A LITERATURA COMO RECURSO PARA O DESENVOLVIMENTO DO LETRAMENTO CRÍTICO: UMA PROPOSTA BASEADA EM GÊNEROS TEXTUAIS Adriana Teixeira Pereira* Gleicyane Feitosa Gomes** Cleudene de Oliveira Aração*** RESUMO: Este artigo, de pesquisa bibliográfica, objetiva discutir como usar materiais literários como instrumentos eficazes para o desenvolvimento do letramento crítico em Espanhol como língua estrangeira. A utilização desses materiais vem da convicção de que o falante só conhece uma língua quando tem a capacidade de utilizá-la com segurança e com adequação pragmática. A Literatura, como fiel representante das situações socioculturais e comunicativas de uma sociedade, estimula o aperfeiçoamento das capacidades comunicativas em língua estrangeira (MENDOZA, 2002), ou seja, serve como recurso para a leitura crítica dos alunos. Nossos estudos sobre letramento crítico, uso de materiais literários, leitura, gêneros e sequências textuais então ancorados, sobretudo, em Cassany e Castellà (2010), Mendoza (2000, 2002, 2007), Kleiman (1999) y Marcuschi (2002), respectivamente, e fazem parte de uma pesquisa mais ampla que está em fase inicial. Discutimos também o papel dos gêneros literários entre os demais gêneros textuais no âmbito da formação leitora em LE, pois acreditamos que seu uso contribui satisfatoriamente para que os alunos se transformem verdadeiramente em sujeitos de sua aprendizagem, uma vez que, com o contato direto com mostras reais da língua, terão subsídios para interagir criticamente na sociedade em que estão inseridos. PALAVRAS-CHAVE: Letramento crítico. Literatura. Gêneros textuais. RESUMEN: Este artículo, de investigación bibliográfica, objetiva discutir como usar materiales literários como instrumentos para El desarrollo de la literacidad crítica em Español como Lengua Extranjera. La utilización de esos materiales viene de la convicción de que El hablante solo conoce uma lengua cuando tiene la capacidade de utilizarla com seguridad y com adecuación pragmática. La Literatura, como fiel representante de la situaciones socioculturales y comunicativas de uma sociedade, estimula el perfeccionamiento de lãs capacidades comunicativas em Lengua Extranjera (MENDOZA, 2002), es decir, sirve como recurso para la lectura crítica de los alumnos. Nuestros estúdios sobre literacidad crítica, uso de materiales literários, lectura, gêneros y secuencias textuales están basados, sobretodo, en Cassany e Castellà (2010), Mendoza (2000, 2002, 2007), Kleiman (1999) y Marcuschi (2002), respectivamente,y hacen parte de una investigación más ampla que está em fase inicial. Disctimos también el papel de los gêneros entre los demás gêneros textuales em el âmbito de la formación lectora em LE, pues creemos que su uso contribuye satisfactoriamene par que los alumnos se transforme verdaderamente em sujetos de su aprendizaje, um vez que, com el contacto directo com muestras reales de la lengua, terán subsídios para interactuar criticamente em la sociedad em la que están inseridos. PALABRAS-CLAVE: Lireacidad crítica. Literatura. Géneros textuales. INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 1 APRESENTAÇÃO O Espanhol, como língua estrangeira, desde 2010, com a vigência da Lei nº 11.161/2005, vem integrando o currículo do Ensino Fundamental, de 5ª a 8ª séries, e do Ensino Médio das escolas públicas e privadas do Brasil. De acordo com a Lei, para o Ensino Fundamental, a oferta da disciplina é facultativa, enquanto para o Ensino Médio, é obrigatória. Desse modo, é fundamental que os professores desse idioma estejam preparados para o grande desafio que é fazer com que esse idioma se transforme em mais um meio comunicativo precípuo para o (re) conhecimento da cultura de outros povos e para o fomento do letramento crítico mediante materiais literários em língua espanhola. