regiões australianas, asiáticas ou americanas até às africanas aqui ao lado, não são extraterrestres, é verdade, mas nem por isso deixam de ser hostis. Muitas das espécies que se comportam hoje como pragas vegetais foram introduzidas em épocas passadas com objetivos que passaram pela fixação de areias (por exemplo, o chorão-das-praias e a acácia-de-espigas), a estabilização de taludes (a mimosa), a utilização da madeira (mimosa e austrálias) ou dos taninos (acácia-negra) ou a criação de sebes vivas (háquias) ou simplesmente ornamentais (espanta-lobos e erva-das-pampas). A juntar às inúmeras introduções intencionais, muitas outras ocorreram acidentalmente, mas com consequências igualmente graves. A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), consciente da gravidade do problema à escala global, criou, em 1996, na Species Survival Comission, um grupo de trabalho especializado nas invasões biológicas por espécies exóticas (Invasive Species Specialist Group). Numa das suas publicações, em que é dada a conhecer a lista das cem espécies mais infestantes do mundo, fica a saber-se que algumas delas ocorrem em solo lusitano, como o jacinto-aquático, a acácia ou a cana-comum. O jacinto (Eichhornica crassipes) é uma planta oriunda da Bacia Amazónica, que terá sido introduzida no nosso país para fins ornamentais. Encontra-se atualmente em canais de irrigação, lagoas, troços de rios e ribeiros e refolgos de barragens, onde forma densos tapetes que cobrem a superfície da água. Estes alteram o ecossistema aquático, reduzindo a corrente, a luz subaquática e a biodiversidade. Tem um crescimento extremamente rápido, reproduzindo-se tanto por semente como vegetativamente. Já a acácia (Acacia mearnsii) é originária do sudoeste da Austrália e da Tasmânia (tal como as restantes sete espécies do género Acacia existentes em Portugal, todas consideradas invasoras) e terá chegado ao nosso país com intuitos ornamentais (embora também tenha sido cultivada para a extração de taninos). Encontra-se por quase todo o território nacional, formando vastos povoamentos monoespecíficos. As suas estratégias de invasão passam pelo elevado número de sementes (que podem permanecer viáveis no solo por meio século) e pelo facto de rebentar facilmente de raízes e touças, principalmente após o fogo. Quanto à cana-comum (Arundo donax), teve origem na parte oriental da Europa e na Ásia e foi introduzida pelo interesse dos colmos, designadamente na agricultura. Hoje, espalha-se por todo o continente e ilhas, surgindo vulgarmente em sebes e taludes. Tem taxas de crescimento elevadas e, ao ocupar áreas extensas, destrói a vegetação autóctone e a fauna que lhe estava associada e interfere com o fluxo de água. Todavia, não se pense que estas são as únicas pragas vegetais a assolar o país. Em 1999, o decreto-lei n.º 565/99 (que regula a introdução na natureza de espécies não indígenas da flora e da fauna), listou quatrocentas espécies como intrusas (cerca de 15 por cento da flora vascular portuguesa), das quais trinta foram classificadas como infestantes. Segundo o portal Plantas Invasoras em Portugal (PIP), da responsabilidade do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e do Centro de Estudos de Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade da Escola Superior Agrária de Coimbra (http://www.ci.uc.pt/invasoras), “mais de 550 espécies de plantas exóticas introduzidas em Portugal Continental são consideradas atualmente como escapadas de cultura, subespontâneas ou invasoras”. Esta mesma fonte acrescenta que “muitas mais espécies foram introduzidas mas encontram-se exclusivamente sob o controlo da ação direta do Homem”, “pelo que não são consideradas neste número”. O mais alarmante é que os especialistas acreditam que cerca de 40% do total de espécies alienígenas residentes (quase duzentas) podem considerar-se potencialmente infestantes. Estrangeiras à porta de casa À imagem do que acontece um pouco por todo o mundo, em território espanhol o problema das plantas invasoras também tem sido uma dor de cabeça. Em 2006, a obra Top 20 deu a conhecer as vinte espécies fauno-florísticas mais prejudiciais de Espanha. Dessas, sete também apoquentam os portugueses. No topo das preocupações surge a mimosa (Acacia dealbata), a mesma que já teve direito a festa no Alto Minho. Foi introduzida para fins ornamentais e cultivada, outrora, como espécie florestal e para fixação de solos. As consequências da sua expansão desenfreada têm sido a formação de povoamentos muito densos que impedem o desenvolvimento das espécies nativas (alguns estudos indicam que tem efeitos alelopáticos, impedindo o desenvolvimento de outras espécies), contribuindo igualmente para a diminuição dos cursos de água e para o aumento da erosão do solo. Segundo o PIP, esta “é provavelmente a espécie invasora mais agressiva em sistemas terrestres em Portugal