O educador social e sua inserção nas políticas públicas

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O educador social e sua inserção nas políticas públicas: imprescindibilidade ou
rearranjo do capital?
O EDUCADOR SOCIAL E SUA INSERÇÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS:
IMPRESCINDIBILIDADE OU REARRANJO DO CAPITAL?
Roberta de Castro CUNHA1
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo fazer uma reflexão sobre as práticas
pedagógicas desenvolvidas pela educação social, dando ênfase à atuação do educador social
no âmbito das políticas públicas. Assim, iniciamos com uma explanação acerca das imagens
sobre o trabalho no Brasil. Em seguida, apresentamos as construções sócio-históricas do
trabalho do educador social, trazendo à tona os debates sobre a sua formação e a
regulamentação da profissão. Por fim, ressaltamos a importância de se instituir uma prática de
formação permanente que permita ao educador social manter-se atualizado, proporcionando
uma visão ampla, capaz de assegurar qualidade no desempenho de sua função.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho. Educação social. Políticas públicas.
Introdução
Este artigo tem o objetivo de fazer uma reflexão sobre as práticas pedagógicas
desenvolvidas pela educação social, dando ênfase à atuação do educador social no âmbito das
políticas públicas, problematizando se a inserção do referido profissional nas instituições
configura-se uma imprescindibilidade ou um rearranjo do capital.
Optamos iniciar as discussões explanando acerca do imaginário da população
brasileira quanto ao trabalho e o trabalho social, abordando suas imagens, mitos e
representações.
Em seguida, apresentamos as construções sócio-históricas sobre o trabalho do
educador social, apresentando o surgimento da educação social e refletindo acerca da
formação e perfil profissionais, relacionando as discussões ao debate sobre a regulamentação
da profissão e a importância dos processos de ensino-aprendizagem para a transformação
societária, desconstruindo o caráter de “favor” das políticas públicas para com a população
atendida e o caráter de “ajuda” dos profissionais que devem garantir direitos.
Finalmente, tecemos algumas considerações acerca do tema, salientando para a
importância de definição mínima quanto ao perfil e a atuação do educador social, no âmbito
das políticas públicas, para que não seja questionada a sua imprescindibilidade, bem como
1
Bolsista: FUNCAP. Mestranda em Políticas Públicas e Sociedade. UECE – Universidade Estadual do Ceará.
Faculdade. Fortaleza – Ceará – Brasil. 60740-000 - [email protected]
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enfraquecida a educação social, não dando a devida visibilidade para que ela se solidifique e
se constitua como uma concepção educacional claramente estabelecida. E, sobretudo, para
que não perpetuemos o discurso e a falsa ideia de profissionais redentores e aptos a salvarem
o mundo das mais variadas formas de exploração e contradição.
Imagens, mitos e representações sobre o trabalho e o trabalho social no Brasil
Estudos historiográficos nos remetem às reflexões acerca da sociedade brasileira, a
partir das imagens, dos mitos e das representações que esta construiu sobre o trabalho.
Podemos considerar um consenso entre os estudiosos o descaso dos colonizadores
portugueses para com sua colônia – o Brasil, deixando como herança a imagem do trabalho
vinculada ao negro (artífices, domésticos, negros de ganho).
O trabalho cabia aos negros (escravos), que eram explorados das mais variadas formas
e garantiam o luxo e a ociosidade de seus donos. O pensamento dominante pregava a atração
pelo ócio e a vontade de mandar, ou seja, de manter pessoas sob seu domínio, que
representava grande status social àquela época, como assinala Araújo, “[...] quanto maior o
número de escravos, tanto mais ascendia o prestígio de quem os possuísse [...]” (ARAÚJO,
1997, p.87).
Para os colonizadores, a moral do trabalho estava relacionada à adaptabilidade ao
meio, sendo mais fácil e mais cômodo adaptar-se do que alcançar a sua transformação. A
riqueza deveria ser alcançada, não pelo trabalho, mas pela exploração. Quanto à questão,
afirma Holanda que “[...] o que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas
riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho. A mesma, em suma, que se tinha
acostumado a alcançar na Índia com as especiarias e os metais preciosos.” (HOLANDA,
1995, p.49).
