CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E SOCIAIS SOBRE O ROCK NO BRASIL SILVANE DOS SANTOS DE MOURA KARINA DOS SANTOS DE MOURA UNIOESTE – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ [email protected] [email protected] Enfoques sobre a banda Legião Urbana e Renato Russo No Brasil, o rock foi amplamente difundido entre os anos de 1980 a 1990, tornando-se uma memória cultural histórica, uma fonte documental de informações sobre a época, pois, mesmo com a censura estabelecida, através das músicas conseguia-se de forma metafórica expressar alguns questionamentos pertinentes à sociedade e aos acontecimentos nela presentes. Para atenuar esse estilo musical, muitas bandas foram surgindo e trazendo, para os ouvintes e apreciadores, músicas compostas por temas emergentes, sendo que a maior apreciação dessas canções era advinda do público jovem. Formada por Marcelo Bonfá, Dado Villa-Lobos, Renato Rocha e Renato Russo, principais integrantes, destacaremos deste período a banda Legião Urbana, da qual fizeram parte também, Eduardo Paraná, Paulo ‘Paulista’ e Ico-Ouro Preto. O rock da Legião Urbana seguiu o estilo punk em seu primeiro disco lançado, por desenvolver músicas com poucos acordes sonoros, com letras relacionadas a temas políticos, crítica social e maneira de pensar independente, suscitando no público um desejo de mudança, despertando a ira, a indignação e a raiva. No segundo disco, as canções partem para um pós-punk, correferido a reflexões sobre a vida, canções românticas, sem destaques às críticas sociais. Tratando no decorrer do trabalho sobre o rock brasileiro, e, realizando análises sobre o principal integrante da banda, utilizaremos entrevistas e retratações sobre o cantor, compositor e poeta Renato Russo, que atraía por seu carisma, sua rebeldia e sua convicção de ideias sem receio. Para isso é importante ressaltar que: Renato nasceu no Rio de Janeiro, em 27 de março de 1960. Morou vários anos com a família em Brasília, onde se formou em Jornalismo. Antes de chegar ao show business, foi repórter e lecionou inglês. Apreciador dos escritores românticos e dos poetas ingleses, Renato Manfredini Júnior era um leitor voraz. Por sinal, adotou o “Russo” de seu nome artístico em homenagem ao pensador francês Jean-Jacques Rosseau, ao pintor Henri Rousseau e ao matemático e filósofo inglês Bertrand Russel. A sua bagagem cultural haverá de ter sido um dos fatores que o levaram a se tornar um referencial de qualidade intelectual entre os roqueiros nacionais. Outra 1 característica importante era o apuro estilístico de que não abria mão, quando se tratava de produzir alguma nova composição. A letra de “Índios”, um dos hits do disco Dois (1986), por exemplo, levou mais de um ano até ser considerada pronta. (CONVERSAÇÕES..., 1996, p. 09) O que diferenciava Renato dos outros e o tornava único, assim como as suas músicas, era a sua intelectualidade, concebida pelo prazer que sentia em realizar leituras. Apesar de não concordar que suas músicas fossem bem produzidas e escritas, era considerado um dos maiores poetas da música do seu tempo, realizava análises sobre as condições precárias de vida da sociedade brasileira e conseguia retratar sua repulsa nas canções. Ao tratar sobre suas composições, ele considerava que ao ouvir algumas delas, sempre achava algum erro, e contava que nunca fora bom em gramática, nem no tempo de colégio, mas era excelente aluno e tirava notas altas em literatura. Durante entrevistas ele era questionado se não teria vontade de escrever livros, então comentava não estar pronto o suficiente para escrever algo que era considerado por ele muito importante, porém não negava o desejo de um dia poder publicar um livro de sua autoria, complementando que talvez quando estivesse com os seus 40 anos de idade estivesse pronto para assim o fazer. Mesmo sem ter livros publicados, apenas as músicas, os rock’s que escrevia e que lhe renderam grandes sucessos, não poderiam ter sido tão bem compostos se ele não agregasse toda essa bagagem literal, que o tornou cidadão ativo e pensante na sociedade, apostando em suas músicas com temáticas sociais gritantes. Dessa forma, as