Continental”, estatuto atribuído também à próxima planta, que não poderia ter nomes mais enganadores: árvore-do-céu ou árvore-do-paraíso. A árvore-do-céu (Ailanthus altissima), também conhecida por espanta-lobos, é oriunda da Ásia, tendo chegado a Portugal com propósitos ornamentais, e é hoje presença habitual em espaços urbanos e nas margens de estradas. Tem um crescimento muito rápido (até três centímetros por dia), não sendo, por isso, de estranhar que forme matos cerrados e densos que ocupam o espaço da vegetação nativa. Outro dos seus segredos passa pela elevada quantidade de sementes (350 mil por planta e por ano), que podem viajar longas distâncias, levadas pelo vento. Outra das espécies preocupantes é a erva-das-pampas (Cortaderia selloana), tão apreciada pelos seus lindos penachos brancos, que terão motivado a sua introdução para fins ornamentais. Vinda da América do Sul (origem a que alude o seu nome comum), acabou por conquistar os portugueses, que não só incentivaram a sua dispersão como apreciam a sua ocorrência à porta do lar (sempre que não surge espontaneamente, plantam-na nos seus quintais e jardins), quando não mesmo dentro de casa, sobretudo em arranjos florais (enquanto não descobrem que, ao fim de algum tempo, as sementes começam a voar pela casa toda!). As suas artimanhas passam por um crescimento vigoroso (com formação de rosetas densas que abafam o coberto vegetal autóctone e impedem a circulação da fauna), pela produção elevada de sementes (espalhadas tão eficazmente pelo vento), pela exibição de folhas cortantes (a que se refere o seu nome científico), que impedem o seu consumo pelos herbívoros e dificultam a remoção pelos humanos, e por se agarrarem ao solo de forma hercúlea. A propósito, já tentou arrancar a bonita erva-das-pampas que plantou no seu jardim? Se a deixar crescer muito, vai precisar de maquinaria pesada e ficará espantado com a enorme cratera que ficará no terreno! Segue-se o chorão (Carpobrotus edulis), uma bonita planta carnuda originária da África do Sul, que foi introduzida para fins ornamentais, tendo sido amplamente cultivada para a fixação de dunas e taludes, sobretudo na orla costeira. Apresenta um vigoroso crescimento vegetativo, com formação de vastos tapetes que substituem o coberto vegetal autóctone. Ao acidificarem os solos, afastam as restantes espécies, facilitando o seu próprio desenvolvimento. Os fragmentos enraízam com extrema facilidade, o que origina facilmente novos focos de invasão. A figueira-da-índia (Opuntia ficus-indica) tem um nome vulgar traiçoeiro, uma vez que é originária da América. Mais uma vez, foi introduzida com intuitos ornamentais (e pelo fruto comestível), sendo uma presença habitual em sítios secos e quentes. Os seus povoamentos densos e impenetráveis acabam por eliminar a vegetação nativa. A dispersão faz-se por sementes e por fragmentos vegetativos que se desprendem do caule e enraízam com facilidade, originando novos indivíduos. Entre as invasoras mais perigosas, conta-se ainda um pequeno feto de água doce, de cor esverdeada, azulada ou avermelhada, que se desenvolve à superfície da água e dá pelo nome de azola (Azolla filiculoides). Proveniente da América tropical, julga-se que terá tido introdução acidental, através da cultura do arroz. Dissemina-se facilmente por fragmentação vegetativa, originando áreas muito densas, onde raramente surgem outras espécies aquáticas. Entre os seus principais impactos conta-se a redução da qualidade da água e da biodiversidade aquática, e ainda um aumento da eutrofização. Por último, a acácia-de-flores-brancas (Robinia pseudoacacia), oriunda da América do Norte, chegou até nós cultivada como espécie florestal, com intuitos ornamentais e medicinais e para estabilização de solos secos. É mais uma presença frequente nas margens das estradas e das linhas de água, bem como em áreas abandonadas e comunidades arbóreas degradadas. Cortar o mal pela raiz As alienígenas não são de cá, mas pode dizer-se que foram convidadas. Afinal, por razões diferentes, chegaram todas pela mão humana. Após a sua naturalização, com pezinhos de lã, acabaram por escapulir-se dos jardins onde haviam sido plantadas e tratadas com mil cuidados, para invadir o país. Usaram técnicas tão ardilosas que até conseguiram transformar as suas aparentes fragilidades em pontos fortes e oportunidades de expansão: veja-se os casos da tradescância (Tradescantia fluminensis) e da bons-dias (Ipomoea acuminata), com origem na parte tropical da América do Sul, que quanto mais se partiam, mais proliferavam! Isto porque, tal como o chorão e as acácias, os seus pequenos fragmentos enraízam facilmente, originando novas infestações. Ou o caso do espinheiro-bravo (Hakea sericea), sul-australiano, em que as sementes são projetadas para grandes distâncias, criando novos focos de invasão quando a árvore morre (geralmente, devido