variação no uso do modo imperativo: o princípio da

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VARIAÇÃO NO USO DO MODO IMPERATIVO: O
PRINCÍPIO DA MARCAÇÃO EM DADOS DE JOSÉ J. VEIGA
Daisy Bárbara Borges Cardoso*
Introdução
A gramática normativa considera que o modo imperativo na Língua Portuguesa é
formado por meio de um processo de derivação. Isso fica claro quando se afirma que as
segundas pessoas desse modo verbal são derivadas das segundas pessoas do modo indicativo,
sem o –s; e que as demais pessoas são derivadas do modo subjuntivo (cf.
BECHARA,1999:237; CEGALLA, 1990:166). Cintra e Cunha (1985:465) não fazem
referência a esse processo de derivação e afirmam que o imperativo afirmativo possui formas
próprias para as segundas pessoas, sendo que as demais pessoas e o imperativo negativo são
formados pelo presente do subjuntivo. Sendo assim, construções imperativas do tipo “Faz o
dever” e “Vem cá” são consideradas, pela tradição gramatical, como formas verbais de
segunda pessoa, enquanto construções como “Faça o dever” e “Venha cá” são vistas como
formas verbais da terceira pessoa.
Contudo, estudos na área da Sociolingüística Variacionista (cf. FARACO, 1982;
SAMPAIO, 2001; SCHERRE, 2000) têm revelado que, no português do Brasil, essas
construções imperativas não têm sido vinculadas à pessoa do discurso. Além disso, constatase que há um processo de variação em curso na construção desse modo verbal, cujo uso se dá
na escolha entre duas formas: uma associada ao modo indicativo e outra associada ao modo
subjuntivo. A opção do falante por uma ou outra variante decorre da influência de fatores
sociolingüísticos, que variam de acordo com a região do país, apresentando resultados
diferentes também em função dos dados serem da fala ou da escrita.
Pesquisas feitas com amostras de língua falada na região sudeste e centro-oeste (Scherre
et alii, 1998) evidenciam que mais de 90% das formas imperativas gramaticais são associadas
à forma indicativa, como ocorre em construções do tipo Fala comigo; Levanta a mão. Para
textos escritos, representativos da região sudeste, Scherre (2002), em sua pesquisa com dados
de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, encontrou uma variação no uso do
imperativo gramatical da ordem de 57% de formas associadas ao indicativo, em contexto de
pronome você.
Por outro lado, em Salvador, de acordo com Sampaio (2001), a porcentagem de uso do
imperativo associado à forma indicativa é de 24%, na língua falada; há, portanto,
favorecimento de formas associadas ao modo subjuntivo como ocorre em Fale comigo;
Levante a mão. Essa também é a tendência apresentada na pesquisa de Abreu (2003), que
encontrou 23% de uso do imperativo associado ao indicativo na obra do escritor Jorge
Amado.
Em termos de tendência, os resultados acima apresentam a mesma direção. Em outros
contextos, porém, o uso do imperativo gramatical revela um comportamento diferente na
língua falada e na escrita de uma mesma região. A análise dos dados coletados em textos do
escritor goiano José J. Veiga mostra resultados bem distintos em relação ao uso do imperativo
na língua falada da região centro-oeste. Enquanto falantes dessa região apresentam 92% de
uso do imperativo associado à forma indicativa (SILVA, 2003), os resultados com dados de
textos de Veiga revelam uma associação ao indicativo da ordem de 24%. Esse percentual
*
PG - UnB
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difere bastante dos percentuais encontrados para a fala do Rio de Janeiro, região onde o
escritor viveu a partir de seus dezoito anos. No Rio de Janeiro, os resultados de Sampaio
(2001:109) mostram uma freqüência de 96% de uso do imperativo associado ao indicativo
para a língua falada.
