Fundamentos de macroeconomia duas col 11 2015

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Edson Peterli Guimarães
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FUNDAMENTOS DA MACROECONOMIA TRADICIONAL Edson Peterli Guimarães** PARTE 1 em elaboração 09/2015 Sumário 1.INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................................................................................... 3 1.1 A Economia clássica ................................................................................................................................................................................................................................. 3 1.1. A teoria MACROECONOMICA ................................................................................................................................................................................................................ 4 1.2.Ramificações da Macroeconomia ........................................................................................................................................................................................................ 6 1.2.1. síntese neoclássica ............................................................................................................................................................................................................................................................ 6 1.2.2 A curva de Phillips .............................................................................................................................................................................................................................................................. 7 1.2.3 Monetaristas ......................................................................................................................................................................................................................................................................... 7 1.2.4. Teoria novo-­‐classica ........................................................................................................................................................................................................................................................ 9 1.2.5 Os novos Keynesianos ...................................................................................................................................................................................................................................................... 9 1.2.6 Estruturalistas .................................................................................................................................................................................................................................................................. 10 1.3 Um pouco de Historia ............................................................................................................................................................................................................................ 11 1.4. antecedentes ........................................................................................................................................................................................................................................... 14 2. O PRODUTO .............................................................................................................................................................................................................................. 16 2.1. A Mensuração do Produto e da renda ............................................................................................................................................................................................. 19 2.1.1 Distinção entre Produto Bruto e Produto Líquido ............................................................................................................................................................................................ 20 2.1.3. Produto Real e Nominal ............................................................................................................................................................................................................................................... 22 2.2. Índices de Preços ................................................................................................................................................................................................................................... 22 2.3. O Excedente Econômico ....................................................................................................................................................................................................................... 27 2.3.1 A Macroeconomia e o Excedente Econômico ...................................................................................................................................................................................................... 30 3. IDENTIDADES BÁSICAS ......................................................................................................................................................................................................... 36 3.1 Uma Economia Simples ......................................................................................................................................................................................................................... 37 3.2 Introduzindo o Governo e o Mercado Externo. ............................................................................................................................................................................. 38 3.3 Renda e o Balanço de Pagamentos .................................................................................................................................................................................................... 40 3.3.1 Aspectos monetários do Balanço de Pagamentos ............................................................................................................................................................................................. 42 4. FUNÇÃO CONSUMO E DEMANDA AGREGADA ................................................................................................................................................................ 45 4.1. Multiplicador dos Investimentos ..................................................................................................................................................................................................... 46 4.2.1. Acelerador dos investimentos .................................................................................................................................................................................................................................. 47 **Professor Associado do Instituto de Economia e coordenador da Pós-­‐Graduação em Comércio Exterior (ECEX) da UFRJ. 1
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4.2. Demais multiplicadores ...................................................................................................................................................................................................................... 47 5. Moeda e bancos ....................................................................................................................................................................................................................... 49 5.1 moeda na macroeconomia ................................................................................................................................................................................................................... 52 5.2. Bancos ........................................................................................................................................................................................................................................................ 55 5.2.1 Politica Monetária Brasileira ...................................................................................................................................................................................................................................... 57 5.3 Taxa de Câmbio ....................................................................................................................................................................................................................................... 58 2
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1.INTRODUÇÃO 1.1 A ECONOMIA CLÁSSICA As empresas, os consumidores, o governo e demais instituições fazem escolhas e tomam decisões econômicas baseados em uma multiplicidade de fatores. Os bens e serviços escolhidos somados por categorias de uso dão origem aos agregados econômicos cujos principais são: consumo das famílias e das empresas (investimento), vendas externas (exportação), compras dos residentes de mercadorias fabricadas em outros países (importação), receitas, gastos e dívidas do governo, poupança (ativos monetários e financeiros) e contas do balanço de pagamentos. A macroeconomia é uma disciplina funcional que procura desvendar justamente a influência que os agregados possuem na determinação da renda nacional e do emprego. Seu estudo se divide em dois ramos: o mercado real e o mercado monetário e de títulos financeiros. Como tudo em economia gira em torno de processos de escolha, as variações na liquidez do sistema econômico alteram os preços, pelo menos no curto prazo, e influenciam, portanto, as escolhas individuais que formam os agregados econômicos constituídos por bens e serviços. Devemos tratar o mercado real e o mercado monetário e de títulos de modo compartilhado. A investigação macroeconômica de como um mercado afeta o outro procura revelar a) as causas do crescimento econômico, b) o alcance dos aspectos monetários para a estabilidade de preços, c) as implicações que possam ter para a distribuição de renda e d) as relações econômicos do país com o resto do mundo representadas no balanço de pagamentos. Os fundamentos da macroeconomia foram construídos por John Maynard Keynes e Michael Kalecki no início do século XX causando impactos significativos na compreensão do mundo econômico. John Maynard Keynes, de origem inglesa, sintetizou seu pensamento no livro “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, publicado em 1936. Suas ideias mostraram um mundo econômico bem diferente do postulado pelos economistas da época, denominados (neo)clássicos. Michael Kalecki, de origem polonesa, versado nos estudos da economia política de cunho marxista, publicou em 1933, “Esboço de uma Teoria de Ciclo Econômico”. Nesta publicação, com roupagem diversa da utilizada por Keynes, Kalecki contemplou aspectos seminais da dinâmica da economia capitalista que se aproximam da interpretação keynesiana sobre a mundo econômico. Nesta época, eles não se conheciam e muito menos os trabalhos um do outro. A visão dos economistas das escolas clássica (séculos XVII e XVIII) e neoclássica (segunda metade do século XIX) era de um mundo econômico perfeito, harmônico e equilibrado. Esse mundo maravilhoso era construído com preços totalmente flexíveis que subjugados pelas forças de mercado harmonizavam-­‐se para garantir o máximo bem-­‐estar social. O comportamento interesseiro dos vendedores e dos compradores determinava o alcance do bem-­‐estar social: “o leiloeiro” –mercado– somente finaliza a contenda, batendo o martelo, quando o preço fechado oferece o mesmo grau de satisfação obtido pelo comprador e pelo vendedor. Qualquer perturbação dessa ordem era inimaginável pela visão econômica convencional da época e se, por ventura, ocorresse seria ocasional, passageira e sem importância. A depressão no início do século XX, nos Estados Unidos, mostrou que não era bem assim que funcionava o sistema econômico. Essa evidência, sem dúvida contribuiu para que Keynes e Kalecki construíssem os fundamentos da macroeconomia atual. Essa construção teórica do mundo econômico feita nos idos anteriores ao século XX por um conjunto de economistas clássicos (antigos) e neoclássicos (novos) tem apelos fortes. Além de propagar as forças de mercado como elemento central para o alcance do bem-­‐estar social, consideram a produção 3
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representada eminentemente por fatores técnicos cuja essência desaloja qualquer conflito social do mundo econômico1. A flexibilidade de preços permitindo que o exercício das forças de mercado fosse pleno levaria a economia para uma alocação ótima de recursos. mercados respectivos com as rendas auferidas por cederem seus fatores de produção (força de trabalho, capital, recursos naturais) a máquina processadora (empresas). Os empresários recebem rendimentos (lucros) também por organizarem a produção. Nesta linha de pensamento, a combinação mais rentável entre os fatores de produção vai sendo estabelecida até a sua plena capacidade e a distribuição dos produtos são reveladas pela forças de mercados que ajustam preços levando a economia para um único e imutável equilíbrio (entre oferta e demanda) econômico. Mercado das Família
Mercado das Empresas Bens finais e serviços
MAO DE OBRA CAPITAL RECUSOS NATURAIS Bens de Capital Bens Intermediários, Matérias primas, Insumos elaborados e Serviços INSUMOS
A figura acima ilustra esse esquema. A produção pode ser representada como uma máquina processadora que ao final do ciclo produtivo resulta nos a) bens de capital, bens intermediários e outros insumos que se destinam as empresas e b) bens e serviços finais dedicados as famílias. Todos adquirem os bens e serviços mediante compras nos 1
Excetua-se dessa concepção a linha econômica clássica marxista cujo
enfoque central consiste justamente no conflito social originado nas relações sociais que
se estabelecem para a produção de bens e serviços no sistema capitalista.
Para esta escola a variação da oferta monetária é irrelevante. A moeda é simplesmente um meio de troca precificando os bens e serviços imediatamente, quando por qualquer razão, sua quantidade varia. Os preços nominais dos bens e serviços (cotados pela quantidade de moeda) podem variar, mas as relações entre eles não se modificam com a variação monetária, pois os compradores e vendedores -­‐ produtores -­‐ sabem quanto uma mercadoria ou um serviço custa em termos reais. A moeda na visão desses economistas, é exógena ao sistema e, nesse mundo de economia clássica, ela não tem o poder de influenciar o processo de escolha do quanto consumir de um bem ou serviço ou do quanto produzi-­‐los. Ela é simplesmente um veiculo de trocas. 1.1. A TEORIA MACROECONOMICA A literatura corrente aponta, pelo menos, quatro abordagens originais de Keynes e Kalecki que descontroem o mundo econômico harmônico e equilibrado conforme pensado pelos economistas (neo)clássicos. A primeira e mais importante delas consistiu na consideração de que o sistema econômico não é comandado exclusivamente pela oferta de bens e serviços no sentido da produção gerar renda destinada ao consumo (presente ou futuro), como sugerido na figura acima, levando a produção a se estabelecer no pleno emprego. Os indivíduos (as empresas) podem desejar consumir (investir em) produtos não necessariamente em linha com a oferta 4
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(demanda), decorrendo desse fato desajustamentos econômicos. Esse comportamento das empresas e consumidores foi explorado por Keynes de maneira exemplar, constituindo basicamente o arcabouço teórico da macroeconomia. O livre arbítrio que os indivíduos têm com respeito a renda propiciam movimentos econômicos erráticos que podem convergir a um equilíbrio econômico com desemprego de fatores de produção. Essa situação era inimaginável pelos economistas (neo)clássicos. As ações dos consumidores e dos investidores formam o que Keynes denominou de o princípio da demanda efetiva que não necessariamente garantem o pleno emprego dos fatores. A segunda abordagem original invalida a premissa dos economistas (neo)clássicos de que os preços são totalmente flexíveis e não exercem influência no meio econômico. Keynes constatou que os preços da mão de obra e de muitos serviços públicos tendem a certa rigidez, pelos menos, no curto prazo. Isso ficou evidenciado nos anos de 1920, na grande depressão dos Estados Unidos da América. Dificilmente os empresários iriam entabular novas produções aumentando o emprego e a renda da economia com base somente em um livre jogo das forças de mercado cuja essência levava a uma queda generalizada de preços. Assim, a relação Preço/Custo desestimulava os investimentos dos empresários, pois que seus preços de venda caem (deflação) e os custos da mão de obra e de muitos insumos permanecem, no mínimo, constante. Nos cálculos empresariais os pagamentos aos fatores de produção são considerados custos e, por isso, a lógica empresarial não adota isoladamente estratégias que incorporem o reconhecimento de que salários são poder de compra: demanda agregada que estimula a expansão dos velhos empreendimentos e a criação de novos2. 2
Se esse reconhecimento fosse explicitado e houvesse um acordo tácito entre os empresário, as crises econômicas clássicas poderiam ser postergadas: bastaria queimar capital (por meio de fusões e incorporações empresariais) ou aumentar o preços dos fatores de produção elevando a renda para estimular o consumo. Os empresários fazem muitas coisas Com deflação, o acréscimo de mais uma unidade de trabalho fica condicionada a redução do salário para manter a mesma margem de lucro empresarial. Keynes, alertou que essa situação causa dois efeitos, pelo menos. O primeiro, com preços dos produtos em queda, os empresários não são estimulados a investir. O segundo, contempla a resistência dos trabalhadores a menores salários e mesmo o aceitando, o salário deveria cair mais do que os preços dos bens e serviços para propiciar uma rentabilidade empresarial atraente. Esses dois efeitos são suficientes par reduzir a demanda agregada com os quais se evidencia a dificuldade da saída da crise por mecanismos automáticos de preços. Keynes advogou que os indivíduos, diferente da suposição clássica, não ajustam imediatamente preços relativos as variações nominais, principalmente o valor da mão de obra: existiria, portanto, certa “ilusão monetária” com qual os governos poderiam contar para estabilizar a economia em direção ao pleno emprego, por meio de políticas de rendas: maior oferta monetária eleva os preços nominais dos bens e serviços, conquanto salários e preços fixados contratualmente sobem menos estimulando, portanto, a produção. A terceira abordagem significou também um avanço teórico considerável que até hoje é objeto de uma intensa discussão. Perdas e ganhos (risco) nos processos de escolha foram explicitamente considerados na teoria de Keynes: as pessoas mantêm saldos em dinheiro aguardando o momento mais adequado de especular (arriscar) com os ativos financeiros que eles entendam de maior rentabilidade. Na visão neoclássica, no entanto, é inconcebível alguém guardar dinheiro em vez de buscar imediatamente um retorno para ele: a taxa de juros, neste caso, é um fenômeno real definida conjuntamente, mas dificilmente se acertam com os concorrentes definindo conjuntamente suas estratégias de expansão, o que inviabiliza a prática anticíclica comentada. 5
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pelo volume de poupança disponível ao investimento pretendido. Já para os seguidores de Keynes, a taxa de juros é um fenômeno monetário e a formação da poupança é função da renda e dos saldos especulativos. De acordo com a teoria de Keynes, a poupança é um resíduo que dependente somente da renda, e as decisões de investimento seriam dominadas pelo "espírito animal" do empresariado. Kalecki, por outro lado, mostrou que na dinâmica capitalista o investimento é autofinanciado, ou seja ele cria poupança, com independência da taxa de juros, no mesmo montante em que se realiza. Essa é uma questão, portanto, que ainda não está de todo resolvida empiricamente. A quarta abordagem apoia-­‐se integralmente no principio da demanda efetiva, mencionado anteriormente. Advoga a ideia de um Estado interventor na economia com potencialidades para manipular a demanda efetiva em um ambiente econômico com superprodução e elevados estoques nas empresas. Dentre as quatro abordagens, a que causou maior impacto no meio político e econômico parece ter sido essa: a ideia do governo expandir déficits públicos para ampliar o emprego e a renda. O estranhamento desta proposta deveu-­‐se por um lado ao reconhecimento, no início do século XX, que a intervenção do Estado na economia era coisa de regimes totalitários, portanto de difícil aceitação em ambientes democráticos e por outro, ao abalo que causava no pensamento da economia clássica cuja concórdia e harmonia oriunda das forças de mercado dispensava qualquer intervenção externa (como o governo) na economia. Kalecki, com outra palavras, insinuou a contribuição do Estado como essencial a dinâmica capitalista por conta dos gastos de diversas ordens (em infraestrutura, guerras, obras públicas e demais empreendimentos demandados ao setor privado) acionados com efeitos anticíclicos, por elevar a demanda agregada em um ambiente de elevada capacidade ociosa em diversos segmentos produtivos e com elevados estoques (invendáveis). Uma das evidências recentes da validade dos ensinamentos oferecidos por John Maynard Keynes e Michael Kalecki foi os estímulos aplicados pelo governo norte-­‐americano para fortalecer a demanda agregada, como solução para a crise instaurada no ano de 2008. Guardadas as proporções, esta mesma política havia sido adotada pelo governo Franklin D. Roosevelt na década de 30 para reativar a economia estadunidense com base nas proposições desses dois pensadores3. 1.2.RAMIFICAÇÕES DA MACROECONOMIA 1.2.1. SÍNTESE NEOCLÁSSICA Vários economistas imediatamente se debruçaram sobre a livro A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda de J. M. Keynes, após a sua publicação em 1936, procurando dar um acabamento formal aos nexos existentes entre os agregados econômicos para se alcançar o pleno emprego. Hicks foi o economista que mais se destacou nesta tarefa.4 A elegância matemática e as proposições teóricas resumidas por esse autor fez com que a macroeconomia fosse absorvida pelo meio acadêmico e politico com sucesso. Ele modelou a Teoria Geral estabelecendo níveis de equilíbrio entre o mercado real [investimento (I) e Poupança (S)] e o mercado monetário [demanda (L) e oferta (M) de moeda]. Toda a modelagem esta ancorada na ideia neoclássica de que as variações na quantidade de moeda são instantaneamente recolhidas pelos preços, justamente por que os indivíduos nos seus processos de escolha não se deixam atrapalhar pelas variações da 3 Na grande depressão, a relação entre preços e nível de emprego foi interpretada explicitamente por Keynes como sendo a deflação a principal causa do desemprego: os empresários não investem quando o preço do produto está caindo. Assim, um conjunto de incentivos foi criado, denominado de New Deal, perpetuados nos anos de 1933 a 1937 justamente para dar maior liquidez ao sistema econômico, ao mesmo tempo que se aumentava o gasto público. 4 A maioria das publicações macroeconômicos convencionais apresentam o modelo IS-­‐LM desenvolvido por John Richard Hicks. Ver, contudo, capítulos 3 e 5 de Blanchard, O., Macroeconomia, Ed. Campus, 2001, que desenvolve de maneira bem acessível a síntese neoclássica. . 6
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oferta monetária mantendo a relação entre os preços dos bens constante. Somente a taxa de juros varia nominalmente, ou seja, é influenciada pela demanda e oferta de moeda mas não é influenciada pelo nível de preços. Seu exercício associa-­‐se as variações da oferta monetária em relação a sua procura determinando o equilíbrio / desequilíbrio entre os mercados. A síntese neoclássica ganhou forte aderência no ensino da macroeconomia nas universidades por conta das representações geométricas de casualidade entre Produto e Renda causadas pelos nexos existentes entre os mercado real e monetário (IS-­‐LM), onde o equilíbrio (desequilíbrio) em um mercado, por tautologia, significa equilíbrio (desequilíbrio) no outro. Ate meados dos anos de 1970, pode-­‐se dizer que o entendimento das variações entre IS-­‐LM resumiam todo o estudo da macroeconomia, pelo menos nas universidades brasileiras. 1.2.2 A CURVA DE PHILLIPS Em 1958 o economista William Phillips usando dados da Inglaterra de 1861 a 1957, evidenciou relação negativa entre a taxa nominal dos salários (inflação) e a taxa de desemprego. Essa relação ganhou status de “modelo teórico” passando a ser denominada de curva de Phillips, quando economistas norte americanos (Paul Samuelson e Robert Solow) encontraram efeito semelhante para a economia dos Estados Unidos da América. Se a inflação aumentava, diminuía o desemprego e quando ela diminuía o desemprego aumentava, pelo menos no curto prazo. Os resultados empíricos entre inflação e desemprego contribuíram para os formuladores de politica econômica introduzirem os efeitos desse nexo causal no exercício da politica monetária As propostas keynesianas para estimular a demanda efetiva passavam agora pelo crivo da curva de Phillips5. A evidência de que havia uma relação contrária entre a taxa de desemprego e a taxa de inflação elevou o status da política fiscal e monetária não somente para controlar a liquidez, mas fundamentalmente para avaliar o custo inflacionário das políticas fiscais de promoção da atividade econômica centradas nos déficits públicos. A importância desses resultados foram naturalmente pavimentando a aceitação da curva de Phillips pelos acadêmicos e pelos formuladores da politica econômica. No início dos anos de 1970, ela passou a ser, contudo, bastante criticada, justamente pela relação, experimentada em diversos países, contrária a evidência exibida pela curva de Philips para os anos anteriores. Taxas de inflação e desemprego passaram a se correlacionar de modo contraditório, caracterizando o que ficou conhecido como estagflação: uma mistura de inflação com estagnação econômica. Essa situação atraiu o interesse dos economistas para investigar a fragilidade da teoria de Keynes e da curva de Phillips que tivera outrora uma aceitação inconteste. Lembre que a preocupação primeira de Keynes era com respeito ao desemprego e de como politicas fiscais e monetárias poderiam diminui-­‐lo. Essa questão ainda é presente em toda a envergadura macroeconômica, mas o fenômeno da estagflação estabeleceu uma brecha teórica propiciando o surgimento de novos enfoques explicativos dos efeitos monetários e fiscais sobre o nível de emprego. Quatro escolas de pensamento macroeconômico foram se fortalecendo, cada qual com sua matriz teórica para explicar o fenômeno da estagflação e posteriormente se consolidar como um ramo particular de estudos macroeconômicos: Monetaristas, Novos Clássicos, Novos Keynesianos e Estruturalistas. 1.2.3 MONETARISTAS Essa linha de pensamento ficou conhecida como a macroeconomia oriunda 5. Ver Blanchard, O. op.cit. e para contextualização histórica Humprey, T.M (1985); The early history of the Phillips Curve. Disponível em <http://ideas.repec.org/a/fip/fedrer/y1985isep-­‐