aos incêndios). Ou o da erva-gorda (Arctotheca calendula) e da avoadinha-peluda (Conyza bonariensis), vindas da África do Sul e da América do Sul, respetivamente, cujas sementes singelas e frágeis acabam por ser transportadas pela mais leve brisa, aumentando rapidamente a sua área de distribuição. Enfim, características que facilitaram as invasões, as quais, apesar de não terem acontecido pela calada da noite, apanharam quase todos de surpresa. Isto porque a maioria das introduções aconteceu em épocas recuadas, quando nem as populações nem sequer a comunidade científica tinham consciência dos riscos que daí poderiam advir. Agora, porém, sabe-se que nem tudo o que é verde é bom. No entanto, uma das maiores dificuldades em controlar as invasões biológicas parece residir no facto de muitas das espécies intrusas se terem tornado tão familiares para as pessoas que as tomam muitas vezes por nativas. Por esse facto, não valorizam a sua ocorrência ou, pelo contrário, até contribuem para a sua proliferação, desconhecendo totalmente as verdadeiras consequências dos seus atos. E o maior problema é que, embora tenham sido trazidas pelo homem, este temse mostrado totalmente impotente para conter as suas investidas e, em muitos casos, a sua imparável expansão: os planos de erradicação e controlo de pragas vegetais “são frequentemente processos morosos e extremamente dispendiosos”, lembra o PIP. Os métodos geralmente usados são o controlo mecânico, químico ou biológico e o fogo controlado. O controlo mecânico passa por arrancar ou danificar fisicamente as plantas, através de descasque, da remoção de anéis da casca ou de cortes consecutivos. Como já foi referido, exige muito trabalho manual, uma vez que, para todas as espécies que enraízam facilmente, é necessário garantir que não ficam fragmentos no terreno. O controlo químico consiste na utilização de substâncias, como herbicidas, que matam ou enfraquecem os vegetais. O aspeto mais negativo deste método prende-se com os possíveis efeitos adversos para outras espécies e para o meio ambiente. No controlo biológico, recorre-se a inimigos naturais, normalmente originários do mesmo sítio da planta invasora. Noutros países, têm sido usados com bons resultados no controlo de algumas espécies; em Portugal, no entanto, esta é uma área de investigação ainda incipiente (falta testar a segurança de muitos dos agentes de controlo biológico, nomeadamente o seu efeito sobre as espécies nativas). Por último, o fogo controlado tem como grande vantagem a redução do banco de sementes (que atinge igualmente as sementes de espécies nativas). No entanto, não há bela sem senão: enquanto algumas sementes são destruídas, muitas outras são estimuladas a germinar. Torna-se, por isso, necessário fazer o controlo das plântulas (físico ou químico) que emergem após a queimada, sob pena de a situação se agravar. Em síntese, todos os métodos enunciados apresentam vantagens e desvantagens, e nem sempre são praticáveis e eficazes com todas as espécies e em todos os lugares, pelo que se opta frequentemente pela combinação de várias metodologias. Mesmo assim, o trabalho afigura-se hercúleo. Através de um questionário que o PIP realizou até setembro de 2007, junto das Associações de Produtores Florestais, ficou a saber-se que 88% têm na sua área de intervenção espécies classificadas como invasoras pelo decreto-lei nº 565/99, e 71% referem ter problemas com estas espécies. Num outro inquérito, realizado às câmaras municipais, percebeu-se que 67% das autarquias têm nos espaços verdes sob a sua alçada espécies classificadas como invasoras; dessas, 39% referiram ter problemas com o seu controlo e erradicação. Lamentavelmente, diversas experiências levadas a cabo em diferentes regiões do país (sobretudo em áreas protegidas) têm demonstrado que não é nada fácil cortar o mal pela raiz. Prevenir é o melhor remédio Hélia e Elizabete Marchante têm sido as grandes mentoras do PIP, tendo iniciado, há mais de uma década, uma cruzada determinada contra as plantas alienígenas que invadem Portugal. Começaram por produzir um catálogo ilustrado que dava a conhecer as inúmeras espécies, os seus nefastos efeitos e as principais técnicas de erradicação. Seguiram-se os cursos eworkshops, que serviram, essencialmente, para partilhar conhecimentos e formar técnicos especializados em erradicação de exóticas. Organizaram dezenas de campos de trabalho onde voluntários, muitos dos quais jovens universitários, limparam campos e florestas das terríveis infestantes, sempre sob o olhar atento das duas especialistas, que quanto mais conhecem estas espécies mais as admiram e detestam. Admiram os seus truques invasivos e detestam os seus horríveis efeitos sobre espécies nativas e habitats naturais. Ironicamente, mais espécies vegetais não é necessariamente sinónimo de maior biodiversidade. Muito pelo contrário. A introdução