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SEÇÃO ESPECIAL
MORTALIDADE POR CÂNCER EM AGRICULTORES DO ESTADO DO PARANÁ
Câncer mortality among agricultural workers from state of Paraná
Juliana de Rezende Chrisman1, Paula de Novaes Sarcinelli2, Josino Costa
Moreira3, Rosalina Jorge Koifman4, Sergio Koifman4, Armando Meyer5
RESUMO
Neste estudo, investigamos a mortalidade por câncer entre agricultores do estado do
Paraná, um importante estado agrícola brasileiro. Todos os óbitos por câncer ocorridos
entre 1979 e 1998, entre agricultores, homens, com idades entre 20 e 69 anos, residentes
em duas microrregiões do Paraná foram coletados a partir do Sistema de Informação
de Mortalidade. Utilizou-se a Razão de Chance de Mortalidade como estimativa do
risco, calculada para duas populações de referência distintas e estratificada por faixa
etária e período de morte. Observou-se um excesso significativo no risco de morte
para os cânceres de estômago, fígado, próstata e pâncreas entre os agricultores.
Agricultores mais jovens apresentaram uma mortalidade significativamente maior
por câncer de fígado na década de 80 e por câncer de estômago e fígado na década
seguinte. Agricultores mais velhos, morreram mais por câncer de estômago na primeira
década e por câncer de estômago e mieloma múltiplo nos anos 90. O risco de morte
para os cânceres de esôfago, estômago, mieloma múltiplo, pâncreas, testículo e pulmão
aumentou significativamente entre os agricultores no período de 1979 a 1998. Estes
resultados sugerem que a atividade agrícola pode ter contribuído para o aumento no
risco de alguns tipos específicos de câncer na população estudada. Observamos também
um aumento no risco de morte por tipos específicos de câncer entre os trabalhadores
agrícolas ao longo das duas décadas de estudo.
PALAVRAS-CHAVE
Agrotóxicos, agricultores, câncer, Paraná, Brasil
1
Doutoranda em Saúde Pública e Meio Ambiente pela Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação
Oswaldo Cruz.
2
Pesquisadora do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Escola Nacional de
Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.
3
Pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Escola Nacional de
Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.
4
Pesquisador do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, Escola Nacional
de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.
5
Professor Adjunto do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Av Brigadeiro Trompowsky s/n. Pça da Prefeitura Universitária. Ilha do Fundão. CEP 21949-900. Rio
de Janeiro, RJ. E-mail: [email protected]
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JULIANA DE REZENDE CHRISMAN, PAULA DE NOVAES SARCINELLI,
JOSINO COSTA MOREIRA, ROSALINA JORGE KOIFMAN, SERGIO KOIFMAN, ARMANDO MEYER
ABSTRACT
In the present study, we investigated cancer mortality among agricultural workers
from Paraná, an important agricultural state of Brazil. Data on all cancer deaths
occurred between 1979 and 1998, among agricultural workers, who had 20 to 69
years old, with residence stablished in two specific regions in the State of Paraná, were
retrieved from the Brazilian Mortality Information System. Mortality Odds Ratio was
used as the measure of association, calculated using two distinct reference populations,
and stratified by age and period of death. Agricultural workers were at higher risk to
die by the cancers of stomach, liver, prostate and pancreas. Stratified analysis revealed
that younger agricultural workers displayed higher mortality by liver cancer in the
80´s, and by stomach and liver cancers in the following decade. On the other hand,
older agricultural workers were at higher risk to die of stomach cancer in the 80´s, and
by multiple myeloma and stomach cancer in the 90´s. Time trend analysis also
showed that mortality risk for cancers of esophagus, stomach, multiple myeloma,
pancreas, testicles, and lung has increased among agricultural workers during 1979 to
1998. Our results suggest that agricultural activities may increase the risk of certain
types of cancer.
