XII Congresso Brasileiro de Sociologia SOCIOLOGIA E REALIDADE: PESQUISA SOCIAL NO SÉCULO XXI Grupo de trabalho: Religião e Sociedade Memória, Religião e Política: a reconstrução do passado como coesão, delimitação e defesa dos espaços sociais pelo grupo pentecostal Claudirene Aparecida de Paula Bandini1 1 Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. RESUMO: A memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade tanto individual quanto coletiva. Também é um fator extremamente importante em relação ao sentimento e coerência de um grupo que se encontra em contínua reconstrução. Nas palavras de Pollak: "a memória e a identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais, e particularmente, em conflitos que opõem grupos políticos diversos"(Pollak, 1992). A reconstrução do passado e sua (re)significação a partir do presente, tem sido um meio de re-processar acontecimentos, re-interpretar o passado e salvaguardar uma memória seletiva. Líderes eclesiásticos e políticos pentecostais, por meio de discursos afetivos buscam o reforço do sentimento de pertença e a redefinição das fronteiras sociais de sua comunidade. Como parte de uma pesquisa de mestrado, meu propósito é apresentar uma análise sociológica do uso da memória como consolidação de uma identidade religiosa-pentecostal que delimita e defende específicos espaços sociais. A memória nas Ciências Sociais A memória perpassou todas as épocas históricas. Nas sociedades antigas a oralidade é o principal meio de transmissão das tradições e da própria história do povo. Juntamente com a escrita e com a oralidade, a memória também se expandiu num esforço de manter intacta a história dos fatos. Assim, na tentativa de reproduzir o conhecimento, a memória gerou reações e implicações sociais e políticas nas mais diversas áreas da sociedade. Entretanto, na sociedade moderna a memória é deslocada e a oralidade perde seu status diante do poder da escrita. As Ciências Sociais começa dar maior importância para a questão da memória, a partir dos estudos de Bergson, Benjamim, Halbwachs e 2 Pollak . Os estudos de memória levam a aceitar a existência de tempos, memórias e histórias múltiplas. Tais estudos abrem a possibilidade de 'reviver' e de 'recontar' o passado, ora para compreender o presente a fim de transformar o futuro, ora de idealizálo a fim de 'mascarar' ou 'recompensar' as agruras do presente que não apresenta esperanças de melhoras para o futuro (SILVA, 2002) 2 Entres outros textos, destacam-se: BERGSON, Henry. Matière e mémoire. Essai sur la relation du corps a l'esrit. Presses universitaires de France, Paris, 1959; BENJAMIN. W. O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov e Experiência e Pobreza. In: BENJAMIN, W. Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 3 ª. Edição, 1987; HALBWACHACHS, M. A. A memória coletiva. Ed. Vértice. São Paulo,1990; POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos.Vol5. Nº10. Rio de Janeiro, 1992. p. 200-212. POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silencio. Estudos Históricos. Vol 2. Nº3. Rio de Janeiro, 1989. p. 3-15. Fontes para pesquisas: Revista Projeto e História; Revista História Oral e Coleção Seminários do CMU, Unicamp. Estudos da memória, não se trata somente de estudos sobre rupturas entre o tempo e espaço, mas também de estudos sobre as representações sociais, que em Giddens (1990) seria 'transcender o físico'. Na perspectiva deste autor, a sociedade moderna é marcada pelos desencaixes da ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais, uma sociedade em que o local é universal e que os efeitos mais globais impede a continuidade das comunidades tradicionais porque anula qualquer particularidade tradicional e histórica. Os estudos sobre memória levam em conta a multiplicidades das memórias, das datas, das subjetividades e das identidades. Tais estudos permitem também uma história de uma 'memória política', que pode ser mais bem compreendida pelas próprias palavras de Marilena Chauí: [...] a memória não é oprimida apenas porque lhe foram roubados suportes materiais, nem só porque o velho foi reduzido à monotonia da repetição, mas também porque uma outra ação, mas daninha e sinistra, sufoca a