músicas de Renato Russo não surgiam somente de fatos isolados de sua vida, além disso, também suas reflexões o levavam a compor conforme os conhecimentos adquiridos, oportunizando uma visão crítica da situação vivenciada pela sociedade brasileira e a incessante não aceitação da realidade. Buscava se expressar nos versos musicais e mostrar para as pessoas que deveriam se pronunciar contra as condições desumanas as quais se encontravam, e, mesmo que essas reivindicações não fossem tão necessárias para a sua vida, ele tomava para si as dificuldades dos outros. Assim como ele, os demais integrantes da banda eram nascidos de famílias de classe alta, por isso não eram carentes de: casa, comida e demais condições financeiras de sobrevivência, mas suas ideias defendiam os interesses da classe trabalhadora, que não usufruíam dessas condições de vida. Nessa época, muitas mudanças estavam acontecendo no Brasil, considerado um período turbulento da história no país, em que, a sociedade estava iniciando a saída de uma 2 intervenção militar, a ditadura, a qual oprimia a liberdade de expressão ou qualquer ato de confronto ao Estado. O período ditatorial teve seu fim em 1985, daí em diante o Brasil sofre com uma grande crise econômica, com inflação alta gerando desemprego em massa, pobreza e miséria. Apenas em 1988 é aprovada a Constituição Federal, onde são promulgados os direitos fundamentais de toda pessoa, como cidadão, como descreve o autor: Nos anos 80, as políticas sociais integraram a agenda reformista nacional sob a dupla chave da democratização e a da melhora da sua eficácia e efetividade. Em boa medida, o acerto de contas com o autoritarismo supunha um dado reordenamento das políticas sociais que respondesse às demandas da sociedade por maior eqüidade ou, se se quiser, pelo alargamento da democracia social. Projetada para o sistema de políticas sociais como um todo, tal demanda por redução das desigualdades e afirmação dos direitos sociais adquiriu as concretas conotações de extensão da cobertura dos programas e efetivação do universalismo das políticas, sistematicamente propostas e registradas no texto constitucional de 1988. (DRAIBE, 2000, p. 06) Com isso, somente a partir de 1988 inicia-se uma mudança nas políticas sociais, porém antes disso Renato Russo já declarava em suas entrevistas o seu repúdio sobre os governantes, o militarismo e a repressão no Brasil. Analisando a música “1965” - Duas Tribos (VILA-LOBOS, RUSSO, BONFÀ, 1989) do álbum “As quatro estações” da banda Legião Urbana, podemos observar que a mesma retrata o momento histórico da ditadura militar, na qual as pessoas eram privadas de se expressar e, todos pensavam em um país do futuro. Contudo, Renato dizia que o que importava era o presente, o que se está vivendo, o agora, o aqui, desafiando assim o povo a não se acomodar. A música foi o meio que utilizou de informar os cidadãos sobre o que se passava neste período, e a violência sofrida pela população é claramente exposta nesses versos, segundo Renato, ninguém era realmente feliz, pois havia uma grande repressão quanto à opinião pública, tudo o que era falado e escrito deveria ser a favor e nunca contra o governo, as pessoas que eram contrárias a isso desapareciam misteriosamente, um mistério que todos já sabiam como terminava. Renato destacava a importância da liberdade de expressão, tanto que falava abertamente o que lhe vinha à cabeça, relatando que não precisava esconder sua opinião de ninguém. O rock da Legião Urbana valorizava o ser humano e isso favoreceu o sucesso da banda. Sua forte influência sobre o público fica claramente explícita com a venda de milhões de discos e, também por meio da presença de milhares de pessoas em seus shows. As músicas 3 produzidas tratavam de assuntos aos quais o sujeito/ouvinte se identificava, percebendo sua realidade de vida nos versos musicais, pois, estes tratavam de problemas sociais que afetavam trabalhadores e estudantes, e de certa forma toda a sociedade, porém a juventude era o grupo social ao qual mais se apresentava adepto ao estilo musical. Nesse contexto ocorre que: A partir dos anos 80, as empresas brasileiras passaram a investir na produção, divulgação e difusão do pop rock brasileiro, solidificando assim o mercado consumidor juvenil. Por questões econômicas e comerciais, a indústria fonográfica enxergou no rock brasileiro um produto interessante para consumo das massas, já que a produção de um grupo de rock é muito mais barato do que a música de intérprete que requer maestro, arranjador, músicos acompanhantes, etc.