Seminário das 11h 29/11/2006 Patologia inflamatória e infecciosa do tracto genito-urinário Leccionado por Prof. Dr. Sobrinho-Simões A este tipo de letra encontram-se as perguntas do seminário. As respectivas respostas estão escritas com o seguinte tipo de letra. As intervenções do professor estão escritas deste modo. Professor Sobrinho-Simões: Qual é a relação entre cistite e insuficiência renal? Qual o maior problema da senhora? Será os Diabetes ou o facto de ter cistites, infecções da bexiga, recorrentes? Reparem que não sabem se a senhora tem ou não os seus níveis de glicose controlados. As pessoas com Diabetes fazem mais vezes infecções, tal deve-se a: - arteriolosclerose hialina sistémica, ou seja, esta alteração vascular está presente em todas as regiões do corpo, inclusive nas zona de fronteira cutânea e mucosa, onde é responsável pela menor capacidade de resposta do hospedeiro às agressões e à infecção - problema de metabolização do agente infeccioso devido à ligeira depressão das resposta imunológicas nestes doentes, quer do ponto de vista sistémico como do ponto de vista local, ou seja, tanto da resposta imunológica imediata, não informada, como da resposta informada - os diabéticos não controladas fazem menos infecção. Os doentes com Diabetes não controlada que apresentam hiperglicemia são, portanto, mais susceptíveis a infecções bacterianas uma vez que as bactérias, tendo boas vias glícolíticas, gostam de meios ricos em glicose. Além disso, a hiperglicemia nos diabéticos não controlados promove também a glicosúria o que favorece a infecção da bexiga (cistite) e pode levar à posterior infecção renal. Contudo, a insuficiência renal da paciente não é devida à sua Diabetes Mellitus, já que se assim fosse, a lesão renal seria simétrica, ou seja, atingiria ambos os rins (como acontece nas lesões renais causadas por distúrbios sistémicos) e não apenas o rim esquerdo. A insuficiência renal neste caso, embora tenha sido facilitada pela existência prévia de infecções, é devida sobretudo a uma calculose. O truque é saber que numa doença sistémica a lesão renal é simétrica. É o que acontece na diabetes, na amiloidose e também na hipertensão arterial. O caso da hipertensão é curioso: se tiver um doente com hipertensão sustentada, a insuficiência renal que poderá resultar desta situação (perturbação na filtração glomerular) será simétrica, em ambos os rins; contudo quando a hipertensão é causada, por exemplo, por estenose de uma das artérias renais, a lesão renal ocorrerá apenas num dos rins. - O que representam na Fig. 1 os focos assinalados com A? Como se designam as estruturas B e C? A – Necrose Papilar ou Papilite Necrosante B – Inflamação da Gordura Perirrenal - Perinefrite C – Dilatação da árvore pielocalicial (pelve renal dilatada) - Na Fig. 2, como se designa a lesão centrada pela estrela? A estrela encontra-se sobre uma área de necrose, neste caso, Necrose de Coagulação, que se formou predominantemente por razões isquémicas. Se fosse uma necrose predominantemente infecciosa seria uma Necrose do tipo Supurativa. A necrose da Papilite Necrosante ocorre apenas este nível (da papila), apesar da arteriolosclerose da Diabetes atingir todos os vasos renais, porque nas restantes áreas do rim há possibilidade de estabelecer circulação colateral que colmata as deficiências de circulação, enquanto que na papila, os vasos aí presentes são vasos terminais pelo que não há possibilidade de estabelecer essa circulação colateral sendo o ponto onde a isquemia induzida pela arteriolosclerose é maior. Como é que fariam para determinar se esta arteriolosclerose hialina era de causa diabética ou por hipertensão benigna? Pela sua localização. Na hipertensão benigna apenas seriam atingidas as arteríolas aferentes enquanto que na diabetes ocorreria lesão tanto das aferentes como das eferentes (porque a lesão na diabetes é de metabólica, do mesmo modo que na amiloidose, e não tensional como na hipertensão). - Como se designam as células que predominam no lúmen tubular na Fig. 3? Tratam-se de polimorfonucleares, constituindo uma inflamação do tipo supurativa.. No interior destes tubulos renais dilatados estão presentes também algumas células epiteliais que descamaram (são células vermelhas com muito citoplasma