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é discutir como usar materiais literários em sala de aula como instrumentos eficazes para o desenvolvimento do letramento crítico em Espanhol como língua estrangeira, de modo que o aluno consiga não apenas conhecer os propósitos comunicativos dos diferentes gêneros textuais, mas compreenda e disfrute um texto literário a ponto de manifestar-se criticamente sobre a leitura realizada. Nesse sentido, a Literatura é entendida, inclusive, como elemento formativo do aprendiz, uma vez que, através dela, ele poderá observar desde os aspectos mais estruturais da língua aos socioculturais e pragmáticos. Este artigo representa, portanto, um intuito de contribuir para a ampliação dos estudos sobre letramento crítico na contemporaneidade. Para tanto, refletiremos algumas considerações importantíssimas sobre a abordagem crítica no ensino de leitura em sala de aula mediante, sobretudo, materiais literários, considerando claramente nossa concepção atual de ver a prática de leitura como fator fundamental para a participação efetiva de indivíduo enquanto ser partícipe, crítico, formador de opinião e construtor de discursos. Em um primeiro momento, discutiremos a concepção de alfabetização e letramento. Em seguida, refletiremos sobre a eficácia do uso de materiais literários para ensino de ELE e para as práticas de letramento crítico. Em seguida, discutiremos a importância da utilização dos gêneros textuais no processo de ensino de línguas e suas implicações no processo de compreensão leitora, com destaque para os textos literários. Em seguida, refletiremos sobre a relação que se estabelece entre estes textos e o fomento do letramento crítico. Para tanto, nos ancoraremos nos estudos de Cassany e Castellà (2010), Mendoza (2000, 2002, 2007), Kleiman (1999) y Marcuschi (2002). 1.ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 2 Compreender a estrutura linguística do Espanhol, assim como a de qualquer outro idioma, é fundamental, pois é ela que dá forma aos propósitos comunicativos do falante, os quais se apresentam como a funcionalidade da língua. Entretanto, conhecer a tecnologia da escrita, ou seja, decodificar estruturas linguísticas durante a leitura não é suficiente para que os indivíduos compreendam as mensagens que estão contidas nos textos. É importante entendermos, portanto, que o ato de decodificar não representa o ato de ler se tomarmos como concepção de leitura um processo mediante o qual o indivíduo se reconhece enquanto sujeito capaz de mudar a sua realidade e a que está a sua volta, isso significa dizer que ler está além de decodificar. De acordo com dados do Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf) 2011-2012, há dez anos, no Brasil, o índice de pessoas que não conseguem compreender mensagens implícitas nos textos é a mesma, 26%. Isso é intrigante se observamos que durante esse tempo, uma década, o índice de analfabetismo caiu pela metade, como isso se explica? A questão é que, ao se alfabetizarem, as pessoas se apropriam da escrita, das formas linguísticas e de um número restrito de significados. Já no processo de leitura significativa, o indivíduo, para interpretar e compreender mensagens, necessita de acionar os diversos significados contidos nos signos linguísticos, que estão intrinsicamente envolvidos no processo da enunciação: quem emite a mensagem, para quem a emite, quando e onde foi emitida. Segundo com Calsamiglia y Tusón (2007), o texto constitui-se por estruturas que se combinam para formar uma unidade comunicativa, intencional e completa. Para as autoras, é possível tratá-lo sob dois pontos de vista: o local e o global. Para o local, consideram-se as estruturas linguísticas que o constituem e suas relações que formam as sequências. Para o global, além da estrutura, leva-se em conta também seu conteúdo geral e suas características pragmáticas. Com isso, os textos passam a ser concebidos como acontecimentos comunicativos situados socio-historicamente. Como podemos ver, o ponto de vista local refere-se, especificamente, à decodificação, já o global, além de referir-se à decodificação, concerne também à interpretação e à compreensão dos textos. Desse modo, se compreendermos que os indivíduos, ao estarem inseridos em dada sociedade, associam-se aos fatores históricos, ideológicos e culturais que a constituem. Sendo assim, já não se pode mais conceber o ato de ler dissociado dessas características. De acordo com Soares (2006, p.20): Só recentemente passamos a enfrentar esta nova realidade social em que não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente – daí o recente surgimento do