octp17-­‐24nv.71no.5.html . 7
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da “Escola de Chicago”. Milton Friedman foi o principal mentor dos ensinamentos monetaristas. Os que seguem essa linha de pensamento advogam que a variação na quantidade de moeda não exerce feitos reais no longo prazo, embora possa exerce-­‐lo no curto-­‐prazo mas, que inexoravelmente irão se ajustar no longo prazo, invalidando os efeitos causados pelas variações da moeda no curto prazo6. Seus argumentos apoiavam-­‐se no pouco sucesso da política fiscal expandindo a demanda efetiva com a economia perto do pleno emprego (taxa natural de desemprego no longo prazo). O resultado esperado seria a elevação de preços e da taxa de juros nominal desestimulando o investimento, que é o principal elemento propiciador de demanda agregada. Apesar dos escritos de Friedman mais comentados, anteriores ao anos de 1070, não colocarem a questão da estagflação (inflação com estagnação econômica) como decorrentes de politicas fiscais e monetárias expansionistas, seus resultados analíticos parecem antever processos de estagflação que foram se instaurando em diversos países que adotaram as politicas keynesianas, no final dos anos de 19790. Friedman reviveu a Teoria Quantitativa da Moeda, construída por Fischer no início do século XIX, mantendo sua essência: uma oferta monetária servindo exclusivamente ao mecanismo de troca7. Qualquer variação da quantidade de moeda no sistema rebateria exclusivamente nos preços. Milton Friedman revelou a existência de uma demanda por moeda correlacionada aos preços, juros e produto. O equilíbrio no mercado monetário passava a ser meramente uma questão de calibragem da oferta uma vez definidos metas a serem alcançadas. Com estas condições, o exercício da política monetária sobre rendas e preços poderia ser coroado de sucesso no curto prazo, na ocorrência de algum desajustamento entre a taxa efetiva de emprego e a taxa natural de emprego da economia. Os monetaristas, embora, aceitem que a moeda possa exercer efeitos para aumentar o emprego no curto prazo, quando a taxa natural de emprego ainda não foi alcançada, sugerem que a sua adoção é prejudicial no longo prazo, pois a oferta de produtos está limitada no longo prazo: o crescimento do produto depende exclusivamente de variáveis estruturais que aumentem a produtividade do trabalho. Os aspectos monetários, nessa linha de pensamento, não são tão importantes como educação e avanços tecnológicos, por exemplo, para o crescimento do produto. De resto, no debate com os keynesianos, a linha de pensamento monetarista advoga que o não reconhecimento pelas autoridades monetárias das pressões de demanda, no período que antecedeu a crise de 1929 nos Estados Unidos, foi justamente a principal causa da deflação e não uma suposta insuficiência de demanda efetiva, como pensou Keynes. Se as autoridades tivessem reconhecido este fato certamente teriam providenciado uma maior oferta monetária impedindo que o processo deflacionário se alojasse no sistema econômico. Esse reforço argumentativo fortalece a utilização da política monetária ativa alinhada com a oferta agregada em detrimento a política fiscal recomendada pelos seguidores de Keynes nos ajustamentos da economia em direção ao pleno emprego8. No anos de 1970, Friedman ampliou a macroeconomia para incluir a noção de expectativas adaptativas. Seu enredo era que as funções de preferência nos processos de escolha são otimizadas pelas expectativas que os indivíduos formam da dinâmica do nível de preços com base no passado recente. Apadrinhou, também, a ideia de que economias caminham em 6 Ver Lopreato, F. L. (2013); Milton Friedman e a efetividade da política fiscal, Revista de Economia Contemporânea, vol. 17, no 2, maio-­‐agosto. 7 Essa questão será abordada com mais detalhes no capitulo 5 adiante. 8 Essa observação foi extraída de conversa de botequim com Luís Carlos Delorme Prado que, dentre vários aspectos, procurava retratar a astúcia argumentativa de Friedman. 8
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direção a um desemprego natural e que, portanto, as variações observadas no desemprego seriam friccionais. Desse modo, sendo o processo de escolha alicerçado pelo passado e a taxa de desemprego natural, o processo de estagflação seria, no limite, decorrente de políticas expansionistas que os indivíduos reconhecem e se adaptam com a restrição da plena utilização de recursos. Assim, os monetaristas argumentam, de modo geral, que os estímulos econômicos oriundos do livre jogo das forças de mercado são mais eficazes do que os estímulos decorrentes de as políticas fiscal e monetária9. Para eles, a oferta monetária ao longo de tempo deveria seguir padrões definidos em função da variação do produto e qualquer politica monetária e fiscal além desse ponto teria a propriedade de gerar inflação cujo efeito seria inócuo para a oferta agregada, anulando possíveis efeitos sobre a demanda efetiva, uma vez que os indivíduos reconhecem o maior volume de moeda se transbordando sobre os preços dos bens e serviços. Em resumo, muitos dos ensinamentos dos monetaristas se aproximam do mundo como pensado pelos economistas clássicos, onde a moeda é exógena ao sistema econômico e é somente um veículo das trocas entre bens e serviços. 1.2.4. TEORIA NOVO-­‐CLASSICA Ainda nesta linha de argumentação, Robert Lucas e Thomas Sargent, no inicio dos anos de 1970, desenvolveram o conceito de expectativas racionais. O significado difere das expectativas adaptativas justamente devido a possibilidade dos indivíduos anteciparem o comportamento da política econômica com base em todas as informações disponíveis no presente10. Com expectativas adaptativas a política monetária no curto prazo poderia gerar efeitos reais imediatos pois os agentes reagem, se adaptando, a política em vigor. A ideia de expectativas racionais invalida essa proposição: a política monetária somente teria efeitos reais se eles não fossem antecipados pelos agentes econômicos. Quando os agentes antecipam “racionalmente” determinada politica econômica, eles anulam os efeitos pretendidos politicamente. Assim, essa linha de pensamento anula totalmente o pragmatismo da teoria keynesiana centrada na politica fiscal e monetária. Claro que os enfoques das expectativas adaptativas e racionais contem questões de temporalidade bastante sensíveis. No limite, podemos dizer que essa escola ao ampliar o conceito de expectativas adaptativas construindo o conceito de expectativas racionais nega a existência do tempo, uma vez que o presente é algo a ser definido “racionalmente”, o futuro ainda não é real senão como esperança de hoje e o passado não existe senão como recordação presente. Os Novos Clássicos se apoiam também nos preceitos dos economistas clássicos da busca interesseira pelos indivíduos na maximização de seu bem-­‐
estar como o principal estimulo para a eficiência e equilíbrio econômico. 1.2.5 OS NOVOS KEYNESIANOS A terceira linha de pensamento macroeconômico é mais recente. Surgiu na última década dos século passado sob a denominação de “Os Novos Keynesianos”, com economistas oriundos principalmente da Universidade de Harvard em oposição aos Monetaristas e a Teoria Novo Clássica: na sua grande maioria seguidores da tradição da Universidade de Chicago. Eles renovam os ensinamentos de Keynes elevando o status da política fiscal e 9 Ver, Milton Friedman (1968); The Role of Monetry Policy in American Economic Review, vol. 58, no 1, 1968,NY e Friedman, M (1970); A theoretical framework for monetary analysis. Journal of Poiitical Economy, v.78, no.2, p.193-­‐238, mar./apr. 10 Lucas, Robert (1973); Some International evidence on output-­‐inflation trade-­‐offs. American Economic Review, v.63, n.3, p.326-­‐334, jun.; Lucas, Robert & Sargent (1981); After keynesian macroeconomics in Rational expectations and econometric practice. Minneapolis: University of Minnesota e Robert Lucas (1972); Expectations and the Neutrlity of Monetary in Journal of Economic Theory, v. 4, no 2, 1972. 9
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monetária para conserto das falhas no sistema econômico11. Economistas como Sachs, Krugman, Mankiw, David Romer e Blanchar representam os expoentes dessa nova vertente econômica. Atualmente seus manuais são os mais utilizados no ensino da macroeconomia. O argumento central dos Novos Keynesianos reside na consideração que variações na liquidez do sistema econômico ajustam preços e salários com certa lentidão e enquanto o ajustamento não é pleno a política econômica é eficiente para modificar rendas e preços. Uma política fiscal expansionista, por seu lado, expande o emprego ampliando a demanda agregada. na margem, de modo a impedir rebaixamento pelas firmas menores seguidoras no mercado particular. A hipótese central é que os agentes formam os preços e tentam sustenta-­‐los. Modificações seriam decorrentes de alterações nos seus custos particulares. Ou seja, está suposto aqui que há rigidez de preços na economia em um conjunto de bens o que torna atraente o exercício da politica monetária, tal como havia advogado Keynes. 1.2.6 ESTRUTURALISTAS Outros economistas, sensíveis ao aspectos estruturais, explicam as variações de renda e preços nominais como decorrência da insuficiência de oferta em determinados segmentos. Esses preços seriam majorados e seus aumento seria repassado para os demais preços dos produtos, generalizando a elevação de preços por todos os produtos da economia. Uma vez instaurado a elevação generalizada de preços, fica difícil reconhecer qual o setor produtivo que desencadeou a elevação generalizada de preços. Nesta situação, os salários rígidos e os recursos produtivos acomodados estruturalmente estabelecem espirais inflacionárias de difícil contenção, pois a inflação é explicada pela inflação: motivada pelo lado real da economia e não por decorrência de aspectos monetários. Os Novos Keynesianos partem da ideia bem original, por exemplo, de que os salários pagos pelas firmas são fixados com base na produtividade do trabalho. As empresas não seriam, portanto, motivadas a reduzir salários, uma vez que a eficiência dos trabalhadores é condicionada aos salários recebidos. Redução salarial para conter custos desestimula o trabalhador modificando para menos a produtividade e, portanto, reduz o lucro12. A impessoalidade do mercado também contribuí para certa rigidez dos preços dos bens e serviços finais. Mercados imperfeitos também teriam preços rígidos face o comportamento das empresas líderes que cotam seus preços O ambiente de estudo dessa linha de pensamento macroeconômico são as economias em desenvolvimento ou denominadas de “periféricas”. Essas economias estão longe do pleno emprego e por isso os processos inflacionários não podem ser atribuídos a políticas governamentais expansionistas, como resulta ser nas economias desenvolvidas onde o taxa de desemprego encontra-­‐se em seu nível natural. A hipótese central dessa escola de pensamento é que existem lógicas de organização produtiva bem diferentes nestes países em relação aos países desenvolvidos ou chamados de “países centrais”. 11 Ver sobre os Novos Keynesianos o artigo de Sicsú, J. (1999); Keynes e os Novos Keynesianos, Revista de Economia Política, vol 19, no 2, abril-­‐junho, RJ 12 Gordon, R. (1990). What is new-­‐keynesian economics? Journal of Economic Literature, v.28, p.1115-­‐1171, sept. e Greenwald, B. & Stiglitz, (1987). New keynesian and new classical economics. Oxford Economic Papers, v.39, no.1, p.119-­‐132, mar. Nas economias periféricas ou em desenvolvimento, a industrialização teve seu curso forçado pela hospedagem após a Segunda Guerra Mundial de grandes empresas constituídas nos países centrais. Esse tipo de industrialização criou oligopólios cujas características notáveis são os preços rígidos em ambientes com capacidade ociosa estrutural. Assim, as economias que forçaram uma industrialização em curto espaço de tempo, sofrem com a existência inevitável de “pontos de estrangulamento”, com os 10
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quais os preços são detonados quando a demanda agregada é estimulada. Para essa escola, os desajustes da economia são causados por desarranjos estruturais cujo acerto deve ser orientado por reformas institucionais, como a agrária, cambial, de (tabelamento de) preços e outras com características setoriais. 1.3 UM POUCO DE HISTORIA John Maynard Keynes e Michael Kalecki argumentaram que a estabilidade e o crescimento econômico resultam de os empresários responderem com prontidão aos estímulos propiciados pela demanda dos consumidores e das empresas. Esse processo de recepção dos estímulos ficou conhecido como O Princípio da Demanda Efetiva. No ano de 1933 a economia norte-­‐americana havia alcançado 14 milhões de desempregados: um perda de 40% de postos de trabalho em relação aos níveis anteriores a grande depressão de 1929. Para os neoclássicos o desemprego não prosperaria por conta de mecanismos corretivos proporcionados pelo livre jogo das forças de mercado. Aqueles que optam por não trabalhar o fazem, justificavam eles, por motivos voluntários. Apesar da forte evidência contrária, a teoria neoclássica propalava que a oferta excedente de mão-­‐de-­‐obra retornaria as fábricas mediante a aceitação de menores salários. A lógica do pensamento neoclássico era assim sintetizada: menores salários propiciam ganhos marginais de produção por unidade produzida. Esse ajustamento portanto, reproduz ciclos produção – renda suficientes para alcançar o pleno emprego. Tudo se passa sob a existência de um ciclo virtuoso, onde a produção engendra pagamentos de salários, juros, alugueis e lucro pela utilização de fatores de produção (mão-­‐de-­‐obra, capital, recursos naturais e capacidade gerencial, para citar os mais simples) que se transformam em gastos, pondo em marcha a produção. O Principio da Demanda Efetiva adverte justamente o contrário: os trabalhadores resistem a redução salarial e com os preços dos bens finais caindo, desde o ano de 1926, os empresários eram estimulados a demitir e não a investir. De fato, com salários rígidos, o custo do trabalho aumenta em época de deflação, não justificando acréscimos `a produção. Assim, somente é ofertado o volume de emprego que proporciona o máximo de renda que será obtida em relação ao custo dos fatores. Resultado: é necessário a adoção de políticas que ampliem a demanda agregada para estimular os empresários a ampliar a oferta agregada em direção ao pleno emprego. De modo estilizado, reproduzindo Keynes, sendo N o nível de emprego, temos13: [ΔDemanda Efetiva (D ) ⇒ Δ Oferta (Z)] determinando o nível de emprego da economia (θ N) Assim, se D > Z, com recursos ociosos na economia, haverá um estimulo para os empresários aumentarem o emprego (N), que ao concorrerem entre si pressionam os custos dos fatores, até o ponto em que o valor de N seja tal que iguale Z e D. O volume de emprego (N) é plenamente determinado pelo ponto de interseção entre a oferta agregada (Z) e demanda agregada (D) que corresponde a maximização das expectativas de lucros dos empresários, mas não há razão para supor que isso ocorra no pleno emprego. Este é um princípio (da demanda efetiva) poderoso, pois evoca a ideia de que a demanda pode ser construída e o emprego aumentado. Em um modelo ampliado, a demanda efetiva compreende os gastos das famílias em consumo (C), das empresas em investimento (I), do governo em infraestrutura e outra despesas (G) e das aquisições pelos outros países de nossos bens e serviços, representando as exportações (X). Assim: 13 J. M. Keynes, ( 1972) Teoria geral, do emprego, do juro e da moeda, Capítulo 3, Ed. Saraiva. 11
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Investimento
Exportação
D = C + I + G + X Demanda
agregada Consumo
Gastos do
governo
Os gastos em consumo, investimento, do governo e demais gastos são autônomos e a existência de renda não é condição suficiente para que ela se transforme em despesa14. O princípio da demanda efetiva fica assim condicionado a autonomia que os consumidores, governo e empresários tem em relação ao quanto gastar na aquisição em bens e serviços (Z). A rigor, os gastos em consumo das famílias tendem a certa constância proporcional as suas rendas ao longo do tempo. Podem ser ampliados ou diminuídos por uma série de incentivos e penalidades, como crédito, tributos, aversão a parcimônia ou a gastança, busca de status, planejamento dos gastos em função da expectativa de renda futura e outros motivos, mas geralmente permanecem proporcionalmente constantes em relação ao nível de renda, pelos menos durante alguns anos, se nenhum evento forte se pronunciar, como guerras, abalos na natureza e demais eventos que possam criar expectativas mudando os rumos da economia e da organização social. Os 14 Para o estudo da macroeconomia é importante observar que a renda nacional resulta da demanda efetiva, ou seja das decisões de consumo, de investimentos e dos gastos do governo. Contudo, a queda de qualquer destes componentes não leva automaticamente a um aumento do outro. A experiência das empresas, dos indivíduos e do governo não corresponde ao curso da economia como um todo, pois os efeitos na renda nacional são amplificados quando os componentes da demanda efetiva se modificam, diferentemente da renda de um individuo que é fixa. investimentos e gastos do governo quando estimulados geram emprego e uma vez iniciado seu ciclo na economia aumentam a renda. Já com as exportações os incentivos a demanda agregada são determinados pela renda mundial e pelo desejo dos parceiros comerciais em ter produtos estrangeiros, coisa que os residentes do pais tem sobre isso muito pouco controle. Para que o princípio da demanda efetiva cause efeitos benéficos a economia, ele deve propiciar expectativas de lucro suficientemente vantajosas estimulando os empresários a empregarem os recursos ociosos na produção. O lucro do empresário é resultado do valor de sua venda menos os gastos com os trabalhadores (salários), com o pagamento aos outros empresários pela utilização de serviços habituais e bens intermediários mais os insumos e matérias primas requeridas ao processo produtivo. Esses lucros individuais somados representam o lucro total da economia incluindo portanto, as parcelas destinadas aos pagamentos aos outros empresários. Assim, o princípio da demanda efetiva é operado pela própria constituição dos lucros que aumentam o emprego em razão direta ao consumo de bens de investimentos e de consumo de “luxo” exercido pelos empresários. Na literatura marxista, na qual Kalecki se apoiou, essa parcela da renda é denominada de excedente econômico ou mais-­‐valia. O excedente econômico historicamente vem sendo constituído pela conjugação das habilidades dos trabalhadores com técnicas cada vez mais eficientes propiciando aumentos de produtividade (produção de maior quantidade de bens no mesmo espaço de tempo), que elevam tecnicamente a produção a níveis inimagináveis. Ele constitui a riqueza material ou patrimonial da sociedade, concentrada nas mãos dos mais “afortunados”. Sua grandeza é a produção excedente ao curso dos negócios produtivos dedicados a fabricação dos bens e serviços destinados a reprodução de toda a sociedade: o que excede transforma-­‐se em excedente econômico. Como a produtividade aumenta com o avanço das técnicas, o tempo de trabalho 12
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dedicado a constituição dos bens e serviços é cada vez menor, sobrando, portanto, mais tempo para se dedicar as atividades indiretas, como educação, artes, desenvolvimento científico tecnológico, aprimoramento das funções do Estado e outras que no curso normal do desenvolvimento da humanidade são aplicadas nos melhoramentos produtivos engendrando cada vez mais excedente econômico. Quando maior o excedente extraído, melhores condições existem para encurtar o tempo dedicado a constituição dos bens materiais e serviços essenciais a reprodução das sociedades. Maior será, portanto, a riqueza patrimonial. Este é um resultado lógico do sistema capitalista. Mas, também é lógico que os indivíduos que operam as forças para a constituição do excedente econômico o disputem de modo exemplarmente vigoroso. Os empresários procuram aumentar sua parcela aumentando os preços de seus produtos e serviços, os trabalhadores reivindicando melhores salários e o Estado cobrando impostos para o exercício de atividades básicas: sobrevivência política, poderio militar e garantia de paz interna, na visão de Hobbes15, para citar as mais tradicionais. O percurso dessa disputa não é empiricamente determinado, pois depende dos embates que se exercem para operar a distribuição e utilização do excedente entre as classes e grupos sociais16. A evidência mostra que o excedente econômico tem crescido de maneira exemplar e atualmente é enorme. Ele representa, por baixo, a soma das poupanças disponíveis no mundo, cujo giro diário no mercado financeiro nas principais praças do mundo se aproxima a 30 bilhões de dólares. Ele pode 15 Thomas Hobbes na publicação de Leviatã (1651), ponderou a existência dos Estados e dos poderes inerentes constituídos a partir da ideia seminal de que os membros de uma sociedade abrem mão de sua liberdade natural, formando uma autoridade para assegurar a paz interna e a defesa comum da sociedade. Ver Vasconcelos, V. V. As Leis da Natureza e a Moral em Hobbes. Universidade Federal de Minas Gerais. 2004. 16 Uma investigação acerca essa questão pode ser encontrada em Piqueti (2012) ser estimado também, por baixo, pela soma dos títulos públicos dos governos de todos os países cujo valor alcança aproximadamente 65% da produção mundial que girou ao redor de 75 trilhões de dólares, no ano de 2011, pelas contas do FMI. Quando empregamos a expressão “por baixo”, ou seja valores subestimados, é porque o excedente é toda a riqueza acumulada, reservada em estoque, e parcela dela não necessariamente encontra-­‐se monetizada. Ele é também bastante concentrado. Apenas 85 pessoas detêm os recursos patrimoniais equivalente a 3,5 bilhões de pessoas17. No sistema em que vivemos uma das questões centrais é a valorização real desse excedente: fazer crescer (um estoque de) riqueza através da criação de novos bens e serviços (fluxo) operados pela demanda efetiva. A tendência secular de maiores salários e maiores lucros causados pelo aumento de produtividade e a amplificação dos serviços com o avanço técnico são fenômenos inerentes a evolução do sistema capitalista e constituem sua própria autoflagelação, pois o estoque de excedente econômico, retratado pelo poder de compra acumulado, requer cada vez mais engenhosidades para se valorizar, ou pelo menos não ver diminuído o seu valor. A maior liquidez proporcionada ao sistema econômico pelas instituições financeiras amplia o excedente econômico por meio da maior oferta de crédito, do aprimoramento dos mecanismos de alavancagem patrimonial e criação talentosa de derivativos. O poder de compra acumulado (poupança) alimenta o princípio da demanda efetiva quando transformado em investimento (Keynes) adicionado ao gasto em consumo de alta renda (Kalecki). Neste processo a expansão ou contração da produção e circulação de mercadorias encontra a passagem entre o lado real da economia e o lado nominal envolvendo juro, moeda e crédito com suas instituições bancárias e financeiras 17 Pesquisa da Oxfam, extraída do Jornal O Globo, Caderno de Economia, pag. 21, 24/01/2014. 13