KEY WORDS
Agricultural workers, pesticides, cancer, Paraná, Brazil
1. INTRODUÇÃO
O modelo de agricultura que vigora atualmente no mundo requer o uso de
grandes quantidades de substâncias químicas para a manutenção de seus níveis de
produtividade. No que diz respeito especificamente aos agrotóxicos, ainda que o
uso de tais compostos tenha contribuído para o contínuo aumento da produtividade agrícola desde meados do século XX, acumula-se na literatura científica um
número cada vez maior de evidências sobre possíveis danos à saúde humana e ao
ambiente (Pimentel, 1996). Por exemplo, a elevada exposição a agrotóxicos é uma
das hipóteses propostas que explicariam o aumento na incidência de determinados
tipos de câncer observado entre agricultores (Blair et al., 1992; Blair & Zahm,
1995). Entretanto, estas informações ainda são muito limitadas. Estima-se que o
número de casos de câncer humano associado ao uso de agrotóxicos seja de
6.000 a 10.000/ano, apenas no EUA (Pimentel et al., 1992). A situação nos países
em desenvolvimento ainda permanece desconhecida, embora se acredite que
esses números sejam bem maiores.
Existe um considerável acúmulo de evidências sobre a ação carcinogênica de
diversos agrotóxicos, tanto a partir de estudos experimentais em animais de laboratório, quanto a partir de estudos epidemiológicos (Dich et al., 1997). A Agência
Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC) reconhece evidências suficientes
sobre a carcinogenecidade de 18 agrotóxicos e evidências limitadas para outros
16 (Pimentel et al., 1992).
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Do ponto de vista epidemiológico, um dos grupos populacionais mais
estudados no mundo, no que diz respeito à possível associação entre a exposição
a agrotóxicos e o desenvolvimento de câncer, é o de trabalhadores da agricultura.
Os agricultores apresentam uma mortalidade total menor do que aquela observada
na população geral. Além disso, este grupo populacional morre menos por
doenças cardiovasculares e por todos os tipos de cânceres combinados (Dich
et al., 1997). Entretanto, apresentam uma maior mortalidade para algumas
neoplasias específicas como leucemia, linfoma não-Hogdkin, mieloma múltiplo,
câncer de lábio, próstata e estômago, entre outros (Acquavella et al., 1998;
Blair & Zahm, 1995).
Nos últimos 15 anos, foram publicadas diversas revisões e metas-análise sobre
câncer em agricultores, reforçando a hipótese de que a atividade agrícola, que
tem, do ponto de vista da toxicologia, a exposição a agroquímicos como uma de
suas principais características, aumenta o risco de desenvolvimento de determinados
cânceres em seres humanos. Dentre estes, os cânceres hematológicos (leucemias e
linfomas) e os hormônios-dependentes (próstata, testículos, mama, ovário e tiróide)
têm merecido maior destaque na literatura (Acquavella et al., 1998; Blair et al.,
1992; Blair & Zahm, 1995; Dich et al., 1997; Keller-Byrne et al., 1995; KellerByrne et al., 1997; Khuder et al., 1998; Van Maele-Fabry & Willems, 2004).
No Brasil, onde o uso de agrotóxicos vem crescendo há várias décadas, os
estudos sobre o impacto da exposição a estes compostos sobre o perfil de morbimortalidade por câncer ainda são escassos (Koifman et al., 2002; Meyer et al., 2003).
Sabe-se, por exemplo, que o consumo de agrotóxicos observado em 11 estados
brasileiros, na década de 1980, apresentou elevada correlação com a taxa de
mortalidade por câncer de mama feminino (r=0,80; r2=0,64; IC95%=0,06-0,90)
e moderadas correlações com as taxas de mortalidade para cânceres de ovário
(r=0,71; r 2=0,51; IC95%= -0,14-0,85), próstata (r=0,67; r 2=0,45; IC95%=
-0,20-0,83) e testículos (r=0,53; r2=0,28; IC95%= -0,39-0,75), entre os anos de
1996 e 1998, nos mesmos estados (Koifman et al., 2002).