termo letramento. INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 3 Letramento, portanto, é uma prática social e, por meio dela, o indivíduo tem acesso aos mais variados conhecimentos. Nesse sentido, a obtenção de um eficiente desenvolvimento do ato de ler tem se tornado um dos grandes desafios da escola porque se estabelece que os aprendizes devem ser capazes de ler e escrever adequadamente para participar efetivamente da sociedade em que se inserem. Pensar o ensino de leitura em LE também significa assegurar aos alunos mecanismos que lhes proporcione atribuições de significado às estruturas linguísticas que lhes são apresentadas. Isso porque defendemos que a leitura, em língua materna ou em língua estrangeira, é uma prática social que reflete as ideologias de cada sociedade, o que contribui efetivamente para a formação de um cidadão consciente. 2. LEITURA, LETRAMENTO CRÍTICO E LITERTURA A leitura, como prática social, contribui significativamente para a formação de um cidadão consciente. E é a partir desta perspectiva que se propõe o desenvolvimento do letramento crítico do aluno em sala de aula. Com essa prática, o aprendiz passa a não aceitar tudo que ler de maneira passiva, ele, agora, questiona, posiciona-se, reflete sobre o que está lendo e sobre sua condição de leitor e de indivíduo ativo dentro da sociedade. O letramento crítico, segundo Cassany (2006), está para o manuseio linguístico, o conhecimento da funcionalidade do discurso e dos turnos que assumem o leitor e o autor do texto, além, e principalmente, dos valores sociais associados com as práticas discursivas correspondentes que os interlocutores adquirem no ato de enunciação. O autor coloca, ainda, que o conceito de letramento crítico baseia-se, essencialmente, na ideia de ideologia. Ler críticamente ou ser crítico ao ler e escrever significa, em poucas palavras, ser capaz de gestionar a ideología dos sentidos, tomando o termo ideología em um sentido mais amplo e desprovido das conotações negativas que tem este vocábulo na rua. A ideologia é qualquer aspecto da visão que adota um texto: se é de esquerda o de direita, mas também se é machista, racista, ecológico, tecnológico, etc. (2006, p.91) i No entanto, pesquisas têm verificado o grande desafio que é o ensino de leitura em LE nas escolas, principalmente, pela escassez de tempo para se trabalhar as habilidades necessárias para um aluno tornar-se leitor eficiente na língua. Por esse motivo, e entre outros, o ensino de leitura parece estar associado a um ensino puramente gramatical e, quando muito, o foco na leitura restringe-se a uma leitura superficial de decodificação. Faz-se necessário, imediatamente, que este trabalho seja feito de maneira mais eficaz. É preciso que aluno possa ter aptidão para desenvolver as habilidades essenciais de leitura, destacamos – detectar relações de coerência e de coesão e identificar a INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 4 significação de palavras recorrendo ao contexto – com base também no desenvolvimento do seu senso crítico, e que evidencie seu papel enquanto agente deste processo de aprendizagem. É preciso, inclusive, a partir dessa perspectiva, desmistificar algumas crenças que se instauram no ensino de LE nas escolas. O aluno precisa, através da leitura, aproximar-se mais do mundo da língua que está aprendendo, a fim de que lhe seja mais familiar. Assim, ao entender uma outra cultura, tem mais facilidade de entender a sua própria de uma maneira mais crítica. Ensinar a ler deve ser, portanto, o caminho escolhido por professores de língua estrangeira para uma efetiva realização do processo ensino-aprendizagem. Ao chamar atenção para a necessidade de reflexão sobre o ensino de leitura nas aulas de E/LE nas escolas, detendo-se, principalmente, na formação do letramento crítico desses alunos, revestimo-nos, enquanto professores, de um compromisso político-pedagógico na formação crítico-intelectual do aluno, porque, nessa vertente, se compreende a leitura como ampliadora de conhecimentos e transformadora de opiniões. Sendo assim, o ensino de língua estrangeira compreende-se na perspectiva de língua como constitutivo de um contexto que lhe é diretamente afetado. A língua, segundo