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De fato, a macroeconomia lida com uma variável bastante árdua que é o livre-­‐arbítrio que os indivíduos possuem. Por mais que a macroeconomia procure manter um caráter impessoal do processo decisório, o livre-­‐arbítrio se aloja nos negócios, nas decisões e nas vontades causando distintas interpretações de riscos financeiro. Assim, o princípio da demanda efetiva, sob certas circunstâncias e condições, pode ter um alcance limitado para o equilíbrio entre oferta e demanda agregadas, tornando o sistema econômico recorrentemente instável. É nesse palco de instabilidade e flutuações cíclicas macroeconômicas que a política governamental atua para induzir certa distribuição de renda, condizente com o crescimento econômico desejado e onde a manifestação das variações de preços seja estável sem causar constrangimentos ao seu balanço de pagamentos, já que todos os países, em menor ou maior grau, são interdependentes. isso certamente seria uma situação temporária, no entendimento dos adeptos da lei de Say. 1.4. ANTECEDENTES No século XIX, o economista francês Jean-­‐Baptiste Say (1803) em seu Traité d'Economique Politique estabeleceu uma máxima para explicar o funcionamento do sistema econômico. Ela era bastante simples e com forte poder de convencimento recebendo, por isso, o status de lei: a Lei de Say: “a oferta cria sua própria demanda”. Com base nos escritos de Marx, economistas como Rosa Luxemburgo, Tugan Baranosvisk e o próprio Michael Kalecki procuraram responder a essa questão advogando que o processo capitalista de reprodução ampliada gera uma renda maior que o gasto e, portanto, leva o sistema a crises de realização, ou em outras palavras, a constituir uma “sobra de demanda efetiva/poder de compra acumulados não efetivado” que pode não se ajustar para estimular a produção corrente18. Ela anuncia que a fonte da demanda é o fluxo de pagamentos aos fatores gerado a partir do processo de produção. Assim entendido, o emprego de recursos ociosos aumenta rendas destinados a aquisição de um volume maior de produtos em relação a situação anterior. As novas rendas constituídas retomam, através de atos de compra e venda, ao seio produtivo criando mais empregos e novos produtos, e assim sucessivamente. Renda é igual ao Produto, nesta visão, de modo inconteste. Existiria um perfeito equilíbrio macroeconômico entre oferta e demanda e situações fora desta norma seriam decorrentes de problemas comerciais e financeiros impedindo que as compras e vendas se ajustassem espontaneamente. Sob certas circunstâncias, a moeda, a taxa de juros e o crédito podem levar temporariamente a economia para uma situação distante do equilíbrio, mas A investigação acerca a validade da Lei de Say resultou em um debate caloroso até meados do primeiro quartel do século XX, quando essa questão foi encerrada com os estudos de Keynes e Kalecki, como mencionado anteriormente. Até lá, a moeda era um fenômeno externo ao mundo econômico. O núcleo do debate manifestava-­‐se na avaliação dos méritos que a produção tinha como responsável pela criação de renda destinada totalmente a despesa. De fato, bastaria somente a criação de renda com os pagamento aos fatores de produção para por em movimento o processo produtivo, ou isso seria insuficiente, uma vez que depende da vontade do ser humano a transformação de renda em despesa? A ideia central é que o mundo econômico se expande na busca pelos indivíduos de mais e maiores lucros. Esse comportamento organiza sinergias 18 Ao vender sua mercadoria, o capitalista obtém um montante de dinheiro igual ao que é necessário para compra-­‐la: toda venda corresponde a uma compra de igual valor. Mas o capitalista não compra sua própria mercadoria. Como parte de sua receita ele adquire de outros capitalistas os meios de produção necessária para manter em movimento sua própria atividade. Com outra parte, de seu lucro, ele compra um volume adicional de meios de produção para ampliar sua atividades. A terceira parte ele compra bens de consumo próprio. Assim, a receita total de um capitalista se distribui de diferentes modos, podendo ser o total ou partes dele não efetivada o que resulta em crises de realização. 14
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cujo valor do produto resulta maior do que o valor de seu custo prévio cotado pelo pagamento da mão-­‐de-­‐obra e encargos com o capital e matérias primas. A oferta de bens e serviços, ao por em marcha pagamentos aos fatores de produção, adiciona “lucros” ao valor de venda dos produtos, originando a renda economicamente excedente: um sobre-­‐produto, um produto excedente. Para esses autores, diferentemente dos adeptos da Ley de Say, a natureza da produção capitalista forja recorrentemente instabilidades, flutuações e crises no mundo econômico, pois os investimentos que compõem a demanda efetiva são lançados de modo desorganizado exacerbando a competição entre eles cujo resultado é elevar a produção acima do socialmente desejado. Assim, , sob condições sobejamente triviais, o mundo econômico aloja em sua historia capitalista uma insuficiente demanda efetiva que precisa ser continuamente recomposta. Com base nos esquemas de reprodução ampliada de Marx, destacaram que qualquer expansão da produção de bens destinados aos trabalhadores não gera maior renda para a classe dos capitalistas, pois é com os salários pagos pelos capitalistas que os trabalhadores adquirem seus produtos retornando, assim, para o bolso do capitalista, na mesma medida, a renda gasta por eles. O lucro macroeconômico advém da recomposição de uma demanda efetiva centrada nas vendas de bens de investimento (Tugan Baranovisk), mais os bens de luxo (Michael Kalecki) ou daqueles bens dedicados ao mercados externos ao sistema capitalista (Rosa Luxemburgo). Desse discernimento, deriva a organização de competências no sistema capitalista para ampliar a demanda efetiva, como as guerras, a obsolescência planejada de produtos, a busca de mercados externos e os gastos improdutivos do Estado, para citar os mais visíveis. De fato, desde a revolução industrial do século XIX, a produção conta com uma oferta de bens tecnológicos que proporcionam aumentos cada vez mais amplificados da produtividade do trabalho. Em termos econômicos, um dos principais efeitos da revolução industrial, associado ao avanço técnico produtivo, foi justamente propiciar a criação de industrias produtoras de bens de capital que produzindo máquinas fazem novas máquinas que criam outras máquinas, e assim sucessivamente -­‐ cada uma mais eficiente que a anterior. Assim, a produção foi se estruturando em três categorias de bens. Bens de investimento que requerem transformações tecnológicas inter setoriais devido a natureza de sua produção voltada para aumentar a produtividade do trabalho na economia. Bens de luxo dedicados as classes de maior renda e diretamente vinculada ao excedente econômico ou lucro da economia. Bens de consumo popular que são caracteristicamente intensivos em mão-­‐de-­‐obra. A relação entre a utilização de mão de obra e capital é geralmente favorável a utilização da primeira na produção de bens populares e inversa na produção de bens de capital e de luxo. Com a revolução industrial no século XIX constituindo um vigoroso setor produtor de bens de capital (que antes não existia), a indústria não encontra os limites técnicos a sua expansão determinados pela finitude da mão de obra e do fato do dia só ter 24 horas. No caso da manufatura, estágio anterior a revolução industrial inglesa, o alcance da produção ficava limitado pelas ferramentas que funcionavam como extensão dos braços, das perna e demais membros do corpo humano. O sentido econômico da revolução industrial foi justamente o de criar maquinas em substituição as ferramentas, permitindo em escala exponencial a repetição das operações humanas antes limitadas pelas ferramentas. Desse modo, a produção pode confeccionar quantidades de bens e serviço não mais limitados pelo tempo (24 horas por dia) e muito menos pela escassez de mão de obra, uma vez que a maquina substitui o trabalho humano. É na possibilidade de uma produção ilimitada tecnicamente, em contraposição ao constrangimentos na demanda por bens e serviços originados pela distribuição de renda, pelas forças da natureza e pelo livre arbítrio do ser humano, que se encontra justamente a instabilidade, flutuações e crises econômicas. 15
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*** A macroeconomia vem sendo palco de aperfeiçoamentos e discussões que sugerem certo distanciamento de uma estrutura teórica única. Procuramos retratar um enfoque macroeconômico a partir de elementos comum entre as escolas, não estabelecendo portanto posições conflituosas. Não obstante, algumas questões são abordadas sob um ponto de vista politico fugindo da modelagem usual da macroeconomia, como veremos mais a frente. Por fim, apesar do estudo da macroeconomia ser eminentemente pragmático, vale distinguir as apreciações de caráter valorativo que evocam a ideia de juízo de valor -­‐ economia normativa -­‐ das apreciações de caráter factual -­‐ economia positiva. Esta última preocupa-­‐se com a descrição de fatos, circunstâncias e relações na economia. Qual a taxa de desemprego atual? Como um nível mais elevado de inflação afeta o emprego dos fatores de produção? Em que medida um imposto sobre a gasolina afeta o seu consumo? Estes são exemplos de problemas que apenas podem ser resolvidos com referência a fatos e que, portanto, são determinados, geralmente, de forma empírica. Podem ser problemas fáceis ou complicados, mas todos eles se situam na esfera da economia positiva. A ação dos formuladores da política pertence ao campo da economia normativa que envolve julgamentos éticos e de valor. Qual o nível de inflação que deve ser tolerado? Deverão os impostos afetar mais os ricos para ajudar os pobres? Deverá a despesa com o setor de saúde pública ser financiada pela Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) ou outra modalidade de imposto deve ser criada? Estas são algumas questões que têm valores profundamente enraizados ou julgamentos de natureza moral. Podemos discuti-­‐los, mas não resolvê-­‐los através da ciência ou do apelo aos fatos. Não existem respostas certas ou erradas acerca do nível que a inflação deva ter, do nível de pobreza que deva ser admitida ou, ainda, do nível de gastos com a saúde pública que o país necessita. Estes problemas são resolvidos com ações políticas. 2. O PRODUTO O estudo da macroeconomia requer o conhecimento prévio da construção dos agregados econômicos. Mensuramos o produto de uma economia e as partes que o compõem aplicando princípios contábeis e denominamos esta parte do estudo da macroeconomia de Contabilidade Nacional. As contas nacionais fornecem as medidas efetivas dos agregados econômicos que compõem a estrutura funcional do Produto e da Renda de um país. A contabilidade nacional não somente fornece medidas de desempenho da economia mensuradas pela produção de bens e serviços, mas também evidencia as relações funcionais entre elas partindo de três variáveis macroeconômicas básicas: Produto, Renda e Despesa. Os bens e serviços produzidos (produto) significam dispêndios: despesa com os fatores de produção que serão consumidos por meio da renda paga aos proprietários dos fatores de produção. Assim, a Renda, a Despesa e o Produto podem ser decompostos em termos de os agregados econômicos; tributação e gastos do governo, rendas dos exportadores e gastos com importação, poupança e investimento e os pagamento aos fatores de produção19. O Produto Nacional Bruto (PNB) e o Produto Interno Bruto (PIB) são as medidas mais divulgadas pelos meios de comunicação. O PNB e o PIB são as medidas agregadas de tudo o que foi produzido em termos de bens finais pelos fatores de produção que são à força de trabalho, os recursos naturais e o capital e suas contrapartidas nominais são os salários, alugueis e juros, respectivamente. O PNB contabiliza os rendimentos dos fatores nacionais de produção localizados no país e no exterior. Ao mesmo tempo, não considera o rendimento auferido pelos fatores de produção de propriedade de não-­‐
residentes dentro das fronteiras do país. As entradas e saídas desses rendimentos são contabilizadas no Balanço de Pagamentos e representam os 19 Ver IBGE, notas metodológicas, 2008. 16
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pagamentos e recebimentos devidos a juros, lucros, dividendos, royalties, ordenados e salários ao pessoal trabalhando no estrangeiro e também pela utilização de marcas e patentes, dentre outros. A diferença (saldo) entre as entradas e saídas desses pagamentos registrado no Balanço de Pagamentos do país é denominada de renda líquida enviada ao exterior (RLEX). O PIB, por seu lado, evoca a ideia de território. Ele mensura o valor total dos bens e serviços finais produzidos dentro das fronteiras do país independente da propriedade dos fatores de produção, sejam eles nacionais (residentes) ou estrangeiros (não residente). Assim, o PIB tende a ser maior do que o PNB nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, já que contabiliza as saídas de renda das filiais, subsidiárias ou controladas de multinacionais dentro das fronteiras nacionais, que geralmente são superiores a renda recebida pelos residentes dos seus investimentos feitos no exterior. Na passagem dos anos 80 para os anos 90 no século XX, a maioria dos países passou a adotar políticas neoliberais favorecendo o livre jogo das forças de mercado em detrimento `as ações governamentais reguladoras dos mercados. Com esse contexto, os investidores sentiram-­‐se a vontade para transladar seu capital para os países que ofereciam maior rentabilidade. Empresas passaram a adotar uma lógica de maximização de lucros e crescimento da firma fragmentando os seus processos de produção entre vários países de modo a constituir produtos mais baratos do que aqueles produzidos em uma só localidade. Esse processo ficou denominado de globalização produtiva. Assim, os investimentos diretos externos e os fluxos internacionais de bens e serviços aumentaram substancialmente ao final do século XX. Pelos dados da UNCTAD entre 1980 e 90 o crescimento dos fluxos de investimentos externos diretos no mundo foi de 283%. Nos dez anos seguintes o crescimento alcançou a surpreendente marca de 567%. No ano de 2008, o fluxo total de investimento externo direto foi de 1,7 trilhões de dólares. No ano de 1980 esse valor representava apenas 54 bilhões de dólares. No período de 1990 a 2000 o crescimento do comércio internacional foi de 85% e entre o ano 2000 e 2008 o crescimento foi de 149%, totalizando um comércio neste último ano de 16 trilhões de dólares. Assim, a maioria dos países passou a enfatizar mais a divulgação do PIB do que o PNB caracterizando com mais propriedade as condições e circunstâncias de geração de valor do mercado doméstico, com certa independência da origem do capital que o constitui. O PNB e o PIB, bem como a contrapartida Renda, nos fornecem informações agregadas. Suas quantificações representam o quanto de produtos finais foi constituído, em determinado período pelas habilidades das forças de trabalho intermediadas pelas técnicas de produção existentes. Os papéis desempenhados pelas instituições privadas e públicas na geração do produto, as capacidades técnicas de produção, as habilidades das forças de trabalho e toda uma rede complexa de fatores intervenientes na vida social de um povo influenciam a quantidade de produtos gerados socialmente. Isoladamente, contudo, essas medidas pouco informam sobre vários aspectos relacionados à saúde, educação, segurança e bem-­‐estar da sociedade. Por hora, vamos tratar tanto o PNB quanto o PIB simplesmente como Produto. A medida do Produto representa o valor de todos os bens e serviços finais correntemente produzidos na economia e avaliados a preços de mercado. É, portanto, uma medida básica do esforço da comunidade frente a suas condições históricas e regionais na criação de mercadorias, em um dado período. Inclui o valor de bens produzidos, como automóveis, aves, e ovos, juntamente com o valor de serviços, como o corte de cabelos ou o atendimento médico. Do conceito de Produto depreendemos: 17
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a) A renda total dos assalariados e daqueles que recebem juros, alugueis, lucros e dividendos origina-­‐se na criação do Produto. b) A despesa agregada com bens e serviços na economia é igual ao valor do Produto. A mensuração do produto não avalia certas atividades econômicas difíceis de medir, tais como; poluição, agressão ao meio ambiente, o trabalho de voluntários, os serviços domésticos realizados pelos cônjuges e a perda em eficiência e produtividade devidas a fatores externos (custo Brasil, por exemplo). No Brasil, estima-­‐se que parcela razoável do produto é constituída por trabalhadores informais (vendedores ambulantes e aqueles que prestam serviços sem carteira assinada, por exemplo). Essa parcela de produção e outras, como a obtida através de trabalhos voluntários, não são incluídas no PIB, uma vez que não geram contrapartidas em pagamentos nominais aos fatores de produção. De fato, a maioria dos países não fornece estatísticas oficiais de algumas realidades da vida moderna. Os engarrafamentos de trânsito requerem maior produção de combustível, bem como reduz a vida útil dos veículos. O tabaco, além de fazer parte do produto, eleva os custos com a saúde de camada expressiva da população (parcela dos fumantes ativos e passivos). Há evidências científicas de que substâncias fabricadas pelo homem estão destruindo a camada de ozônio que protege animais, plantas e seres humanos dos raios ultravioletas emitidos pelo Sol. O governo e as empresas (gastam) contratam instituições especializadas no monitoramento e descobrimento de produtos e processos produtivos que atenuam ou extingam os efeitos maléficos causados pelo avanço do progresso industrial. Novos medicamentos são criados para combater doenças causadas pela poluição ambiental e de pele devido a maior incidência de raios ultravioletas. Estudos de logística vêm sendo demandados para reduzir custos causados pela ineficiência dos transportes. A maior incidência de criminalidade requer novas armas e aparato policial mais abrangente, etc. Estas perdas e ganhos tendem a ser ignoradas pelas estatísticas governamentais que mensuram o Produto a partir de cálculos que requerem somente os gastos efetivos, não interessando se eles foram compensatórios ou não em relação aos malefícios causados pelo progresso técnico ou ineficiência econômica. Sanuelson & Nordhaus (2001) caracterizam que com a intenção de corrigir a ênfase excessiva dada pelo PNB e pelo PIB à produção material, uma medida diferente da vida econômica, chamado bem-­‐estar econômico líquido (ou BEEL), foi proposta nos Estados Unidos. O BEEL tem crescido desde 1929, o que faz pensar que os níveis de vida efetivos têm aumentado. Mas o BEEL tem crescido menos depressa que o PIB medido convencionalmente, o que confirma que a mera avaliação monetária a preços de mercado deixa escapar muitos aspectos importantes da vida econômica. Muitos países atualmente têm se preocupado em mensurar os efeitos deletérios no meio ambiente causado pelo progresso econômico e ineficiência econômica, inclusive o Brasil, para propor medidas concretas de acerto produtivo com preservação ambiental e maior bem-­‐estar social. No ano 1993, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) desenvolveu e passou a recomendar a indicação do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – como indicador do desenvolvimento dos países. A sua metodologia usa como parâmetros não somente a renda, mas também índices de longevidade e nível educacional. No rank de 177 países que participam das Nações Unidas, o Brasil alcançou a 84ª posição ficando atrás de países como o Uruguai, o Panamá e a Argentina no ano de 2010, para citar somente aqueles dentre os países da América Latina. Esta, inclusive, tem sido uma tendência cada vez mais presente na economia contemporânea: a indicação e elaboração de pesquisas que apontem não somente o alcance da produção com base na disponibilidade dos recursos produtivos, mas sim a adequada consideração com os processos produtivos de forma global com vistas ao melhoramento dos indicadores sociais. Para 18
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reforçar essa argumentação, vale frisar que algumas empresas, sob o manto universal da preservação ambiental e busca por um maior bem-­‐estar da população, têm dedicado parcelas de seus investimentos a projetos de cunho social e frequentemente apresentam em seus balanços os investimentos sociais que fizeram. 2.1. A MENSURAÇÃO DO PRODUTO E DA RENDA As medidas do Produto referem-­‐se ao valor de todos os bens e serviços finais na economia num dado período. Inclui o valor de bens como bicicletas e suco de laranja e o valor de serviços de corretagem de títulos, transporte, serviços médicos, etc. Cada item é avaliado ao preço de mercado, sendo todos os valores dos bens finais somados para se obter o Produto. Numa economia simples que produz vinte bananas, cada avaliada a 30 centavos, e sessenta laranjas avaliadas a 25 cada, o Produto seria igual a R$ 21 (21 = 0,30 x 20 + 0,25 x 60). Há certas sutilezas no cálculo do Produto. Em primeiro lugar, estamos falando de bens e serviços finais. A ênfase na palavra final é uma forma de termos a certeza de não estarmos incorrendo em dupla contagem. Por exemplo, não devemos incluir o preço total de um automóvel no Produto depois incluir também o valor dos pneus que foram vendidos ao fabricante do automóvel. Os componentes do carro, vendidos pelos fabricantes, são chamados de bens intermediários e seu valor é incluído no Produto ao ser contabilizado o custo/preço do automóvel. Na prática, evita-­‐se a dupla contagem trabalhando com o conceito de valor adicionado ou agregado. A cada etapa da produção de um bem, somente o valor adicionado ao produto naquela etapa da fabricação conta como parte do valor do produto. O valor do algodão retirado da terra improdutiva inicialmente pelo camponês tem valor porque o camponês transformou a terra em algo de valor: plantação de algodão. A seguir o valor do fio produzido pelo tecelão com o algodão menos o valor deste (o algodão), é o valor adicionado ao algodão que o transforma no fio do tecelão. Continuando esse processo; o fio incorpora certo valor através do trabalho, ou processo de transformação, fazendo surgir o tecido e o tecido, sofrendo processo semelhante, em camisa. A soma dos valores adicionados a cada etapa do processo produtivo será igual ao valor da camisa vendida. Em outras palavras, o valor adicionado em cada etapa produtiva é igual ao preço do bem ou serviço subsequente menos os preços dos insumos imediatamente antecedente. Os pagamentos aos fatores de produção em cada etapa produtiva dentro da indústria têxtil, por exemplo, são entendidos como fluxos de renda e correspondem à sua soma ao valor dedicado ao setor de confecções. Este, por sua vez acrescenta valor à cadeia produtiva ao produzir os artigos de vestuário, colocando por fim a disposição do comerciante, que acrescenta mais valor ao aproximar esses artigos do consumidor final. O valor que se adiciona ou se agrega nas distintas etapas compõe um processo de transformação engendrado pelo trabalho humano. Ademais, o maquinário, as instalações, os métodos de gestão (financeira, produtiva, contábil, etc.) e demais materiais que entram na composição de um produto final foram criados também, no passado, pelo trabalho humano. Assim, o Produto representa a medição do “esforço humano” histórica e regionalmente determinado. Quando mais desenvolvido um país menor será o esforço humano dedicado a reprodução social, ou alternativamente maior será o produto social, por conta do desenvolvimento tecnológico acumulado. De fato, quanto mais desenvolvido um país menor será o esforço humano “presente” na elaboração dos bens que atendam as necessidades materiais de seus cidadãos, conquanto maior seja o estoque de maquinário e desenvolvimento tecnológico acumulado. Em 2005 estima-­‐se que o PIB brasileiro foi superior a 600 bilhões de dólares enquanto o do EUA foi superior a 11 trilhões de dólares! O Produto é mensurado em termos nominais, isto é, em termos de preços dos produtos observados no mercado. Contudo, os pagamentos efetuados aos fatores de produção: salários e lucros (inclui rendas do capital: dividendos, aluguéis, juros, tributos e subsídios governamentais), para a 19
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constituição daqueles produtos formam a Renda da economia. Assim, Renda é igual ao Produto. O Produto e a Renda consistem no valor correntemente produzido. Ficam excluídas não só os insumos e bens intermediários, mas as transações de bens já existentes, como moradias ou obras de arte antigas. Contabilizamos a construção de novas casas, ou a reforma das já existentes como partes do Produto, porém não adicionamos as transações comerciais dos imóveis já existentes e dos automóveis de segunda mão. Contamos, contudo, como parte do Produto o valor dos honorários dos corretores de imóveis e de automóveis. O corretor fornece um serviço ao aproximar vendedor e comprador de coisas construídas no passado e isso é considerado um trabalho especializado no tempo presente. Quando contabilizamos todas as transações efetivadas em um período ¬ incluindo os insumos e demais compras e venda ¬ denominamos esta medida de Valor da Produção. A mensuração do Produto é feita a preço de mercado ou a custo de fatores. É importante saber que os preços de mercado incluem impostos indiretos, como o imposto sobre vendas e vários impostos de consumo, e assim o preço de mercado dos bens não é igual ao preço contabilizado pelo vendedor da mercadoria. O preço da mercadoria líquido de impostos indiretos (IPI e ICMS, por exemplo) constitui o custo de fábrica que vem a ser a quantia recebida pelos fatores de produção, deduzida de encargos tributários, que participaram na fabricação do produto ( custo dos fatores). O Produto pode, portanto ser avaliado a preço de mercado e a custo de fatores (exclui os impostos). Esse ponto torna-­‐se importante ao relacionarmos o Produto à Renda recebida pelos fatores de produção, pois parte desta ultima compõe a receita do estado. 2.1.1 DISTINÇÃO ENTRE PRODUTO BRUTO E PRODUTO LÍQUIDO O Produto Liquido (PL) distingue-­‐se do Produto Bruto pela dedução que se faz desse último da depreciação do estoque de capital que acontece no decorrer do período. Por exemplo, uma dona de casa vê sua casa se depreciar com o tempo e o empresário observa suas máquinas se desgastarem com o uso. Se não se empregassem recursos para manter ou substituir o capital existente depreciado, o produto não poderia ser mantido em seu nível corrente. Assim utilizamos o conceito de PL como medida da taxa de atividade econômica que poderia ser mantida por longos períodos, dados o estoque de capital e força de trabalho existente. A depreciação é aquela parcela do produto que deve ser assegurada para se manter a capacidade de produção da economia no nível preexistente e assim a deduzimos do Produto Bruto para obter o PL. Tendemos a trabalhar com o Produto Bruto mais do que com o PL por serem as estimativas de depreciação bastante imprecisas e também porque esses dados não são rapidamente encontrados. Para o perfeito entendimento, podemos imaginar um trabalhador que ganhe dinheiro suficiente somente para garantir a sua sobrevivência e de sua família i, e, repor energias para continuar trabalhando e a família continuar vivendo. Qual o seu produto bruto? O quando ele ganhou com a sua produção. Qual o seu produto líquido? Nenhum, pois tudo que ele ganhou foi exatamente para repor sua energia gasta no processo produtivo. 2.1.2 Renda Nacional e Renda Pessoal A Renda Nacional se aproxima do conceito de Produto Nacional. Precisamente ela é: RN= PNB -­‐ (depreciação + impostos indiretos). A Renda Pessoal é a Renda Nacional a) menos as rendas ganhas por pessoas jurídicas, b) mais o saldo entre os juros pagos e recebidos e c) mais as 20