Mais recentemente, em um estudo sobre a mortalidade por câncer na região
serrana do estado de Rio de Janeiro, observamos um maior risco de morte por
alguns tipos específicos de câncer entre os agricultores desta região, quando comparados com populações de referência (Meyer et al., 2003). Neste estudo, chama
a atenção o significativo incremento no risco de morte por câncer de esôfago e
estômago, entre os agricultores de ambas as faixas etárias (30 a 49 e 50 a 69 anos)
e em ambas as décadas (1979 a 1988 e 1989 a 1998) estudadas. Além disso, os
agricultores de 30 a 49 anos de idade apresentaram um risco mais elevado de
morte para os cânceres de fígado, cavidade oral, próstata, testículos, além de
leucemia e sarcoma de tecidos moles. Já os agricultores de 50 a 69 anos,
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apresentaram uma maior mortalidade por câncer de laringe, cavidade oral e
sarcoma de tecidos moles (Meyer et al., 2003).
O Paraná é um dos principais estados em produção agrícola. Suas principais
culturas são trigo, milho e soja (IBGE, 2002). O estado do Paraná consome cerca
de 18% dos agrotóxicos comercializados no Brasil (SINDAG, 2002). Além disso,
apresenta elevada taxa de consumo de agrotóxicos por pessoal ocupado na
agricultura (43 kg/trabalhador/ano) (SINDAG, 2002; IBGE, 2002). Estes números
sugerem que trabalhadores agrícolas do estado do Paraná manipulam quantidades
significativas de agrotóxicos, bem acima dos níveis de exposição da população
geral. Assim, com o objetivo de avançarmos na compreensão das relações entre a
exposição a agrotóxicos e o desenvolvimento de câncer em populações brasileiras,
neste estudo a mortalidade por tipos específicos de câncer entre agricultores de
duas importantes regiões agrícolas do estado do Paraná foi comparada com aquela
observada em populações de referência selecionadas. Além disso, foi avaliada
também a tendência em duas décadas de mortalidade por câncer em agricultores.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Informações sobre todos os óbitos por câncer ocorridos entre os anos de 1979
e 1998, entre agricultores (código de ocupação: 600-639), do sexo masculino, com
idades entre 20 e 69 anos, residentes em um dos municípios que compõem as
microrregiões de Umuarama e Toledo (Figura 1), no estado do Paraná (PR), foram
obtidas a partir do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério
da Saúde (www.datasus.gov.br). Este sistema reúne todos os óbitos do país desde
1979 e tem como documento base para seu preenchimento a declaração de óbito.
A causa básica do óbito é classificada no SIM, entre os anos de 1979 e 1995, de
acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID) versão 9 (CID9). Já
para os anos de 1996 em diante, os óbitos são classificados com base na CID10.
A mortalidade observada entre agricultores da área de estudo foi comparada
com aquela esperada com base na mortalidade observada em duas populações de
referência, a saber: referência local - população geral, residente nas mesmas
microrregiões que a população de estudo e, como referência urbana, utilizamos
a população geral da cidade de Curitiba.
Neste estudo, a razão entre mortes observadas e mortes esperadas foi estimada
através do emprego da razão de chance de mortalidade (Mortality Odds Ratio MOR), como sugerido por Miettinen e Wang (1981). O uso da MOR aqui tem
por objetivo minimizar as possíveis distorções produzidas pelo emprego da Razão
de Mortalidade Proporcional (PMR), em situações onde não é possível o cálculo
da Razão de Mortalidade Padronizada (SMR). As relações matemáticas existentes
entre MOR, SMR e PMR foram apresentadas anteriormente (Meyer et al., 2003)
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e descrevem as situações em que o uso da MOR ou da PMR podem subestimar
ou superestimar a SMR.
Figura 1
Microrregiões de Umuarama (cinza escuro) e Toledo (cinza claro) no estado do Paraná, Brasil.