Mendonça (2001, p.245), é uma atividade de reciprocidade, em que é possível constituir sujeitos da mesma maneira que estes sujeitos a constituem. O pesquisador afirma, ainda, que interpretar um texto com base nessa proposição, é refletir sobre seus aspectos de constituição que o tornam ser o que é, representando realidades e construindo outras. Nesse sentido, o aluno passa a observar o mundo, a sociedade, a realidade da língua estrangeira mais próxima da realidade da sua própria língua, além de ser capaz de relacionar suas ideologias e sua cultura às da língua meta porque passa a refletir sobre estas realidades. Isso só pode ser feito, segundo Almeida Filho (2001), a partir do desenvolvimento de atividades que integrem os diversos saberes e princípios da língua materna e da língua estrangeira, com a interação entre professor/aluno/materiais. Acredita-se que, com isso, há possibilidades reais de se fomentar o letramento crítico em sala de aula de LE. A utilização de materiais literários em sala de aula de ELE permite que os alunos inovem seu repertório de conhecimentos, por isso dá conta desse propósito. O texto literário ativa dois tipos de interação formativa no processo de ensino-aprendizagem de línguas: “a interação própria da leitura; e a interação que conduz o aprendizado que resulta da cooperação/ interação entre os conhecimentos prévios do aprendiz-leitor e dos referentes do texto” (MENDOZA, 2007, p.57) ii, o que as demandas sociais solicitam de um leitor aprendiz. O aluno deve ter competência leitora, deve ser letrado nas várias esferas de práticas sociais. Deve interagir como em um meio social, uma prática de INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 5 reflexão que interage na transformação social e pessoal dos cidadãos (Giroux apud Jordão, 2007). Mendoza (2007, p. 57) afirma ainda que “os textos literários apresentam e representam atos comunicativos e recorrem recursos expressivos integrados e contextualizados no mesmo espaço da ficção da realidade literária, sem que por ele, as modalidades lingüísticas e discursivas percam sua validez e seu interesse formativo”. iii Já Aragão (2006, p.48) defende que a escolha de textos literários para o ensinoaprendizagem em sala de aula é pertinente porque: (…) a literatura pode ser uma fonte de conhecimento; chega muitas vezes a ter uma função pedagógica e de identificação; pode funcionar como veículo de transmissão de cultura; pode proporcionar momentos de catarses; pode assumir uma função libertadora e gratificante; permite a evasão; estimula o compromisso; e favorece a aprendizagem. O texto literário supõe conhecimentos de ampla e diversificada procedência, por isso a leitura de textos literários resulta em um caráter formativo, pois colabora com a formação leitora do aprendiz, uma vez que leva em consideração seu conhecimento de mundo, promove e facilita a interação e participação em sala de aula e na sociedade, como indivíduos ativos, além de esclarecer e/o fixar crenças e valores sobre determinado assunto, desenvolvendo, com isso, sua capacidade crítica (Reyzábal &Tenorio, 1992). De acordo com Cosson (2006), cabe ao professor buscar estratégias que instiguem a criticidade do aluno. Ou seja, não se deve mais tratar a leitura de textos literários como mera decodificação, mas sim, como um meio do qual o aluno pode participar, inferir conhecimentos múltiplos e no qual pode interferir mediante os saberes prévios e compartilhados, o que contribui, sobremaneira, para que os estudantes atuem criticamente na sociedade. Dessa forma, é de fundamental importância buscar meios que contribuam para o desenvolvimento da criticidade dos estudantes, uma vez que o anseio dos professores é fazer com que se tornem sujeitos questionadores das ideologias a que estão expostos, e isso pode ser alcançado mediante o letramento crítico, que, segundo Cassany e Castellà (2010, p. 354): (...) incluem o domínio e o uso do código alfabético, a construção receptiva e produtiva de textos, o conhecimento e o uso das funções e os propósitos dos diferentes gêneros discursivos de cada âmbito social, os papeis que adotam o leitor e o autor, os valores sociais associados com estes papeis (identidade, estatus, posição social), o