Ainda atendo-se à lógica da exploração, é disseminado o desprezo pelo trabalho
mecânico e manual. Acrescenta Araújo que “[...] mesmo no correr do século XIX, o exercer
determinadas profissões mecânicas e até o carregar pelas ruas qualquer coisa com as próprias
mãos era tido por vergonhoso.” (ARAÚJO, 1997, p.95). Bem como as primeiras formas de
trabalho, que se dão a partir da monocultura e do latifúndio, são marcadas pela exploração
perdulária e predatória da terra. Segundo Holanda (1995), os portugueses muito pediam à
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terra e pouco lhe davam em retribuição, ou seja, preferiam continuar a utilização dos métodos
considerados rudimentares e danosos para a terra, do que gastar energia para suplantá-los.
Imagens relacionadas à preguiça (repulsa ao trabalho), à aventura (irresponsabilidade,
instabilidade), do país dos bacharéis (apego aos títulos e pouca estima às atividades
intelectuais), do país dos fazendeiros, dos feriados, das festas e das aparências foram
construídas à época da colonização do Brasil e muitas ainda perpassam o imaginário da
população brasileira na atualidade, como ocorre com as imagens vinculadas ao trabalho
social.
É importante salientar que o ócio proporcionado pelo trabalho escravo, no período da
formação do Brasil, não era desfrutado por toda a população. Muita gente tinha de ganhar seu
próprio sustento ou entregar-se à mendicância ou à vadiagem. Tal era o alto custo social
imposto pela estrutura de poder na Colônia. Nesse contexto, afirma Araújo (1997), o mendigo
e o vadio eram ambos parasitas de um meio social – o urbano – por sua vez parasita dentro do
sistema produtivo que se constituiu na Colônia.
A maioria da população brasileira vivia à margem da grande produção (monocultura
ou mineradora), a única que interessava à Coroa. “Era toda uma população desajustada e sem
inserção produtiva – negros forros e brancos pobres – que assombrava a vida dos que
pagavam impostos e frequentavam a igreja.” (ARAÚJO, 1997, p.160).
As condições de vida dessa gente pobre, excluída e expulsa da produção, agravaram-se
com o tempo e a situação tornou-se insustentável. Assim, para atenuar os problemas advindos
com a chamada população desajustada, o Estado e a Igreja tornaram-se parceiros, estimulando
por todos os meios a prática da caridade, de modo a alcançar uma amenização do crônico
problema social instalado.
Afirma Araújo (1997, p.175) que “[...] a noção de caridade propiciou a criação de
diversas entidades beneficentes. A mais atuante delas foi a Santa Casa de Misericórdia, que
encarregou-se de assistir aos indigentes de toda espécie e mantinha um hospital, uma casa de
recolhimento, um serviço de funerais e uma roda dos expostos.” Inicia-se aí os primórdios dos
trabalhos sociais, atrelados à Igreja e preocupados com o controle social e a salvação das
almas caridosas, disseminando a imagem do trabalho vocacionado, com o objetivo de ajudar
aos pobres.
Como demonstrado, a gênese das práticas assistenciais no Brasil dá-se a partir da
Igreja Católica. Para Simões Neto (2005, p.102), “[...] mediante ações voluntárias exercidas
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na fé e na esperança de atingir igualdade de condições entre as pessoas, as práticas
assistenciais buscam estabelecer uma sociedade justa.”
Acrescenta o mesmo autor que o Serviço Social insere-se nesse contexto, uma vez
que, o grande motivador da busca pela referida profissão, cujas primeiras escolas
profissionalizantes foram estruturadas pela Igreja, está centrado na ideia de “ajuda social”,
que é entendida como uma “[...] forma verticalizada de utilização do poder profissional, para
a correção das injustiças sociais.” (SIMÕES NETO, 2005, p.102).