lembrança: a história oficial celebrativa cujo triunfalismo é a vitória do vencedor a pisotear a tradição dos * vencidos. (CHAUÍ, 1987) . Memória não é sinônimo de história e não está diretamente associado à velhice. "A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos. Está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, vulnerável a todos os usos e manipulações e susceptível de repentinas revitalizações" (NORA,1993, p.9). Para Pierre Nora, o lugar e sentido da memória são privados por serem construídos pelos 'homens-memória'. A partir de um retorno à própria história, sendo esta ligada às continuidades temporais por meio de uma operação intelectual e laicizante entre iguais. A continuidade de todo grupo social depende da reprodução de sua estrutura. Como outros grupos sociais, os grupos religiosos também necessitam para sobreviver da legitimidade social. Porém, mais que isto necessitam de uma habilidade de oferecer soluções imediatas de problemas diversos de sua população, de um discurso que se refira a marcos fundantes e à evolução histórica do grupo. Seguindo a perspectiva de Pierre Nora, pode-se observar que os grupos religiosos contemporâneos, como o pentecostais, inseridos num competitivo 'mercado religioso' (Bourdieu, 1987)* sentem a * Texto de 'argüição' referente a defesa de tese de livre-docência de Ecléa Bosi, publicado como apresentação em BOSI, E. Memória e Sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: EDUSP, 1987. * O contexto do mercado religioso permite que as igrejas transcendam áreas ditas de círculos religiosos e demonstra a capacidade que os indivíduos, especialmente os de classes mais baixas, têm em aproveitar inteligentemente as opções de serviços deste mercado. Segundo Bourdieu são as seguintes características burocráticas de uma Igreja: delimitação explícita das áreas de competência; hierarquização regulamentada ameaça de sua identidade coletiva, portanto sentem a necessidade de produzir um 'lugar de memória'. Afinal, "a ameaça faz criar uma memória e a necessidade de memória é uma necessidade da história reconstituída entre iguais e autênticos que revitaliza a identidade do grupo (NORA,1993a). A memória nos estudos da religião A questão da memória ainda tem sido pouco discutida no campo das religiões mais recentes, como o pentecostalismo e o neopentecostalismo. Ainda falta aplicação teórica dos conceitos de memória, como aqueles construídos por Bergson e aprimorados por Halbwachs, no campo religioso atual. Para o sociólogo Paulo Rivera Barrera (2000), faltam estudos que aprofundem a discussão das relações entre memória social e memória coletiva, dando a devida importância às particularidades da memória religiosa própria das sociedades atuais, mas também estudos que desenvolvem reflexões sobre a fragilidade e o caráter efêmero da memória religiosa, características estas típicas de 'religiões funcionais' que se desenvolveram na sociedade pós-moderna. Em suma, falta "estudo da religião que adote a memória como lugar central" (BARRERA, 2000a)3. Roger Bastide (1971) aplica o conceito de memória coletiva de Halbwachs para discutir a relação entre o mito e o rito; ou seja, sobre a relação da conservação e transformação da memória coletiva das seitas africanas. A função dos mitos e ritos na conservação ou transformação da memória coletiva pode ser discutida em relação ao processo de transformação das estruturas sociais. O que se perde na passagem de um grupo social ao outro são as representações coletivas, mas somente aquilo que não oferece mais sentido numa sociedade moderna, lembrando que na sociedade moderna não há espaço para tradicional e "para uma intimidade vivida em uma memória" (NORA, 1993a). Como a continuidade da estrutura social depende da permanência de uma tradição, o grupo africano também depende desta permanência, pois sua estrutura social está vinculada aos lugares; isto é, às suas bases materiais permanentes. Assim, o rito permanece por meio dos gestos corporais, das músicas e danças, sem muitas transformações. No entanto, o mito por agir no nível psicológico, sofre os efeitos da das funções; racionalização correlata das remunerações (“nomeações”, “promoções” e “carreiras”); codificação das regras profissionais e extraprofissionais; racionalização dos instrumentos de trabalho tipo dogma , liturgia e da formação profissional (BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 2ª ed. São Paulo, Editora Perspectiva, 1987. p.60). 