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transferências governamentais e os dividendos pagos `as famílias. O nível da renda pessoal é importante por ser um determinante primordial do consumo das famílias e dos hábitos de poupança. Depois de efetuados esses ajustamentos, o resultado representa uma medida da renda recebida por indivíduos e pelos negócios de pessoas físicas. A Renda Pessoal Brasileira se contabiliza mensalmente, ao contrário da Renda Nacional, que é publicada trimestralmente. Embora tenhamos chegado à Renda Pessoal, partindo da Renda Nacional e fazendo ajustamentos subsequentes, reconhecemos que também seria possível construir uma estimativa da Renda Pessoal verificando seus componentes. De modo particular, a Renda Pessoal consiste na renda do trabalho, aluguéis, dividendos e a renda de juros acrescida de transferências governamentais de várias ordens, menos os tributos. Note-­‐se que os efeitos de altas taxas de juros e da carga tributária no Brasil têm implicações sensíveis para a Renda Pessoal. A princípio, o fato de elas serem altas implicaria em uma transferência de renda do Governo aos poupadores líquidos (geralmente os ricos) que aplicam em títulos do Governo ou fundos de Renda Fixa. Assim, toda a sociedade através dos aumentos de impostos ou da dívida interna financia o aumento da riqueza dos poupadores líquidos. Além disso, os devedores líquidos (que geralmente são os pobres) são penalizados por altas taxas de juros cobradas de bancos influenciados pela taxa de juros oferecida pelo Governo – vulgo SELIC. A preocupação de cunho distributivo sugere que no agregado os efeitos da taxa de juros sejam compensados (o que é pago pelo Governo aos poupadores é igual ao que é gasto pelos devedores). No entanto, não há garantias de que isso realmente ocorre. Esse aspecto serve para ilustrar como as decisões econômicas focadas em determinados aspectos podem ter efeitos secundários nem sempre esperados ou desejados. Um fato digno de nota é a distribuição de renda no Brasil. Ela é uma das mais concentradas dentre todos os países. O índice geralmente usado por economistas e formuladores de políticas públicas que procuram mensurar os níveis de desigualdade é o coeficiente de Gini20. Em 2003, pelos cálculos desse coeficiente o Brasil ficou atrás apenas de Serra Leoa, na África. Isso significa dizer que do montante produzido, medido pelo PIB, poucos no Brasil (1% da população ) se apropriam da maior parcela dele (50% do produto) ao passo que os demais, que são muitos (99%), apropriam-­‐se do restante do produto. Para o caso brasileiro este coeficiente tem girado ao redor de 0,60 para os anos entre 2000 e 2010, com posicionamento dentre os 5 países com distribuição de renda mais concentrada do mundo. A divisão da renda nacional reflete, portanto, questões sensíveis como à participação da mão-­‐
de-­‐obra na produção, as taxas de lucro praticadas pelo setor privado, transferências de rendas, distribuição patrimonial na sociedade e outras. 20 O coeficiente de Gini se calcula como uma razão das áreas no diagrama da curva de Lorenz. Se a área entre a linha de perfeita igualdade e a curva de Lorenz é A, e a área abaixo da curva de Lorenz é B, então o coeficiente de Gini é igual a A/(A+B). Esta razão se expressa como percentagem ou como equivalente numérico dessa percentagem, que é sempre um número entre 0 e 1, onde 0 indica que todas as riquezas são apropriadas de forma igual pela sociedade e 1 que toda a riqueza é concentrada em uma única pessoa.O coeficiente de Gini pode ser calculado com a Fórmula de Brown, que é mais prática: onde: G = coeficiente de Gini X = proporção acumulada da variável "população" Y = proporção acumulada da variável "renda" 21
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Pagamentos aos fatores de produção= PNB PNB – renda líquida enviada ao exterior= PIB PIB – depreciação =PL PL – imposto indiretos = RN RN – lucros – encargos sociais + juros + rendas de capital+ transferências governamentais = Renda pessoal Renda pessoal – impostos pessoais= Renda pessoal disponível. 2.1.3. PRODUTO REAL E NOMINAL O produto nominal é mensurado aos preços do período ou, como se diz às vezes, em moeda corrente. Assim, o produto nominal do ano de 2014 mede o valor dos bens produzidos em 2010 a preços de mercado do ano de 2014. O valor do produto, contudo, muda de ano para ano, por duas razões. A primeira é que a quantidade de bens produzidos varia. A segunda é que os preços de mercado também variam. Imaginemos uma economia que produzisse exatamente os mesmos produtos em termos de quantidade e qualidade durante dois anos, mas os respectivos preços aumentem ao final do segundo ano em 100%. O produto nominal do segundo ano seria maior (o dobro em termos nominais), muito embora o produto físico real da economia não tivesse se alterado. O produto real é uma medida que tenta considerar variações do produto físico da economia, entre diferentes períodos. O produto real é medido, na contabilidade nacional, aos preços de um ano de referência. Isso significa que ao calcularmos o produto real, as quantidades de hoje são multiplicadas pelos preços que prevaleceram naquele ano (de referência), a fim de se obter a medida do que valeria a produção de hoje, se vendida aos preços do ano de referência. Podemos exemplificar supondo uma economia que produzisse apenas bananas e laranjas. A produção e os preços hipotéticos de bananas e laranjas em dois anos são mostrados na tabela abaixo. O produto nominal no ano de referência era de 11,25 un e o produto nominal atual, 21 un, representando um aumento de 87%. Contudo, grande parte do aumento do produto nominal é puramente resultado do aumento de preços entre os dois anos e não reflete aumento da produção física. Ao calcularmos o produto real atual, pela avaliação da produção do mesmo ano, a preços do ano de referência, encontraremos 13,80 un para o produto real, representando um aumento de 23% ao invés de 87%. O acréscimo de 23% espelha uma medida melhor do aumento do produto físico da economia do que o acréscimo de 87%, por conta de aspectos monetários. A produção de bananas elevou-­‐se em 33%, enquanto a de laranjas 20%, do ano de referência ao dias de hoje. Nessas condições, deveremos assim situar a nossa medida do aumento de produto real: entre 20 e 33%. O aumento do produto real depende dos preços de mercado observados no passado com os as quantidades produzidas no presente. São denominados produto a preço corrente. 2.2. ÍNDICES DE PREÇOS O cálculo do Produto Real nos fornece uma medida útil da inflação, conhecida como deflator do Produto que é a razão entre o Produto nominal e o real. Ele serve como medida da inflação a partir do período em que os preços do ano referenciado foram utilizados para o cálculo do Produto real. Voltando a Tabela 1, chegamos a uma medida da inflação, entre os anos hipoteticamente considerados, pela comparação do valor do produto com os preços atuais e o valor do produto com os preços do ano de referência. A relação entre o Produto nominal e o real é de 1,52 (21 / 13,80). Em outras palavras o produto é 52% mais elevado hoje do que quando avaliado aos preços mais baixos do ano de referência. Atribuímos, portanto, o aumento de 52 % à variação de preços ou inflação, no período considerado. Uma vez que o deflator se baseia em um cálculo que inclui todos os bens produzidos pela economia, ele é um índice de preços abrangente utilizado para medir inflação. No Brasil ele é denominado Índice Geral de Preços (IGP). As instituições que trabalham com as estatísticas calculam além do IGP, outros índices ou “deflatores” para produtos restritos a cestas de bens pré-­‐
definidas. Abaixo listamos alguns deles calculados para o Brasil. 22
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Índice de Preços por Atacado (IPA) Disponibilidade Interna. Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). Índice de Preços ao Consumidor (IPC). Índice de Preços ao Consumidor (IPC – FIPE). Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Os índices de preços ao consumidor, por exemplo, se baseiam em cestas de bens adquiridos somente pelo consumidor urbano. Os preços coletados dos produtos contidos nesta cesta são ponderados por quantidades previamente fixadas. Essas quantidades somente são alteradas quando ocorrem mudanças bruscas e, ou, de caráter estrutural no padrão de consumo desse estrato da população. Assim, esses índices restritos medem o custo de dada cesta de bens que é a mesma de ano para ano. Por isso, algumas famílias estranham quando os seus orçamentos não batem com o crescimento do índice construído a partir de uma cesta definida: simplesmente essas famílias tem gastos adicionais em bens e serviços que participam de modo diverso na construção desse índice. A cesta de bens incluída no índice Geral de Preços (IGP), contudo, difere de ano para ano, pois depende daquilo que é produzido pela economia a cada ano. Os produtos avaliados no IGP, em dado ano, são os mesmos que a economia produziu naquele ano. Quando a safra de milho for grande, recebe peso correspondente no computo do IGP. Ao contrário, os demais índices de preço medem o custo de um pacote fixo de bens que não varia com o correr do tempo. Os índices restritos incluem automaticamente os preços dos importados, enquanto o índice Geral de Preços inclui apenas o preço de bens produzidos no país, embora estes incorporem, em certos casos, a variação de preço dos insumos importados. Para atenuar essas distorções entre os índices os órgãos que cuidam das estatísticas nacionais utilizam uma média entre os índices restritos para expressar o IGP. Um índice de preços relevante é o Índice de Preços por Atacado (IPA). Ele é uma medida do custo de determinada cesta de bens que não são adquiridos no varejo. Ele difere do IPC, pois levam em conta as matérias-­‐primas e produtos semiacabados Difere também na finalidade, uma vez que se destina a medir os preços num estágio preliminar do sistema de distribuição. Enquanto o índice de preços ao consumidor mede os preços onde as famílias urbanas efetivamente gastam — quer dizer, no varejo —, o IPA se estrutura a partir da primeira transação comercial significativa. Essa diferença é importante porque transforma o IPA num índice flexível de preços, capaz de assimilar variações no nível geral de preços, ou no IPC, algum tempo antes delas ocorrem efetivamente. Por essa razão o IPA e o índice de "construção civil" são usados como indicadores dos ciclos econômicos sendo atentamente observados pelos analistas do mundo dos negócios. A mecânica dos índices de preços pode ser ilustrada pela fórmula do índice de preços demonstrada abaixo. Esse índice é denominado de Laspeyres. Vemos que no denominador do primeiro termo as quantidades Q e os preços P estão cotados no ano t-­‐1 de referência e o numerador fixa a quantidade naquele ano considerando os preços atuais (t). Observe que ele é diferente do aplicado no exemplo anterior onde utilizamos os mesmos preços do período de referência na produção atual. O índice de Laspeyres considera as quantidades fixas entre os períodos a preços nominais (de hoje). No exemplo anterior os preços variavam, mas as quantidades não. Existem outras medidas para se calcular índices de preços e quantidades e tantos outros podem ser criados, a depender do objetivo que se persegue e da criatividade do analista econômico21. Índice de preços = (Σ Pit Qit-­‐1 / Σ Pit-­‐1 Qit-­‐1) X 10 21 Para se ter uma ideia de criatividade na elaboração de índices de preços no Brasil, recomendamos ver: Banco Central (2012), Série Perguntas Frequentes, Índice de Preços no Brasil. 23
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UMA ILUSTRAÇÃO DO PRODUTO REAL E Nominal
Produto nominal do ano de referência Produto nominal do ano de referência produção Preço unitário. Valor total Produto nominal atual produção Produto real atual Produto nominal atual Preço unitário. Valor total produção Produto real atual Preço unitário. Valor total 15 bananas 0,15c $ 2,25 20 bananas 0,30c $ 6,00 20 bananas 0,15c $ 3,00 50 laranjas 0,18c $9,00 60 laranjas 0,25c $15,00 60 laranjas 0,18c $10,80 Produto total $11,25 Produto total $21,00 Produto total $13,80 25
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2.3. O EXCEDENTE ECONÔMICO O excedente econômico é a parcela do produto total não destinada a reprodução imediata da sociedade, como dito anteriormente. É riqueza que se acumula no tempo formando patrimônio. Uma vez contabilizado nas contas nacionais ele se torna em coisa passada: não entra de novo nas contas nacionais constituindo, por isso, em riqueza patrimonial. Para a teoria econômica convencional é a renda menos o consumo, que pela contabilidade nacional aproxima-­‐se ao conceito de poupança. O excedente econômico do ponto de vista da economia política é mais do que isso: é a parcela do produto que excede as necessidades imediatas das famílias e por isso se acumula historicamente nas mãos de alguns, que buscam incessantemente sua valorização. A criação de excedente econômico decorre do fato de o ser humano, ao longo de sua história, ter sido capaz de aprimorar os meios de produção com os quais ele extrai riquezas da natureza. A esse processo de extração denominamos de tecnologia. Assim, o avanço técnico na produção (tecnologia) resulta em dois efeitos compartilhados. O primeiro engendra processos de produção auspiciosos de elevada produtividade técnica que podem propiciar um produto muito além das necessidades das famílias22. O segundo decorre do primeiro. Como temos um produto maior, a mão-­‐de-­‐obra Do ponto de vista histórico, nos primórdios da civilização, a evolução e descobrimento de novos instrumentos concernentes à sobrevivência da humanidade exigiram algum tempo de seus membros, ou de alguns deles, que trocaram o tempo dedicado à busca de alimentos na forma tradicional pelo tempo de construção das novas ferramentas: esse processo chamamos de desenvolvimento das forças produtivas. A passagem da vara de pescar para o tarrafo (rede de pesca) e o surgimento do arado puxado por animais, e mais tarde o mecanizado, em substituição ao manual, por exemplo, requereu alguma perda/troca de consumo presente em favor de melhor consumo futuro. Observe que as quantidades de bens e serviços que estarão disponíveis no período seguinte serão maiores, pois serão construídas com novas ferramentas mais eficientes. pode continuamente ser liberada justamente daquelas produções relativas aos bens essenciais a reprodução social. Esse aspecto constitui a essência do desenvolvimento econômico. O aumento da produtividade requer cada vez menos trabalhadores para a constituição dos mesmos produtos. Os trabalhadores liberados dessas atividades vão exercer atividades não diretamente ligadas a extração de bens e serviços destinados ao consumo imediato23. Esse trabalho é denominado de improdutivo, mas não no sentido pejorativo, de que nada produz. É um trabalho altamente qualificado que tonifica as organizações sociais e o aumento da produtividade do trabalho: ensino, contabilidade, exercício da medicina, engenharias, segurança interna e externa, funcionalismo público, desenvolvimento de ciências e artes e organização politica são exemplos de atividades improdutivas. A ideia de improdutivo deriva, simplesmente, do fato da existência de atividades que não produzem diretamente bens materiais e que vão ficando cada vez mais visíveis conforme a historicamente a humanidade avança. O quadro sistêmico abaixo captura o movimento de constituição continuada dos excedentes econômicos. Assim, no início a utilização de técnicas na agricultura mais eficientes possibilitou a criação de excedentes alimentares que liberaram mão de obra do campo para formarem as cidades e toda sorte de atividades não diretamente ligadas a produção de alimentos, fruto da terra. 22 23 Somente quando a humanidade consegue através de seus esforços criar um excedente econômico é que estão postas as condições para o surgimento de atividades não diretamente ligadas a reprodução imediata do homem. Assim, surgiram as cidades com seus serviços essenciais, o Estado, com seus poderes constituídos, o maior tempo dedicado as artes, ao convívio social e aos estudos e a fabricação de todo sorte de produtos tecnologicamente avançados e dedicados com exclusividade a demanda empresarial, e as outras atividades que a engenhosidade do ser humano vai criando, conforme o excedente econômico vai aumentando. 27
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produção e dos serviços outorgando mais tempo de trabalho dedicado a atividades destinadas ao aumento da produtividade. Esse processo reduz o tempo de trabalho dedicado a produção de bens de consumo imediato. Desenvolvimento+Histórico+
Excedente
econômico
A geração de um excedente econômico tanto ocorre em uma sociedade de produtores independentes, quanto no capitalismo – onde o trabalhador esta formalmente subordinado a relações de assalariamento. Nas sociedades de produtores independentes a geração de excedentes geralmente se estabeleciam espontaneamente no seio da unidade familiar. Ela é individual. No sistema capitalista a relação de assalariamento formal ou informal subordina todo a lógica de produção à constituição de um excedente econômico social, pelo qual todos disputam por meio de associações de classes, individualmente ou de modo coletivo. Libera mão
de obra
Constituição
dos centros
urbanos
industriais
Surgimento da
Moeda-Dinheiro
MERCADO
!
produzem
Acumulação primitiva de capital
Agricultura
Desenvolvimento das
forças produtivas
Artefatos e
instrumentos
de trabalho
Pa<Pi!
+
Todas as atividades concernentes a produção de bens de capital (instrumentos e maquinários), bem como o aprimoramento educacional, a maior dedicação as ciências e tecnológicas, o fortalecimento de os sistemas nacionais de inovação, para citar as mais visíveis, que qualificam naturalmente o aumento da produtividade, têm suas atividades afiançadas pelo excedente econômico. Sua virtude é a de conservar melhores condição de Nos sistemas de produção que antecederam o capitalismo (escravidão, feudalismo, servidão e qualquer modo de produção pré-­‐capitalista) os exercícios utilizados por determinados grupos ou classes sociais para se apropriarem do excedente econômico se baseavam na pilhagem e coerção explicita, frequentemente com o emprego da força. No sistema de produção capitalista, contudo, a apropriação é mais sutil. O trabalhador fornece um valor adicionado ao processo de produção superior àquela parcela correspondente a sua atividade, cuja valoração significa um equivalente monetário denominado salário. Em outras palavras, o trabalho excedente é a diferença entre o valor criado pelo trabalho e o que é pago na forma de salário. Essa é a fonte do excedente econômico que no capitalismo constitui parcela do “lucro” ou na economia marxista: mais-­‐valia. Resumindo, o lucro total – poupança, na versão convencional, ou excedente, na versão marxista -­‐, é reinvestido na sociedade fundamentalmente no aprimoramento das atividades consubstanciadas no trabalho indireto (improdutivo) que tonificam as 28
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atividades industriais e de serviços debaixo os processos de concorrência e inovação tecnológica. Essas novas atividades (indústria e serviços) originaram-­‐se historicamente a partir da transferência de rendas oriundas das atividades agrícolas. Esse espírito de criação e apropriação de excedente avançou sobre os processos de colonização onde as metrópoles extraem riquezas de suas colônias (acumulação primitiva de capital) fortalecendo as atividades fora do eixo agrícola. Os centros urbanos industriais vão sendo assim constituídos com certa dedicação a uma série de novas atividades, inclusive as artísticas e de intelecto inventivo, por exemplo. Um das contribuições mais espetaculares propiciados pelo excedente econômico foi a de frutificar a revolução industrial inglesa que definitivamente colocou a acumulação de capital da indústria acima da acumulação originada pela agricultura, com uma proliferação de bens industriais nunca antes alcançada. A figura acima é auto explicativa desse processo histórico. No caso da sociedade de produtores independentes o excedente econômico é individualizado: pertence a quem o cria. Já no capitalismo, o excedente econômico corresponda à parcela de produção social que se institucionaliza pelo fato do trabalhador ser “assalariado” e produzir não apenas valor econômico, mais valor excedente. A reprodução das relações capitalistas por meio do “assalariamento” sanciona a geração de um valor excedente, mediante a subordinação do trabalhador, que no limite se expressam por contratos de trabalho estabelecidos entre pessoas físicas e jurídicas. Assim, “o mais produto” é apropriado pela camada social que não encontra-­‐se diretamente ligados a esfera da produção material (chão da fabrica)24. 24 Ampliando esse conceito, o empresário autônomo (uma doceira, por exemplo) preenche uma das condições do modo de produção capitalista que é a de produzir mercadorias ¬ ela está envolvida na esfera produtiva. Contudo, ela é uma produtora independente e, portanto, não reproduz as relações sociais especificamente capitalistas que permitem a apropriação do produto excedente por outrem. No trajeto da histórica econômica, a engenhosidade dos financistas fez a sua parte para valorizar o excedente econômico. De fato, o sistema bancário-­‐financeiro acaba sendo o guardião do excedente que se transmuda em depósitos a vista nos bancos comerciais e nas aplicações financeiras. Por meio de empréstimos as famílias, ao governo, as empresas e outras instituições o excedente acaba recebendo ao final do ciclo prestamista-­‐devedor um valor maior, pois nele são contabilizados o pagamentos de juros e outros encargos. Isso acontece muito rápido com a utilização dos meios da informática e processamentos eletrônicos. Assim, o processo de valorização do excedente, nos dias de hoje, é imediato, mas a sua base material que não é constituída imediatamente, pois os investimentos requerem um prazo de maturação para realizar-­‐se em lucros com os quais se pagam os juros. Essa descolagem entre a realização dos investimentos e a valoração dos excedentes no futuro propiciam o surgimento das “bolhas” financeiras e não financeiros (como recentemente os derivativos alavancados em imóveis, por exemplo) e flutuações econômicas. O resumo da história é que o avanço na área de informática, cujo resultado principal têm sido a compressão do tempo-­‐espaço e as transformações tecnológicas também a ela associada, possibilita a geração de um produto cada vez maior, com a menor utilização de recursos produtivos. Contudo, dado a engenhosidade financeira, todos os bens e serviços são monetariamente valorizados -­‐ por meio de créditos ampliados amparados por ativos derivados -­‐ a uma taxa maior do que aquela que acompanha o crescimento do produto físico. O alcance desse processo se esgota na explosão das denominadas “bolhas” que se apoiam nos movimentos especulativos valorativos de ativos financeiros e não financeiros. De fato, por meio da tecnologia de informação, os bens e serviços servem imediatamente a criação de lastros para constituir poder de compra – dinheiro expandido – cujo 29
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maior valor depende dos bancos criarem mecanismos, cada vez mais refinados, para a sua multiplicação25. Quando isso não ocorre de maneira funcional, ou quando a sociedade reconhece a fragilidade dos lastros valorativos no qual se apoia o processo de valorização do excedente o sistema econômico entra em crise. 2.3.1 A MACROECONOMIA E O EXCEDENTE ECONÔMICO Um dos objetivos principais da macroeconomia é auxiliar a formulação das políticas fiscais e monetárias. Com o tempo e as distâncias encurtadas, pelo avanço da tecnologia de informação, a política monetária se sobrepõe `as ações da política fiscal relativas a constituição de receitas e gastos governamentais. Essas últimas dependem quase todas, em regimes democráticos, de aprovação dos congressistas e isso, via de regra, demanda um tempo maior do que aquele dedicado as ações dos bancos centrais26. 25 Antigamente, o dia e a noite, os ciclos climáticos e da colheita agrícola e as jornadas de trabalho cronometradas a partir da invenção do relógio definiam o tempo pela percepção da prática de repetição e os intervalos a ela inerente. Com o avanço da informática, o tempo entendido como uma sequência ordenada de fatos foi aniquilado seja pela sua compressão – os fatos quase que se sobrepõem -­‐ ou pelo ofuscamento da sequência entre diferentes formas de acontecimentos futuros. A aplicação da máxima do aqui e agora, exemplifica com propriedades essa aceleração onde o passado e futuro se fundem no presente: “a prática social (atual) ... nega a sequência (dos fatos) para nos instalar na simultaneidade perene e na ubiquidade simultânea e...as pessoas acreditam vencer suas restrições temporais, ou pelo menos é isso que elas acham”.(Castells, 2001).
