Pandemia no ar: a cobertura da gripe AH1N1 no Jornal Nacional Flavia Natércia da Silva Medeiros & Luisa Massarani Núcleo de Estudos da Divulgação Científica, Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz Contexto da pesquisa • Núcleo de Estudos da Divulgação Científica/Museu da Vida • Projeto com apoio CNPq e Faperj • Rede de Jornalismo Científico/Cyted • Capacitação de jornalistas Cronologia do AH1N1 Abril de 2009: mídia começa a divulgar intensamente a identificação de um novo tipo de gripe, com origem não bem compreendida e que seria mais letal que a gripe comum. 15 de abril: 1ª confirmação da doença pelo Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos 21 de abril: o CDC divulgou que um novo vírus influenza suíno do tipo H1N1 foi detectado na Califórnia 24 de abril: A partir da confirmação da circulação no México de novo vírus por exames realizados no Canadá, as autoridades mexicanas começaram a divulgar o número de casos e de mortes que podiam ter sido causadas pela gripe AH1N1 25 e 26 de abril: números relativos a casos “suspeitos” ou confirmados e mortes foram difundidos pelo mundo Cronologia: 27 de abril: A OMS declara a gripe AH1N1 uma preocupação de saúde pública em nível mundial 29 de abril: O nível de alerta subiu de 4 para 5, indicando haver transmissão de humano para humano em ao menos dois países Nas quatro semanas que se seguiram ao relato inicial pelo CDC, 41 países confirmaram registros de infecções pela nova gripe, sendo o México e os EUA os mais afetados Balaço do período: 11.034 casos e 85 mortes no mundo 11 de junho: A OMS declara a gripe AH1N1 oficialmente uma pandemia Nosso estudo Jornal Nacional (JN): telejornal mais assistido pela população brasileira e promete tratar do que de mais importante aconteceu no país e no mundo; formador de opinião pública e gerador de pauta para outros veículos de comunicação de massa Período analisado: abril a agosto de 2009 Estudos do campo da comunicação sobre a cobertura de doenças são escassos em âmbito nacional Resultados Foram encontradas 157 matérias, com picos de cobertura em maio e julho: 50 45 45 40 40 35 30 26 27 25 20 19 15 10 5 0 abril maio junho julho agosto O ciclo de atenção do JN a gripe AH1N1 analisado se estendeu por 20 semanas, de 24 de abril a 31 de agosto de 2009, e teve dois picos Maior pico (maio): quando da emergência da doença, nova e potencialmente perigosa – à medida que aumentou o risco de a AH1N1 infectar brasileiros e, depois, circular no Brasil. Segundo pico (julho): se deu durante o inverno, em julho, quando normalmente aumenta a incidência de doenças respiratórias; a gripe já não era tão nova, mas o aumento do número de casos renovou o alarme e o pânico Em abril e em julho (emergência/reemergência): • Matérias mais longas • Maior proporção de chamadas de abertura • Reportagens mais frequentes que notícias e outros formatos de matéria Picos de saliência: fatores relevantes • número de casos ou mortes • potencial para disseminação ou a efetiva disseminação do vírus na população brasileira: a gripe passa a ser um problema “nosso” Destaque dado pelo telejornal A gripe chegou a ocupar 43% do tempo total do Jornal Nacional – em outros 10 dias de cobertura a nova gripe ocupou 20% ou mais do tempo de jornal−, o que indica que a doença foi considerada relevante pelo telejornal 62 das 156 matérias (39,7%) renderam chamadas na abertura do telejornal As matérias duraram de 10 a 322 segundos (ou 5 minutos e 22 segundos) Metade das matérias teve duração de 1 minuto e 45 segundos ou mais, mas a média foi 98,5 segundos O tempo ocupado por metade das matérias foi igual ou inferior a ~6% do programa e a média foi 10% Tempo médio– 98,5 segundos (1 minuto e seis segundos) Predomínio de matérias curtas pode ter contribuído para a contextualização e aprofundamento pouco freqüente das notícias veiculadas • O desenvolvimento de vacinas ou a produção de medicamentos para tratar a gripe foram os assuntos que mais renderam chamadas de abertura (57%) • Matérias