Porém, acredita que o “desejo de ajuda”, abarcado pelo caráter religioso, não é
privilégio do Serviço Social, já que outras profissões apresentam essa mesma característica,
tanto na escolha quanto na progressão de sua prática, como é o caso da Pedagogia,
Enfermagem e Ciências Sociais, por exemplo. Para ele, “[...] o caráter interventivo das
profissões da assistência e da pedagogia dá a estas um caráter missionário, que, por sua vez,
supera o desprestígio que as carreiras possam ter [...]” (SIMÕES NETO, 2005, p.115).
Desprestígio este talvez retratado pelos modestos salários e pela falta de estrutura para um
bom desempenho da função.
Já Martinelli, discutindo historicamente a construção da identidade do Serviço Social,
nos esclarece que com o objetivo de preservação do seu poder hegemônico e controle social, o
Estado e a burguesia atribuíram ao Serviço Social uma identidade que, síntese de funções
econômicas e ideológicas, levava a uma prática de reprodução das relações sociais de
produção capitalista, além de fortalecer a ilusão de que o Estado “nutria um paternal interesse
pelo cidadão” (MARTINELLI, 2007, p.126).
E nos alerta quanto ao fato de que a identidade atribuída ao Serviço Social pelo
capitalismo e “chancelada pela Igreja Católica” descaracterizava sua função essencial “[...]
enquanto resposta ao conjunto de problemas que se instauravam como subprodutos do
capitalismo, transformando-se em mero apêndice da função econômica, em estratégia de
domínio de classe [...]” (MARTINELLI, 2007, p.126). Desse modo, sucumbiam os principais
elementos fundantes de uma consciência política, ou seja, a consciência das contradições, a
prática politicamente organizada e a identidade de interesses como classe.
A reflexão de Martinelli, apesar de relacionada à identidade do Serviço Social, nos
oferece grande contribuição para pensarmos a identidade do educador social, no âmbito das
instituições públicas, já que sua prática profissional, grosso modo, parece possuir certo
espelhamento com a prática dos profissionais da assistência social.
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Assim, afirma Martinelli que a identidade profissional e a consciência social são
construídas no movimento, na complexidade das relações e nos processos que compõem a
totalidade. Diante desse processo dialético, essa identidade deixou de ser vista como algo
estático, imóvel e definitivo. “Posta em seu lugar no cerne do movimento, envolvida por
múltiplas forças contraditórias, essa identidade começou a ganhar uma nova dimensão de
força viva, de movimento permanente, de construção incessante.” (MARTINELLI, 2007,
p.147).
Como já mencionado, essa reflexão também se aplica à identidade do educador social
que deve estar atento para não se submeter aos caprichos de uma ordem alienante, ocultando
em seu discurso de mudança estratégias de controle social, como bem salienta Martinelli, uma
prática de assistência social pode estar submetida à função econômica (Estado, Igreja,
burguesia), “[...] substituindo o educativo pelo assistencial e transformando a crítica em
resignação, em passiva aceitação.” (MARTINELLI, 2007, p.158).
Antes de adentrarmos nas construções sócio-históricas acerca do trabalho do educador
social, descritas no item a seguir, é pertinente mencionarmos que a construção de uma
identidade profissional implica, portanto, um processo de produção de novas relações sociais,
o enfrentamento das adversidades, o desenvolvimento de competências e habilidades
específicas para o exercício da prática, contribuindo para a construção de novos saberes.
Implica, ainda, considerando o exercício da prática como uma das formas de relação do
sujeito com o meio no qual está inserido e no qual intervém, “[...] o olhar do outro, o
julgamento do outro e a clareza de que o que se busca é o reconhecimento pelo seu fazer e não
pelo seu ser [...]” (LIMA; HOPFER; SOUZA-LIMA, 2004, p.09).
Ajuda ou efetivação de direitos? as construções sócio-históricas do trabalho do educador
social no âmbito das políticas públicas.