entre os polimorfonucleres). Estas células leucocitários, cilindros inflamatórias cilindros leucocitários de pus, que presentes no formam vão cilindros constituir sedimento os urinário destes doentes. O sedimento urinário desta senhora como seria? Teria glóbulos rubros? Não, só há glóbulos rubros no sedimento urinário quando o doente apresenta uma glomerulonefrite (porque essas situações cursam com alterações da permeabilidade e pelo glomérulo passam muitos glóbulos rubros). Do mesmo modo a presença de proteínas no sedimento urinário, proteinúria, é também a favor de uma perturbação glomerular. Com esta senhora não é isto que se passa. Ela terá leucócitos no sedimento urinário. Esses leucócitos são expulsos no sedimento urinário sobre a forma de cilindros – Cilindros Leucocitários. É algo interessante, porque, os leucócitos do sedimento urinário quando de origem glomerular são expulsos sob a forma de cilindros, enquanto que sendo de origem vesical são expulsos de forma dispersa, isolados. Por vezes os Cilindros Leucocitários não têm só leucócitos ma também têm proteínas, constituindo Cilindros Hialinogranulosos. - Quais são os factores predisponentes das lesões representadas nas Fig. 1, Fig. 2 e Fig. 3? • Alterações da irrigação sanguínea (Doença vascular da Diabetes Mellitus) • Infecções de repetição • Pielonefrite Aguda com obstrução (comprometimento da árvore pielocalicial) • Nefrite associada ao abuso de analgésicos Nas Fig. 4a, Fig. 4b, Fig. 4c e Fig. 4d estão ilustrados aspectos do rim de quatro casos distintos. Observa-se congestão na transição cortiço-medular. Além disso, o parênquima renal está extremamente pálido, característica que é indicativa de morte por Choque (não sabemos qual, pode ter sido hipovolémico, anafiláctico, cardiogénico, neurológico, mas sabemos que ocorreu morte por Choque). - Como se designa o aspecto da árvore pielo-calicial presente em graus variáveis nestes casos? Hidronefrose Na figura 4b está representada a causa da hidronefrose, indicada pela seta: um cálculo – litíase. A figura 4c exemplifica uma causa de hidronefrose típica na criança, por malfomações da árvore pielocalicial. Na criança outra causa de hidronefrose é o refluxo vesicuureteral. Quando, numa situação de Hidronefrose há infecção estamos perante uma situação de Pionefrose. Quando há acumulação de pus chama-se sempre PIO- qualquer coisa. Não se esqueçam, contudo, que a acumulação de pus na pleura se chama empiema.~ Por que razão é há associação de hidronefrose e infecção? As bactérias gostarão da estase urinária, de permanecer naquele «pântano» de urina? Não. A infecção desenvolve-se devido à ausência de movimento de urina nas paredes do sistema urinário e não devido á estase. Assim o que facilita a infecção na hidronefrose não é a urina (até porque esta não é um bom caldo de cultura para bactéria) mas sim a ausência desse fluxo pelas paredes que facilita a ascensão de bactérias. Por outro lado, a parede está muito fragilizada devido à dilatação, o que também favorece a infecção. - Quais as causas mais frequentes deste aspecto da árvore pielocalicial? • Obstrução intrínseca do tracto urinário (por tumor,por exemplo um tumor benigno do uréter – papiloma, ou por litíase) • Obstrução extrínseca do tracto urinário (por tumor, por exemplo um tumor retroperitoneal que afecta os ureteres, e por gravidez) É mais fácil haver infecção no tracto urinário da mulher porque este é mais curto e está mais perto das bactérias entéricas que são os agentes mais comuns de infecção urinária. A Fig. 5 apresenta as superfícies externa e de corte de um rim numa mulher com septicemia por endocardite bacteriana. Endocardites bacterianas é uma expressão infeliz. Devíamos falar em endocardites infecciosas, que é o nome da doença, porque ela pode ser baceriana, vírica ou fúngica. Se aqui se diz que é bacteriana, é porque já se sabia que era causada por uma bactéria. Quem é que tem endocardites bacterianas? - Pessoas com próteses valvulares (é indiscutível que estas pessoas tem imensas vezes endocardites: significa que as próteses constituem um meio que facilita a fixação de bactérias, por deficiência da resposta do tecido.) Mas não se esqueçam: as pessoas que tem próteses, tem mais vezes endocardites bacterianas, mas não tem mais