(ARAÚJO, 2011, p. 13,14) Assim, as gravadoras passaram a apoiar e patrocinar o rock, percebendo que a comercialização desse estilo seria um atraente lucrativo, isso por ser uma produção barata e que caíra no gosto do público. As empresas de rádio também iniciaram a divulgação das músicas. Renato Russo destaca em entrevista que, no início as gravadoras não apostavam no rock e proporcionavam mais incentivo às músicas da MPB (Música Popular Brasileira), sendo esta uma das dificuldades encontradas pela banda Legião Urbana. Em uma de suas entrevistas, em meados dos anos 80, Renato Russo ressalta o rock como sendo um estilo musical voltado preferencialmente para a juventude, isso devido as temáticas das músicas preconizarem uma mudança social urgente nesse período histórico, e por tratarem de assuntos relacionados a essa faixa etária e que não interessava aos mais velhos, pois, os jovens almejavam buscar um futuro melhor para as suas vidas e as pessoas com mais idade já não tinham esperança, sendo passíveis e aceitando a sua realidade. Isso diferenciava o rock de outros estilos musicais que traziam músicas com letras e temas que abrangiam a todos, não sendo voltadas para grupos específicos de pessoas. Porém, a banda Legião Urbana instigava no público com as suas músicas um enraivecimento e desejo de mudar a realidade, mas nem sempre com atos saudáveis e sim a partir de atos violentos. Renato Russo não aceitava essas manifestações, nem mesmo durante os shows da banda, com isso, em Brasília, 1988 acorreu um atraso, onde eles realizariam uma apresentação na qual o público contava de aproximadamente 50 mil pessoas e, em detrimento da demora aconteceu quebrarias e violência, necessitando de 385 atendimentos médicos. Renato declara que os vandalismos se iniciaram muito antes do show. E relata sobre a violência no Brasil comparando com a situação em contexto, destacando o seguinte: 4 (...) No Brasil, essa violência contra o cidadão, além de ser traduzida como violência, como na Rocinha ou nos jogos de futebol, envolve a agressão ao cidadão no sentido de você não ter uma base, uma segurança. A questão da inflação, a própria Constituinte não resolvida. Quando a perplexidade se encontra com ela mesma, numa ocasião de festa como o show da Legião Urbana, num lugar onde ela é naturalmente exacerbada por causa da proximidade do poder e das próprias características de Brasília como cidade – ou seja, um feudo cercado de Brasil por todos os lados -, a coisa se torna realmente uma panela de pressão. (CONVERSAÇÕES..., 1996, p.53) Para ele, o Rock que a banda Legião Urbana cantava não induzia à violência, nem ao consumo de drogas, a música era apenas uma manifestação, uma indignação, uma forma de demonstrar que o que estava acontecendo no Brasil não era aceitável. Renato considerava o rock como um meio de informação à população jovem, relatando que a juventude já não estudava e não lia mais, portanto, um meio de instigar os jovens a buscar o conhecimento sobre os acontecimentos que ocorriam em sua época, se deu por intermédio das músicas roqueiras. E conforme Araújo, p. 25 destaca: O fato é que rock e juventude sempre caminharam juntos, são agentes de mudanças paradigmáticas no pensamento social, na cultura e na própria vida em sociedade. A partir de um enfoque antropológico, o rock não pode ser entendido apenas a partir de seus elementos estéticos, mas sim como uma manifestação de crenças e de identidades em conexão com o contexto histórico e cultural. (ARAÚJO, 2011, p.25) No caso da banda Legião Urbana essa relação entre rock e juventude já partia prioritariamente pelo fato de os integrantes serem jovens, e pertencentes dessa sociedade contextualizada. Jovens esses que não fechavam os olhos para os aspectos sociais