Para iniciarmos as discussões propostas, torna-se fundamental uma breve explanação
sobre o surgimento da educação social. Desse modo, nos remetemos à realidade europeia
(Espanha e Portugal), quando no pós-guerra viu nascer esta forma de intervenção social para
enfrentar as problemáticas que envolviam as crianças e jovens que haviam perdido suas
famílias na Segunda Guerra Mundial.
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Segundo Ribeiro (2006), estes sujeitos (crianças e jovens ‘sem famílias’) necessitavam
readaptar-se a essa nova condição, o que poderia ocorrer mediante uma “assistência
educativa”. Tal assistência, repensada historicamente, sofreu transformações devido a novas
demandas sociais. Desse modo, nos anos de 1990, a educação social direcionou a sua
intervenção para as crianças e jovens que se encontravam em situação de risco e
vulnerabilidade social, levando em consideração, na realidade europeia, “[...] a massificação
do desemprego e seus resultados no que concerne à desagregação familiar e à violência social
[...]” (RIBEIRO, 2006, p.161).
Portanto, a década de 1990, exigiu uma intervenção junto a um significativo
contingente populacional que estava à margem de seus direitos e de participação social,
colocando para a educação social o desafio de “[...] incidir no repertório de condutas dos
cidadãos, o qual supõe introduzir mudanças no seio da família, nas relações com os colegas da
mesma idade e nas instituições escolares e sociais [...]” (PETRUS apud ROMANS, 2003,
p.56).
Ainda em 1990, a Espanha inaugurou a formação universitária de educador social,
seguida por Portugal. As duas formações, em busca de construir a identidade do referido
profissional, definem algumas características desejáveis para a sua atuação. Segundo Romans,
Petrus e Trilla (2003), na formação espanhola enfatiza-se que o educador social deve ser
criativo, otimista e realista, capaz de ações construtivas e otimizadoras, pertinentes à
possibilidade de transformação da realidade vivenciada. Quanto à realidade portuguesa, o
saber profissional do educador exige a “reflexibilidade, polivalência técnica, criatividade,
adaptabilidade e dinamismo” (CARVALHO E BAPTISTA, 2004, p.83). Tanto Espanha
quanto Portugal prezam pela formação contínua na busca de desenvolvimento de
competências para o exercício da prática cotidiana.
Buscando definir as funções e competências do educador social, Romans (2003) nos
afirma que o educador social é o profissional da educação social que deve traduzir em
objetivos educativos a incumbência que a organização lhes confere; que seus usuários podem
ser pessoas, grupos e instituições; que tem definido um marco de atuação; que pode estar
integrado em equipes de trabalho; que dispõe de recursos institucionais públicos ou privados e
que requer uma formação contínua para otimizar o seu desenvolvimento pessoal e melhorar
no exercício de sua profissão.
No Brasil, a educação social é costumeiramente associada ao enfrentamento das
problemáticas que envolvem as crianças e os adolescentes em situação de rua, por meio da
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atuação de educadores sociais, voluntários, vinculados à Igreja ou organizações nãogovernamentais e que desenvolvem suas ações na própria rua.
Esta imagem vem sendo desconstruída historicamente, mas é fruto dos primórdios da
educação social no Brasil, especificamente da década de 1980, quando se intensificou a luta
pelo fim da segregação e institucionalização de crianças e adolescentes em instituições
públicas. Como é sabido, retirar do convívio social, segregar as crianças e adolescentes em
instituições era uma característica marcante das práticas governamentais adotadas, sobretudo
em relação às crianças e adolescentes “em situação de rua”.
Ao longo do tempo, o lócus de atuação do educador social se ampliou e este passou a
integrar significativamente o quadro das instituições governamentais, umas com a intenção de
superar as ações meramente formais e disciplinadoras, pelo menos no discurso institucional e
outras sem ao menos saber qual a definição clara para a atuação do referido profissional.