26 Por tautologia, as formulações das políticas fiscal e monetária somente podem vigorar por conta da existência do excedente econômico. A política fiscal é exercida quando a criação de um excedente econômico permite que o Estado se aproprie de parcela dele por meio da cobrança de tributos, e seu montante seja distribuído sob varias formas: investimentos em infra estrutura, educação, pagamento dos encargos da dívida pública, saúde e transferências de renda de cunho social aos menos favorecidos, para citar os mais simples. Essa é a essência da política fiscal que no contexto atual, de negação da existência de uma sequência de fatos e de restrições temporais, requer desdobramentos singulares para atender as demandas sociais. A política monetária, por seu lado, tem força de ação imediata. Ela dimensiona nominalmente o produto total por meio do controle da oferta monetária. Destina-­‐se, portanto, a alterar o lado real da economia modificando, com o controle da oferta monetária, os principais preços do mundo econômico: a moeda nacional cujo valor é quantificado pela taxa de juro, o valor da moeda estrangeira representada pela taxa de cambio e o valor das mercadorias e dos fatores de produção que recebem suas cotações pelos salários, lucros, alugueis e demais rendas recebidas. Assim, a grandeza e distribuição do produto, entre excedente econômico e consumo necessário a reprodução da sociedade, pode ser modificado pela política monetária. Nas sociedades mais desenvolvidas, os indivíduos já possuem quase toda ordem de bens essenciais para tocarem suas vidas e de suas famílias com conforto e dignidade. Podem por isso destinar, com certa folga, fatores de produção para a fabricação de bens de capital, bens intermediários, desenvolvimento tecnológico e aprimoramento dos seus próprios fatores de produção e, toda sorte de atividades que se destinam a contribuir com as melhorias de bens e serviços (relativas as funções do Estado, transporte, comércio, lazer e muitas outras). No limite, cada vez necessitamos menos de mão-­‐de-­‐obra para prover os bens essenciais ao consumo justamente por conta do avanço cientifico tecnológico. Tal não se dá nas sociedades menos desenvolvidas. Elas carecem dos bens essenciais ao sustento familiar e demandam por isso maiores esforços para produzi-­‐los em detrimento dos bens e serviços intermediários e de capital. Sobram, portanto, uma quantidade menor de fatores para serem empregados em melhorias produtivas, desenvolvimento tecnológico e fortalecimento do setor produtor de bens de capital. O modo como se constitui o excedente econômico, sua dimensão e sua distribuição entre as classes e estamentos de classe sociais contribuí para aprumar os graus de desenvolvimento 30
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econômico dos países. Vamos estilizar esse fenômeno de outra maneira. A utilização de tecnologias que vão sendo aprimoradas ao longo do tempo estabelece uma tendência secular nas sociedades de utilização de mão-­‐de-­‐obra qualificada no manejo das novas tecnologias em detrimento da mão-­‐
de-­‐obra não-­‐qualificada27. Essa tendência vem favorecendo a absorção da mão-­‐de-­‐obra pela área de serviços reduzindo o tempo e o número de trabalhadores na indústria e na agricultura. De fato, o avanço do progresso técnico tem criado novas funções e atividades distantes do trabalho associado diretamente à esfera produtiva. Esse trabalho enxerga por “cima da produção material” o desenvolvimento do sistema capitalista. A economia marxista o denomina de trabalho improdutivo, que se lança cada vez mais sobre o trabalho produtivo que é justamente aquele exercido pela mão-­‐de-­‐obra assalariada diretamente aplicada na base da produção material. O trabalho improdutivo não tem nada de pejorativo. Ele simplesmente contribui para as funções que são essenciais a distribuição dos produtos e criação de novos, e nas demais atividades que elevam a produtividade e dão forma ao espectro social. Já que não produzem bens e serviços diretamente necessários a reprodução da social, sua remuneração é retirada do excedente econômico. Assim, o sustento desta parcela da população -­‐ trabalhadores improdutivos -­‐ é possível mediante a existência de uma produção objetiva superior ao custo do trabalho (produtivo) despendido na reprodução dos bens e serviços essências a reprodução das famílias. A contabilidade empresarial percebe com clareza essa distinção de 27 Vale contextualizar que a mão-­‐de-­‐obra especializada não corresponde à mão-­‐de-­‐
obra qualificada, uma vez que o avanço técnico, no limite, pode restringir a capacidade do trabalhador a atividades mais simples, não estimulando desempenhos mais qualificados.
trabalho produtivo e improdutivo, ao designar o trabalho produtivo como custo da mão-­‐de-­‐obra ou custo direto e as atividades consubstanciadas no trabalho improdutivo como a dos gerentes, diretores, pessoal de marketing e todas as demais funções não diretamente ligadas a esfera da produção como despesas indiretas ou administrativas, cujos pagamentos não variam diretamente com a quantidade produzida de bens e serviços. Atualmente o excedente econômico mundial é absurdamente grande e concentrado por país, indivíduos e instituições. Ele foi alcançado pelos sucessivos avanços tecnológicos ao longo da história, particularmente os do último século. Assim, a sociedade foi liberando mão-­‐de-­‐obra da produção de mercadorias destinadas a reprodução de suas famílias desenvolvendo, ao mesmo tempo, atividades que autenticam justamente a maior liberação da mão-­‐de-­‐obra envolvida na esfera da produção. 2.3.1.1 O valor do excedente econômico e sua distribuição A teoria macroeconômica convencional trata a questão do excedente econômico de modo diferente. Ela desconsidera a existência da luta entre os donos dos fatores de produção ¬ força de trabalho (trabalhadores), capital (empresários) e recursos naturais (latifundiários/rentistas) ¬ pela posse de parcelas do excedente econômico. Ela não reconhece que, apesar da distribuição dos produtos ocorrer no mercado, são os poderes de barganha envolvidos nas negociações relativas a participação na renda que definem a parte que caberá a cada um. Desse modo, a distribuição do produto se estabelece no ato da produção e não é portanto, um fenômeno exclusivo da esfera da circulação de mercadorias. Assim, esta questão não é tratada pela macroeconomia tradicional, pois o entendimento dessa linha de argumentação é que a esfera da produção representa uma função técnica, cuja magnificência é produzir os produtos e serviços demandados sem considerar os destinos que histórica e socialmente lhes são outorgados. 31
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Diferentemente, Kalecki introduziu a distribuição de renda nos estudos macroeconômicos compartilhando o comportamento das instituições como determinante de magnitude dos agregados macroeconômicos. A distribuição de renda pela interpretação dos escritos de Kalecki depende dos embates entre as forças que formam os custos diretos e indiretos para a fixação dos preços dos produtos industriais. Seu argumento é que para fixar preço (𝒫) a firma leva em conta a média de seus custos diretos (u) e a média dos preços das outras firmas concorrentes (p) de um modo bastante peculiar, pois predominam barganhas politicas entre os agentes e instituições em detrimento das função técnicas relacionadas a produção. Somando os elementos ponderados pelas respectivas produções: 𝒫 = mu + n 𝒫 𝒫 = (m/1-­‐n) u 𝓟/𝒖 = (m/1-­‐n) Os coeficientes m e n representam a disputa entre os empresários (n) e os trabalhadores (m) pelo produto social criado. 𝓟 é o preço fixado pela firma e p é a média de preços das empresas do mesmo ramo de produção. O coeficiente n contempla a formação dos custos indiretos (trabalho improdutivo) financiado pelo excedente econômico. O coeficiente n é menor que um (n<1), pois aceitamos que o preço médio da firma 𝒫 somente pode ser menor ou igual a ao preço médio p. Kalecki chamou a relação entre preços dos bens e serviços finais na indústria e seus custos diretos (insumos e mão-­‐de-­‐obra direta) 𝒫 /𝑢 de grau de monopólio que se estabelece nas economias por uma série de fatos, circunstâncias e condições influenciando a formação dos preços finais dos produtos e dos fatores de produção. Assim, se a atuação dos sindicatos é débil no sentido de reivindicar aumentos salariais não colocando cláusulas que impeçam o repasse do aumento para os preços, por exemplo, o coeficiente m será maior do que aquele em uma sociedade cuja atuação sindical dos trabalhadores seja mais esclarecida. Empresas poderosas que exerçam pressões sobre os seus fornecedores com sucesso contribuem também para o aumento do parâmetro m. Se os trabalhadores se tornam mais produtivos devido a melhoramentos da técnica mas, dado uma série de característica institucionais, eles não conseguem uma maior participação no produto, a interpretação é de um grau de monopólio elevado. Regimes políticos pouco democráticos tendem a favorecer o aumento do coeficiente m em relação ao encontrado em países mais democráticos. .Generalizado para todo o setor industrial com diferentes firmas (1; k) e diferentes custos unitários (u) temos: 𝒫 1= mu1 + np 𝒫 2= mu2 + np 𝒫 3= mu3 + np * * *___________________ 𝒫 k= muk + np No caso do parâmetro n que retrata a guerra intercapitalista, estruturas industriais formadas por grandes corporações geralmente fixam seus preços com o conhecimento de que as empresas menores concorrentes seguirão sua politica de fixação de preços. Elas exercem certa liderança. A concorrência entre as empresas do mesmo ramo pode ser estabelecida, também, pela diferenciação de produtos onde o espírito concorrencial se apoia nas estratégias de marketing, na formação de novos valores sociais, conluios entre empresários para concorrer na obtenção de recursos públicos e toda sorte de ações Na indústria a formação de preços de uma firma típica segue como demonstrado abaixo. 𝒫 = mu1 + np 32
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junto as instituições do Estado visando a perpetuação do excedente em suas mãos. Esses fenômenos expressam um coeficiente n majorado favorecendo a constituição de um grau de monopólio elevado. A parcela (w) dos salários no valor adicionado segue: A sobreposição dos custos indiretos -­‐ trabalho improdutivo -­‐ sobre os custos diretos é uma tendência secular. O desenvolvimento tecnológico leva a diminuição da pressão dos custos diretos sobre a produção ao mesmo tempo favorecendo a construção de novas atividades mantidas pelo excedente econômico. Resumindo, o grau de monopólio em Kalecki explica a distribuição de renda como um fenômeno mais político e menos econômico. É razoável supor que nas economias onde o grau de monopólio de Kalecki é menor uma distribuição de renda mais equitativa geralmente se estabelece em contraposição a concentração de renda observada em economias com elevado grau de monopólio. Para essa linha de pensamento, a distribuição de renda no sistema econômico é um fenômeno eminentemente político e social em detrimento as condições técnicas de produção conforme advogado pela macroeconomia de cunho neoclássico. w = W/ W + ( -­‐1) (W + M) Estilizado a distribuição de renda a partir do grau de monopólio, podemos considerar a repartição da Renda nacional como o valor da Produção (Vp) que se distribui formando lucros (L), custos indiretos (CI) e salários diretos (W) menos o custo das matérias-­‐primas (M). Reproduzindo Kalecki: L + CI = Vp – M -­‐ W Então: 𝒫
𝒫
!
!
L + CI = 𝑊 + M – (W + M) 𝒫
L + CI =( -­‐1) (W + M) w = W/ VA 𝒫
!
se indicarmos a razão entre o montante dos custos de matérias-­‐primas e o custo de mão de obra por J teremos: 𝒫
w = 1/ 1 + ( -­‐1) (J + 1) !
Desse modo, conclui-­‐se que a parcela dos salários na renda nacional é influenciada pelo grau de monopólio e pelos custos das matérias primas e da mão de obra. O restante da renda nacional fica por conta dos investimentos e gastos com o consumo da classe de alta renda, uma vez que no modelo de Kalecki todo o salário dos trabalhadores é gasto (CW), pois as condições de formar poupança para a classe de trabalhadores são exíguas. Assim, a demanda D é composta por: Investimento D = CW + CL + I = salários diretos + lucros Consumo dos trabalhadores Consumo dos capitalistas Como: CW = salários diretos, Logo: L = CL + I !
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Como o CW é igual aos salários diretos pagos na economia, toda a criação do excedente econômico, i e, o lucro total da economia, fica por conta de quanto os capitalistas gastam em bens de investimento ( I ) e bens de luxo (CL). Com o avanço das sociedades, não percebemos com clareza as atividades diretamente relacionadas ao processo de produção daquelas que não o são e que, portanto participam dos lucros referenciados na identidade acima. Em outros termos, é uma questão em aberto a real dimensão do excedente econômico. Como vimos, temos uma tendência a considerar o excedente como poupança (o que sobra, uma vez satisfeita as necessidades básicas histórica e culturalmente definidas). Contudo, como as necessidades do ser humano são infinitas, o excedente econômico passa a ser uma categoria analítica conceitualmente igual ao investimento, poupança e lucro para a teoria macroeconômica convencional. Dissolve-­‐se aparentemente, assim, na sociedade atual a sobreposição do trabalho indireto sobre o trabalho direto. Na dinâmica capitalista, os salários dos trabalhadores produtivos vai perdendo espaço para a composição da renda formada pelo trabalho improdutivo: a classe de alta renda. Essa última ganha mais do que suas necessidades correntes e portanto acumula riqueza. Assim, ela tem acesso ao crédito dedicado pelo sistema financeiro e não tem seus gastos em investimento e bens de luxo limitados pelo lucro corrente. Desse modo, o investimento pode crescer por meio de financiamentos criando mais excedente (poupança). Este o principio da demanda efetiva. É a demanda (por investimento) que comanda a oferta (de poupança). sobrepõe as reais condições de posse e determinação da geração do excedente econômico. Promove-­‐se, assim uma máxima econômica: a sociedade se abstém de parcela do consumo presente ¬poupança¬ na expectativa de trocá-­‐lo por um consumo maior no futuro. Essa ideia pois inicialmente elaborada por Knut Wicksell (1903) em A Natureza e a Necessidade dos Juros. Abster-­‐se do consumo presente, propiciando a formação de um excedente econômico, só faz sentido se realmente formos trocá-­‐lo por um consumo futuro mais vantajoso. Por outro lado, requer-­‐se que alguém queira trazer para hoje seu consumo que só seria efetivado no futuro. À medida dessa troca entre excedentes econômicos no tempo chamamos de juros e constitui um prêmio aos parcimoniosos e uma penalidade aos consumidores ansiosos. A taxa de juros mede assim o valor do excedente econômico amanhã em relação ao existente hoje. Acontece que não conhecemos o amanhã e trocamos, portanto, uma coisa conhecida por outra formada por expectativas. De fato, é irracional alguém se abster do consumo presente em troca de nada. Trocar o poder de compra não exercido hoje, ou seja, poupado, por maior consumo no futuro faz parte da essência do desenvolvimento econômico e isso requer que os bens a disposição da sociedade no futuro represente um valor maior do que aquele poupado ¬ no período precedente. A questão da poupança versus investimento envolve, portanto, aspectos de temporalidade. Em termos macroeconômicos o conjunto de todas as poupanças individuais e compulsórias constitui um excedente econômico que tem como destino o investimento disponibilizando maior quantidade de produtos a disposição da sociedade no tempo28. * * * Em termos macroeconômicos, o excedente é teoricamente à parcela do produto não consumida: é, portanto, a produção poupada que se 28 No plano individual uma pessoa faz seu pé de meia ¬poupa¬ para consumir mais e melhor no futuro. Em muitos casos, ele acredita que sua renda futura diminuirá e, portanto seria mais vantajoso se precaver poupando hoje. Ele joga o seu poder de compra “grandioso” hoje para o futuro com distribuição adequada no tempo. Milton 34
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Para Wicksell existe uma taxa de juros natural cuja base está no reconhecimento social dos recursos disponíveis para suprir as demandas atuais e futuras. Assim, os empresários estão alinhados em seus planos, sob a taxa de juros natural, com o padrão de consumo escolhido pela sociedade. Isto contribui para explicar a disparidade de taxas de juros entre países, em adição a visão tradicional que considera o risco como a variável explicativa principal. Ainda, nesta visão, podemos dizer que manipulação politica da taxa de juros pelos governos, como crédito fácil em época de campanhas eleitorais, afastam a taxa de juros de seu padrão natural, tendo efeitos no nefastos para a economia. De fato, uma taxa de juros manipulada cria um desalinhamento entre as escolhas do que se deseja consumir hoje e no futuro com os planos intertemporais de produção. A Igreja Católica nos idos do mercantilismo se posicionou contra a existência dos juros, sob a alegação que o tempo a Deus pertence. Os homens não estariam habilitados a cobrar (taxas de) juros nas relações que envolvessem crédito e débito tendo o tempo como parâmetro. Essa afirmativa, digamos divina, não resistiu à percepção pela sociedade que de fato a taxa de juros representa uma medida da quantidade de produtos adicionais obtida no futuro em relação ao período anterior. Ela tem competência para identificar-­‐se com o que chamamos de retorno do capital ou simplesmente retorno do investimento. A questão central é que nada sabemos sobre o futuro. Não sabemos qual será o valor do amanhã e, portanto não podemos medi-­‐lo para estimar com precisão a taxa de juros (R). Assim, só podemos estimar ¬ formar expectativas de ¬ quanto valerá o excedente no futuro com base nas condições atuais ( 1/1+R). De qualquer modo, a existência dos juros requer uma base de bens Friedman (1967) chamou esse comportamento de renda permanente. Na maioria dos países parte dessa poupança é coletiva e compulsória, como no caso brasileiro da aposentadoria do Ministério da Previdência Social. Algumas empresas adotam o sistema de Fundo de Pensão para seus funcionários, geralmente de caráter não compulsório, em adição ao sistema previdenciário governamental. materiais constituídos no futuro cuja realização de compra e venda permita o pagamento dos juros. A macroeconomia com respeito a constituição do excedente/poupança obteve, pelo menos, duas respostas conflituosas com respeito a taxa de juros. A primeira, é que ela significando a troca de consumo presente por consumo futuro favorece a constituição de excedentes econômicos (poupança). Seu aumento projeta um futuro mais auspicioso que o presente, ocasionando uma predisposição a poupar e menos a consumir no presente. Quando ela se reduz (aumenta) estimula (desestimula) o consumo presente. Esta é a versão neoclássica da taxa de juros. A segunda, é que ela pode ser útil nos processos de escolha entre rentabilidades estimadas de ativos financeiros e não financeiros. Assim, ela é o principal componente dos movimentos especulativos marcados pelas competências individuais das escolhas entre as expectativas de valorização dos ativos financeiros e não financeiros, pouco contribuindo para a formação de poupança. A taxa de juros resume a centralidade desse processo, por cotar o preço do dinheiro. Essa é a versão keynesiana. No nexo entre a economia real e a monetária, os ciclos de valorização da produção demonstram a importância da taxa de juros para o mundo econômico. Os investidores competem entre si e é por isso natural que contraiam empréstimos buscando uma eficiência superior para assim obterem parcelas de mercados dos concorrentes. Nesse processo, contabilizam suas necessidades de créditos em relação ao total de seu passivo e em muitos casos contraem novas dívidas para pagamento das anteriores, sucessivamente. Assim, asseveram as expectativas de um futuro grandioso. São esperados com este processo, pelo menos, dois resultados. O primeiro é um aumento dos juros, pois cada investidor não conhece a estratégia de expansão das firmas concorrentes e todos concorrem para obter empréstimos. Assim, as operações financeiras e não financeiras aumentam na fase de prosperidade pressionando a disponibilidade de reservas dos 35
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bancos. O segundo efeito é a criação de um excesso de oferta produtiva resultante da ampliação dos investimentos. Entramos, aqui, na fase de depressão cíclica. Como as empresas resistem inicialmente a reduzir preços, mesmo em uma situação de oferta maior que a demanda, a taxa de juros irá diminuir mas isso não irá propiciar maior consumo presente ou novos investimentos, pois a demanda agregada não foi estimulada. No limite, na fase de descenso cíclico, as sucessivas operações de crédito-­‐produção irão contribui para a queda generalizada da rentabilidade do capital investido. Esse é um dos mecanismos clássicos de crise do sistema capitalista 29. Caracteristicamente, uma vez iniciado o processo de crise, todos contribuem inicialmente para aprofundá-­‐lo ao buscarem maiores parcelas de um excedente econômico cujo valor esta diminuindo. Os rentistas lutarão por maiores retornos de seus excedentes econômicos (rentabilidade dos papeis financeiros), os empresários competirão com mais vigor em busca de mercados promissores para seus investimentos (realização de lucros) e os trabalhadores lutarão por melhores condições (salários) para assegurar a continuidade da reproduçãosocial.
3. IDENTIDADES BÁSICAS Do ponto de vista contábil não há discórdia sobre a igualdade entre demanda e oferta agregada, já que tudo que foi produzido deve ser consumido. De fato, o Produto Nacional apurado em um período é igual a Despesa Nacional daquele período que foi realizada por meio da Renda Nacional auferida naquele período. Assim, ao final do período contábil esses valores são idênticos: a Despesa Nacional é igual ao Produto Nacional, uma vez que o produzido não pode ser vendido sem ser comprado. A procura efetiva da economia, no entanto, não necessariamente é igual ao Produto Nacional: não há razão para acreditar que os consumidores estejam desejosos de adquirir a mesma quantidade que os vendedores querem vender. Para a contabilidade nacional isso não é problema, pois como vimos, quando os produtores produzem em excesso as estatísticas o consideram como investimento (as empresas compram os estoques não vendidos). Assim, o Produto Nacional corresponde a tudo que foi produzido e não a totalidade do que tenham efetivamente vendido as famílias (oferta efetiva). Oferta e demanda agregadas nas economias modernas podem ser estilizados como segue abaixo: 29Para as entidades que compõem o sistema financeiro interessa somente a cobrança de seus serviços de intermediação das operações entre devedores e credores. Assim, quanto mais devedores melhor é... para eles. Entretanto, eles avaliam os riscos dos empreendimentos produtivos e, sob o manto da proteção dos depósitos que gerenciam visando a maior rentabilidade de seu trabalho, jogam as taxas de juros de captação de recursos para baixo e elevam por conta dos riscos – ou perda de credibilidade dos investidores – a taxa de empréstimo para cima. Quando o circuito poupança-­‐taxa de captação -­‐ empréstimo-­‐ taxa de aplicação não se realiza recorrem aos bancos centrais. Afinal os poupadores abriram mão de seu consumo presente e os investidores calcularam mal o rendimento de suas operações justamente porque com taxas de juros maiores a sociedade decidiu abrir mão de seu consumo presente tendo em vista um melhor consumo no futuro. Quando o Banco Central intervém, o prejuízo dos processos de escolhas entre poupadores e investidores, sob a gerência das instituições privadas do sistema financeiro, é socializado. Importação Consumo Exportação Y + M + T = C + G + I + X Impostos Produto Nacional investimento Gastos do Governo 36
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O lado esquerdo da identidade é a oferta agregada e o lado direito é a demanda agregada. Na macroeconomia oferta e demanda reservam um aspecto distintivo: dizem respeito a decisões efetivas dos produtores e consumidores e envolve um aspecto crucial, qual seja: o livre arbítrio que os indivíduos possuem com respeito ao destino que dão ao seu dinheiro. Dentre as varias contribuições de Keynes essa foi uma das principais. Ele chamou de princípio da demanda efetiva essa arbitrariedade cujo limite é dar significação a vontade dos seres humanos, como discutido anteriormente. Apesar de contabilmente o produto ser igual a demanda, as decisões dos agentes econômicos no plano microeconômico podem conferir rumos a economia distantes daqueles que seriam socialmente desejados ou direcionados ao equilíbrio econômico. 3.1 UMA ECONOMIA SIMPLES A macroeconomia não tem um modelo que represente a realidade em termos de economia simples sem as entidades governo e comércio exterior. Keynes a formulou inicialmente considerando o gasto do governo de fundamental importância, pois por meio dele se poderia calibrar a demanda e oferta agregadas em direção ao pleno emprego.30 Apesar disso, vale destacar um enfoque simplificado da economia para caracterizar dois aspectos importante: a) o livre arbítrio que o ser humano tem nos seus processos de escolha entre consumo, poupança e investimento e b) a função que o consumo estabelece para o crescimento da renda (Y). Y = C + I 30 Posteriormente, somente nos anos de 1950 é que foi introduzida nesta identidade as relações econômicas com os parceiros comerciais no estrangeiro, provavelmente porque apos a Segunda Guerra Mundial as relações de comércio internacional ficaram mais intensas.
