De um modo geral, quando queremos urinar, há um relaxamento do esfíncter e uma contração dos músculos da bexiga, processo este que é controlado pelo cérebro. No caso dos "cadeirantes", há um descontrole desse mecanismo em função da lesão medular. Eles passam a ter, então, uma bexiga neurogênica, doença que também pode ser congênita. A falta de comunicação entre a bexiga e o sistema nervoso acarreta uma série de problemas no aparelho urinário, cuja gravidade dependerá do tipo de doença contraída pelo paciente. Seqüelas Além das dificuldades naturais da sua situação, os portadores de lesão medular podem ainda apresentar a bexiga neurogênica gências bancárias sem portas laterais, teatros com escadarias intermináveis, ônibus e banheiros não adaptados e cinemas sem espaço para cadeiras de roda. Definitivamente, ser portador de deficiência física, no Brasil, transformou-se em questão de heroísmo. São inúmeros os obstáculos A 24 encontrados pelos "cadeirantes" no dia-a-dia de uma cidade. E o que é pior: as dificuldades sociais acabam refletindo na vida privada dos deficientes em função da inconveniência vesical, problema que atinge dez entre dez pessoas, cujo trauma medular afetou o movimento dos membros inferiores. Em alguns casos, a bexiga pode encher demais sem que o doente perceba ou contrair, mesmo quando a pessoa não queira. "A bexiga também pode contrair sem que o músculo do esfíncter relaxe e deixe a uretra se abrir para a urina passar sem dificuldades", relata o urologista, Dr.Alfredo Felix Canalini, acrescentando que a bexiga neurogênica pode causar incontinência urinária, infecção, refluxo de urina da bexiga para os rins, formação de cálculos ou, até mesmo, fazer o rim parar de funcionar. "O rim é tão vital quanto o coração", lembra. Existem vários tipos de bexigas neurogênicas, sendo que cada uma delas requer um tratamento específico. Mas, a cura da doença vai depender também da cura da patologia que afetou o sistema nervoso. Ou seja, no caso dos portadores de deficiência, ela é incurável. A pessoa vai ter que aprender a conviver com o problema para o resto da vida. Nestes casos, o tratamento passa a ser fundamental para evitar as lesões nos rins. "A pessoa pode obter uma melhora significativa, resguardando o rim de um problema mais sério", explica o médico. De acordo com o urologista, a presença de bactérias na urina é bastante freqüente nos pacientes com bexiga neurogênica. Quase todos os exames mostram algum tipo de infecção urinária. No entanto, nem sempre é necessário tomar antibióticos para o tratamento. "Isso só deverá ser feito se houver sintomas específicos. O mais importante é ter a certeza de que a bexiga não ficará com a urina retida. Dois aspectos devem ser considerados: a preservação da função renal e a melhora da qualidade de vida do paciente", ensina o Dr. Canalini. Cuidados especiais O esvaziamento periódico da bexiga e a avaliação constante da urina são alguns dos cuidados necessários à manutenção da saúde e ao conforto do paciente ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Uma das melhores maneiras de não deixar que o aparelho urinário sofra infecções é programar seu esvaziamento de forma regular, evitando que a bexiga se distenda demais ou tenha hiper-reflexia. Isso pode ser feito através do cateterismo intermitente, que deve ser feito diariamente, em intervalos regulares de seis em seis horas. Além de eliminar a urina residual e evitar as lesões da parede muscular da bexiga, a cateterização impede a multiplicação das bactérias nocivas aos pacientes que sofrem com a bexiga neurogênica. "Ao esvaziar totalmente a bexiga, o portador de deficiência terá menos problema de incontinência urinária e menos riscos de infecção", explica o urologista, Dr. Alfredo Canalini. De início, o cateterismo terá que ser realizado dentro de um esquema de hora, volume e períodos de incontinência. "Recomenda-se que isso seja feito, pelo menos, a ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ cada três ou seis horas. Deve-se estar atento para o desconforto, suores, calafrios, dores de cabeça e sensação de enchimento", alerta, salientando que bebidas com cafeína devem ser evitadas. A urina do portador de deficiência deve ser constantemente avaliada. Sempre é importante observar alguns aspectos: urina turva, com odor ou com sangue pode ser sinal de infecção, assim como dor e ardência durante a introdução do cateter. O médico também precisa ficar atento no surgimento de febres, dores de cabeça e dores nas costas. O aumento da espasticidade também deve ser observada com cuidado. O paciente não pode ter dificuldades para introduzir o cateter até a bexiga. Isso também não é um bom sinal. O Dr. Canalini frisa que os especialistas devem fazer exames de urina periodicamente para ajudar no controle das infecções. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ "O importante é não deixar que essa bactéria provoque problemas como o aumento da espasticidade, febre e dor", ensina. O urologista desaconselha ainda a utilização do cateter permanente que, segundo ele, “Ao esvaziar totalmente a bexiga, o portador de deficiência terá menos problema de incontinência urinária e menos riscos de infecção” propicia mais infecções. "O cateter permanente é a pior forma de combater a bexiga neurogênica. As complicações são extremamente graves. Há casos em que é necessário até fazer cirurgia", sustenta. 25 Armas de fogo são as principais vilãs Segundo a ABBR, a maior parte das ocorrências, no nosso país, se deve a disparos de armas de fogo ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O trauma medular, que leva a pessoa a ficar portadora de deficiência, já foi um drama na vida de muita gente. Para se ter uma idéia do problema, durante a Primeira Grande Guerra, 85% dos soldados, que sofreram lesão medular traumática, acabaram morrendo num prazo de dois anos. A maioria deles em conseqüência do trato urinário. Esse número cai para 45%, na Segunda Guerra, por causa do surgimento do antibiótico. Nesse mesmo período, surge, na Inglaterra, o primeiro centro mundial de reabilitação, que não visava a cura da bexiga neurogênica. Mas, a partir daí, outros centros foram sendo abertos, o que acabou ajudando no desenvolvimento das doenças do trato urinário. Na Guerra do Vietnã, os soldados, com lesão medular que morriam em função de infecções urinárias, não chegaram a 5%, comprovando a evolução do tratamento. Apesar dos avanços no 26 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “durante a Primeira Grande Guerra, 85% dos soldados, que sofreram lesão medular traumática acabaram morrendo num prazo de dois anos. A maioria deles em conseqüência do trato urinário. Esse número cai para 45%, na Segunda Guerra, por causa do surgimento do antibiótico” ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ combate às doenças do trato urinário, o Brasil, hoje, tem uma triste estatística: a maioria dos casos de trauma medular ocorrem em decorrência de armas de fogo. Levantamento feito pela Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR) do Rio de Janeiro, no início dos anos 90, mostrava que 50% dos "cadeirantes" da instituição estavam paralíticos por causa de disparo de revólver. "Essa é nossa realidade hoje", lamenta o urologista, Dr. Alfredo Canalini, acrescentando que, nos Estados Unidos, a primeira causa de lesão medular são os acidentes de carro. "A reabilitação de um paciente desses requer uma equipe multidisciplinar. O primeiro passo é conscientizar o paciente do seu problema, o que é o mais difícil. Isso piora ainda mais quando ele vê a falta de opção para ele. Ou seja, o local em que ele vive não está adaptado para recebêlo", ressalta.