conhecimento que se constroem nestes textos e que circula na comunidade, a representação do mundo que transmitem, etc. iv INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 6 Conforme reitera Baptista (2010, p.123): (...) ao optar por uma abordagem como a do letramento crítico, deslocamos o foco das tradicionais habilidades de leitura que valorizam a simples decodificação e o foco no conteúdo e na memorização para a ênfase em atividades que favoreçam a compreensão e avaliação dos discursos produzidos nas diferentes sociedades e práticas letradas. É imprescindível durante o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira, conhecer e compartilhar as normas de comportamento social da cultura em que a língua funciona como veículo de comunicação, conforme Gargallo (1999). Sendo assim, podemos afirmar que a literatura de um país, enquanto sua efetiva representação, pode ser um riquíssimo material didático de fomento ao letramento crítico, uma vez que sua autenticidade interliga fatores linguísticos, sociolinguísticos e culturais, conhecimentos precípuos para o desenvolvimento da criticidade dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. 3. IMPORTÂNCIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS NAS AULAS DE ELE A língua representa um modo através do qual podemos atuar na sociedade. Contudo, o meio social produz, conforme a necessidade de comunicação, modelos textuais específicos para objetivos específicos, os chamados gêneros textuais. Conforme nos orienta Marcuschi (2002, p.22), “partimos do pressuposto básico de que é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, assim, como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto.” Sendo assim, já não se pode mais pensar em um ensino de leitura pautado apenas em frases isoladas ou em um conjunto de frases que formam os tipos textuais. De acordo com Marcuschi (2002, p. 22), a expressão tipo textual designa: Uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticas, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Como podemos observar, os tipos textuais são espécies de esquemas textuais fixos que constroem modelos textuais definidos socialmente, ou seja, os gêneros textuais, os quais, segundo Marcuschi (2002, p.22), são usados como: (...) uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição características. INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 7 A ideia de trabalhar géneros textuais nas aulas de leitura de Espanhol como língua estrangeira, portanto, veio da convicção de que o ensino de leitura que se centra somente nos tipos textuais desconsidera o processo heterogêneo da linguagem, o qual se estrutura por meio dos diversos gêneros do discurso, por isso a importância de se pensar uma metodologia que proporcione aos alunos um contato maior com modelos textuais. Experiências de ensino-aprendizagem em ELE mostram que durante a interação, os produtores de textos põem em prática o meio que ancoram seus intuitos. Esse meio se chama gêneros textuais, e os intuitos, propósitos comunicativos. Obter o êxito desses propósitos pressupõe a escolha do meio mais adequado, o que se faz necessário o (re)conhecimento dos mais variados gêneros textuais. Por isso a importância de se trabalhar leitura mediante gêneros. Segundo os PCNEM (1998, p.75), “cabe à escola propiciar que o aluno participe de diversas situações de discurso, na fala ou na escrita, para que tenha oportunidade de avaliar a adequação das variedades linguísticas às circunstâncias comunicativas”. Ou seja, os gêneros textuais são os suportes de que os falantes necessitam para uma maior atuação na sociedade. A teoria dos géneros textuais é uma importante aliada para que possamos despertar em nossos alunos o interesse pela construção de sentido do texto, como defendem Marcuschi & Val (2008). Utilizar géneros textuais em sala de aula é uma forma de aproximar os alunos de modelos de linguagem acordados socialmente, já que para comunicar-se verbalmente, ele deverá utilizar um gênero textual. Sendo assim, conhecimento sobre gêneros textuais é bastante importante para que se estabeleça uma relação entre leitor-texto no processo de compreensão. Identificar as características, os propósitos e as funções de