vezes infecção! Isto é: todos nós temos de vez em quando bacteriémias (por exemplo, quando vamos ao dentista e nos tiram um dente, há transitoriamente entrada de bactérias para a nossa circulação, e em principio, se não houver um sítio frágil para a bactéria “agarrar”, não temos chatices, mas se tivermos uma prótese há mais probabilidade de desenvolvermos uma endocardite. - Alterações nas válvulas. Por exemplo a febre reumática provoca alterações nas válvulas mitral e aórtica (as duas no lado esquerdo). E porquê que são sempre no lado esquerdo? Por causa da maior tensão exercida no lado esquerdo. São estas as duas principais causas de endocardites bacterianas. E agora se houver uma endocardite infecciosa (quer seja ela bacteriana, vírica ou fúngica) à direita. Em quê que se pensa logo? - Hipertensão pulmonar - Infecção secundária a toxicodependência (é cada vez mais frequente porque actua por infecção directa da administração intravenosa) - Qual é a composição provável dos múltiplos focos amarelados? Pus. É uma necrose supurativa. E agora as partes mais escuras, que rodeiam estes focos amarelados, correspondem a microabcessos. Não podia ser congestão porque nunca podemos ter congestão no meio. - Como se designa globalmente esta lesão do rim? Pielonefrite aguda hematogénica (porque é descendente), ou simplesmente, nefrite aguda. - Qual é a via mais frequente que os agentes etiológicos usam para causar este tipo de lesões renais? Infecção ascendente (que apesar de tudo são raras) - E quais são os agentes que mais vezes estão implicados na patogénese das lesões renais por essa via? E. coli e bactérias gram-negativas - Quais são as condições/lesões que mais frequentemente facilitam esta via patogénica? - Obstrução do sistema urinário (cálculos, hipertrofia prostática ou tumores) - Instrumentação - Refluxo vesical (sobretudo em crianças) outras: - Gravidez - Lesões renais pré-existentes - Diabetes mellitus Homem de 67 anos de idade com história de infecções urinárias de repetição associada a obstrução do tracto urinário. - Observe na Fig. 6 o aspecto macroscópico da superfície externa do rim. As áreas irregulares indicadas pelas estrelas indicam deformação da superfície renal. (áreas deprimidas) são cicatrizes Estas lesões são simétricas? Isto é, se formos a ver o outro rim deste senhor, havia este tipo de lesão? Não!! O facto de ser infecção urinária, indica logo que é assimétrica. Raramente temos infecções que afectam de igual modo os dois rins! Mas por exemplo, as glomerulonefrites, como doenças sistémicas que são, vão afectar os dois rins. São simétricas. A diabetes também. E entre os dois rins, as lesões são extremamente homogéneas Já a gloméruloesclerose dos doentes com hipertensão não são bilaterais Que tipo de lesão representam? Pielonefrite crónica (como resultado da obstrução) - Observe as Fig. 7 e Fig. 8 e descreva as alterações observadas. Na figura 7 estão representados glomérulos, que estão muito próximos uns dos outros, porque estamos perante uma cicatriz, fibrosada, e como tal é retráctil, estando também presente algum infiltrado inflamatório Na figura 8 o que se vê são túbulos renais, preenchidos com colóide (material fibrinóide). Durante muitos anos chamou-se a este aspecto, pseudotiroideu. O quê que estes doentes tem no sedimento urinário? - Alguma proteinúria (do material colóide) - Infiltrado linfocitário Não tem de maneira nenhuma leucócitos nem eritrócitos (porque não há hematúria) Da observação: .) Túbulos atróficos (com aspecto pseudotiroideu) .) Espessamento da cápsula de Bowman .) Infiltrado inflamatório no espaço intersticial No canto inferior direito da figura 8, vê-se artérias que estão muito espessadas e possuem um depósito de fibrina Necrose fibrinóide (esta necrose, significa que este doente pode estar a fazer uma hipertensão associada à pielonefrite). - Como se designam globalmente as lesões renais representadas nas Fig. 6, Fig. 7 e Fig. 8? Qual é a patogénese deste tipo de lesão renal? Pielonefrite crónica, por infecção cicatrização como resultado de obstrução. recidivante e Mulher de 57 anos com história de ingestão crónica de analgésicos por artrite reumatóide. Desenvolveu quadro de insuficiência renal aguda. Na Fig. 9 documenta-se o aspecto histológico do