Ainda que os percentuais obtidos para língua escrita tenham-se mostrado bastante
diferentes daqueles evidenciados na língua falada, eles comprovam que a variação do modo
imperativo encontrada no vernáculo também está inserida em textos escritos. Os fenômenos
lingüísticos variáveis que ocorrem na língua oral podem-se refletir na língua escrita em maior
ou menor grau: quanto menos estigmatizado o fenômeno variável, maior será a probabilidade
de sua inserção na escrita (cf. SCHERRE, 2002). O fenômeno da variação na concordância
verbal, por exemplo, que é um fenômeno estigmatizado, não é encontrado com freqüência em
textos literários, a menos que esteja representando alguma variedade lingüística; já o
fenômeno da variação no modo imperativo, que não está sujeito a estigma, pode ser
evidenciado em textos literários os mais diversos, conforme nos mostram os dados coletados
para esta pesquisa.
Sendo assim, a freqüência de 24% de uso do imperativo associado ao indicativo
encontrada na obra de Veiga é muito expressiva e significativa, pois comprova que a língua
escrita, geralmente a mais exposta ao monitoramento da norma gramatical, também reflete,
em diferentes graus, as variações encontradas na língua falada. Com base na análise de nossos
dados, por exemplo, podemos afirmar que essa variação encontrada nos textos de Veiga é
determinada por fatores lingüísticos e extralingüísticos semelhantes àqueles que vêm sendo
investigados na língua falada. Dessa forma, consideramos que existe um processo de
heterogeneidade ordenada na construção dessas orações, revelando um indício de mudança no
português do Brasil em relação ao uso do modo imperativo gramatical.
Considerando a existência de fatores internos e externos que interferem na
configuração dos dados, tanto da escrita quanto da fala, apresentaremos aqui uma análise da
variável independente paradigma verbal de acordo com o princípio da marcação, nos termos
de Givón (1995). Em seguida, faremos uma análise comparativa entre os nossos resultados e
aqueles apresentados por Abreu (2003), com dados da obra do escritor baiano Jorge Amado, e
por Sampaio (2001), com dados da fala de Salvador. Essa comparação pretende mostrar que
“a noção de marcação é por excelência um fenômeno dependente do contexto” (Givón,
1995:27).
1. PRINCÍPIO DA MARCAÇÃO SEGUNDO GIVÓN
Segundo Givón (1995:63), o princípio da marcação lingüística é uma estratégia de
economia do processamento lingüístico, que deve ser avaliado não só como um fenômeno
psicológico, mas também numa perspectiva cognitiva e cultural. A noção de marcação, que
está sendo considerada aqui para a análise do paradigma verbal, pressupõe complexidade
formal: a forma marcada de um verbo é mais complexa e a não marcada é menos complexa.
Considerando a tendência da distribuição da freqüência, a categoria marcada é a menos
freqüente, enquanto a não-marcada é mais freqüente. Givón (1995:27) diz ainda que a noção
de marcação é dependente do contexto. Estruturas iguais podem ser marcadas em um contexto
e não-marcadas em outro. Ele cita o caso de sentenças ativas e passivas. Em termos de
freqüência, sentenças ativas predominam na língua oral; são, portanto, menos marcadas nesse
contexto. A passiva predomina no discurso acadêmico, sendo, portanto, forma menos marcada
neste tipo de discurso. Inversamente, num contexto de comunicação oral, sentenças passivas
são mais marcadas e no discurso acadêmico as ativas são mais marcadas. Isso ocorre não só
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com estruturas sintáticas, mas com o contexto em si. O discurso acadêmico é mais marcado,
enquanto a comunicação do dia-a-dia é menos marcada.
Em resumo, Givón (1995:28) define três critérios usados para distinguir estruturas mais
marcadas das menos marcadas:
a. Complexidade estrutural – Categorias marcadas tendem a ter uma
estrutura mais complexa ou maior.
b. Distribuição da freqüência - Categorias mais marcadas são as menos
freqüentes e cognitivamente mais salientes.
c. Complexidade cognitiva - Categorias marcadas tendem a ter estruturas
cognitivas mais complexas. Considera-se para a análise o esforço
mental, a atenção despendida e o tempo de processamento.2
Esses critérios são relativos, visto que sua aplicabilidade para definir a marcação em
fenômenos lingüísticos deve considerar a dependência do contexto. Enquanto o critério da
distribuição da freqüência considera a freqüência de uso, os critérios de complexidade
estrutural e cognitiva são mais subjetivos, pois dependem da noção que se tem sobre o que é
realmente complexo em uma estrutura lingüística.