3 Op.Cit.p.126 imaginação que pode tanto empobrecê-lo quanto transformá-lo"(RIVERA BARRERA, 2000a)4. O tempo de um grupo religioso é sempre marcado pela tradição: festas, mitos, lendas. Entretanto, o tempo presente sempre será comparado ou contrastado ao tempo passado fazendo com que seja fortalecida a identidade do grupo. A sobrevivência ou o esquecimento das tradições se deve à continuidade das estruturas do grupo pela permanência do marcos fundantes e de sentimentos que revitalizam o sentimento coletivo. Para Rivera Barrera, o empobrecimento dos mitos africanos não se deveu a um esquecimento de natureza psicológica provocado pelo tempo destruidor, mas sim à falta de pontos de referências que ligavam os indivíduos às lembranças (RIVERA BARRERA, 2000a). Os estudos sobre religião têm se ocupado mais com as questões sobre a tradição e sobre as transformações do campo religioso. Tanto o processo de transmissão religiosa quanto a produção de lugares da memória e seus efeitos (material, simbólico e funcional) não tiveram tanta atenção. Nesse sentido é que segue o próximo tópico. Memória, Religião e Política* O passado como instrumento de delimitação e defesa dos espaços sociais A pesquisa de mestrado realizado entre maio 2002 e outubro de 2003, especificamente com as igrejas Assembléia de Deus, Igreja do Evangelho Quadrangular e a Igreja Universal do Reino de Deus, foi operacionalizada a partir da fundamentação teórica da sociologia da religião e da combinação das seguintes técnicas de pesquisa: análise de trajetórias, entrevistas semi-estruturadas, relatos, observação participante e análise de discurso oral e escrito5. 4 * Op.cit. p.125 Os dados que seguem derivam da pesquisa de mestrado intitulada, Religião e Política: A participação política das igrejas pentecostais nas eleições de 2002, defendida em outubro de 2003 junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos sob a orientação do Prof. Dr. Paul Charles Freston. O aprofundamento da análise na questão de memória se deve à participação dos mini-cursos: As Faces da Memória: Espaços e Tempos das Lembranças (maio de 2003) e História Oral: Uma visão interdisciplinar (em andamento), ambos ministrado pela Profª.Drª. Maria Aparecida Moraes Silva na Universidade Federal de São Carlos. 5 Os dados deste texto referem-se aos discursos orais de líderes pentecostais: mentores e articuladores das estratégias políticas das igrejas Assembléia de Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular durante os cultos e em entrevistas com seus os candidatos oficiais. O tema do passado emergiu nos discursos com o objetivo de justificar o presente (a necessidade da participação da Igreja na política) articulando-o com o passado (recontando histórias de perseguições) e, a partir desta articulação, apresentava-se o futuro: um cenário que deveria ser diferente do passado e do presente. Tal articulação, nos chama a atenção porque nos coloca a frente de um tipo de memória seletiva e instrumental. O conceito de memória seletiva, retirado de Michael Pollak (1992) diz que "a memória é herdada, mas que nem tudo fica gravado nela" (POLLAK, 1992a)6. Ou seja, a memória não se refere apenas à vida física da pessoa. A memória também é cultura quanto à transmissão, renovação e transferência de informação. Assim, durante o processo de cultura-memória, ela sofrerá flutuações em função do momento no qual está sendo articulada, pois a construção de uma identidade religiosa, seja individual seja coletiva, desenvolve-se simultaneamente entre os campos: social, econômico e político e entre os registros ideológico e simbólico correspondentes à estrutura social do grupo. "As preocupações do momento constituem um elemento de estruturação da memória" (POLLAK, 1992a)7, e nesta perspectiva, pôde-se detectar nos discursos dos candidatos pentecostais uma instrumentalização da memória, pois esta somente é possível e eficaz porque é construída socialmente. As diferentes maneiras que estes candidatos e