problemáticos que toda a população enfrentava. Dessa maneira, as músicas do primeiro disco dispararam na audiência do publico, e a gravadora que pouco apostava no sucesso da banda passou a acreditar e querer investir mais. Assim, O período de hibernação de “Legião Urbana” fez com que “Dois” fosse lançado quando as músicas do primeiro disco ainda estavam tocando nas rádios. E, quando o segundo chegou às lojas, na virada de julho para agosto, o LP do qual a EMI-Odeon esperava vender cinco mil cópias já estava se aproximando das cem mil. Dessa vez, a gravadora pressionou para que fosse gravado o material que já estava pronto na época das sessões de “Legião Urbana”. Renato, Bonfá, Dado e Negrete, entretanto estavam em outra. Produzidos por Mayrton Bahia, eles evitaram bisar a politização punk do primeiro trabalho e partiram para um lirismo póspunk, cheio de violões e teclado. (DAPIEVE, 1995, p.133) 5 Posterior ao lançamento do disco “Dois” em 1986, foi lançado em 1987 “Que país é este” e “As quatro estações” em 1989, que apostavam em letras novas para este último, onde as músicas acompanhavam as experiências de vida dos integrantes da banda com canções espirituais e emocionais (e não especificamente de religião). No disco a banda Legião Urbana e Renato Russo retrataram um pouco sobre suas vidas, isso porque os quatro músicos nesta fase da vida tinham tido filho, assim a relação familiar foi fundamental e mudou as perspectivas de ver o mundo, e, em vez do pessimismo presente nas canções, produziram versos musicais com mais amor e com certo espírito humanizado. Analisaremos algumas músicas desses álbuns da banda, bem como a ligação das mesmas com a vida pessoal do cantor em estudo. A iniciar pela música: “Que País é esse?” (RUSSO, 1987). Ainda muito conhecida no Brasil nos dias atuais, sucesso da Legião Urbana, essa canção aborda sobre a grande população que perdera seus empregos, justamente na época em que o Brasil sofria com a inflação e tentava se reerguer de uma guerra civil, onde sangue era derramado e havia morte para todos os lados, o protesto se fazia na letra da música, levando se em conta que, Renato não apoiava o conformismo social. Também de 1987, a música: “Conexão Amazônica” (RUSSO, 1987) tratando de assuntos relacionados ao uso de drogas, representado pela cocaína na letra, que fala sobre pobreza e fome, o alimento que se necessita não pode ser substituído pela droga. Como mostra o trecho da música: “A cocaína não vai chegar/Conexão amazônica está interrompida/yeah,yeah,yeah/E você quer ficar maluco sem dinheiro e acha que está tudo bem/Mas alimento pra cabeça nunca vai matar a fome de ninguém”. Renato expõe em uma entrevista sobre as drogas em sua vida, definindo-a como um caminho errado que seguiu junto ao alcoolismo. Desde pequeno, eu sempre achei as drogas uma coisa super-romântica, um pouco como aquela música do Cazuza: “todos os meus heróis morreram de overdose”. Mas ninguém mostra o lado ruim da coisa. Eu sei o que é ficar numa cama tremendo e tendo alucinações. É um horror. Dessa vez espero ter conseguido, eu saquei que é uma coisa muito baixa. Não tem glamour nenhum. (CONVERSAÇÕES..., 1996, p. 145) Isso porque, a droga entrou na vida de Renato a partir de um de seus relacionamentos íntimos amoroso, o relacionamento terminou, mas a droga continuou. Para ele, drogar-se era um glamour, pois, entendia que o rock combinava com drogas e riqueza, acreditava nisso até perceber o mal que estava fazendo para a sua saúde o uso de entorpecentes, o descontrole 6 sobre as bebidas alcoólicas, e a influência da mesma gerando problemas de relacionamento com a banda, até enfim resolver se tratar participando de encontros de autoajuda para dependentes químicos. Como as drogas, o alcoolismo e a AIDS faziam parte de sua vida, Renato Russo assumiu também a homossexualidade e criticava a visão das pessoas sobre gays, relatando a dificuldade encontrada frente ao preconceito das pessoas, declarando em entrevista que os homossexuais são vistos como se fossem assassinos, e, na verdade são pessoas iguais a todos em busca do amor, o que acontece é a imposição da moral sobre relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. E, por ter seu filho, fruto de um relacionamento com sexo oposto, explica que o momento é o que importa e deve ser vivido, ele sentiu amor por essa pessoa e por isso aconteceu. Porém sua personalidade já despertava o homossexualismo desde a infância e adolescência, quando relata ter se apaixonado por seu primo. No amor vale tudo, a não ser a violência sexual com crianças, isso ele repudiava conforme suas palavras: A única coisa que eu sou realmente contra é sexo com criança. Isso não pode. Não tem explicação. Eu sei porque sou pai. No mínimo, a pessoa tem que ser adolescente, com 15, 16 anos. Pedofilia, não. Acho errado. E sei que criança tem desejo sexual porque, quando eu tinha oito, nove, dez anos, sonhava com uns bofes maravilhosos, como os meninos mais velhos. (CONVERSAÇÕES..., 1996, p. 188) E, como foi destacado no parágrafo anterior, com o homossexualismo e falta de cuidados, Renato contraiu o vírus da AIDS, o que nessa época era comum entre os gays, porém essa era a única questão sobre sua vida que ele não declarava abertamente, em muitas das entrevistas prestadas quando era questionado sobre relação sexual, deixava clara a importância que ele dava ao uso da camisinha, como uma proteção que sempre devia ser utilizada independente da pessoa com quem se envolveria, talvez fosse uma forma de apelo, para conscientizar as pessoas de que ninguém está livre de se infectar. Inclusive essa doença é que foi a causa da morte do cantor, que deixou os palcos e a música quando ainda era muito jovem. Para Renato, a conscientização das pessoas a respeito de questões humanas era perceptível nas músicas em seus diversos temas. A vida sem egoísmos que defendia, retratava em relação aos seus colegas de trabalho, compartilhava que o grupo era formado por quatro amigos e as finalizações das canções com a escolha dos acordes musicais era feita por todos juntos. Expunha sempre sobre a importância do respeito entre as pessoas, seus atos e reflexões 7 não eram guiados por nenhuma igreja, apesar de considerar-se católico, não frequentava a mesma. E, em relação à religião e a Deus, quando questionado sobre suas crenças impunha que cada um tem o seu Deus e acredita nele à sua maneira. Dessa forma, relata em entrevista: Já me envolvi a fundo com magia, Cabala, a ponto de ter de parar porque estava mexendo com forças que escapavam ao meu controle. Joguei muito tarô, fazia mapas astrais, estudei espiritismo, minha única frustração é ainda não ter acesso aos Evangelhos não – canônicos, considerados heréticos pela Igreja. Tem histórias sobre a ida de Cristo ao Tibete e à Inglaterra, onde esteve com os druidas. Acredito numa dimensão espiritual, para mim Deus significa tudo. Claro que não é o Deus da Igreja, o velhinho de barbas brancas. Agora até a ciência descobriu Deus, sei de matemáticos e físicos que acham que, para um universo tão perfeito, tem que haver Deus. (CONVERSAÇÕES..., 1996, p. 46) Percebe-se em suas palavras que ele não era um católico ativo da religião, mas demonstra interesse em conhecer e aprofundar seus conhecimentos sobre o evangelho e sobre a vida de Cristo, essa atitude não é estranha de sua parte, pois a literatura e o conhecimento o fascinavam. Ainda tratando sobre religião, entre as perguntas das entrevistas surgiam a indagações sobre o espiritismo traduzido nas músicas do álbum “As quatro estações”, de onde vinha a inspiração para essas letras, e, Renato afirmava que como a banda vivia um momento harmonioso suas vidas inspiravam as músicas. Também era questionado sobre seu comportamento em demonstrar um messianismo, e ele disparava que não era nada disso, e não desejava que o público seguisse seu exemplo de vida. Do disco citado acima, a música “Pais e filhos” (RUSSO, 1989) reflete bem em sua letra sobre humanidade, segundo Renato, “Está todo mundo muito sozinho, se ligando muito nas máquinas. Não é isso. O importante é saber de sua família, das pessoas que estão próximas de você e não copiar o cara que está na televisão. Foi isso que a gente começou a descobrir dentro do lance.” (CONVERSAÇÕES..., 1996, p. 27) o essencial é o amor entre as pessoas, viver o presente sem pensar em um amanhã que talvez nem venha, como exposto no refrão, “É preciso amar as pessoas/Como se não houvesse amanhã/Porque se você parar pra pensar,/Na verdade não há.”