sobre medidas de prevenção e controle (47%) e sobre características da nova gripe (41%) também renderam chamadas de abertura com alta frequencia Reportagens foram o formato mais freqüente (58%) das matérias: Formato 1 5 6 reportagem notícia conversa com repórter ou correspondente 30 58 entrevista outros Frames principais (6) • Alastramento da doença/vitimização – foco incide sobre o número de casos suspeitos, confirmados, descartados e as mortes causadas pela nova gripe. • Background científico-médico - descrição de pesquisas anteriores, recapitulação dos resultados conhecidos e descobertas, descrição de aplicações ou usos médicos potenciais. • P&D – isolamento e seqüenciamento do novo vírus H1N1 para desenvolvimento de medicamentos e vacinas. • Impacto econômico – perdas ocasionadas pela nova gripe a comerciantes, à indústria do turismo e aos turistas; fontes • Personalização/interesse humano – drama das pessoas afetadas pela nova gripe: gente que contraiu o vírus e adoeceu ou teve familiares doentes ou mortos • Prevenção/controle – foco principal está nas medidas sanitárias que devem ser ou são tomadas por governos, empresas e cidadãos para evitar a infecção ou tratar a doença se a infecção ocorrer. Frames Predominantes: prevenção/controle e alastramento/vitimização; 3% background científico + 7% de P&D 7 4 3 prevenção/controle 9 alastramento da doença/vitimização 68 personalização/interesse humano pesquisa e desenvolvimento impacto econômico 65 background científico-técnico • Matérias com “background técnico” foram pouco frequentes, mas tiveram duração maior e proporcionalmente mais contextualização. • Matérias com frame “personalização” e “prevenção/controle” também foram relativamente mais longas que as demais • O frame alastramento esteve mais presente em notícias, “prevenção/controle” em reportagens • Pesquisa e desenvolvimento e personalização/interesse humano também apareceram mais em reportagens • No caso de pesquisa e desenvolvimento, houve predomínio de matérias de origem regional (Sudeste – Butantan, Adolfo Lutz e Fiocruz) Em 75% das matérias foram mencionadas ações tomadas para prevenir, controlar e monitorar a transmissão da gripe AH1N1, resultado condizente com a relevância para a cobertura do JN do frame “prevenção e controle” 42,3% das matérias abordaram recomendações feitas por autoridades sanitárias e médicos Os sintomas da nova gripe ou comparações dela com a gripe sazonal ou o resfriado só foram mencionados em 23% das matérias • Fontes: indivíduos ou instituições responsáveis pela informação que gerou a notícia • Vozes: pessoas ou instituições ouvidas diretamente para compor uma matéria jornalística Predominaram matérias com 1 (42%), 2 (30%) ou 3 (17%) fontes de informação: Fontes expressivas: fontes oficiais (59%) e os médicos (17%); cientistas (6%) Predominaram como vozes cidadãos comuns (35%), as autoridades governamentais/representantes de governo (31%) e os médicos (16%): Pandemia no ar Predominaram matérias de origem nacional (50%) e internacional (19,9%): 4,4 7,7 Nacional 7,7 Internacional Regional 10,3 50 Local Outro país em desenvolvimento País desenvolvido 19,9 Imagens Só 14,7% das matérias mostraram imagens de laboratórios de pesquisa científica Só 14,7% das matérias mostraram imagens de cientistas Infográficos, por sua vez, foram frequentemente utilizados, aparecendo em 74 matérias (47,4%) Apenas 7,7% das matérias exibiram animações para ilustrar ou auxiliar na explicação das notícias Divididas por tomadas, as matérias exibiram um total de 2.124 imagens, dentre as quais prevaleceram os agentes sanitários, médicos e hospitais (21%) e cidadãos comuns (21%) Representantes de governo/autoridades/prédios oficiais constituíram o terceiro tipo mais freqüente de imagem (12,24%) Em 44% das matérias apareceram imagens de dispositivos de proteção contra a infecção (máscaras, luvas, álcool gel, roupa de perigo biológico) ou atitudes preventivas (lavar as mãos) Os dispositivos mais exibidos foram máscaras cirúrgicas