A análise de tendência da MOR ao longo do período de 1979 a 1998 foi
realizada através do emprego do modelo de regressão linear simples cuja variável
dependente foi a MOR e a variável independente, o ano de morte. A aplicabilidade
deste modelo se justifica, pois a MOR apresentou um distribuição normal e a
análise dos resíduos demonstrou ter distribuição normal e ser homoscedástica.
O software TABWIN versão 3.4 foi utilizado para tabular os dados dos óbitos
obtidos a partir do SIM. Já os cálculos matemáticos e estatísticos foram realizados
nos softwares SPSS versão 12 e Microsoft Excel 2000 (Excel versão 9).
As microrregiões de Umuarama e Toledo abrangem 29 municípios (Figura 1),
distribuídos em 18.554 km2. A população residente é de 601.659 habitantes,
sendo 20% destes analfabetos. Cerca de 80% dos domicílios estão ligados à rede
de abastecimento de água, 73% possuem coleta domiciliar de lixo, mas apenas
15% têm ligação com a rede geral de esgoto. Em 2000, a mortalidade infantil nas
microrregiões de Umuarama e Toledo (20,14/1.000 nascidos vivos) foi ligeiramente superior àquela observada no estado do PR (19,58/1.000 nascidos vivos) e
bem mais elevada que a observada na capital, Curitiba (15,01/1.000 nascidos
vivos). Segundo o censo agropecuário de 1996, cerca de 25% da população
economicamente ativa da região está ocupada na agricultura.
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3. RESULTADOS
Entre os anos de 1979 e 1998, ocorreram 17.371 mortes entre agricultores
do sexo masculino, nos municípios que compõem as microrregiões de Umuarama
e Toledo. As principais causas de morte observadas foram aparelho circulatório
(7.002 mortes, 40,3%), causas externas incluindo envenenamento (1.967 mortes,
11,3%) e câncer (2.401 mortes, 13,8%). Entre as mortes por câncer, 1.433 (59,7%)
ocorreram entre os agricultores com idades entre 20 a 69 anos.
A Tabela 1 apresenta as MOR para a população de agricultores masculinos
de Umuarama e Toledo, com idades entre 20 e 69 anos. Quando comparados
com a população local, os agricultores apresentaram mortalidade significativamente
mais elevada para todos os cânceres reunidos (MOR=1,22; IC95%: 1,15-1,30) e
especificamente para os cânceres de estômago (MOR=1,42; IC95%: 1,27-1,59),
fígado (MOR=1,26; IC95%: 1,02-1,56), laringe (MOR=1,30; IC95%: 1,02-1,65),
próstata (MOR=1,66; IC95%: 1,28-2,16) e pâncreas (MOR=1,83; IC95%:
1,36-2,41). Já a comparação com a população de Curitiba revelou significativo
aumento na mortalidade por câncer de estômago (MOR=1,62; IC95%: 1,44-1,81)
e fígado (MOR=1,89; IC95%: 1,52-2,34).
Tabela 1
Risco de morte por câncer entre agricultores do sexo masculino, das microrregiões de
Umuarama e Toledo, com idades entre 20 a 69 anos, no período de 1979 a 1998.
A análise estratificada por idade e período de estudo revelou que, na primeira
década (1979-1988), os agricultores mais jovens (20 a 49 anos) apresentaram
mortalidade por câncer de fígado significativamente mais elevada que a população
de Curitiba (MOR=2,50; IC95%: 1,32-4,72) (Tabela 2). Além disso, ainda que
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não tenha sido estatisticamente significativo, os agricultores mais jovens morreram
mais que a população de Curitiba pelos cânceres de laringe, pâncreas e sistema
nervoso central (SNC). Neste mesmo período, a comparação com a população
local, mostrou que os agricultores mais jovens morreram significativamente mais
pelos cânceres de fígado e pâncreas.
Tabela 2
Risco de morte por câncer entre agricultores do sexo masculino, das microrregiões de
Umuarama e Toledo, com idades entre 20 a 49 anos, segundo o período de análise (1979
a 1988 e 1989 a 1998).