No Brasil, apesar do educador social ter conquistado inúmeros espaços (abrigos,
centros educacionais, projetos sociais de modo geral), há um descompasso entre a utilização
de sua força de trabalho e o seu reconhecimento profissional, o que pode ser identificado
pelos baixos salários e a indefinição de seu papel no ambiente institucional, muitas vezes
desconhecido pelo próprio profissional, nos remetendo a ideia de exploração do trabalho, por
um menor custo. Bem como colocando à prova a imprescindibilidade de sua atuação no
âmbito das políticas públicas, podendo se configurar um rearranjo do capital, ou seja, é mais
cômodo para o Estado ou qualquer outro empregador pagar mais barato por um profissional
que não tem definida a sua atuação e que, sendo explorado, pode desenvolver as mais variadas
atividades.
Nos espaços de atuação do educador social geralmente lhe é exigido o ensino médio
completo, mas muitos possuem formação acadêmica nas áreas de humanas (Serviço Social,
Psicologia, Ciências Sociais, Pedagogia, etc.). No Brasil, não existe uma formação
acadêmica2 de educador social e a sua atuação ainda nos parece fragilizada. Grosso modo, na
realidade brasileira, parece-nos que a atuação como educador social se configura em um
estágio preliminar para o profissional, que posteriormente terá uma formação acadêmica e, aí
sim atuará em uma área específica.
Esse profissional, amparado por metodologias de trabalho apreendidas na sua área de
formação acadêmica ou em suas experiências de vida e desamparados da ideia de processo de
2
É importante mencionar que encontra-se em trâmite no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados) o Projeto
de Lei (PL-05346/2009), de autoria do deputado federal Chico Lopes (PCdoB/CE), que dispõe sobre a criação da
profissão de educador e educadora social no Brasil.
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construção, arriscam-se a uma prática que exige, no mínimo, ações otimizadoras e com
imposição de metodologias prontas, geradoras de certo descompasso entre os princípios da
educação social e a prática disseminada.
Imbuídos de uma vontade de “ajudar” – aí voltamos à imagem disseminada acerca do
trabalho social – e com pouca clareza do que significa um trabalho socioeducativo (de
efetivação de direitos), o educador social depara-se com o não saber ao certo o que fazer
frente aos sujeitos que já não sabem ao certo o que esperar, impondo, assim, à população a
ideia de que o atendimento/ação das políticas públicas se configura em um favor e não um
direito que lhes deve ser assegurado.
Não podemos deixar de expressar que, apesar de todos os avanços, inclusive nas
legislações, da filantropia à cidadania remodelam-se os discursos; renovam-se os oradores;
refina-se a oratória; reinvernizam-se as imagens. Todo o velho aparenta novo. Muda-se (a
fala) para perpetuar-se (a prática e seus agentes) no mesmo, ou seja, eterniza-se o velho.
Considerações finais
Ao refletirmos acerca da categoria trabalho, não poderíamos deixar de mencionar as
contradições existentes nas construções sócio-históricas que a permeiam. Na formação do
Brasil, as contradições podem ser vistas sem rodeios ou eufemismos, afinal, quem desfrutava
do berço da preguiça, gozando de um ócio, graças à exploração, era exatamente o mais rude
nas penalizações dos chamados “vadios” ou “vagabundos”.
Grosso modo, tal realidade nos remete ao pensamento de Marx (1984), quando aborda
a questão da expropriação dos camponeses – no texto ‘A chamada acumulação primitiva’ –,
um processo que se utilizou da violência e gerou muita oferta de terra e força de trabalho.
Desse modo, acabou gerando uma massa de pessoas sem meios de produção e sem espaço de
inserção, ocasionando a “vadiagem”, vadiagem essa punida através de leis arbitrárias e sem
qualquer observância aos direitos humanos.
Como ficou demonstrado, no Brasil havia um parasitismo “regulamentado”, bastava a
pessoa pagar os seus impostos e esta seria considerada honesta, distinta e até nobre. Quanto ao
“desclassificado”, que pesava à coletividade, este deveria ser reprimido e controlado, pois
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escapavam às normas de convivência minimamente aceitáveis por uma sociedade que só
admitia o “parasitismo honesto”.