pastores fazem seus membros-eleitores se lembrarem ou conhecerem o passado de seu grupo, estão diretamente ligadas ao lugar e à intenção que estes "homens-memória"8 ocupam no contexto social. A instrumentalização da memória ocorre por meio da memória emprestada; ou seja, por meio da reprodução de uma memória alheia. A memória emprestada era utilizada para justificar a necessidade dos membros votarem nos candidatos oficiais da sua igreja: aqueles que foram indicados pela cúpula como porta-vozes legítimos da comunidade. Os discursos abordavam histórias sobre fechamento e apedrejamento de igrejas e de perseguições que sofreram os primeiros missionários no Brasil. Tal prática demonstra que a necessidade da memória também é a necessidade da história, pois "a passagem da memória para a 6 Op.cit. p.2 Op.cit. p.8-12 8 Termo utilizado por Pierre Nora ao dizer que 'menos a memória é vivida coletivamente, mais ela tem necessidade de homens particulares que fazem de si mesmos homens-memória" (NORA, ibid.p.18) 7 história obriga cada grupo a redefinir sua identidade pela revitalização de sua própria história" (NORA, 1993a)9. Estes líderes e candidatos pentecostais se referiam ao passado com o objetivo de manter a coesão do grupo, reafirmar seus espaços sociais e de defender as fronteiras daquilo que o grupo tem em comum; afinal, a memória é um dos elementos constitutivos da identidade social de um grupo. Entretanto, enquanto a instrumentalização da memória é utilizada por uma parte do grupo pentecostal para a efetivação de suas articulações políticas, uma outra parte da liderança e de políticos pentecostais referem-se de forma negativa à essa maneira de lidar com o passado, pois compreendem esta prática como a criação de um modelo utópico (ou salvacionista). A crítica deste grupo está no sentido de reviver sentimentos coletivos; isto é, o avivamento de fatores afetivos por meio de eventos vividos, contados ou lidos sobre os primeiros missionários no Brasil. Os discursos, construtores da memória do grupo pentecostal, afetam dois pontos 'sensíveis' do eleitor pentecostal. Primeiro, porque enfatiza seu pertencimento a um grupo de minoria, e segundo, porque o grupo realimenta o sentimento de perseguição característica enfatizada- na identidade social pentecostal. Ontem, nossos avós foram perseguidos, apedrejados e esculachados pelos católicos. Hoje somos perseguidos de forma diferente: pelas revistas, pelas leis, pela televisão (informação verbal)10. Essas expressões remetem mais as noções de memória e não diretamente às percepções de tempo11. Tais expressões solidificam a memória coletiva porque lembram marcos ou pontos que impossibilitaram a ocorrência de mudanças. Para estes homensmemória as formas é que modificaram, mas a perseguição ainda é a mesma de tempos atrás. Neste sentido, determinados elementos simbólicos tornam-se realidade e passam a fazer parte da própria essência da pessoa" (Pollak, 1992a). 9 Op.Cit.p.17 Fala de um pastor-presidente da Assembléia de Deus Ministério Belém durante um culto na igreja-sede da cidade de São Carlos. 11 Em relação a temporalidades, Leite Dias (1998) argumenta que há diversas percepções do tempo mesmo dentro de um mesmo grupo social. Por exemplo: uma escrava recém-chegada terá uma percepção do tempo diferente daquela que nasceu no lugar. Por isso, quando a história se atem ao singular e ao temporal pode elaborar críticas conceituais. 10 Esses discursos tratam de histórias de que igrejas serão fechadas, dízimos serão taxados, pastores acabarão presos e que homossexuais deverão ser aceitos sem contestação nas igrejas. Portanto, são histórias ouvidas com muita freqüência entre os líderes e membros pentecostais. Os candidatos oficiais alegam defender suas igrejas de "leis anti-crente", como por exemplo a Lei do Silêncio12, que é conceituada como uma lei de perseguição ao crescimento dos evangélicos. O campo empírico permite aplicar a lógica desenvolvida por Hevieu-Léger (2000 p.44) sobre a transmissão como processo de construção de uma linhagem religiosa. Segundo a socióloga, a transmissão compreende, simultaneamente, a materialidade da continuidade do grupo (existência concreta), a estabilidade da fé no tempo (práticas, crenças, valores, normatização, etc) e a inscrição simbólica da permanência do grupo no cenário social (signos distintos e próprios, de diferenciação social, do „outro‟). Como a memória de um grupo é constituída pelos acontecimentos vividos pessoalmente ou "vividos por tabela" (Pollak 1992a), os acontecimentos quando transferidos oralmente, como no caso dos pentecostais, tomam tamanho relevo no imaginário do grupo que acaba impregnando a memória individual daquele que pertence ao grupo. Assim, através da socialização histórica ocorre a identificação entre o membro e a sua instituição religiosa. Se tal identificação deriva do processo de (re)significação do presente com o passado, é também desta maneira que perpetua a idéia de perseguição, pois passa a fazer parte, nas palavras de Pollak, de uma "memória quase que herdada"; isto é, uma memória que pode ser transmitida ao longo do tempo com alto grau de identificação. A estratégia eleitoral, de utilizar o passado como consolidação da identidade pentecostal, acarreta a instrumentalização dos indivíduos porque tal ação se dá pela imposição dos elementos de pertencimentos sociais como necessários e naturais13. 12 A Lei do Silêncio prevê que o som entre as 10 horas da noite e 7 da manhã não ultrapasse 55 decibéis . Desta forma, o eleitor pentecostal aliena-se da política por aqueles politicamente melhor posicionados: os pastores, por possuírem legitimidade e poder para definir as relações identitárias legítimas e os portadores destas relações, os candidatos oficiais. O manejo do pertencimento se apresenta como elemento crucial nas estratégias eleitorais das denominações pentecostais. Entretanto, tal manejo não é exclusivo destes grupos, se deve à característica típica da dinâmica das democracias representativas modernas, nas quais os períodos eleitorais privilegiam e intensificam tais relações (BANDINI, Claudirene Aparecida de Paula. Religião e Política: A participação política das igrejas pentecostais nas eleições de 2002. Dissertação de mestrado. UFSCar. 2003). 13 A memória como elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual quanto coletiva, também é um fator extremamente importante em relação ao sentimento e coerência de um grupo religioso contemporâneo que se encontra em contínua reconstrução. Devido a existência do outro (elemento da identidade social) o grupo não pode construir sua auto-imagem isenta de mudança, de negociação e de transformação, pois é inerente ao processo social os critérios de admissão, credibilidade e aceitação do grupo com o qual está se interagindo, afinal: "a memória e a identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais, e particularmente, em conflitos que opõem grupos políticos diversos" (Pollak 1992a). Considerações finais Na disputa eleitoral, a memória serve como meio de processar os acontecimentos e interpretações do passado que se quer salvaguardar. Os líderes, por meio de discursos afetivos, buscam no passado o reforço dos sentimentos de pertencimento e a redefinição das fronteiras sociais de sua comunidade. A referência ao passado tem, no fim das contas, o objetivo de manter a coesão dos membros e de reproduzir o corporativismo político tão presente em nossa democracia. Porém, para que o sucesso eleitoral se efetive, torna-se necessário produzir um novo discurso que defina o novo lugar específico da instituição religiosa, pois é ela que organiza e mantêm a identidade social viva, além de complementar as devidas oposições irredutíveis diante de outros grupos sociais. As instituições religiosas são, especialmente, instituições tradicionais e mesmo em sociedades modernas são governadas pela continuidade da forma de crer, que pressupõe uma tradição que o tempo legitima. Entretanto, as instituições religiosas também mudam, e esta mudança ocorre na medida em que se integra à representação coletiva que tem como fundamento o vínculo sócio-religioso. Referências bibliográficas: BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. USP. São Paulo.1971. BOSI, E. Memória e Sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: EDUSP, 1987. CONCONE, M.H.V. Pesquisa Qualitativa nos Estudos de Religião no Brasil. 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