A mortalidade foi também mais elevada para os cânceres de esôfago, laringe,
SNC, além de leucemias e todos os cânceres reunidos. No entanto, em função do
número reduzido de mortes, tais aumentos não apresentaram significância estatística.
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Na década seguinte (1989-1998), os agricultores de 20 a 49 anos de idade
apresentaram mortalidade significativamente mais elevada que a população de
Curitiba para todos os cânceres reunidos e para os cânceres de estômago, pulmão
e fígado. Além disso, ainda que o intervalo de confiança tenha incluído a unidade,
as MOR foram mais elevadas entre agricultores, quando comparados com a população
de Curitiba, para os cânceres de laringe, pâncreas, testículo, próstata e também
para leucemias e mieloma múltiplo.
Tabela 3
Risco de morte por câncer entre agricultores do sexo masculino, das microrregiões de
Umuarama e Toledo, com idades entre 50 a 69 anos, segundo o período de análise (1979
a 1988 e 1989 a 1998).
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Quando comparados com a população local, no período de 1989 a 1998, os
agricultores jovens apresentaram uma elevação estatisticamente significativa na
mortalidade por todos os cânceres reunidos, além dos cânceres de estômago e
fígado. Estes agricultores, ainda comparados à população local, também morreram mais por câncer de pulmão, esôfago e também por leucemias. Com relação ao
câncer de testículo e mieloma múltiplo, é importante notar que, para este período,
a comparação matemática não foi possível devido à não-ocorrência de morte na
população de referência local (denominador zero), mas que a mortalidade foi
obviamente mais elevada entre agricultores.
A análise de tendência no risco de morte por cânceres específicos entre os
agricultores do sexo masculino, com idades entre de 20 e 69 anos, residentes nas
microrregiões de Umuarama e Toledo é apresentada na Tabela 4. Observamos
que, ao compararmos com a população local, o risco de morte entre agricultores
vem aumento a cada ano, de forma significativa, para os cânceres de esôfago
(β=0,059; p=0,000), estômago (β=0,050; p=0,001), mieloma múltiplo (β=0,097;
p=0,003), pâncreas (β=0,089; p=0,004), testículo (β=0,072; p=0,034) e pulmão
(β=0,031; p=0,049). A análise do coeficiente da regressão (β) revelou que o aumento
anual no risco de morte para alguns cânceres específicos foi ainda mais elevado entre
os agricultores quando comparados com a população de Curitiba: esôfago (β=0,061;
p<0,001), estômago (β=0,072; p=0,001), mieloma múltiplo (β=0,128; p=0,033),
pâncreas (β=0,075; p=0,003), pulmão (β=0,060; p=0,003), laringe (β=0,086;
p=0,011), todos os cânceres (β=0,024; p=0,002) e fígado (β=0,094; p=0,039).
Tabela 4
Análise de regressão linear entre MOR por tipos específicos de câncer entre agricultores do
sexo masculino, com idades entre 20 e 69 anos, residentes nas microrregiões de Umuarama
e Toledo e ano do óbito (1979-1998).
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4. DISCUSSÃO
Neste estudo, utilizamos os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade
para comparar os óbitos por tipos específicos de câncer em agricultores de duas
microrregiões agrícolas do estado do Paraná, com aqueles observados em duas
populações distintas. A escolha de uma população de comparação local e outra
urbana (Curitiba) permite não só dar mais consistência aos achados deste artigo,
mas também permite analisar os resultados sob óticas distintas. Se, por um lado, a
comparação com a população local é importante, pois permite comparar duas
populações de mesma localização geográfica e, portanto, deve compartilhar, em
grande parte, as mesmas exposições ambientais e modos de vida, diferindo talvez
apenas na intensidade da exposição aos fatores de risco pertencente à atividade
agrícola, por outro, a comparação com a população de Curitiba permite uma
reflexão sobre possíveis diferenças no padrão de morbi-mortalidade e, conseqüentemente, sobre fatores de risco entre uma população agrícola e rural com
uma população urbana e mais industrializada. Ainda assim, é importante ressaltar
que informações sobre potenciais fatores de confusão para câncer, como consumo
de fumo, álcool e padrões de dieta não estão disponíveis no Sistema de Informação
sobre Mortalidade e, desta forma, não se pode descartar o possível papel destes
fatores nos resultados observados neste estudo.