determinado gênero textual é o primeiro grau de letramento porque o aluno será capaz de relacionar a natureza linguística do texto lido, seu suporte, seu contexto e os sujeitos envolvidos na situação comunicativa. De acordo com Kleiman (1999, p.91), “a leitura é uma das maneiras que a escola tem de contribuir para a diminuição da injustiça social desde que ela forneça a todos as oportunidades para o acesso ao saber acumulado pela sociedade”. Os gêneros surgem para dar conta desse propósito comunicativo, que se transforma em um objeto a ser tornado comum aos participantes do discurso. Desse modo, leitura e gêneros, em sala de aula, devem ser instrumentos indissociáveis. Cabe, portanto, ao professor, utilizar de sua criatividade para despertar, nos alunos, o interesse pelo ato de ler. Diante do exposto, podemos perceber a importância do trabalho em sala de aula com leitura e gêneros textuais. Contudo, a partir do nosso ponto de vista, é possível oferecer aos alunos, além do (re) conhecimento de gêneros textuais (pré) estabelecidos socialmente, uma experienciação de outros gêneros textuais pouco trabalhados em sala INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 8 de aula, os literários. Esses são peculiarmente mostras autênticas de língua e promovem, inclusive, um contato direto com a arte nesse idioma. Segundo Peres (2000, p. 107), a utilização de textos literários é eficiente porque o trabalho com esses textos “descansa no seu potencial gerador de experiências significativas e com consequência prazerosas, mais além do trabalho com áreas de conteúdo triviais que os alunos já dominam v. Corroboram com essa perspectiva pensamentos de sobre a inserção de atividades com textos literários em sala de aula, de Reyzábal y Tenorio (1992, p. 18) “colaboram na formação da personalidade e promovem e facilitam a interação e a participação, preparando para a vida de mudança permanente, ajudando a clarear crenças ou valores, encalçando sentimentos, desenvolvendo a sensibilidade estética, enriquecendo a capacidade crítica, aumentando a capacidade criadora”.vi Mediante leitura de textos literários, o aluno dá início a una série de atividades cognitivas para a construção interpretativa de seus significados, fazendo reconhecimento de elementos, de formas e relações cognitivas. Além disso, apresentam interessantes aspectos funcionais para completar e complementar a formação em LE e tem uma função macro de fomentar a comunicação, ou seja, o texto literário, por conseguir integrar diferentes tipos de conhecimentos, faz com que o aluno adquira também diferentes competências e seja capaz de reconhecer as distintas modalidades de discursos e ideologias. Além de ser exemplo de material autêntico, ou seja, texto elaborado por nativos e para nativos, sem fins didáticos educacionais, os textos literários dão conta dos aspectos que compartilham os indivíduos em dada sociedade, ou seja, evidenciam formas distintas de discurso, aspectos culturais, sociais e ideológicos. Eles proporcionam aos alunos acesso aos mais diversificados tipos de saber. Como podemos ver, o trabalho com gêneros textuais, especificamente, os literários, pode ser uma estratégia didática eficiente para o desenvolvimento do letramento crítico dos estudantes. CONSIDERAÇÕES FINAIS A sociedade e suas convenções nos impõem variadas situações nas quais se faz necessário o conhecimento de diversas estratégias de uso da língua estrangeira, motivo por que questionamos o ensino de leitura em língua espanhola pautado apenas na tradicional gramática da norma. Com esse trabalho, almejamos fomentar discussões sobre as possibilidades de se ensinar ELE mediante literatura, uma vez que, como pudemos ver, os textos literários são instrumentos que potencializam a atuação crítica dos estudantes no meio onde vivem. INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 9 Acreditamos que se os professores pensarem em aulas de leitura baseadas em gêneros, os alunos se sentirão mais motivados a participar do processo de ler. A proposta de trabalhar com gêneros textuais, em especial, os literários, proporciona uma melhor aquisição de conhecimento, acesso a novas formas de ter contato com os variados tipos de