parênquima renal. - Descreva o que se observa. Abundante infiltrado inflamatório tubular e intersticial, rico em eosinófilos linfócitos. - Qual o diagnóstico mais provável? Nefrite intersticial aguda, induzida por hipersensibilidade. (Devido à presença de eosinófilos e da história clínica associada aos analgésicos). As doenças alérgicas estão a aumentar muito, sobretudo por reacções do tracto respiratório a alergénios, mas também componentes do género deste caso. Observe na Fig. 10 uma montagem de corte total de próstata em homem de 69 anos com história de infecções urinárias de repetição. - Como se designa a lesão que aparentemente poupa a periferia da próstata e envolve a uretra prostática? Hiperplasia nodular da próstata (glandular e estromal) Esta situação é pré-neoplásica? Não!! Estas pessoas que tem hiperplasia nodular da próstata, não estão em risco aumentado de desenvolver cancro da próstata, porque estas patologias desenvolvem-se num lugar distinto da próstata (1 em cada 9 homens desenvolve cancro, e destes, cerca de metade vem a falecer. O mesmo se aplica para as mulheres e o cancro da mama) - Em área focal da próstata observa-se o aspecto histológico representado na Fig. 11. Glândulas hiperplásicas, rodeadas por linfócitos, alguns dos quais passam para o interior da glândula por migração transepitelial glândulas há (Hiper.....ninguém também células percebeu). descamadas. No Dentro das interstício estão presentes alguns vasos com eritrócitos, mas não há congestão. Como se designa esta lesão? Prostatite crónica (que se associa muitas vezes à hiperplasa nodular, e tal como esta , também não é uma lesão pré-neoplásica) Mulher de 47 anos de idade submetida a histerectomia por complicação resultante de uso de DIU. A doente apresentava história de febres, dores e mal-estar pélvico recidivante que não cederam aos vários tratamentos médicos sucessivos. Doença inflamatória pélvica (DIP) - Observe na Fig. 12 o aspecto histológico do endométrio. Qual o diagnóstico mais provável? Observa-se uma glândula preenchida e rodeada por PMN. Trata-se de uma endometrite crónica (porque é recidivante), mas em agudização (porque há sinais de actividade) - Que tipo de infecções se associam ao uso de DIU? Sobretudo bacterianas e fúngicas - Quais são os agentes etiológicos mais frequentemente implicados na infecção do tracto genital feminino? Candida, Trichomonas, Gardnerella, Neisseria, Chlamydia, Herpes simplex - Qual é a via de infecção mais frequente do tracto genital feminino? Sexual - E quais as complicações mais frequentes destas infecções? Infertilidade, abortamento, sepsis e peritonite. Na Fig. 13 observa-se útero, trompas de falópio e ovários num caso de doença pélvica inflamatória grave. Note a dilatação das trompas (piossalpinge) com aderências aos ovários. - Quais são os agentes etiológicos mais comuns nesta situação? Gonococos (neisseria), clamidia e bactérias entéricas Na Fig. 14 ilustra-se o aspecto histológico em pequena ampliação de lesão peniana inicial de sífilis cutânea. Na Fig. 15 pode observar a imunofluorescência directa com anticorpo específico do Treponema pallidum. - Descreva as alterações observadas. Na figura 14, está representado o primeiro estado de sífilis, com elevada congestão, local onde há invasão pelo Treponema. Dado que não é visível pela coloração normal, a imunofluorescência permite confirmar a existência Treponema nestas situações. Em destaque é possível observar endartrite. de Na Fig. 16 estão ilustrados aspectos histológicos de lesão vulvar em mulher de 22 anos cerca de 5 dias após relações sexuais com um parceiro ocasional. - Descreva o aspecto histológico observado na Fig. 16 (a). Vê-se necrose epitelial difusa, com inclusões numa célula epitelial multinucleada. Observa-se também uma cavidade, que não é um abcesso, mas sim uma vesícula ou bolha. - Qual é a etiologia mais provável das alterações observadas nas células das Fig. 16 (b) e (c). Vírus herpes simplex (VHS) Ei-lo! Não incluímos as imagens na desgravação, uma vez que sem as imagens já são 12 páginas. e cm não queremos ninguém por ai com sincopes.. optamos por não adicioná-las, até porque praticamente toda a gente as imprime junto com o seminário. Com votos de um Bom Natal e Ano Novo, Carolina Sales Marta Ferreira