Nesses termos, é importante destacar aqui alguns aspectos relacionados à categoria do
modo verbal, mais especificamente o subjuntivo e o imperativo, a fim de compreender um
pouco mais a noção de complexidade estrutural e cognitiva que envolve os princípios da
marcação.
Segundo Câmara Jr. (1970:99), a oposição entre os modos verbais em português se dá em
função de um processo de “assinalização” de alguns elementos. O subjuntivo e o imperativo
assinalam uma “tomada de posição subjetiva do falante” em relação ao processo de
comunicação; o indicativo, embora não apresente essa “assinalização”, também não a nega; o
subjuntivo pode apresentar uma dependência verbal de uma palavra a qual é subordinado –
geralmente um verbo de oração principal ou o advérbio talvez; o imperativo não tem essa
dependência. A categoria verbal do modo, portanto, assinala a nossa atitude psíquica em
relação ao fato que exprimimos. O indicativo é analisado como o modo verbal ligado à
certeza e ao verossímil; o subjuntivo mostra a ação como um fato incerto, e o imperativo é
ligado a um ato que se exige do interlocutor a ação verbal.
Segundo Câmara Jr., o indicativo também pode apresentar subordinação sintática, assim
como apresenta o subjuntivo, conforme o exemplo que o autor apresenta – “Suponho que é
verdade” – e “Suponho que seja verdade”. No caso específico do modo imperativo, é
importante ressaltar que sua função não é apenas a da ordem ou a do comando. Segundo
Cintra e Cunha (1985:465), esse modo verbal pode exprimir também conselho, convite,
súplica e sugestão.
O modo subjuntivo, por si só, não assinala dependência do contexto ou dúvida; segundo
Câmara Jr. (1979:133), o advérbio modal é que expressa a “significação dubitativa da
comunicação” como se observa em:
2
(a) Structural complexity: The marked structure tends to be more complex (or larger) than the corresponding
unmarked one. (b) Frequency distribution: The marked category (figure) tends to be less frequent, thus
cognitively more salient, than the corresponding unmarked category (ground). (c) Cognitive complexity: The
marked category tends to be cognitively more complex – in terms of mental effort, attention demands or
processing time – than the unmarked one. (GIVÓN, 1995:28)
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i.
ii.
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Talvez seja verdade.
É talvez verdade.
A dúvida, em (i), não está marcada pelo modo subjuntivo, e sim pelo advérbio “talvez”.
Essa marca também se evidencia em (ii), embora o verbo esteja no modo indicativo.
Vê-se, assim, que a subordinação, por si só, não deve ser considerada como único critério
para marcar mais complexidade estrutural e cognitiva, visto que pode haver estruturas
dependentes do contexto formadas tanto pelo modo indicativo como pelo subjuntivo.
Contudo, na análise do modo imperativo, em termos de complexidade estrutural e cognitiva, a
forma associada ao indicativo está sendo considerada a menos marcada. Isso porque o
indicativo é o modo que apresenta menos dependência do contexto e é o modo ligado à
certeza, portanto pode apresentar processamento mais rápido e uma estrutura mais simples.
Pode-se dizer que, tomando por base a noção de Givón sobre marcação em termos de
distribuição da freqüência, o uso do imperativo associado à forma indicativa é menos marcado
nos dados de língua oral da região centro-oeste (92%); por outro lado, considerando a
literatura de Veiga, o uso do imperativo associado ao indicativo é mais marcado (24%).
A modalidade verbal ligada ao realis é não marcada, enquanto que a estrutura ligada ao
irrealis é mais marcada. Nesses termos, temos a seguinte associação em relação ao uso do
imperativo no português brasileiro, nos seus extremos:
i.
ii.