http://www.flickr.com/photos/fernando_freitas/3772822126/ O JN não abordou em geral os riscos (como efeitos colaterais) associados aos medicamentos e/ou vacinas em teste, tampouco os resultados dos testes realizados com voluntários E apenas 3,8% (6 em 156) mencionaram controvérsias Algumas tendências • Aumento/redução do número de casos foi tópico mais relevante no início da cobertura; em julho e agosto, ganharam proeminência as medidas para prevenir/controlar a doença • Em abril, além dos frames contenção e alastramento, “background técnico” também se mostrou expressivo • Em agosto, a “personalização” atinge frequencia expressiva (15%) – modo de esquentar o noticiário? • Somente em maio notícias de origem internacional foram mais frequentes que as nacionais • Em abril e julho (emergência/reemergência) também foram expressivas matérias provenientes de outros países em desenvolvimento (México/Argentina) Algumas tendências • No início da cobertura foram mais frequentes imagens de cientistas • Comentários de especialistas foram mais frequentes em matérias com os frames personalização (78%); background (67%) e pesquisa e desenvolvimento (43%) • Matérias que trataram do desenvolvimento de vacinas foram as que mais mostraram cientistas (47%), seguidas das que trataram de características da nova gripe (27%) • Ações para combater a gripe foram mais frequentes nos frames (em ordem decrescente): pesquisa e desenvolvimento, prevenção/controle, personalização e background • Recomendações foram altamente frequentes nas matérias com os frames background (100%), personalização (87,5%) e prevenção/controle (74%) • Sintomas foram mais frequentes em matérias com os frames: background (100%); personalização (56%) e prevenção/controle (23%) Comentários gerais • Informações sobre sintomas foram relativamente pouco freqüentes e pode ter contribuído para que mais pessoas sentissem necessidade de procurar médicos, hospitais e postos de saúde • Nos dias de emergência da crise, a letalidade aparente da doença no México, a dúvida manifesta pelos âncoras diante das declarações do ministro da saúde e as imagens de pessoas com máscaras, luvas e roupas de perigo biológico podem ter contribuído para semear o pânico que lotou os hospitais durante algumas semanas de 2009 • O telejornal fez poucas comparações desse surto de gripe com outros do passado: o fato, por exemplo, de as pessoas não saberem que gripe comum pode levar à morte também pode ter contribuído para o clima de pânico Comentários gerais • Em poucas ocasiões houve algum questionamento ou alguma abordagem crítica das medidas profiláticas ou dos medicamentos antivirais • As imagens predominantes na cobertura realizada pelo JN sobre a gripe AH1N1 foram as de hospitais e cidadãos comuns em hospitais, filas, salas de recepção/espera. • Essas imagens parecem reforçar a mensagem de “preparação” contra a doença, mas podem ajudar a questionar a própria eficácia das medidas tomadas e das recomendações feitas pelas autoridades sanitárias do Brasil e de organismos internacionais como a OMS e a OPAS: Se a situação estava sob controle, por que os hospitais estavam lotados e foi necessário inclusive multiplicar os locais de atendimento, montando barracas e tendas pelas cidades? Comentários gerais Baixa presença de temas científicos de relevância para a compreensão do desenrolar do surto e depois da pandemia de gripe – origem, evolução, seqüenciamento, diagnóstic o, mutações do vírus Baixa presença de cientistas consultados No entanto, nosso estudos mostram que mídia dá cada vez mais espaço para C&T (AL, capas) A ciência na primeira página FSP: 298 chamadas de primeira página: Número de chamadas Distribuição das chamadas de FSP por mês 35 30 25 20 15 10 5 0 Mês do ano Como poderíamos ter aproveitado melhor o episódio para ter inserido mais temas científicos na pauta da mídia? Como usar a Fiocruz para discutir mais o tema, após a mídia ter despertado o interesse? Dilemas da comunicação de riscos: como alertar sem semear o pânico?