O Produto (Renda) Y é descrito em termos de bens e serviços constituídos pela despesa em consumo (C) e em investimento (I). Vale dizer, o que é produzido em uma coletividade são bens destinados ao consumo popular (bens e serviços finais) ou a composição dos investimentos (bens de capital). Do ponto de vista da contabilidade nacional a equação acima é uma identidade. O próximo passo é encontrar uma identidade correspondente para examinarmos o destino da Renda. Uma parte será gasta em consumo e parte será poupada (S). Assim podemos escrever. Y= S + C Então: C + I = Y = C + S I = Y – C = S Esta última identidade constitui um resultado importante. Mostra primeiramente que, nesta economia simples, a poupança é idêntica à renda menos consumo. O investimento é, portanto, idêntico à poupança após a apuração contábil. No mundo real, uma situação de equilíbrio macroeconômico é pensada quando as expectativas dos investidores e poupadores ¬ entre o quanto investir e o quanto poupar ¬ se aproximam tornando a quantidade ofertada próxima a quantidade demandada. É obvio que essas expectativas estão longe de formarem um volume de popanças próximo ao desejado pelos investidores e vice-­‐versa uma vez que as motivações que levam as famílias a pouparem são diferentes daquelas que induzem as empresas a fazerem investimento. A totalidade dos investimentos pode expressar parcela de um aumento de estoque involuntário como resultado de erros por parte dos produtores que esperavam vender mais do que na realidade o 37
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fizeram. Dito de outra forma, a maior poupança, que pode ser representada pelo excesso de investimento em relação aos gastos de consumo, resulta de os indivíduos decidirem consumir menos (mesma medida dos estoques involuntários) e assim, poupar mais do que o esperado pelas empresas. A situação contrária pode ocorrer levando os consumidores a poupar menos e, portanto, consumirem mais do que o esperado pelos produtores que planejaram seus investimentos subestimando a demanda potencial, no caso: o nível de consumo. Essas situações são muito comuns e pertencem ao mundo do livre arbítrio que os indivíduos possuem para fazerem o que bem entendem com a sua renda. O exercício da vontade pelos indivíduos em relação a sua renda é a causa primária da demanda por bens, serviços e investimentos na economia. O consumidor ao decidir o que gastar em consumo estará, por conseguinte, também definindo o que será poupado. De fato, as decisões de formação das poupanças, dos gastos do governo, do lazer, dos investimento públicos e privados, relativas a educação, saúde e outras representam o contradomínio do excedente econômico. Considerando os elementos que põem em movimento o mundo econômico, os empresários ao perceberem que investiram mais do que os consumidores desejavam consumir se sentirão forçados a reduzir preços ou seus investimentos no sentido de diminuírem seus estoques. A situação contrária também pode acontecer, isto é, no curso da produção o consumo pode se posicionar além do que as empresas investiram. Como a demanda é superior a quantidade de produtos disponíveis, os preços serão majorados e, ou, as empresas investirão rapidamente para prover a quantidade de bens e serviços desejados. Esses movimentos de aproximação e afastamento entre poupança e investimento acontecem porque os consumidores e os investidores criam expectativas com respeito ao mundo econômico que são diferentes. Este é o ambiente da macroeconomia: calibrar variáveis de politica governamental para aprumar agregados econômicos em direção ao equilíbrio (estabilização) e ao pleno emprego (crescimento). Os economistas, nos seus esforços investigativos, pensam a economia como, primeiramente estando em equilíbrio: poupança igual a investimento, Tributação igual a Gastos do Governo, Exportação igual a Importação: enfim, Renda igual a Produto. Depois, então, estimam o quanto as variáveis estão distantes em relação as suas contrapartes. Os resultados alcançados são apropriados pelos formuladores da política econômica que procuram influenciar os indivíduos nas suas escolhas econômicas usando instrumentos das políticas fiscal e monetária. Procuram calibrar as variáveis econômicas para conduzir a economia a um nível de renda e produto que se aproxime. 3.2 INTRODUZINDO O GOVERNO E O MERCADO EXTERNO. Podemos aproximar a economia simples ao mundo atual considerando a existência do governo e das relações econômicas com os demais países. De modo singelo, podemos, sem perda de conteúdo, decompor o PNB pela ótica do destino da produção. Assim, ele corresponde as categorias listadas a seguir, como vimos anteriormente. PNB = C + I + G + (X – M) Os gastos do governo são representados pela letra G (gastos correntes, de investimento, transferências para o setor privado, incluindo o pagamento de juros). A inclusão das transações econômicas com demais países é representada pelas exportações líquidas: exportações (X) menos importações (M) de bens, serviços, incluindo os pagamentos e recebimentos internacionais de rendas devidas a utilização dos fatores de produção e transferências unilaterais caracterizadas por doações, de toda ordem. Consumo (C) e investimentos (I) são conceitos já estabelecidos. Como vimos, a Renda Nacional (Y) é igual ao PNB menos a depreciação 38
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e os impostos (T). Adicionando a Renda Nacional as transferências governamentais as famílias (TR) encontramos a Renda disponível (Yd). Então: RN – T + TR = Yd; Yd = C+ S; C = Yd -­‐ S Fazendo as devidas substituições na identidade da Renda e incluindo as transferências governamentais as famílias (TR) como parcela do gasto governamental (G) obtemos: Yd + T = Yd — S + I + G + X — M Que segue: (T – G) -­‐ TR = (I – S) + (X – M) ou (S – I) = (G – T) + (X – M) Essa identidade manifesta o desequilíbrio entre poupança e investimento do setor privado (S — I) tendo como contrapartida o desequilíbrio no orçamento público (G — T) e, ou, nas exportações liquidas (X — M). Em outras palavras, quando o investimento privado é maior do que a poupança nacional a interpretação é que a economia contou com o ingresso de poupança (empréstimos) externa complementar. Esse complemento é justamente os ingressos de recursos externos caracterizados na identidade por M que serão superiores as exportações (X) na medida para realizar os investimentos além daquele que seria possível somente com a poupança nacional. Resumindo, investimentos superiores a poupança doméstica ou gastos governamentais maiores do que a receita tributária propiciam a entrada de poupança externa. Contrariamente, interpretamos a poupança doméstica acima dos investimentos como um saldo positivo líquido com o exterior e, portanto o país é um exportador de poupança (de capital). Observem que o efeito vai do investimento para a poupança. São as decisões de investimento no país que indicam a entrada ou saída dele ou em outras palavras o comportamento das exportações líquidas 31. A política fiscal e monetária podem influenciar esse processo manipulando a taxa de juros e a de câmbio. As linhas de gastos do governo são, geralmente, numerosas em função das atividades demandadas pela sociedade. O Estado, de modo geral, cuida do provimento de hospitais públicos, arca com o saneamento básico, fornece educação e segurança pública aos seus cidadãos, para citar as funções mais usuais. Cabe ao Estado também efetuar transferências ao setor privado e prover infraestrutura adequada a sociedade. Quando os gastos se apresentam maiores do que a tributação, o financiamento é obtido por meio do lançamento de títulos de dívida pública. Esses títulos são leiloados pelo Banco Central contendo cláusulas contratuais indicativas de valor e data de resgate no futuro. No caso brasileiro, a política governamental prioriza o estabelecimento do superávit primário dos gastos públicos construído pelas receitas tributárias menos as despesas correntes e investimento 31 Raramente o saldo positivo externo significa receita tributária acima dos gastos governamentais, pois tal situação nos levaria a pensar que o governo estaria tendo “Lucros” o que claramente em ambientes democráticos é impensável; pagar impostos acima das necessidades do Estado para o cumprimento de suas funções. 39
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do governo. Ele indica do total arrecadado pela tributação para cumprir as funções tradicionais do Estado, o que restou para ser utilizado no resgate e pagamento dos juros dos títulos públicos lançados no passado com vencimento presente ou futuro. No Brasil, o conceito de superávit primário inicialmente foi usado para diferenciar o que era gasto corrente do que era mero pagamento de juros da dívida pública. A partir da orientação do FMI, nos anos 90, o superávit primário passou a ser instituído por metas definidas previamente. Assim, os parâmetros da arrecadação tributária passaram a ser calibrados para formarem uma receita maior do que aquela requerida pelo Estado para os gastos imediatos com o provimento de suas funções básicas. Por conta do estabelecimento de metas de superávit primário, os tributos arrecadados foram continuamente elevados. A carga tributária brasileira é uma das maiores do mundo em proporção ao PIB. Em 2009 foi cerca de 40 %, superior à dos Estados Unidos (25,77%) e do Japão (26,28%), por exemplo. É inferior, no entanto, à carga tributária de países como a Suécia (51,35%), Dinamarca (49,85%) Bélgica (46,85%) e França (45,04%), que apresentam economias com alto grau de bem-­‐estar social causado justamente por políticas públicas adequadas. Observe que na identidade acima, a elevação da tributação com a redução dos gastos correntes governamentais ou de infraestrutura rebatem no mercado externo atenuando as importações (M). Vale dizer, o alcance do equilíbrio externo neste caso, se dá em detrimento das possibilidades de crescimento da economia doméstica impulsionada pelos gastos governamentais. Pelo lado das exportações, elas são autônomas e dependem dos demais países desejarem nossos produtos e terem dinheiro para comprá-­‐los. De fato, o maior desempenho exportador pode atenuar os efeitos adversos na economia causados pelo estabelecimento das metas para o superávit primário. No entanto, a receita das exportações depende essencialmente das circunstâncias e condições dos nossos parceiros comerciais externos. Já as importações podem ser controladas por meio de políticas de contração da demanda agregada. Por esse motivo os ajustamentos macroeconômicos exercidos sobre o mercado doméstico visam, também, reduzir importações reduzindo a necessidade de novos empréstimos externos. 3.3 RENDA E O BALANÇO DE PAGAMENTOS Na seção anterior relacionamos as transações econômicas do país com os parceiros internacionais introduzindo na contabilidade nacional um agente externo (X-­‐M), em adição as contas das famílias, do governo e das empresas. As relações econômicas do país com o resto do mundo foi olhada de forma compacta não fazendo distinção entre as variações de estoques patrimoniais dos residentes e não residentes decorrentes das relações econômicas internacionais. Essa seção faz essa decomposição por meio do estudo do Balanço de Pagamentos. O Balanço de Pagamentos registra as transações econômicas entre residentes e não residentes de um país. As transações são efetuadas pelo setor público e privado. Incluem o comércio de bens e serviços (balança comercial), pagamentos pela utilização de fatores de produção de propriedade dos residentes e dos não residentes (rendas enviadas e recebidas), transferências unilaterais e as transações com ativos financeiros e monetários. A tabela abaixo foi extraída do Banco Central do Brasil e contempla o Balanço de Pagamentos Brasileiro no ano de 2009. Seu método contábil é o de partidas dobradas onde um registro representa a natureza econômica e outro à contrapartida monetária ou financeira. Os lançamentos são feitos em dólar americano. 40
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Faz-­‐se distinção entre as transações por conta corrente – bens e serviços e pagamentos unilaterais (doações, por exemplo) – e as transações de ativos monetários e financeiros. Dentro desta última, se faz distinção entre as de curto prazo e longo prazo, dependendo se o vencimento do ativo seja inferior ou não há um ano e também se os ativos financeiros são de natureza autônoma ou compensatória. Desde os anos 50, quando o padrão de acumulação mundial se alterou radicalmente por conta do espetacular desenvolvimento tecnológico, originado pela II Guerra Mundial, as relações entre países se tornaram intensas. Esse fenômeno produziu um debate em torno da definição apropriada de um déficit no balanço de pagamento, bem como da apresentação das contas que o integram. Vale observar que o Balanço de Pagamentos tem saldo igual à zero pois pela definição de balanço o ativo é sempre igual ao passivo, pela aplicação do método de partidas dobradas. Transações Correntes (CT) – Conta Capital e Financeira (CKF) = 0 Se a combinação entre o saldo em transações corrente e a conta de capital e financeira resultar em déficit (superávit) o pensamento convencional é que as condições econômicas entre o país e o resto do mundo criaram um excesso de demanda (de oferta) de divisas internacionais. No ano de 2009, o saldo em transações correntes foi negativo em cerca de 24 bilhões de dólares, inferior ao ingresso pela conta de movimentos de capital que girou ao redor de 71 bilhões. A diferença é exatamente retratada na variação de haveres externos (H) ¬ resultado do balanço¬ com o resto do mundo. Assim: (CT) – (CKF) – Δ H = 0 BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL Nome da conta Balança comercial (saldo) Exportação de bens (fob) Importação de bens (fob) Serviços e rendas (líquido) Serviços (líquido) Serviços (receita) Serviços (despesa) Rendas (líquido) Rendas (receita) Rendas (despesa) Transferências unilaterais correntes (líquido) Transações correntes (saldo) Conta capital e financeira (líquido) Conta de capital (líquido) Conta financeira (líquido) Investimento direto total (líquido) Investimento brasileiro direto -­‐ IBD (líquido) IBD -­‐ participação no capital (líquido) IBD -­‐ empréstimos intercompanhia (líquido) Investimento estrangeiro direto -­‐ IED (líquido) IED – part. no capital -­‐ inclui reinvestimento -­‐ total (líquido) IED -­‐ empréstimo intercompanhia -­‐ total (líquido) Investimento em carteira -­‐ total (líquido) Investimento brasileiro em carteira -­‐ IBC (líquido) IBC -­‐ ações de companhias estrangeiras -­‐ total (líquido) IBC -­‐ títulos de renda fixa -­‐ LP e CP (líquido) Investimento estrangeiro em carteira -­‐ IEC (líquido) IEC -­‐ ações de companhias brasileiras -­‐ total (líquido) IEC -­‐ títulos de renda fixa -­‐ total (líquido) Derivativos -­‐ total (líquido) Derivativos -­‐ ativos (líquido) Derivativos -­‐ passivos (líquido) Outros investimentos -­‐ total (líquido) Outros investimentos brasileiros -­‐ OIB -­‐ total (líquido) Outros investimentos estrangeiros -­‐ OIE total (líquido) Erros e omissões Resultado do balanço 2009 25290 152995 -­‐127705 -­‐52930 -­‐19245 27728 -­‐46974 -­‐33684 8826 -­‐42510 3338 -­‐24302 71301 1129 70172 36033 10084 -­‐4545 14629 25949 19906 6042 50283 4125 2582 1542 46159 37071 9087 156 322 -­‐166 -­‐16300 -­‐30376 14076 -­‐347 46651 Fonte; Banco Central do Brasil. 41
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Os haveres externos representam justamente a variação da reservas internacionais ΔRI (com o sinal trocado). (CT) – (CK) = Δ H = Δ RI Observe que o saldo em conta corrente negativo, embora possa ser coberto pela conta capital e financeira, contabilmente indica, na mesma medida, a necessidade de financiamento externo que no final das contas representa um endividamento externo naquele montante. Isto porque a conta capital e financeira mostra transferências patrimoniais que a qualquer momento podem ser desfeitas. Representa o passivo ou ativo de um país em relação aos demais. O saldo em conta corrente, por seu lado, representa o que restou monetariamente, uma vez consumido/extinto produtos e serviços entre residentes e não residentes. O Brasil, que vinha tendo saldos negativos em conta corrente no Balanço de Pagamentos durante os anos 1970/80 renegociou a sua dívida externa com os bancos internacionais em julho de 1992, através de acordos que alteraram o perfil da dívida. O elemento essencial desse tipo de acordo foi à renovação da dívida, mediante sua troca por bônus de emissão de títulos internacionais brasileiros, cujos termos envolvem abatimento do encargo da dívida, seja sob a forma de redução de seu principal, seja por alívio da carga de juros. O governo brasileiro desde aquela época está autorizado a realizar operações de compra e venda de títulos da dívida mobiliária externa. Eles são renegociados ou trocados por outros títulos (de emissão interna ou externa), para fins de redução do estoque (ou encargos) da dívida, com alongamento dos seus prazos, ajuste no perfil do endividamento público e incentivo a projetos específicos. No final do ano de 2009 a dívida externa brasileira composto por títulos internacionais correspondia a 277 bilhões de dólares, pelos dados do Banco Central. No ano passado (2013) ela somou valores superiores a 300 bilhões de dólares. A divida externa compreende transações do governo nas esferas federal, estadual e municipal, do setor privado, das instituições financeiras e do Banco Central. Ela representa parcela do passivo da economia brasileira e as reservas internacionais o ativo. 3.3.1 ASPECTOS MONETÁRIOS DO BALANÇO DE PAGAMENTOS Vamos introduzir, agora, alguns aspectos monetários do Balanço de Pagamentos. Existe uma relação íntima entre as variações das reservas cambiais e a base monetária, já que a moeda nacional é de curso forçado. O ingresso de moeda estrangeira destinado aos residentes, sob qualquer modalidade, deve ser convertido em moeda nacional, à taxa de câmbio prevalecente. De igual modo, os estrangeiros são inclinados a converterem seus pagamentos em moedas nacionais, já que comprarão produtos no seus país estrangeiro, salvo se o país não adota o curso forçado de sua moeda ou mantenha acordos de aceitação pelo mercado doméstico de determinadas moedas estrangeiras32. Quando os ingressos de moeda estrangeira são maiores do que as saídas de moeda nacional, temos um saldo positivo de reservas internacionais que recebem sua contraparte em moeda nacional. Quando o contrário ocorre; os importadores pagam mais pelos produtos externos que os exportadores recebem por suas vendas externas, o efeito é de contração da liquidez doméstica. 32 Existe um conjunto razoável de países que aceitam moedas estrangeiras pré-­‐
determinadas em suas transações internas. Os países do MERCOSUL, Brasil, Argentina, Uruguai, e Paraguai, por exemplo, assinaram recentemente um acordo de Crédito Recíproco que significa a aceitação nas transações de importação e exportação entre eles da moeda nacional do parceiro comercial. A Argentina, por exemplo, há pouco tempo atrás, adotou um sistema cambial ancorado no dólar.: Internamente era utilizado tanto a moeda nacional quanto a moeda norte-­‐americano nas transações internas a uma taxa de conversibilidade fixada. 42
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Isso pode ser mais bem entendido com o auxilio das contas do Balanço do Banco Central, como apresentado de modo estilizado a seguir. Balanço Simplificado do Banco Central ATIVO PASSIVO Reservas internacionais ( RI) Dinheiro primário (H) Crédito Público (CP) Assim, do balanço simplificado acima se deduz que: ∆RI = ∆H — ∆CP Esse é um modelo de balanço ideal do Banco Central. A variação das reservas internacionais líquidas ∆RI rebate na diferença entre a variação de dinheiro e o crédito público do Banco Central. (composto pelos títulos da dívida pública). Uma queda nas reservas internacionais – situação de déficit externo -­‐ indica que os residentes contrataram bens e serviços ou compraram ativos do resto do mundo além do que receberam por suas vendas externas. A variação do dinheiro primário ∆H será, portanto negativa, contraindo a liquidez interna. No limite, esta situação faz com que os preços domésticos caiam, os juros subam, os investimentos sejam refreados e o desemprego aumentado. Em resumo: a demanda agregada se contrai reduzindo a atividade econômica. Assim, as importações se contraem ajustando automaticamente o Balanço de Pagamentos. Uma elevação nas reservas internacionais sugere efeitos justamente contrários: a liquidez doméstica aumenta, os juros caem favorecendo novos investimentos e o desemprego diminui. Neste caso, a economia doméstica aquecida requer quantidade adicional de importáveis e como as exportações são autônomas em relação ao nível de renda interna, o Balanço de Pagamentos também se ajusta automaticamente (no próximo capítulo veremos com mais propriedade o comportamento das importações e exportações em relação a variação da renda). Assim, podemos imaginar que o Balanço de pagamentos pode ter movimentos alternados entre déficits e superávits ao longo do tempo, o que sugere que no longo prazo ele encontra-­‐se em equilíbrio33. E razoável supor, no entanto, que os governos não sigam os ensinamentos postos pela ideia do ajuste automático do Balanço de Pagamento, pois sua validade depende dos demais países perseguirem também esses ensinamentos. Para que de fato, o ajustamento automático se verifique é necessário que todos os países utilizem seus Bancos Centrais como caixas de compensação, abrindo mão de medidas compensatórias em face de um déficit externo. Na existência de desequilíbrio externo, os países podem atenuar os efeitos da menor liquidez monetária contraindo dívidas externas, com as quais se permitem continuar importando acima do permitido pela receita cambial providenciada pelas exportações. De fato, o Banco Central amplia seus créditos públicos (CP) em moeda nacional no montante requerido pelo endividamento externo em dólares a taxa de cambio de mercado. Assim, a redução da liquidez -­‐ na ausência de uma política ativa do Banco Central -­‐ por conta da variação negativa no dinheiro primário (H), é esterilizada e os efeitos negativos na economia doméstica que seriam causados pela contração da demanda agregada são postergados. O aumento do crédito público ∆CP pode ser utilizado para estabilizar o volume de dinheiro primário que sofreria 33 Um dos autores desse pensamento foi D. Hume no século XVIII, na época em que o ouro era a moeda reserva internacional e os balanços de pagamentos se ajustavam, de fato, automaticamente, pois não existia a possibilidade de manipulação cambial, dado que ele tinha livre transito internacional. 43
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redução por conta de uma variação negativa no saldo comercial externo. Como não houve contração da liquidez, as condições no mercado doméstico não se alteram e o déficit do saldo em conta corrente do Balanço de Pagamentos passa a ser financiado por empréstimos. Essa política é denominada de esterilização dos efeitos monetários do Balanço de Pagamento. 3.3.2. Ampliando o modelo Quando ampliamos a relação contábil do balanço do Banco Central para incluí-­‐lo no sistema Financeiro e Bancário consolidado temos: Balanço Consolidado do Sistema Bancário ATIVO PASSIVO Reservas internacionais (RI) M2 Crédito Doméstico (CD*) ∆ (X—M) = ∆RI = ∆M2 — ∆CD* Essa perspectiva financeira-­‐monetária compreende a aquisição de ativos externos pelo sistema bancário por meio da expansão monetária e da expansão do crédito. M2 é a denominação para os meios de pagamentos, constituídos pelo papel-­‐moeda em poder do público mais os depósitos a vista de curto e longo prazo nos bancos comerciais34. Podemos considerar o crédito doméstico (CD*) como composto pela soma do crédito ao setor público (CP) mais o crédito ao setor privado não-­‐bancário (CD). 34 O conceito de meios de pagamento será abordado com mais propriedade mais a frente. Por enquanto basta associa-­‐lo ao que o próprio nome sugere: dinheiro para pagar as aquisições de bens e serviços. Assim; ∆CD* = ∆CP + ∆CD Desde que se supõe que o déficit público seja financiado mediante o recurso do endividamento público com o sistema bancário, temos: ∆CP = ∆G -­‐ ∆T Substituindo os termos encontramos: ∆ (X—M) = ∆RI = ∆M2 — ∆CD — (∆G — ∆T) Uma queda na variação de ΔRI, mantendo-­‐se M2 constante demanda expansão do crédito doméstico (∆CD) ou alternativamente em um aumento do déficit público (∆G>∆T). Essa identidade foi bastante utilizada pelos países com dívida externa, na qual caracterizavam intenções demonstrativas de ajustamento macroeconômico do país (redução da demanda agregada) ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter o seu aval e continuar se endividando ou postergando os pagamentos dos encargos da divida externa. Os cálculos de engenharia financeira são amplamente utilizados para estabelecer tetos ao crédito público (CP) e ao setor privado não-­‐bancário (CD) em relação a expansão dos meios de pagamentos (M2). Em casos mais dramáticos, como resultou ser no caso brasileiro a partir de meados dos anos de 1980, a redução do déficit público para níveis compatíveis com a redução da demanda agregada passou a ser alcançada através da aplicação de metas para o superávit primário. No caso brasileiro, programas de privatizado do Estado e “enxugamento” da máquina estatal foram também adotados como forma de reduzir o déficit público nos anos de 1990. Esse programa 44