. Destaca-se também a religiosidade em falar sobre os nomes dos santos relacionados aos filhos, em toda a composição está presente a família e suas relações frente a indivíduos. 8 O comportamento de Renato e sua personalidade representavam um jovem que não se calava, e acreditava em um Brasil melhor, onde a fome e a miséria fossem extintas, onde as pessoas fossem mais valorizadas, sem preconceito de qualquer gênero, sem egoísmo em mundo com mais amor e solidariedade ao próximo. Apesar disso, a vida de Renato não pode ser tomada como exemplo como um todo, mas apenas em partes, isso por causa de suas fraquezas em relação ao álcool, as drogas e o descuido que o levou a contrair a AIDS. As partes boas desse todo é que devem ser valorizadas, a sua luta em defender os ideais de um país melhor e a sua inquietude declarada para todos os ouvintes de suas músicas. Um forte influente na vida de Renato foi o cantor Cazuza, também famoso do rock, e considerado por ele um ídolo a ser seguido. Cazuza era bissexual e soropositivo assumido, crítico e polêmico da sociedade, isso por seu comportamento e jeito de ser rebelde. A partir disso, podemos notar algumas semelhanças entre esses dois grandes cantores e compositores do Rock brasileiro, que seguiam estilos de vida parecidos, e que influenciavam muitos jovens a terem os mesmos padrões de comportamento. Esses exemplos de comportamento conduziam as pessoas a não calarem-se frente às desigualdades sociais, explícitas nas músicas. Uma dessas, é intitulada “Fábrica” (RUSSO, 1996), destacava na letra vários apontamentos sociais, relatando sobre o trabalho, a exploração/escravidão e a desigualdade social, conforme o seguinte trecho: “Quero trabalhar em paz/Não é muito o que lhe peço/Eu quero um trabalho honesto/Em vez de escravidão”, o proposto na letra era a valorização do trabalhador e a conquista de um trabalho e salário digno. Renato, falava da vida como se estivesse escrevendo em um diário, de modo simples, que, quando as pessoas lessem ou ouvissem essas palavras em suas músicas, pudessem facilmente entender. Nos trechos das canções, “Será” (VILA-LOBOS, RUSSO, BONFÁ, 1984), conforme o trecho “Tire suas mãos de mim/Eu não pertenço a você/Não é me dominando assim/Que você vai me entender” e “Geração Coca-Cola” do mesmo ano, conforme o trecho destacado “Somos os filhos da revolução/Somos burgueses sem religião/Nós somos o futuro da nação/Geração Coca-Cola”. Com essas músicas pode-se observar a grande influência de Renato para a juventude, pois, o mesmo se tornou, através destas canções, um meio onde os jovens pudessem expressar os seus sentimentos e revoltas pelos mais diversos assuntos. Alguns autores, diziam que ele abordava temas que jamais 9 poderiam ser abordados pela sociedade, seja pela censura do poder público, ou pela falta de coragem dos cidadãos, como Dapieve relata, "Ele era o paradoxal porta-voz desses eremitas compulsórios, o santo que quebrava o voto do silêncio. Dizia o que não devia nunca ser dito por ninguém, ou, por outra, dizia aquilo que não poderíamos ou não conseguiríamos dizer". (DAPIEVE, 1995, p. 212). Em “Monte Castelo”, faixa do disco As Quatro Estações, em vez de compor novas letras para a canção, Renato, uniu o soneto de Camões com uma passagem bíblica da Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios, resultando em uma linda música, que, ao ser apreciada por seus fãs, não era apenas um conhecimento musical que os mesmos adquiriam, mas um conjunto de música com poesia clássica portuguesa como podemos observar em um de seus trechos, “O amor é o fogo que arde sem se ver, É ferida que dói e não se sente, É um contentamento descontente, É dor que desatina sem doer” , e, no que se refere à Bíblia, um conhecimento sobre o amor, “Ainda que eu falasse a língua dos homens, E falasse a língua dos anjos, Sem amor eu nada seria” (RUSSO, 1989) já que este sempre foi um assunto muito polêmico, principalmente para o seu público-alvo, a juventude. Em 1995, Renato