1.
realis, forma associada ao indicativo, orações imperativas afirmativas =
forma não-marcada
irrealis, forma associada ao subjuntivo, orações imperativas negativas =
forma marcada
PARADIGMA VERBAL: ANÁLISE DA MARCAÇÃO EM DADOS DE JOSÉ J.
VEIGA
Em nossa análise, os verbos foram codificados e classificados em subgrupos,
considerando seu paradigma, e depois foram reagrupados de acordo com critérios lingüísticos
que consideram a oposição entre elementos morfofonológicos (cf. SCHERRE, 2003). A
terminologia usada para definir os grupos verbais está considerando a marcação do paradigma
verbal (+) ou (-) marcado em termos de distribuição da freqüência e a oposição fônica interna
que será tratada como forma (+) ou (-) saliente, nos termos de Naro (1981)3.
Após a codificação, os dados foram submetidos ao programa de análise de fenômenos
variáveis – Varbrul –, para análise estatística de acordo com o modelo teórico da variação
lingüística. Os resultados estatísticos são dados em função da escolha pelas variantes da
variável dependente. O peso relativo acima de .5 significa que a forma associada ao indicativo
está sendo favorecida; o peso relativo abaixo de .5 indica seu desfavorecimento.
3
Essa noção de marcação é uma extensão do que Naro (1981; 63-98) denomina saliência fônica na relação
interna entre a forma verbal singular/plural para a concordância de número. A expectativa mais geral, à luz
dessa proposta, é que formas que apresentam oposição mais saliente aumentam a chance de concordância
verbal com sujeitos plurais, ou seja, a forma considerada padrão. Nestes termos, em se tratando da variação do
imperativo, são menos salientes - menos marcadas - as formas que apresentam menor diferenciação interna
nessa relação indicativo/subjuntivo (fala/fale; venda/vende; dá/dê; vem/venha) e são mais salientes - marcadas
- as formas que envolvem maior diferenciação nessa relação (faz/faça; vê/veja). Considerando a expectativa de
Naro de que formas mais salientes tendem a favorecer a forma padrão, a oposição interna mais saliente deveria
favorecer o uso do imperativo na forma subjuntiva, visto que essa é a forma prevista pela gramática
tradicional, em contexto discursivo de pronome você, que é o caso do discurso de J. J. Veiga.
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A tabela a seguir mostra os resultados em relação à variável tipo de paradigma verbal,
tipo de oposição interna.
TABELA 01 – Uso do imperativo associado à forma indicativa em função de aspectos
morfofonológicos dos verbos
Fatores
Paradigma menos marcado/oposição
menos saliente – 1ª conjugação
Paradigma mais marcado/oposição
mais saliente - diz/diga; faz/faça;
traz/traga; ouve/ouça; sê/seja
Paradigma mais marcado/oposição
menos saliente - vai/vá; dá/dê;
vem/venha; põe/ponha; tem/tenha
Paradigma mais marcado/oposição
menos saliente - esquece/esqueça;
corre/corra; escolhe/escolha
Paradigma mais marcado/oposição
menos saliente - aprende/aprenda;
come/coma; abre/abra
TOTAL
Indicativo/Total
Porcentagem da
forma indicativa
Peso relativo
dos fatores
86/526
16%
.37
35/71
49%
.85
36/112
32%
.60
13/32
41%
.81
14/24
58%
.92
184/765
24%
A análise dos resultados estatísticos gerados pelo programa varbrul indica uma
regularidade na variação e refuta a hipótese nula, ou seja, a idéia de que esse processo de
variação possa ocorrer de forma aleatória. Em termos de direção, há uma oposição evidente
em relação a dois grandes grupos: verbos regulares de primeira conjugação versus demais
verbos, ou seja, verbos de segunda e terceira conjugações de paradigma regular e irregular.
Conforme mostra a tabela 01, verbos regulares de primeira conjugação desfavorecem
o uso do imperativo associado à forma indicativa com peso relativo de .37, ou seja, abaixo de
.5, que é considerado o ponto neutro. Enquanto os demais verbos apresentam freqüências
relativas acima de .5, ou seja, favorecem a associação à forma indicativa.