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adicionado a politica monetária contracionista elevando as taxas de juros exerceu uma redução no crédito doméstico (∆CD) desestimulando a demanda agregada. O resultado final esperado é o de aumentar as reservas internacionais por contração na renda doméstica para solucionar os problemas de ajustamento no balanço de pagamentos causados pela elevação dos juros internacionais. Os contratos da divida externa brasileira nesta época somavam valor superior a 100 bilhões de dólares. 4. FUNÇÃO CONSUMO E DEMANDA AGREGADA Como vimos anteriormente, a Contabilidade Nacional trata a quantificação da Renda e do Produto e de seus componentes (gastos do governo, tributação, consumo, investimento, poupança, importação e exportação) como variáveis independentes uma das outras. Ela inventaria esses agregados em um determinado período de tempo em moeda corrente. Podemos, depois, depurá-­‐los dos aspectos monetários expressando seus valores em moeda constante ou em moeda internacional, mas essa quantificação é feita sem relacioná-­‐los funcionalmente. A disciplina macroeconomia faz justamente esse “dever de casa” : relacionar a direção dos nexos entre os agregados. Os níveis da Renda e do Produto são determinados pelo comportamento de seus componentes. Variações nos investimentos, nas exportação, nos gastos do governo e nos demais agregados econômicos não impactam a renda e o produtos na mesma magnitude de sua variação. Pode parecer estranho mas o impacto causado pelas variações nos agregados na renda e no produto depende essencialmente do componente Consumo. Colocando um pouco de historia, uma das principais relações econômica entre os agregados econômicos conhecida cientificava que um acréscimo nos investimentos ∆I gerava um aumento proporcionalmente maior na Renda ∆Y. ∆Y = k∆I k>1 No entanto, quais os elementos que determinam o parâmetro k? Por que os investimentos em uma localidade geram aumentos na renda diferentes quando efetuados em outras localidades? Essas e outras questões só foram respondidas nos anos 20 do século XX, com a 45
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simultânea formalização das contas nacionais, por Keynes e Kalecki. ΔY = ΔI / (1-­‐ b) Como o que se produz depende da existência de uma demanda, os investimentos terão maior ou menor impacto a partir dos estímulos causados pela variação na demanda agregada. Esses estímulos estão contidos na variável consumo, pois o objetivo final do investimento é realizar lucro e este se realiza no mercado onde se vende os bens finais. Fica claro, que o campo de variação da propensão marginal a consumir corresponde a [0 < b ≤ 1]. O gasto no mercado de bens e serviços (C) é uma função do nível de renda (Y) e é razoável imaginar que variem proporcionalmente (∆C/∆Y) de maneira estável e previsível, caso não ocorra algum fenômeno extemporâneo capaz de alterar os hábitos de consumo da sociedade. Essa estabilidade constitui um poderoso preditivo ao resultado dessa relação, que denominamos de propensão marginal a consumir b= ∆C/∆Y. Na formação do consumo se inclui um consumo autônomo Ca que independe do nível de renda: consumo de subsistência, por exemplo. C= Ca + b.Y (segue a equação da reta onde: b= ∆C/∆Y ) substituindo na identidade da renda: Y = C + I Y = Ca + bY + I Então, quando ocorre uma expansão nos investimentos (Δ I) encontramos um acréscimo na renda explicado pela propensão marginal a consumir, conforme segue abaixo. Podemos relaxar, ao mesmo tempo, o consumo autônomo (coeficiente angular) sem perda de poder explicado da relação funcional entre renda e consumo. ΔY-­‐ bΔY= Δ I 4.1. MULTIPLICADOR DOS INVESTIMENTOS Chamamos 1/(1-­‐b) de Multiplicador dos Investimentos. Podemos substitui-­‐lo pelo paramento k da equação original. De qualquer modo, comprovamos que o acréscimo na renda causado pelo investimento ou pelos demais componentes da renda, como veremos a seguir, é determinado integralmente pela propensão marginal a consumir (b). Quanto mais próximo de zero, menor será o efeito do multiplicador dos investimentos e quanto mais próximo de um, maior o efeito multiplicador dos investimentos. Denominamos 1/1 -­‐ b de multiplicador dos investimentos e sendo b a propensão marginal a consumir, 1 – b, representa a propensão marginal a poupar. Vamos utilizar um argumento demonstrativo. Suponhamos que a propensão marginal a consumir (b) de uma comunidade seja 0,4 e a propensão marginal a poupar seja o complemento: 1 -­‐ b = 0,6. Para um pacote de investimentos de 100 un, inicial a repartição se dará em 40 un para acrescer o consumo e 60 un destinados a depósitos de poupança nos sistema financeiro. Como ocorreu uma expansão de demanda agregada de 40 un, os empresários ficarão estimulados a atender essa demanda adicional e contam para isso com uma poupança adicional de 60 un. Novos investimento serão executados e a renda adicional, gerada nesta segunda virada, será repartida de novo entre consumo e poupança. Esse ciclo se repete indefinidamente cada vez com menor força, pois os acréscimos no nível de renda (ΔY) serão cada vez menores. Esses ciclos caracterizam uma renda crescendo em progressão geométrica cuja soma dos acréscimos na renda corresponde a multiplicação do 46
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primeiro termo –investimento inicial-­‐ multiplicado por 1/ 1-­‐b . Observe que este multiplicador e o parâmetro K mostrado anteriormente em ∆Y = k∆I . ∆Y = (1/1—0,4) X 100 un,= 166,67 un, A decisão de investimento futuro dependem, entretanto, dos lucros esperados desse investimentos presente, mesmo no caso da renda ter aumentado. Os paramentos utilizados pelos empresários para estimar lucros futuros podem ser de toda sorte que a imaginação possa alcançar, mas é razoável espera que a variação na renda – não o nível de renda -­‐ seja determinante para a prosperidade dos ciclo dos negócios. O acelerador dos investimentos é justamente a relação entre o investimento realizado e as variações na demanda pela produção. Assim, temos que o estoque de investimento varia em função das variações na produção ocasionadas pela expansão da demanda causada pelo investimento inicial. 4.2.1. ACELERADOR DOS INVESTIMENTOS ∆ capital= (investimento/∆ demanda) X ∆ produção Acelerador de investimentos Os investimentos, assim, são auto ¬ financiáveis pois o valor inicial dos investimentos retorna em partes sucessivas ao sistema financeiro, sob a forma de poupança em montante igual ao que será acrescido ao estoque de capital na economia. Um aspecto muito importante diz respeito ao financiamento do investimento geralmente atribuído a disponibilidade de poupanças. Os investimentos, de fato, requerem uma poupança prévia, mas uma vez iniciado o ciclo de investimento, ele se financia a si mesmo ao proporcionar renda adicional que se distribui entre consumo (b) e poupança (1-­‐b). Vale dizer, o excesso de renda sobre o consumo transforma-­‐se em poupança a disposição dos investidores, intermediada pelo do sistema financeiro. 4.2. DEMAIS MULTIPLICADORES Podemos desenvolver pensamentos assemelhados ao multiplicador dos investimentos para determinar as funcionalidades existentes entre as diversas categorias macroeconômicas. A primeira delas é que parte da renda gerada é destinada aos impostos. Assim, a renda que deve ser considerada para os gastos com o consumo, poupança e investimento é a renda disponível: Yd =Y – T: Onde T representam a parcela de tributos do governo. A produtividade marginal a consumir (b) que compõe o multiplicador dos investimentos nas sociedades modernas deve ser ligeiramente modificada, pois parcela da renda é capturada pelo Fisco incidindo diretamente sobre o consumo. Assim C = b ∆Yd Visto essa restrição, vamos continuar considerando as relações existentes nas economias modernas. Em termos de impactos no nível renda é indistinto se ele é causado por um aumento na exportação, no investimento ou nos gastos do 47
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governo em obras públicas. Essas categorias quando efetivadas geram ciclos de renda -­‐ produto que vão se distribuindo no sistema econômico entre salários ¬ consumo e poupanças ¬ e investimento. Os multiplicadores da renda podem ser expressos como segue: importações são traumáticas, pois significam uma evasão de renda. Os impostos, por seu lado, reduzem o poder dos multiplicadores já que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo e investimento, mas retornam ao sistema econômico doméstico sob as várias modalidades de gastos púbicos. ∆Y = (1/1-­‐ b) ∆G; ∆Y = (1/1-­‐ b) ∆I; ∆Y = (1/1-­‐ b) ∆X Diferentemente ocorre com as transferências governamentais destinadas a obras assistenciais como bolsa família, auxílio desemprego e a natalidade, pagamento aos aposentados e muitos outras denominadas transferências governamentais. Essas transferências se destinam a um consumo imediato. Uma vez efetuada a transferência governamental (Tr), pressupõe-­‐se que ela seja imediatamente utilizada – extinta. Nestes termos seu efeito multiplicador de renda no sistema econômico é sensivelmente menor em relação aos demais. A natureza dessas transferências tem competência com o consumo familiar, nada restando, portanto, para geração dos ciclos poupanças / investimento. ∆Y= (b/1-­‐ b) ∆Tr De maneira semelhante podem ser considerados os cortes nos impostos indiretos. Eles representam uma transferência de renda ao consumidor final, ocasionada pela redução das alíquotas dos impostos indiretos. Seu multiplicador é idêntico o das transferências governamentais – incide diretamente sobre b. O efeito da tributação já foi observado anteriormente. Vejamos o efeito que as importações têm no nível de renda. Importações são destinadas ao consumo e, portanto depende do nível de renda. Em outros termos, existe uma propensão marginal a importar (∆M/∆Y) assemelhada a propensão marginal a consumir. Quanto mais se expande a atividade econômica, mas insumos e bem de consumo estarão sendo importados. Assim; m= ∆M/∆Y Então: M = m AY Observe que na identidade ampliada as importações compõem a oferta agregada, mas significam uma diminuição da demanda doméstica. Oferta agregada Demanda agregada Y + M = C + I + G + X ∆Y= (b/1-­‐ b)∆T Então: Finalmente, vale destacar as categorias econômicas que enfraquecem os multiplicadores convencionais. Eles podem ser considerados como estabilizadores dos multiplicadores, pois atenuam os choques que os gastos exercem no crescimento da renda. Eles são basicamente dois: as importações e os impostos. Em termos de acréscimo na renda, as Y = C + I + G – M + X Substituindo M: 48
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∆Y = b ∆Y + I + G – m ∆Y + X 5. MOEDA E BANCOS ∆Y – b∆ y + m ∆y = I + G + X As variações na renda nacional proporcionados pelas exportações, gastos governamentais e investimentos privados são atenuadas por pressões das importações que se relacionam positivamente com a variação na renda nacional, mas atenuam os efeitos na renda decorrentes das variações nos demais agregados macroeconômicos. Devemos portanto, incluir nos multiplicadores convencionais essa evasão de renda causada pela expansão da demanda agregada. ∆Y = [1/(1-­‐b + m)] (∆I + ∆G + ∆X) Atualmente aceitamos a moeda emitida pela Casa da Moeda e por meio de sua quantidade cotamos os preços de todas as coisas. Isso é bem prático e facilita a nossa vida. A rigor, para se medir o produto de uma economia pode-­‐se utilizar qualquer bem ou serviço. Um apartamento vale três carros, o bilhete do teatro vale quatro cervejas e por aí vai. Com o avanço das trocas, uma mercadoria vai sendo eleita como denominador de todas as outras: a ela damos o nome de moeda ou meio de troca. Os preços de todas as mercadorias são, portanto cotados em moedas e sancionados pelas trocas, ou seja; pelo mercado. A mercadoria-­‐moeda que serve para expressar com facilidade o valor das demais abriga alguns atributos: divisível e recomposta, durabilidade, não perecível, de transporte relativamente fácil, não ter utilidades relevantes intrínsecas e oferta invariável. Olhado sob esse ângulo, historicamente a moeda não foi instituída por convenção ou por imposição legal. Ela surge naturalmente intermediando as trocas entre mercadorias (escambo) nas transações de compra e venda. Ela, como em um passe de mágica, ganha novas funções, além de meio de troca e denominador comum: ela passará ser utilizada como reserva de valor: poder de compra. Assim, a moeda se transforma em dinheiro ($$): poder de compra. Nesta passagem lógica, ela representa a riqueza constituída em bens e serviços ¬ casa, automóvel, títulos financeiros, etc. O $$ é aquilo que representa um custo na produção menor que o produzido. Esse poder de compra dedicado a moeda ¬ $$ ¬ expressa o poder social que uns tem sobre os outros. Esse $$ é riqueza que para a ciência econômica somente subsiste quando alguém é dono dela. Os indivíduos podem escolher entre reservar seu poder de compra (sua riqueza) em moedas ou em outros bens. É dessa possibilidade de escolha – escolher ficar mais ou menos líquido – que resulta a dinâmica do 49
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mundo econômico, (voltaremos a esse ponto mais a frente). Os metais preciosos como o ouro e a prata nas sociedades antigas desempenharam muito bem o papel de meio de troca. Os soberanos cunhavam as moedas e lhes outorgavam garantias de aceitação. Com o avanço das civilizações, eles foram sendo separados de sua existência material enquanto moeda (útil para a troca) para se materializarem em dinheiro ¬ $$ ¬ poder de compra. Do ponto de vista lógico -­‐ histórico podemos contextualizar três tipos de sistema monetário. •
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Padrão-­‐ouro, Moeda-­‐ conversível, e; Moeda-­‐ inconversível Antigamente, o sistema monetário era totalmente assentado no padrão-­‐ouro. Sua quantidade era razoavelmente fixa ao longo do tempo. Naquela época, o dinheiro ou a riqueza estava personificado em outras coisas, como a terra, no período feudal, nos desígnios divinos, como na época dos faraós no Egito e nas características distintivas do ser humano em algumas comunidades primitivas. Moedas de ouro existiam mais como meio de troca e denominador comum e menos como reserva de valor. Mesmo assim, exercia certo fascínio entre os homens, a ponto de Judas trair Cristo por um punhado delas. Com o avanço das trocas, a moeda passou cada vez mais a ser requisitada não somente como meio de troca, mas como um objeto possuidor de poderes mágicos: como reserva de valor, poder de compra e expressão de riqueza. A moeda passou a ser um símbolo personificando poder. Ter moeda era ter $$. Era a época do capital mercantil. A moeda como reserva de valor é eminentemente criada pelo imaginário coletivo. A moeda historicamente passa a ser dinheiro ($$) quando não somente é um denominador comum das demais mercadorias e, portanto útil às trocas, mas quando possui a propriedade intrínseca de ter valor e por isso aceitação geral como medida da riqueza material que os indivíduos possuem. Com o avanço das sociedades ela vai se personificando em poder (valor) através das relações de compra e venda. Quando a moeda tem um valor intrínseco reconhecido socialmente, como os metais preciosos, há uma forte inclinação para que todos procurem representar sua riqueza ou poder de compra também pela moeda. Há relatos na história, todavia, que antigamente muitos soberanos forçavam as suas “casas das moedas” a secretamente substituir parte do ouro das moedas por metais menos nobres e, assim, ficarem mais ricos comprando outros bens durante o tempo em que os demais não reconheciam esse golpe. Esse evento foi cunhado de “degradação da moeda”, pois reduzia o seu valor intrínseco, aumentando sua quantidade e somente quando isso era percebido e que os preços aumentavam. Atualmente, a moeda não tem valor intrínseco e muito menos lastro nos metais preciosos. Ela tem seu reconhecimento social, se transmudando em riqueza, a partir dos governos que as emitem. A perda do valor intrínseco e lastro em metais preciosos da moeda foram acontecimentos lógicos -­‐ históricos. Com o avanço do capitalismo, instituiu-­‐se a moeda-­‐papel, que era um título de crédito com o indicativo da quantidade de metais preciosos que seu possuidor tinha direito por tê-­‐lo depositado em alguma instituição bancária. A qualquer momento o detentor do titulo poderia ir ao “banco privado” e resgatar seus metais preciosos. Era a época do sistema monetário conversível. Em termos históricos, esse sistema monetário não foi duradouro. 50
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Muitos bancos privados onde os indivíduos guardavam seus metais preciosos utilizavam os depósitos para efetuarem empréstimos por meio da emissão de títulos de créditos muito acima das quantidades de ouro e prata depositados em seus cofres, cobrando, obviamente, um preço (juros) por esse serviço. Eles calculavam o quanto de saques espaçados no tempo o real proprietário do dinheiro efetuaria: o restante ficava a disposição para empréstimo. A história mostra que a existência desse sistema monetário foi bastante curta. Requeria “freios” que segurassem a ganância dos banqueiros. Assim, foram criadas normas para impedir o lançamento de títulos de crédito em valores muito superiores a quantidade de moeda depositada nas instituições bancárias. Esse sistema de padrão monetário conversível foi substituído por um sistema inconversível cujo curso da moeda foi instituído por força de lei. Esse é o nosso padrão monetário atual. Neste sistema, prevalece a confiança na moeda ou em quem a emite em detrimento do valor intrínseco ou de lastro em metais preciosos que possa ter. O sistema monetário atual, com moedas inconversíveis, é garantido pelos Estados Nacionais. Cabe a eles certificarem o papel – moeda emitida pela casa da moeda. A moeda nacional personifica, portanto, o poder do Estado, pois todos os débitos e créditos processados na sociedade atual são feitos por meio de moeda. Alguns Estados evocam até o divino para garantir esse poder à moeda, expressando nela as máximas: Deus seja louvado, ou em Deus acreditamos, como ocorre no caso da moeda brasileira e norte-­‐americana (para citar as mais conhecidas entre nós). Estilizando a situação, a moeda inconversível emitida pelo Estado precisa ser controlada, pois sua quantidade mensura a riqueza material (estoque) e todos os fatores de produção e bens e serviços finais (fluxo). Variações na oferta monetária fazem variar os preços gerando efeitos na distribuição das rendas, pois alguns preços subirão mais rápidos que outros, na riqueza individual, já que a moeda é unidade de conta e, por natureza, nas decisões de consumo e investimento. Quando as variações na oferta monetária são percebidas pela sociedade, todos querem defender seu poder de compra. Por isso, os Estados Nacionais procuram manter os níveis da oferta monetária adequada à demanda social por ela. Uma oferta excessiva em relação à demanda gera efeitos deletérios. A moeda tem seu valor diminuído em relação aos demais bens e serviços que ela precifica. Ela se enfraquece e vai perdendo sua utilidade como reserva de valor: todos irão preferir ter sua riqueza em bens e serviços que se valorizem35. Uma quantidade restrita também não é desejável, pois dificulta as iniciativas voltadas para expandir a economia ¬ preços diminuem e juros se elevam, nesta situação. 35 Em algumas situações, mercadorias se transformam em moeda -­‐ meio de troca -­‐
independentemente da existência da moeda legal. Suprimimo-­‐nos da moeda legal e logo outra será posta em seu lugar como $$. Veja o exemplo nos presídios, onde alguns bens como chocolate, cigarro, celular e outros bens passam a funcionar como $$ entre os presos. Na última crise da Argentina, os produtores agrários estavam pagando com grãos a compra de fertilizantes, ferramentas e até tratores e automóveis. As moedas eram: soja, trigo, girassol e milho. Todas à prova da política governamental de corralito (bloqueio de depósitos) e desvalorização da moeda legal. Nessa época, outras moedas foram criadas como os patacones improvisados por algumas províncias argentinas. 51
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No Peru e Bolívia do século XVI e demais países da América do Sul colonizados pelos espanhóis, os metais preciosos eram utilizados como adornos e não como moeda. Os espanhóis ficaram maravilhados e os carregaram para a Europa, pois lá, ouro e prata eram $$. No Brasil, a cana de açúcar foi especiaria eleita para ser produzida e comercializada na Europa e ela era trocada por escravos pelos colonizadores em um circuito de compra e venda fechado denominado “exclusivo comercial” ou “pacto colonial”: a colônia só poderia comercializar com o país colonizador. No Brasil colonial a função da moeda como meio de troca e denominador comum era exercida pelo metal precioso, mas a função reserva de valor ($$) não: o número de escravos que o senhor de engenho era dono representava o $$. Somente no século XIII, com a intensificação contra o tráfico negreiro e o ciclo da mineração é que esta concepção dos escravos como reserva de valor foi sendo abandonada. altera o lado real da economia no longo prazo. Políticas monetárias podem até ter alguma efetividade no curto prazo, mas não no longo prazo. A escravidão foi reinventada na era mercantil, depois de ter existido na antiguidade e extinta no período feudal. O escravo era considerado riqueza somente nas colônias. Foi justamente a não adoção do sistema escravo (escravo como moeda) na metrópole que permitiu engenhosamente as metrópoles forjarem a dependência de suas colônias. A velocidade de transações (V) é a quantidade de vezes que a moeda (M) se torna receita ou gasto, ao mesmo tempo. T é maior que o Produto, pois inclui os pagamentos de insumos, mão-­‐de-­‐obra, aquisição de artigos usados, títulos financeiros, ações e etc. PT recebe a denominação pelas contas nacionais de Valor da Produção. Um valor muito superior do que foi efetivamente constituído de bens e serviços finais pelos fatores de produção, em um período. Esses bens e serviços finais formam a categoria Renda ou Produto, como vimos anteriormente. 5.1 MOEDA NA MACROECONOMIA Estabelece-­‐se, assim, nas economias atuais, uma relação íntima entre a quantidade de moeda gerenciada pelos governos, e a produção de bens e serviços: o lado real da economia. Para uma corrente de economistas, a moeda teria a propriedade de expandir o produto, ou ampliando o conceito: de forjar maior ou menor crescimento econômico. Outra corrente de economistas, os monetaristas, sugere que a moeda não tem essa propriedade. Os fatores de produção com os quais se estabelece a produção estão dados e assim o produto no longo prazo não pode ser maior ou menor. Os preços de todos os bens e serviços são flexíveis e a maior ou menor oferta monetária nãos Uma das primeiras tentativas de se estabelecer o relacionamento entre a moeda e o produto deveu-­‐se a Irving Fischer (1867-­‐1947). Ele formulou uma identidade bastante interessante entre a quantidade de moeda e o produto que ficou conhecida como a teoria quantitativa da moeda: MV=PT Onde M é a quantidade de moeda, V = velocidade de transações; P = preço médio de todos os bens transacionados, e T = todas as transações realizadas com moeda. As abordagens posteriores introduziram modificações substanciais. A primeira delas foi relacionar a quantidade de moeda existente com a geração da renda ou produto. A renda é a multiplicação de um índice de preços pelo produto (as quantidades de produtos finais). Sendo assim: M V = PY 52