declara sobre as canções que falam de amor, (...) a partir do momento em que a gente tem essas músicas presente na vida da gente – seja você ligando o rádio, ou ligando a televisão –, isso ajuda um pouco, porque coloca que é uma necessidade das pessoas. E é importante as pessoas não terem medo do amor, Não terem medo de amar. (ASSAD, 2000, p.50.) Além disso, Renato declara que foi questionado pela letra da música “Monte castelo” por um entrevistador que não conhecia a poesia. Essa música foi uma maneira de mostrar ao público o valor da literatura, e como o amor é tratado em consonância com a realidade. Assim como a música “Monte Castelo”, todos os álbuns e repertórios da banda Legião Urbana trouxeram aspectos importantes a serem analisados, bem como o cantor Renato, que demonstrou um posicionamento de vida que, mesmo diferente do comportamento de muitas outras pessoas do seu contexto histórico, foi digno de um exemplar de vida. Ainda que Renato tenha caído em tentação ao fazer escolhas talvez equivocadas em sua vida, nos deixa o exemplo em suas palavras e declarações, pois, em respostas as entrevistas, nunca incentivou as pessoas a se drogar, a serem alcoólatras e a fazer sexo sem camisinha, ao contrário, relatava que nunca fora prevenido sobre os efeitos da droga por ninguém, e alertava sobre a 10 importância do uso de preservativos, assim como o controle sobre a bebida não se deixando levar pela luxúria. O estilo de vida de Renato e suas canções são boas sugestões para inspirar atitudes inovadoras, pois, os temas que contemplava em suas músicas ficaram para a história, e são importantes para abordar a cultura dessa sociedade, a repressão vivida, o amor nos versos, e assim por diante. Talvez Renato nunca tivesse imaginado o quanto suas composições seriam utilizadas futuramente, e o quanto o seu conhecimento poderia influenciar mentes, isso porque se pararmos para pensar, a democracia sonhada naquela época e conquistada atualmente, ainda não abrange a liberdade tão esperada, as mudanças no Brasil ao decorrer do tempo foram grandes, porém alguns problemas sociais persistem, como por exemplo, a pobreza, a desigualdade social dentre outros, mas em menor escala que na era ditatorial ou de formas mais mascaradas. E, mesmo sem ter conseguido alcançar o seu sonho de chegar aos 40 anos e escrever um livro, Renato Russo é elencado como grande escritor de rock dos anos 80 à 90, e dessa maneira seu nome, sua história de vida e suas composições são utilizadas em artigos científicos, livros e em diversos trabalhos, tornando-se um referencial teórico importante da história brasileira. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ASSAD, S. (coord.). Renato Russo de A a Z: as ideias do líder da Legião Urbana. Campo Grande: Letra Livre, 2000. ARAÚJO, Rogerio Bianchi de. A juventude e o rock paulistano dos anos 80. Disponível em: <http://www.revistas.ufg.com.br/>. Acesso em: 05 de Maio de 2015. CONVERSAÇÕES com Renato Russo. Campo Grande, MS: Letra Livre Editora, 1996. DAPIEVE, Arthur. Brock: o rock brasileiro dos anos 90. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. DRAIBE, Sônia M. BRASIL 1.980-2.000: proteção e insegurança sociais em tempos difíceis. Disponível em: <http://www.enap.gov.br/> Acesso em: 05 de Maio de 2015. RUSSO, Renato. Conexão Amazônica. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/>. Acesso em: 13 de Maio de 2015. RUSSO, Renato. Fábrica. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/>. Acesso em: 15 de Maio de 2015. RUSSO, Renato. Monte Castelo. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/>. Acesso em: 13 de Maio de 2015. RUSSO, Renato. Pais e filhos. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/>. Acesso em: 15 de Maio de 2015. RUSSO, Renato. Que país é esse? Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/>. Acesso em: 13 de Maio de 2015. 11 VILA-LOBOS, Dado; RUSSO, Renato; BONFÁ; Marcelo. Será. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/>. Acesso em: 13 de Maio de 2015. VILA-LOBOS, Dado; RUSSO, Renato; BONFÁ; Marcelo. 1965 (Duas tribos). Disponível em: <http: //www.vagalume.com.br/>. Acesso em: 06 de Maio de 2015. 12