Frente à repressão e ao controle da população que estava à margem da produção – “os
desclassificados” –, o Estado e a Igreja, juntos, passaram a disseminar o espírito da caridade,
capaz de assegurar a propriedade privada das pessoas de posse e, ainda, a salvação de suas
almas. Nessa lógica, nascem as primeiras experiências de trabalho social, atreladas à Igreja
católica, com o objetivo de se “ajudar” na construção de uma sociedade “mais justa”.
O trabalho social, apesar das desconstruções históricas, ainda carrega a imagem da
caridade, do assistencialismo, praticado por mulheres, com a missão vocacional de ajudar.
Quanto ao trabalho do educador social, ainda há desconhecimento, por parte da sociedade, em
relação a sua atuação, na maioria das vezes é confundida com a atuação do assistente social,
do professor ou qualquer outro profissional inserido no ambiente institucional. Esta falta de
definição clara talvez possa gerar a falta de legitimidade da profissão, bem como traz à tona o
debate da implantação de um curso superior em educação social.
É importante registrar que o trabalho do educador social, no âmbito das políticas
públicas e em qualquer outro meio institucional requer a definição de certas funções que nem
sempre são vistas com clareza. A imprecisão das funções deriva das multiformes tarefas que o
educador social desenvolve e que costumam repercutir em seu nível de satisfação e
possivelmente no serviço que se presta na própria instituição. No nível de satisfação, porque
os educadores percebem que não realizam o trabalho para o qual foram preparados ou
contratados e na instituição, porque acredita que para tarefas “variadas” não precisam de
profissionais tão qualificados.
Tal realidade acaba por enfraquecer a educação social, não dando a devida visibilidade
para que ela se solidifique e se constitua como uma concepção educacional claramente
estabelecida. E nos remete à importância de se instituir uma prática de formação permanente
que permita ao educador social manter-se atualizado, proporcionando uma visão ampla e
profunda, capaz de assegurar uma qualidade no desempenho de sua função.
O desafio, portanto, é o alcance do perfil de um intelectual orgânico, capaz de assumir
a tripla tarefa: filosófico-científica, educativo-cultural e política, superando as formações do
educador social como redentor ou mero técnico.
Quanto ao perfil de intelectual orgânico, acreditamos, em consonância com o
pensamento de Martins (2010), ser possível quando a tendência materialista histórica e
dialética influenciar o processo de formação do educador social, para que este possa assumirREDD – Revista Espaço de Diálogo e Desconexão, Araraquara, v. 3, n. 2, jan/jul. 2011
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se como um intelectual orgânico às classes subalternas e, assim, colaborar no processo de
transformação radical das relações sociais globais, e não apenas dos indivíduos e das
comunidades nas quais atua.
Por fim, consideramos que se a ausência de educadores sociais em muitas instituições
se justifica precisamente pelo desconhecimento do seu trabalho, obteremos como resultado o
que atualmente está ocorrendo em muitas delas, qual seja: ainda não contam com um
profissional orientado para a educação social, mas com profissionais sem identidade, que
“fazem tudo, mas não fazem nada concretamente”, perpetuando a imagem da ajuda e se
distanciando do real objetivo da educação social – a efetivação de direitos.
THE EDUCATOR AND HIS SOCIAL INCLUSION IN PUBLIC POLICY:
INDISPENSABILITY OR REARRANGEMENT OF CAPITAL?
ABSTRACT: This article aims to reflect on pedagogical practices developed by social
education, emphasizing the social role of the educator in public policy. Thus, we begin with
an explanation about the images on work in Brazil. Next, we present the socio-historical
constructions of the social work educator, bringing up discussions about their formation and
regulation of the profession. Finally, we emphasize the importance of instituting a practice of
lifelong learning that will enable the social educator keep up, providing a broad vision,
capable of ensuring quality in the performance of its function.
KEYWORDS: Work. Social education. Public policies.
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