Em síntese, tomando por base a noção de complexidade estrutural e cognitiva nos termos
de Givón (1995), em nossos dados, a configuração dos paradigmas verbais é a seguinte:
i.
ii.
Paradigma verbal menos marcado favorece uso do imperativo associado à forma
subjuntiva, que é considerada forma verbal marcada;
Paradigma verbal mais marcado favorece uso do imperativo associado à forma
indicativa, que é considerada forma verbal não-marcada.
Em termos de tendência, parece haver um paradoxo em relação a nossos resultados e o
princípio da marcação Por um lado, paradigma verbal mais marcado apresenta maior
complexidade estrutural e cognitiva, mas sua tendência é favorecer uma variável dependente
considerada menos complexa – o imperativo associado ao indicativo; enquanto paradigma
verbal menos marcado apresenta menor complexidade estrutural e cognitiva, mas sua
tendência é favorecer a variável dependente considerada mais complexa – o imperativo
associado ao subjuntivo. Por outro lado, se pensarmos em termos de distribuição da
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590
freqüência, nos textos de Veiga, conforme já foi explicitado, o uso do modo imperativo
associado ao subjuntivo é mais freqüente, portanto menos marcado, enquanto o uso do modo
imperativo associado ao indicativo é menos freqüente, portanto, mais marcado. Nesses
termos, o sistema de Veiga deve ser analisado considerando a perspectiva interna de sua obra.
Assim sendo, tomando por base a noção de distribuição da freqüência nos termos de
Givón (1995), teríamos a seguinte configuração dos paradigmas verbais para a obra de José J.
Veiga:
iii.
iv.
Paradigma verbal menos marcado favorece forma imperativa menos marcada, que
é a associada ao subjuntivo;
Paradigma verbal mais marcado favorece forma imperativa mais marcada, que é a
associada ao indicativo.
Portanto, a noção de marcação bem como a sua pertinência têm de ser observadas no
interior de cada discurso. Retomando as palavras de Givón (1995:27), “a noção de marcação é
por excelência um fenômeno dependente do contexto”.
2.1 ANÁLISE COMPARATIVA
Para avaliar a noção de marcação e de dependência do contexto, fizemos uma análise
comparativa entre os resultados com dados de Veiga e os trabalhos de Abreu (2003) e
Sampaio (2001). De acordo com Sampaio (2001), em sua pesquisa com dados da fala de
Salvador, a porcentagem de uso do imperativo associado à forma indicativa é de 24%; essa
também é a tendência apresentada na pesquisa de Abreu (2003), que encontrou 23% de uso do
imperativo associado ao indicativo na obra do escritor Jorge Amado. Em uma análise mais
superficial desses dois resultados, percebe-se que, em Salvador, a variação na escrita tende a
seguir a mesma direção da variação na fala. Conforme já vimos, isso não ocorre entre os
resultados de Veiga e os resultados de pesquisas com dados da fala da região Centro-Oeste –
mais de 90% de uso do imperativo associado à forma indicativa.
Em termos de freqüência global, os resultados analisados aqui das três pesquisas
apresentam tendências semelhantes. Contudo, considerando a análise da variável
independente Paradigma Verbal, os resultados dos pesos relativos mostram uma diferença
significativa entre os dados de Salvador e os de Veiga.
Com o objetivo de fazer uma análise comparativa entre os resultados de Veiga e os de
Sampaio e Abreu, fizemos uma rodada com a mesma configuração para a variável Paradigma
Verbal e confirmamos a oposição entre verbos regulares, conforme apresenta a tabela a
seguir.