conhecimento, sociocultural, linguístico, ideológico, além de promover contato com a cultura dos povos através de leitura e entretenimento. Finalmente, devemos entender que o significado das palavras também dependerá de conhecimentos diversos por parte do leitor, os quais têm origem social, já que é o leitor um ser socialmente situado. Sendo assim, o uso dos materiais literários deve ser entendido como precípuos recursos para o desenvolvimento intelectual do alunato, uma vez que, na literatura, podemos encontrar discursos através dos quais se atesta a funcionalidade da língua, já que eles estão condicionados a comportamentos sociais e culturais de um povo. Sendo assim, o uso de materiais literários pode contribuir para o desenvolvimento do letramento crítico, visto que ele pressupõe o conhecimento da cultura e dos diversos modos de comunicação e não apenas da estrutura linguística dos enunciados. REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, J. C. P. Linguística aplicada: ensino de línguas e comunicação. Campinas: Pontes, 2005. BAPTISTA, Lívia Márcia Tibas Radis. Traçando caminhos: letramento, letramento crítico e ensino de espanhol. In: BRASIL, Ministério da Educacao, Secretaria da Educaçao Básica. Coleção Explorando o ensino, v. 16. Brasília: MEC, 2010. 292p. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. BRASÍLIA: MEC, 1998. CALSAMIGLIA, H. Y. T. Las cosas del decir: Manual de análisis del discurso. Barcelona: Ariel, 2007. CASSANY, Daniel. Tras las líneas: sobre la lectura contemporánea. Barcelona: Anagrama, 2006. __________; CASTELLÀ, J. M. Aproximación a la literacidad crítica. 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Acesso em julho de 2013. * Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará. ** Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará. *** Professora do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará. Coordenadora do Grupo de Pesquisa LEER – Literatura: estudo, ensino e (Re) leitura do mundo. i Leer críticamente o ser crítico al leer y escribir significa, en pocas palabras, ser capaz de gestionar la ideología de los escritos, tomando el término ideología en un sentido muy amplio y desprovisto de las connotaciones negativas que tiene este vocablo en la calle. La ideología es cualquier aspecto de la mirada que adopta un texto: si es de izquierdas o derechas, pero también es machista, racista, ecológico, tecnológico, etc. (2006, p. 91) ii [...] la interacción propia de la lectura; y la interacción que conduce al aprendizaje que resulta de la cooperación/interacción entre los conocimientos previos del aprendiz-lector y los referentes del texto (MENDOZA, 2007, p. 57) iii Los textos literarios presentan y representan actos comunicativos y recogen recursos expresivos integrados y contextualizados en el mismo espacio de la ficción de la realidad literaria, sin que por ello, las modalidades lingüísticas y discursivas pierdan su validez ni su interés formativo. (MENDOZA, 2007, p. 57) iv (…) incluye el dominio y el uso del código alfabético, la construcción receptiva y productiva de textos, el conocimiento y el uso de las funciones y los propósitos de los diferentes géneros discursivos de cada ámbito social, los roles que adoptan el lector y el autor, los valores sociales asociados con estos roles (identidad, estatus, posición social), el conocimiento que se construye en estos textos y que circula en la comunidad, la representación del mundo que transmiten, etc. (CASSANY & CASTELLÀ, 2010, p. 354) v (...) descansa en su potencial generador de experiencias significativas y en consecuencia placenteras, más allá del trabajo con áreas de contenido triviales que los alumnos ya dominan (PERES, 2000, p. 107) INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 11 vi Colaboran en la formación de la personalidad y promueven y facilitan la interacción y la participación, preparando para la vida en cambio permanente, ayudando a clarificar creencias o valores, encauzando sentimientos, desarrollando la sensibilidad estética, enriqueciendo la capacidad crítica, aumentado la capacidad creadora. (REYZÁBAL & TENORIO, 1992, p.18 ) INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 3, Edição número 20, de Outubro, 2014/Março, 2015 - p 12