de espécies não indígenas na natureza “pode originar situações de predação ou competição com espécies nativas, a transmissão de agentes patogénicos ou de parasitas e afetar seriamente a diversidade biológica, as atividades económicas ou a saúde pública, com prejuízos irreversíveis e de difícil contabilização”, lê-se no citado decreto-lei, que acrescenta: “quando necessário[s], o controlo ou a erradicação de uma espécie introduzida, que se tornou invasora, são especialmente complexos e onerosos”. Ainda recentemente foi anunciado que um adernal (habitat onde domina o aderno, arbusto característico das zonas mediterrânicas) da Mata Nacional do Buçaco, com centenas de anos e único na Europa, vai ser reabilitado, sobretudo através da erradicação das espécies exóticas. Será um projeto a desenvolver nos próximos cinco anos e orçado em três milhões de euros. Hoje, já ninguém tem dúvidas de que as invasoras são nefastas e de que mais valia tê-las deixado lá longe, onde estavam. Dadas as enormes dificuldades em controlar ou erradicar a maioria das espécies, por impossibilidades técnicas ou devido aos avultados custos económicos, a educação ambiental apresenta-se como o melhor instrumento de prevenção e gestão. Afinal, só cidadãos informados e alertados para esta ameaça poderão impedir a introdução de novas plantas com potencial invasor e ajudar a estancar a expansão destravada das que já por cá andam há algum tempo. Apenas com comportamentos responsáveis poderemos refrear a expansão das invasoras silenciosas, que lentamente foram conquistando o país, acabando por se transformar em pragas que têm atingido proporções alarmantes. Temos de reconhecer que tem sido um combate extraordinariamente complicado e sem fim à vista. Exóticas? Não, obrigado! J.N. Na nossa mão O decreto-lei n.º 565/99 é muito claro: “É proibida a disseminação ou libertação na natureza de espécies não indígenas visando o estabelecimento de populações selvagens.” Isto porque as plantas alienígenas podem tornar-se infestantes (reproduzindo-se rapidamente e ocupando áreas extensas, sem a intervenção do homem) e, quando tal acontece, tornam-se uma ameaça para a biodiversidade e os ecossistemas naturais, afetando igualmente a produção agrícola e florestal, a saúde pública e a economia. Além disso, são muito difíceis de eliminar e o seu controlo é muito dispendioso. A criação e atualização da legislação é um primeiro passo fundamental para lidar com este problema. A maior crítica feita à lei vigente é que não inclui todas as espécies verdadeiramente perigosas, apresentando exceções que permitem a introdução de espécies estrangeiras para fins agrícolas e florestais. Mas existem outras medidas igualmente importantes, como a preparação de técnicos capazes de detetar e aplicar metodologias de controlo e erradicação de espécies invasoras ou a formação e informação dos comerciantes de plantas ornamentais. Através de um questionário realizado pelo PIP a empresas ligadas ao manuseio de plantas (viveiros, floristas, etc.), ficou a saber-se que 43 por cento das que responderam tinha disponível, antes da publicação daquele decreto-lei, algumas das espécies classificadas como invasoras, e 59% referiram que os seus clientes continuavam a mostrar interesse por algumas espécies classificadas como invasoras, nomeadamente a terrível mimosa (Acacia dealbata). Cada cidadão pode dar também o seu contributo através de comportamentos informados e responsáveis. Eis algumas coisas que pode fazer: Não transporte espécies para fora dos locais de onde elas são nativas. Ao comprar plantas, prefira as espécies autóctones; se optar por exóticas, informe-se previamente do seu carácter invasor (é importante aprender a identificar as espécies infestantes e evitar a sua utilização). Quando limpar o jardim ou terrenos de cultivo, não deite restos de vegetais exóticos na natureza. Participe em ações de controlo de espécies invasoras (quanto mais cedo for feita a sua deteção, mais fácil e barato se se tornará a sua erradicação). SUPER 168 - Abril 2012 FONTE: http://www.superinteressante.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=1488:inva soras-silenciosas&catid=6:artigos&Itemid=80 QUESTÕES PROPOSTAS - Refere o que pode motivar a introdução de espécies estrangeiras. - Esclarece a relação entre o ritmo de introdução de espécies estrangeiras com fenómenos de mobilidade humana. - Distingue espécies “exóticas” ( “estrangeira”, “alienígena” ou “intrusa”) de “ autóctones” - Exemplifica duas espécies de plantas exóticas que são facilmente confundidas com espécies autóctones. - Distingue, usando exemplos do texto, o conceito de espécie “exótica” de “invasora” (infestante ou praga vegetal). - Enumera características que podem tornar uma espécie exótica numa espécie invasora. - Enumera as consequências num ecossistema que podem ser provocadas por uma espécie invasora.