No que tange ao hábito de fumar, é descrito na literatura que agricultores
fumam menos que a população geral (Figá-Talamanca et al., 1993) e, por isso,
apresentariam menor mortalidade por doenças cardiovasculares e por todos os
cânceres reunidos (Figá-Talamanca et al., 1993; Viel et al., 1998). De fato, em
estudo anterior, Meyer et al. (2003) observaram de forma consistente uma menor
mortalidade por doenças cardiovasculares, neoplasia maligna e câncer de pulmão
entre agricultores da região Serrana do Rio de Janeiro, quando comparados com
populações de referência. Uma vez que a fração etiológica do câncer de pulmão
atribuível ao fumo é da ordem de 80% (Hecht, 1999), torna-se bastante improvável
que o tabagismo seja mais elevado entre aqueles agricultores que nas populações
de comparação.
No presente estudo, a mortalidade por câncer de pulmão também foi menor
entre os agricultores mais velhos, quando comparados a ambas as populações de
comparação, principalmente na primeira década de análise. Isto pode sugerir
que, de fato, estes agricultores fumem menos em relação às populações de
referência utilizadas. No entanto, entre os agricultores mais jovens, a mortalidade
por câncer de pulmão foi igual à das populações de comparação, na primeira
década, e superior a estas, na segunda década. Neste sentido, cabem duas considerações. A primeira é que, em relação aos jovens, a população rural pode estar
deixando de lado o velho hábito de fumar cigarros artesanais (cigarros de palha)
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e aderindo ao cigarro industrializado. A segunda é que, se o aumento na mortalidade por câncer de pulmão entre agricultores jovens se deve ao fato de uma
maior freqüência de fumo entre estes indivíduos, não é possível descartar o papel
do fumo no aumento do risco de morte para alguns cânceres específicos observado
neste estudo entre estes trabalhadores.
Quanto ao possível impacto dos outros fatores de confundimento citados
acima sobre o perfil de mortalidade observado neste estudo, não é possível fazer
nenhum tipo de inferência baseado em dados indiretos, já que não é descrito
para nenhum dos cânceres analisados neste estudo uma fração etiológica atribuível
ao álcool ou à dieta, da mesma magnitude que o fumo representa para o câncer
de pulmão. De fato, para alguns dos cânceres analisados aqui, álcool e dieta são
fatores de risco descritos na literatura, como, por exemplo, estômago e esôfago
(Kelley & Duggan, 2003; Bray et al., 2000; Pacella-Norman et al., 2002; Morita et al.,
2002; Schlecht et al., 2001). No caso específico do câncer de estômago, o papel
do álcool seja motivo de intenso debate (Kelley & Duggan, 2003). Embora alguns
estudos não tenham demonstrado o aumento na incidência e mortalidade para o
câncer de estômago relacionadas à exposição a agrotóxicos (Blair et al., 2005; Lee
et al., 2004) cabe ressaltar que a literatura científica consistentemente apresenta
resultados que apontam para uma associação positiva entre trabalho agrícola,
exposição a agrotóxicos e o desenvolvimento deste tipo de câncer (Mills & Yang,
2007; Acquavella et al., 1998; Blair et al., 1992). Além disso, um dos principais
achados no estudo de mortalidade entre agricultores da região Serrana do Rio de
Janeiro (Meyer et al., 2003) foi um constante padrão de elevada mortalidade por
câncer de estômago entre estes trabalhadores, resultados semelhantes ao observado
no presente trabalho. Neste mesmo estudo, agricultores da região serrana
apresentaram significativo aumento no risco de morte por câncer de esôfago,
quando comparados com populações de referência. No presente estudo, tal
associação não pôde ser confirmada. Entretanto, cabe destacar que na análise de
tendência, realizada por meio de análise de regressão linear, observamos que o
risco de morte por câncer de esôfago entre os agricultores das microrregiões de
Umuarama e Toledo vem aumentando de forma significativa quando comparados
com ambas as populações de referência.