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Há duas modificações essenciais em relação a identidade de Fischer. A primeira é que a quantidade de moeda relaciona-­‐se a Renda Nacional (Y) ou ao Produto (Media ponderada de preços vezes quantidade de bens finais) e não ao Valor da Produção. A segunda é que V significa velocidade da renda e não velocidade das transações. Exprime, portanto, o número de vezes que a moeda se torna renda para alguém, durante o período de tempo considerado. Na versão de Fischer o V corresponde ao número de vezes que o dinheiro é gasto. Nessa nova abordagem o parâmetro V se refere ao número de vezes que a moeda se torna dinheiro ($$) para alguém. Exemplo: Maria tem uma confecção e vende uma camisa para o João. Maria deduz do faturamento os custos e embolsa uma parcela do ganho com a venda da camisa, denominada lucro. Com o lucro ela pode ampliar ou dar continuidade a seu negócio de fazer e vender camisas ou adquirir outros bens em outras lojas cujos proprietários têm o mesmo comportamento. Assim a quantidade de moeda multiplicada pela velocidade renda mensura o poder de compra em detrimento de sua função de meio de troca, como observado na identidade formulada por Fischer. Nestas versões, a variação na quantidade de moeda é plenamente capturada pela formação dos preços. MV/P=Y Supõe-­‐se que a velocidade da renda ou das transações, como na versão de Fischer, depende institucionalmente dos hábitos da sociedade e estes não mudam constantemente. Assim variações na oferta monetária se transmitem diretamente aos preços dos bens e serviços, não modificando o produto. A ideia de variações nos preços causadas por variações na oferta monetária introduziu novas ideias com respeito à moeda. Basicamente, os indivíduos podem escolher guardar sua riqueza em bens e serviços e não sob a forma líquida da moeda corrente. Essa concepção serviu para incluir a ideia de guardar $$ sob a forma de moeda. Em outras palavras, a oferta de moeda ganhou sua contraparte: a demanda por ela. Essa nova concepção foi formulada por A. Marshall & A. C. Pigou e ficou conhecido como equação de Cambridge, já que seus autores eram professores da universidade de Cambridge, na Inglaterra: M = K(renda X preços) ou M/Preços= K Renda Ela é basicamente idêntica a anterior ¬ pois K seria 1/V: o inverso de V ¬, com a distinção de que o parâmetro K corresponde à proporção da renda nominal que é mantida como moeda pela sociedade em um período de tempo determinado. Colocada nestes termos, K indica quanto em média às pessoas desejam manter moeda para exprimir poder de compra: envolve um processo de escolha entre reter saldos em ativos financeiros ou em estoques de bens e serviços. O parâmetro K sendo governado por processos de escolhas individuais significa que a moeda segue os mesmos princípios que utilizamos para escolher outros bens e serviços para assegurar poder de compra ($$). Na versão anterior a velocidade renda (V) era um parâmetro mecânico. Tanto em um caso como no outro, V e K não mudariam debaixo condições econômicas estáveis, mas suas interpretações são bem distintivas. Nos anos de 1950, Milton Friedman, professor da Universidade de Chicago, ampliou a equação acima para incluir a ideia de que os processos de escolha entre guardar moeda e outros bens dependem das diferenças dos rendimentos que se deixa de receber por preferir um ativo em relação a outro. Ele introduziu o futuro nos processos de escolha entre bens e serviços e o bem mais líquido que é a moeda. Nesta abordagem monetarista, o parâmetro K da equação anterior não 53
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é constante: não supomos que a demanda por automóvel seja fixa, mas sim que ela depende do preço do automóvel e de sua valorização no mercado. Em verdade, ele ampliou um conceito que já estava estabelecido desde o final dos anos de 1920, por outro autor, muito famoso, que já falamos sobre ele: John Maynard Keynes. Para Keynes a procura por moeda, ou preferência pela liquidez, está basicamente determinada pelo preço da moeda que será igual aos rendimentos financeiros que se obtêm quando a emprestamos para alguém. Por isso, a variação de K depende da oferta e demanda monetária, ou em outras palavras: do preço da moeda sancionado pelo mercado. Esse preço é a taxa de juros. Desse modo a moeda é demandada por variações de preços (P), da renda (Y) e da liquidez do sistema econômico (r). sobre a produção no futuro. O enfoque central dessa escola é que variações na oferta monetária não possuem a propriedade de modificar a riqueza da sociedade em longo prazo, pois os preços dos ativos modificados decorrentes da variação da oferta monetária voltariam a manter as mesmas relações de preço entre eles em futuro não muito distante36. Por isso os monetaristas da escola de Chicago advogam que a política monetária é inócua favorecendo a ideia de que o controle monetário deva ser restrito, uma vez que a expansão da oferta monetária não tem a propriedade de elevar o produto no longo prazo. Resumindo, na versão moderna a demanda por moeda Md é uma função direta do produto (Y) do nível de preço (P) e uma função inversa da taxa de juros (R). Md= P.Y + r Os indivíduos procuram moeda para fazerem despesas cotidianas que somente com elas são efetivadas. Eles também precisam de moeda para se precaver dos infortúnios que possam ocorrer no futuro e que em alguns casos exigem para solução dinheiro vivo. Eles optam também por terem dinheiro em mãos da forma mais líquida – moeda – para especular. Oportunidades de negócios requerem em muitos casos $$ vivo para serem concretizadas. De fato, a maior quantidade monetária reduz a taxa de juros, pois a sociedade tem mais moeda para especular (comprar mais ativos financeiros). A renda (Y) ou o coeficiente (K) aumentam desde que a quantidade da moeda não se transmita imediatamente para os preços dos bens e serviços. Para a escola monetarista de Chicago, capitaneada por Friedman, o parâmetro K não se altera, pois as variações nas ofertas monetárias se transmitem aos preços no curto prazo, mas não exercem efeitos reais As variações na oferta monetária Ms enquanto não se transmitem aos preços podem influenciar o nível do produto bem como a taxa de juros. Para os monetaristas as variações na oferta monetárias não exercem papel preponderante na riqueza e no emprego dos fatores de produção no longo prazo: a moeda não tem a propriedade de alterar a 36 O desejo pela posse das coisas é formado pela observação das condições reais da economia. Podemos desejar tudo o tempo todo, mas razoavelmente sabemos o que poderemos conseguir no futuro. Os desejos são, assim, formados com base no que já possuímos inteirados com as reais condições econômicas observadas. Os desejos são ilimitados, mas eles são satisfeitos de maneira incremental: uma vez satisfeito um desejo criamos outros. Assim, os desejos governam o longo prazo em um processo de negociação com o consumo presente. As variações nos preços “hoje” não têm o poder de alterar as posições desejadas pelos indivíduos com respeito ao seu nível de consumo e bem-­‐estar futuro. A escola monetarista parece se apoiar nesta argumentação: valores são governados pelo imaginário das pessoas em termos de consumo futuro versus consumo presente e no longo prazo ajustamentos nos preços hoje podem ter influências em curto prazo, mas não alteram a riqueza imaginada em longo prazo, uma vez que os desejos são mais poderosos do que o imediatismo: o curto prazo. 54
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quantidade existente de riqueza e dos fatores de produção disponíveis a sociedade. 5.2. BANCOS A terceira função da moeda do ponto de vista lógico histórico como vimos é desempenhar o papel de reserva de valor: poder de compra acumulado. Os limites da atuação dos bancos são determinados justamente em função da moeda poder representa a riqueza material acumulada de uma sociedade em valor superior a sua existência material. Do ponto de vista lógico, o banco somente exerce suas funções quando existe um excedente econômico monetário. A tendência secular do progresso técnico de aumentar cada vez mais o produto, por meio dos ganhos de produtividade, propicia maiores excedentes econômicos cujo ambiente de acumulação e guarda são as instituições do sistema financeiro. O limite de alcance do sistema financeiro está estabelecido justamente, portanto, pela grandeza do excedente econômico depositado em suas instituições37. As famílias e as empresas depositam ou aplicam seus excedentes/ poupanças no sistema financeiro que ganha escala aglutinando as poupanças individuais e por meio de débitos e créditos financiam o investimento das empresas, as compras das famílias e proveem fundos para o governo tocar suas funções básicas. Assim, os bancos cumprem a função de estimular a demanda agregada: aumentando o consumo, o investimento e os gastos do governo. Engenhosamente os bancos passam a emprestar parcela dos depósitos que ficam sob sua guarda: essa parcela é a totalidade dos depósitos menos os encaixes bancários38 ¬ parcelas que os bancos estimam guardar em seus cofres para fazer frente aos saques dos depositantes. O resultado da diferença entre o total depositado pelos correntistas menos os encaixes bancários é o quanto os bancos tem disponível para emprestar. Quanto alguém tem um título de crédito ao portador, emitido pelo banco, pode trocá-­‐lo por mercadorias e o vendedor ao receber esse titulo – um cheque, por exemplo -­‐ pode descontá-­‐lo no banco, ou utilizá-­‐lo para adquirir outros bens e serviços. Assim, adicionavam-­‐se ao estoque dos depósitos bancários originais, mais poder de compra representada agora pelos títulos de crédito dos bancos. Criou-­‐se dinheiro –poder de compra -­‐ em um valor superior àquele representado pela quantidade de moeda existente. O poder de compra da sociedade aumenta, assim, por meio das intermediações de crédito e débito do sistema bancário. A totalidade dessas intermediações condicionada a taxas de encaixes bancários mais o dinheiro em poder do publico corresponde aos Meios de Pagamento (M1): M1=PMPP + DVbc Papel moeda em poder do público Depósitos a vista nos bancos comerciais Um exemplo ilustrativo da expansão dos meios de pagamentos é feito 37 Os bancos perseguem, vão atrás, do excedente econômico, tal qual, por analogia, as farmácias se instalam onde existem pessoas doenças...com $$ para venderem a cura ou o controle delas. Se desejarmos saber se uma região ou localidade é rica, ou seja, se as possibilidades de geração de excedente econômico se verificam de modo eficiente, bastar olhar a quantidade de agências bancarias ali instalada. A correlação será positiva e significativa, com certeza. 38 Encaixe voluntário é a parcela que os bancos estimam dos depósitos efetuados que estarão a disposição dos correntistas e o encaixe compulsório é a parcela dos depósitos totais nos bancos privados depositados “compulsoriamente” no banco central. 55
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a seguir: Sendo o depósito a vista inicial = H e os encaixes bancários igual a r (parcela do depósito que os bancos estimam que não seja retirada imediatamente) sucede que: ΔM1 = H ΔM2 = H (1-­‐r) parcela que o banco emprestará e que se converterá em novo depósito a vista ΔM3 = H (1-­‐ r) (1-­‐ r) = H (1-­‐ r)2 idem . . . . . . . . . ΔMn = H (1-­‐ r)n-­‐1 idem, corresponde a n-­‐1 conversões de depósitos a vista. Σ ΔM = H/r Soma dos depósitos bancários ocasionados pelo depósito original H. Σ ΔM corresponde ao acréscimo total em M1. Os bancos centrais procuram controlar os meios de pagamento estabelecendo regras constitutivas de um fundo de reserva formado por uma parcela dos depósitos a vista nos bancos comerciais denominado de “encaixe compulsório”. O fundo de reserva também pode ser utilizado para auxiliar as instituições integrantes do sistema financeiro no caso de alguma(s) delas ter problemas em financiar suas posições de caixa39. Também procuram controlar a liquidez da economia por meio da compra e venda de títulos públicos. Outra modalidade de controle convencional é o redesconto bancário exercido pelo banco central. O banco central estabelece uma Taxa de 39
No caso brasileiro no final do século passado foi criado o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) justamente com essa finalidade. Os seus recursos eram totalmente oriundos dos encaixes compulsórios.
Redesconto Bancário (TRB) que é aplicada quando os bancos privados solicitam reforço de caixa para continuar tocando suas operações de crédito e débito. É claro que o banco desprovido de reserva pode solicitar empréstimos a outros bancos privados (juros interbancários) que tenham excessos de reservas, mas as taxas de juros oferecidas para essa modalidade girarão ao redor da TRB. As operações efetuadas pelo sistema financeiro criam ou destroem meios de pagamento. Há uma criação de meios de pagamento quando o público recebe haveres monetários ¬ papel moeda e, ou, depósitos à vista ¬ do setor bancário dando em contrapartida haveres não monetários, o que aumenta, por conseguinte, o saldo dos meios de pagamento disponível a população. Há uma destruição dos meios de pagamento, quando o processo se dá no sentido inverso: a população entrega haveres monetários aos bancos recebendo em troca haveres não monetários. A simples abertura de uma conta corrente não cria ou destrói meios de pagamento, mas os empréstimos propiciados por essa abertura de conta representam criação de M1. Os governos estimam a totalidade dos meios de pagamentos (M1) disponível para conservá-­‐lo em linha com o lado real da economia. O conceito de M1 corresponde a quantidade em valor monetário dos ativos ($$) mais líquidos disponíveis na economia. Grande parte da destruição e da criação dos meios de pagamento origina-­‐se nos bancos centrais por meio de suas operações ativas: os débitos e créditos a governos e autarquias. A taxa de redesconto concedido a bancos comerciais, as reservas cambiais e a compra e venda de títulos da Dívida Pública são operações que criam ou destroem meios de pagamento. A elevação nos saldos das operações ativas dos bancos centrais inicia o processo de criação dos meios de pagamento. Em seguida o sistema financeiro responde pela multiplicação no sistema econômico daqueles haveres monetários iniciais. 56
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Existem conceitos de meios de pagamentos que envolvem ativos menos líquidos. No caso brasileiro, o conceito de meios de pagamento (M2), por exemplo, corresponde à adição ao M1 do estoque de depósitos de poupança e títulos privados. O conceito de meios de pagamento M3 equivale ao M2 mais as quotas de fundos de renda fixa e os títulos públicos federais, que dão lastro à posição líquida de financiamentos em operações compromissadas entre o público e o setor financeiro. Já o conceito de M4 compreende o M3 mais os títulos públicos de detentores não financeiros. Esses conceitos são estipulados pelas Autoridades Monetários e podem variar no tempo e regionalmente. 5.2.1 POLITICA MONETÁRIA BRASILEIRA pagamento. No Brasil, a calibragem dos meios de pagamentos pelos instrumentos tradicionais para precificar o dinheiro, ou dito de outra forma: fixar a taxa de juros da economia tem alcance menor por conta da SELIC que não é uma taxa de juros (como muitos pensam), mas uma sigla que significa Sistema Especial de Liquidação e Custódia. Os títulos de dívida pública em mão das instituições financeiras ficam depositados virtualmente no ambiente desse sistema e são negociados entre elas gerando fluxos de transferências no montante determinado pelas necessidades de dinheiro das instituições. É uma troca de títulos por dinheiro e vice versa. De modo geral, admite-­‐se que o principal papel a ser desempenhado pelos bancos centrais é o de controlar a liquidez na economia. O objetivo é evitar que excesso de recursos financeiros ¬ crédito e moeda ¬ acessíveis a todos possa propiciar uma demanda por bens e serviços superior a capacidade de oferta produtiva das empresas. Esse desequilíbrio poderia por em vigor pressões inflacionárias. Alternativamente os bancos centrais podem no caso de certa escassez de moeda e crédito agir no sentido de ampliar os meios de pagamento disponível a sociedade como forma de estimular a oferta produtiva. “Tratando-­‐se de um sistema de liquidação em tempo real, a liquidação de operações é sempre condicionada à disponibilidade do título negociado na conta de custódia do vendedor e à disponibilidade de recursos por parte do comprador. Se a conta de custódia do vendedor não apresentar saldo suficiente de títulos, a operação é mantida em pendência pelo prazo máximo de 60 minutos ou até 18h30min, o que ocorrer primeiro ¬ não se enquadram nessa restrição as operações de venda de títulos adquiridos em leilão primário realizado no dia.” (extraído de http://www.bcb.gov.br) Os instrumentos clássicos para os bancos centrais orquestrarem a liquidez da economia, vale lembrar, são três: a) os depósitos compulsórios dos bancos privados no banco central b) taxas de redesconto que são os juros cobrados pelo banco central aos demais bancos e c) operações de open market que consiste na compra e venda de títulos públicos empreendida pelo banco central. As instituições com excesso de caixa no banco central o transferem para os bancos tomadores de empréstimos e estes transferem títulos públicos que possuem, em valor equivalente e que estão depositados no sistema SELIC, para os emprestadores. Eles pagam uma taxa de juros aos financiadores tomando por base a taxa SELIC ¬ geralmente um valor um pouco abaixo desta. Qualquer variação desses instrumentos implica em alterações no volume de crédito modificando, portanto o volume dos meios de pagamentos e da taxa de juros. Assim, criam ou destroem meios de A figura da pagina seguinte extraída do site do Banco Central mencionado ilustra uma operação entre instituições que procuram zerar ao final do dia suas posições. O Banco Central fixa, ao final do 57
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dia, a remuneração dos títulos públicos com base nos juros praticados no financiamento interbancário naquele dia. O Comitê de Política Monetária (COPOM) fixa a taxa juros para o período entre suas reuniões ¬ geralmente superior a um mês ¬ com base na taxa média dos financiamentos diários, com lastro em títulos federais, apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia. É muito importante observar que essa taxa de juros vai, portanto, a reboque da taxa definida pelo mercado interbancário. A figura 2. abaixo caracteriza essa orientação. Figura 2. aumento de ½ % na taxa SELIC implica em despesas superiores a 15 bilhões de reais no ano, maior, portanto que o valor dedicado ao programa bolsa família em 2009 (próximo a 11 bilhões de reais, pelos dados do Ministério do Desenvolvimento Social). Quando o banco central utiliza as operações de open market, colocando títulos federais com compromisso de recompra pagando taxas SELIC atraentes para enxugar a liquidez, os depósitos nos mercados financeiros de outros países com taxas de rendimentos inferiores orientam-­‐se para cá em busca de ganhos especulativos. O efeito do enxugamento da liquidez da economia é assim atenuado em favor dos rentistas ¬ nacional e estrangeiro ¬ e do fortalecimento momentâneo das reservas internacionais (efeito blindagem da economia contra o contágio das crises em outros países). Em meados do ano de 2010, a dívida líquida do setor público representou cerca de 40% do PIB (valor próximo a R$1, 3 trilhão). 5.3 TAXA DE CÂMBIO De modo geral, os preços dos bens e serviços são cotados em moedas nacionais e se equivalem na moeda eleita como internacional por meio de taxas de câmbio: razão – ou relação – entre duas moedas de países diferentes. Assim, a taxa de câmbio é o preço em moeda nacional de uma unidade de moeda estrangeira40. A taxa de juros fixada pelo COPOM não reina no controle do volume dos meios de pagamentos. Esse controle é exercido pelos mecanismos tradicionais ¬ depósito compulsório, taxa de redesconto e operações de open market.. A taxa de juros fixada pelo COPOM reina no mundo dos rentistas, pois a taxa SELIC estabelece a remuneração direta de parte da dívida pública com a qual se manifesta indiretamente no valor da remuneração global da dívida, impactando as despesas do Tesouro Nacional. Só para se ter ideia da ordem de grandeza, um O preço da moeda estrangeira é governado pela oferta e demanda como os demais preços da economia. No caso das moedas, as taxas de troca originaram o que denominamos de mercado cambial. ¬ onde se 40 Esse é o método denominado direto. O método indireto consiste em encontrar a taxa de câmbio medindo o preço da moeda nacional em ternos da moeda estrangeira. Por simplificação didática estaremos neste capitulo utilizando o método de apuração direta. 58
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compra e vende moedas. Esse mercado existe simplesmente pelo fato de os países imporem um curso forçado à suas moedas nacionais. Essa premissa é tão forte que virou uma máxima do comércio internacional: Lei do Preço Único41. Assim, quando alguém compra moeda estrangeira está trocando o poder de compra de sua moeda no mercado nacional por poder de compra no mercado do pais estrangeiro, para comprar um ativo naquele pais. Quando medimos o poder de compra de uma moeda em relação a outra chamamos de taxa de cambio real. O preço da moeda estrangeira em termos da moeda nacional é denominado de taxa de cambio nominal que é a mais amplamente noticiada nos jornais. Sem restrições ao comércio, os preços domésticos se igualam aos preços internacionais respectivos. Os preços dos ativos em cada país isolado do comércio internacional não batem entre si por várias razões. A produtividade e o salário entre os países são diferentes correspondendo às diferentes especializações do trabalho contidas em cada um deles. Se elas fossem iguais, bem como as condições pelas quais se distribuem os seus ganhos entre trabalho e capital, a taxa de câmbio seria igual à unidade. Segundo, existem riscos associados à aquisição do ativo estrangeiro em relação ao ativo nacional: a informação tende a ser imperfeita, ou seja, nem todos têm acesso a ela igualmente. Por fim, uma série de outros efeitos que vão desde o custo de transporte até diferenças entre as legislações que regem as sociedades contribui para que a formação dos preços domésticos seja diferente entre países influenciando o preço da moeda estrangeira cotado em moeda nacional. Contudo, não havendo restrição ao comércio, esses preços alcançados pelas forças do mercado se igualam. Por esses motivos as taxas de cambio são objetos de observância por todos os governos. As pessoas quando adquirem moeda estrangeira para exercerem o poder de compra no outro pais, em vez de o exercerem no seu, o fazem porque o ativo estrangeiro tem preço menor, qualidade melhor ou simplesmente inexiste no pais de origem do comprador. A identidade abaixo representa a mensuração da taxa de cambio nominal. PIa R$ = e PIbU$ P= preço do produto (i) cotado no país A e no país B, em suas respectivas moedas nacionais R$ (Brasil); U$ (Estados Unidos da América), e: e = taxa de câmbio. Essa taxa de cambio iguala os preços entre os países através do comércio internacional. Enquanto ela for diferente, ou seja, o ativo em um pais for mais barato que no outro, ela se modificará até anular essa vantagem. A taxa de cambio real difere da nominal por incluir a variação de preços que acompanha os produtos. Em outras palavras, a taxa de cambio real observa os preços relativos dos bens entre países. Comparamos o valor de uma cesta de bens com o valor de cesta semelhante em outro pais. Como essas cesta são cotadas em suas respectivas moedas nacionais, temos que harmoniza-­‐las em uma única moeda para serem comparáveis e encontramos a taxa de cambio real (er). er = e Pt*-­‐ P*t-­‐1/Pt – Pt-­‐1 41
Essa máxima foi criada por David Ricardo (1858) 59
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Edson Peterli Guimarães
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onde e é a taxa de cambio nominal e P e P* são índices de preços das cestas de bens nacional e estrangeira respectivamente no tempo t e t-­‐1. Podemos usar qualquer índice de preços como os observados na seção 2.2 anteriormente, mas geralmente o índice escolhido compõe preços por atacado, uma vez que as operações de comércio exterior são feitas no atacado. Como são índices de preços, o nível original da taxa de cambio é referenciado no tempo. Assim, a taxa real de cambio indica se os preços dos bens estrangeiros estão se tomando mais ou menos caros em relação aos bens domésticos. Com ela observamos a variações nos preços relativos dos bens e não os preços relativo das moedas. Em termos práticos, os fluxos de transferência de ativos monetários entre países atualmente estão centrados nas diferenças existentes entre as taxas de juros (rendimentos dos títulos financeiros) abalizadas pelas condições de risco cambial e estabilidade econômica dos parceiros internacionais. Ate os anos de 1970 as trocas internacionais de moedas tinham como contrapartida as trocas de mercadorias e serviços associados aos investimentos diretos. Com o avanço das tecnologias principalmente na área de informática e comunicação, os serviços financeiros passaram a ter uma participação nos fluxos internacionais bem superior as trocas de mercadorias. Atualmente as trocas internacionais de papeis financeiros são muito superiores as trocas internacionais de bens e demais serviços. O giro diário de papeis financeiros no mercado internacional chega aproximadamente a 30 trilhões de dólares atualmente representando quase o dobro das trocas de mercadorias e demais serviços entre os países no ano. {[HU$ (1 + jD)] – [HU$. ee (1+jW)1/es ]} onde ee e es indicam as taxa de cambio de entrada e saída respectivamente do capital. Caso o resultado seja maior que zero, retornos no mercado domestico serão superiores aos retornos que seriam obtidos no estrangeiro e portanto observaremos um fluxo de transferência de recurso do resto do mundo (W) para o mercado do pais de origem (D). O inverso ocorre se o resultado for menor que zero (negativo). Desse modo, a taxa de retorno dos papeis passa a ser determinante para orientar os aplicações internacionais. Um especulador/investidor internacional decide entre deixar seu saldo HU$ no mercado doméstico (D) ou aplica-­‐lo no mercado estrangeiro (W) comparando os retornos: 60
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