TABELA 02 – Uso do imperativo associado à forma indicativa em função do
paradigma verbal regular e irregular – Análise comparativa
Fatores
Verbos regulares
Verbos irregulares
Textos escritos de Língua falada de Textos escritos de
José J. Veiga
Salvador
Jorge Amado
(Sampaio)
(Abreu)
.37
.55
.60
.77
.36
.33
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Ao contrário do que ocorre em nossos dados, a análise de Sampaio evidenciou que
verbos regulares favorecem forma associada ao indicativo com o peso relativo .55, enquanto
verbos irregulares desfavorecem essa associação, com peso de .36. Abreu (2003) encontrou
resultados semelhantes a esses: verbos regulares favorecendo uso do imperativo associado à
forma indicativa (.60); e verbos irregulares desfavorecendo essa associação. (.33). Os
resultados evidenciam que, na amostra com dados de Veiga, verbos regulares desfavorecem o
uso do imperativo associado à forma indicativa (peso relativo de .37), ao contrário dos pesos
relativos encontrados por Sampaio e Abreu. Essa polarização é ainda mais contundente em
relação aos verbos irregulares, que, na amostra da fala e da escrita da Bahia, desfavorecem a
associação ao indicativo e na amostra do escritor goiano favorecem essa associação.
A descrição apresentada indica-nos que o comportamento dos verbos no uso variável
do modo imperativo no português brasileiro é bastante complexo e segue algumas tendências
que devem ser investigadas em análises futuras.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos, com este trabalho, investigar a noção da marcação nos paradigmas verbais
em orações imperativas. Além disso, analisamos os resultados quantitativos dessa variável
independente com o objetivo de compreender a variação do modo imperativo gramatical em
textos escritos.
Os resultados da amostra de José J. Veiga não se aproximam daqueles encontrados na
língua falada da região sul, sudeste e centro-oeste, que, de acordo com pesquisas já existentes,
apresenta, em termos percentuais, mais de 90% de uso do imperativo associado à forma
indicativa. Nas narrativas de Veiga, embora essa freqüência seja de 24% de uso do imperativo
associado ao indicativo, podemos constatar que há um processo de heterogeneidade ordenada.
Essa regularidade configura uma mudança em progresso na língua escrita que é decorrente do
processo de mudança evidenciado na língua falada e da co-ocorrência de fatores
condicionantes intrínsecos e extrínsecos à língua.
De acordo com os resultados de outras pesquisas, com dados da fala e da escrita, podese afirmar que na língua falada há sistemas diferentes que refletem a região geográfica do
falante. Já na língua escrita, esse corte geográfico não fica evidente, visto que há diversos
sistemas co-ocorrendo. Além das influências socioculturais e do reflexo do estilo do autor, a
composição do texto escrito sofre outras pressões externas como as impostas pelas normas
gramaticais.
A variável independente paradigma verbal mostrou-se importante para a compreensão
dessa alternância indicativo/subjuntivo. Em termos de marcação, a codificação da categoria
verbal revelou uma polarização entre paradigmas menos marcados, que desfavorecem a
associação ao indicativo, e paradigmas mais marcados, que favorecem a associação à forma
indicativa. Essa tendência observada na amostra de Veiga difere das pesquisas consideradas
aqui para efeito de comparação e ampliação da compreensão do fenômeno variável. Além de
apresentar uma descrição dos resultados, buscamos explicação para essa polarização nas
características profissionais do autor e no universalismo de sua obra e de seus temas, que se
afastam das características sociais de sua região de origem assim como do vernáculo.
Outra hipótese levantada considerou que o elevado índice de subjuntivo para verbos de
primeira conjugação poderia pressupor uma relação entre o modo do irrealis – característica
atribuída ao modo subjuntivo - e o realismo fantástico, gênero no qual podemos inserir a obra
de Veiga. Entretanto, essa hipótese só poderá ser colocada à prova quando fizermos a
codificação de dados de outros autores cuja literatura pertença a esse gênero.
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Entendemos que a descrição dos fatores lingüísticos envolvidos nesta análise é
bastante consistente, configurando uma regularidade no uso variável do modo imperativo
gramatical nos textos de Veiga. A análise desse fenômeno lingüístico em textos escritos
corrobora a idéia de que a variabilidade na língua falada se reflete nos textos escritos em
graus diferenciados, às vezes em um curto período de tempo, às vezes em um espaço de
tempo maior. Enquanto alguns autores brasileiros refletem com maior intensidade a
variabilidade de sua região e de sua comunidade lingüística, outros refletem essa mudança em
um ritmo menos acelerado, mais timidamente.
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