Em nosso estudo, agricultores, especialmente entre 20 e 49 anos, apresentaram
risco significativamente mais elevado de morte por câncer de fígado, principalmente quando comparados com a população de Curitiba. Estes resultados são
corroborados por estudos anteriores na literatura internacional (Blair et al., 1992).
Em relação aos resultados observados a partir da análise de tendência do
risco de câncer entre os agricultores, é importante destacar que ainda que não
tenhamos observado um excesso no risco de morte para alguns cânceres, a análise
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de regressão mostrou uma tendência de aumento deste risco ao longo tempo. Foi
o caso, por exemplo, do câncer de esôfago, discutido acima, mas também do risco
de mieloma múltiplo, câncer de pâncreas, laringe e testículo. Se este resultado se
confirmar, é possível que em algumas décadas a mortalidade por estes cânceres
entre os agricultores passe a ser significativamente mais elevada que a da população
geral. De fato, em sua meta-análise, Acquavella et al. (1998) observaram aumento
no risco de morte entre agricultores para os cânceres de pâncreas e testículo.
Neste estudo, a opção pela análise no risco de morte por câncer entre
agricultores do sexo masculino deveu-se apenas ao fato de que, no Brasil, onde a
agricultura familiar é bastante expressiva, as mulheres são comumente reportadas
ao sistema de saúde, como, por exemplo, no momento do óbito, como donas de
casa, ainda que elas auxiliem os homens em diversas atividades agrícolas que as
expõem aos mesmos riscos, como, por exemplo, os agrotóxicos. Neste sentido, a
inclusão de mulheres no estudo poderia levar a distorções nas estimativas de risco.
Por fim, estudos de mortalidade podem não refletir a real associação entre a
exposição a fatores de risco pertencentes à atividade agrícola e o desenvolvimento
de tipos específicos de câncer. Para cânceres que apresentam baixa letalidade,
por exemplo, ainda que exista uma associação com a atividade agrícola, existe a
possibilidade que o indivíduo venha a morrer de outra causa, o que poderia
distorcer as estimativas de risco de morte associadas a esta atividade. Para outros
cânceres, no entanto, como pulmão, esôfago, estômago e sistema nervoso, para os
quais a letalidade é bastante elevada, as taxas de mortalidade podem ser bons
indicadores da incidência e, portanto, servirem de forma mais adequada para avaliar
associações entre fatores de risco e o desenvolvimento destes tipos de câncer.
5. CONCLUSÃO
Neste estudo, observamos um aumento no risco de morte por câncer de
estômago e fígado entre agricultores de duas regiões agrícolas do estado do Paraná.
A estratificação por faixa etária revelou ainda que agricultores mais jovens
morrem mais por câncer de estômago, pulmão e fígado do que as populações de
comparação, especialmente na segunda década de análise. Já os agricultores mais
velhos apresentaram maior mortalidade por câncer de estômago. A análise de
tendência no risco de morte mostrou que o risco de câncer de esôfago, estômago,
pâncreas, testículo, pulmão, laringe e também mieloma múltiplo vem aumentando
ao longo do tempo entre os agricultores, quando comparados com populações
de referência.
Estes resultados demonstram que programas de controle e prevenção do
câncer no Brasil deveriam levar em consideração fatores de risco relacionados
à atividade agrícola, como microorganismos, radiação solar e agroquímicos.
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Neste sentido, é importante salientar a necessidade de estudos epidemiológicos
que utilizem desenhos mais robustos, como casos-controle e coortes, na avaliação
do papel destes fatores de risco no padrão de morbi-mortalidade não só entre os
agricultores e residentes rurais, mas também na população geral brasileira.
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Recebido em: 01/08/2008
Aprovado em: 22/12/2008
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