O Estado e a modernidade no século XXI: uma análise do modelo

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O Estado e a modernidade no século XXI: uma
análise do modelo de Estado e das políticas
públicas no Brasil
State and Modernity in the twenty-first century: an analysis
of the State model and public policies in Brazil
Rejane Esther Vieira Mattei
Mestre em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC;
Bacharel em Administração Pública – UDESC; Bacharel em História pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Especialista em Controle da Gestão
Pública Municipal – UFSC; Administradora e pesquisadora CAPES-DS; Tutora a
distância pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
[email protected]
Resumo O presente artigo objetiva estudar qual o modelo de Estado mais adequado
para suprir as necessidades da sociedade civil e das políticas públicas sociais na
sociedade contemporânea. Em primeira instância, busca-se fazer uma breve contextualização histórica dos modelos de Estado e, em seguida, abranger conceitos tais
como: Estado, modernidade, espaços públicos, sociedade civil e cidadania. Busca-se
estudar o conceito de movimentos sociais que dão suporte para a participação cidadã
no estado social e democrático de direito no Brasil. Destaca-se a importância da cobrança dos direitos sociais, políticos, civis e econômicos. Deste cenário emergem as
políticas públicas, cujo verdadeiro sentido e encaminhamento é distorcido pelas elites políticas e econômicas. Neste sentido, torna-se fundamental para o entendimento
deste debate definir sociedade civil, movimentos sociais e organizações não governamentais. A metodologia desenvolvida consistiu em uma revisão bibliográfica, com
vista à realização de uma análise documental.
Palavras-chave estado; modernidade; políticas públicas.
Abstract This paper aims at studying the best State model to meet the
needs of civil society and social policies in contemporary society. First, it
presents a brief historical overview of the models of state and then it covers
concepts such as: State, modernity, public spaces, civil society, and citizenship. The aim is to study the concept of social movements that support citizen
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participation in the social and democratic state of law in Brazil, highlighting the
importance of demanding social, political, civil, and economic rights. From this
scenario emerge public policies whose true meaning is distorted by political and
economic elites. In this sense, the definition of civil society, social movements and
non-governmental organizations is paramount for the understanding of this debate. The
methodology consisted of a literature review, in order to achieve a desk analysis.
Keywords state; modernity; public policies.
Introdução
O presente artigo versa sobre a busca do modelo ideal de Estado para suprir
as necessidades dos cidadãos e dar conta das políticas públicas sociais na sociedade
contemporânea. Num primeiro momento, procura-se contextualizar historicamente
os modelos de Estado e, em seguida, abranger conceitos tais como: modernidade,
espaços públicos, sociedade civil e cidadania. Neste sentido, faz-se necessário analisar o conceito de movimentos sociais que dá suporte à participação cidadã no estado
social e democrático de direito no Brasil.
No Brasil, os contextos político, econômico e social impõem transformações
macroinstitucionais que afetam o papel do Estado. Cada um destes elementos, por
sua vez, exige significativas transformações nas instituições públicas por comprometer o Poder Executivo do Estado brasileiro.
Vale ressaltar a importância das políticas públicas inseridas neste contexto,
principalmente porque significam construções participativas de uma coletividade
que visam à garantia dos direitos sociais dos cidadãos que compõem a sociedade
humana. Esse é um princípio democrático fundamental.
Estado e modernidade: contexto histórico
Sob o viés histórico, afirma-se que desde o início da modernidade, com a modelação de Estado e de soberania, sob o paradigma contratualista, criaram-se novas teorias que deram início a um processo de flexibilização dos conceitos de soberania e da
concepção do poder. Isto significou um impulso para outras teorias, servindo como
um dos fundamentos para a Revolução Francesa e base atual da democracia. Sabe-se
que por meio das lutas burguesas surgiram as concepções de democracia e cidadania,
com o respaldo do espírito de igualdade e a liberdade dos filósofos modernos.
Observa-se, a partir dos séculos XV a XVII, o surgimento do Estado nacional
absolutista. Sabe-se que o absolutismo é uma forma de Estado feudal e que este só foi
superado pelas revoluções burguesas, marcado por um forte período de transição. Este
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modelo de Estado não representava apenas o poder de uma classe, mas de pelo menos
duas: a nobreza e a burguesia. Percebe-se, de um lado, o feudalismo com as relações
sociais de cunho aristocrático e em declínio e, de outro, a burguesia, que, impulsionada
pelo desenvolvimento técnico, passa a romper as fronteiras internas do comércio. No
que toca à estrutura do poder político da época, procurou-se manter os privilégios aristocráticos mediante a constituição de um estamento burocrático no aparelho do Estado
e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento do capital comercial e manufatureiro, posto que controlado pelo Estado (cf. GIDDENS, 1996, p.109)
Notadamente, a burguesia, no final do século XVII e, especialmente, no século XVIII, ambicionava sua maior participação no poder e advogava a máxima
racionalização e delimitação legal da autoridade. Sendo assim, depois de um Estado
baseado no feudalismo, temos o Estado de modelo liberal, fundado na oposição entre
Estado e sociedade civil. Surge posteriormente o modelo de Estado moderno.
O Estado liberal surgiu no século XIX como uma reação ao Estado Absolutista
do século XVIII, caracterizado pela preocupação de que todos usufruíssem os mesmos direitos e as mesmas obrigações, não se importando em saber o que realmente
era possível para cada um. Já para Berman (1986, p. 28) o século XIX é marcado por
uma nova paisagem urbana, industrial, das comunicações, dos Estados Nacionais,
dos movimentos sociais e da devastação. Este autor, com base em Nietzsche e Marx,
busca compreender o complexo e rico modernismo do século XIX e “as unidades
que alimentam sua multiplicidade”.
Conforme Berman (1986, p. 25), a modernidade pode ser entendida em três fases.
Num primeiro momento, vai do início do século XVI ao fim do século XVIII, sendo
o início da experiência moderna, pouco definida. Num segundo momento, percebe-se um clima revolucionário, de 1790 até a Revolução Francesa, em que se partilha o
sentimento revolucionário e se forma um moderno público, em que as transformações
dão-se em todos os níveis da vida. No terceiro momento, percebe-se neste cenário a
ideia de modernismo e modernização que se expande para o mundo; a cultura do modernismo domina a arte e o pensamento da época. O autor chama a atenção para o fato
de que na atualidade, perde-se facilmente o contato com as raízes da modernidade.
Para Berman (1986, p. 35), não sabemos usar o chamado modernismo, porque
perdemos “a conexão entre nossa cultura e nossa vida”. Para o autor, deixamos de
nos reconhecer como atores da arte e pensamento de nossa época, de apreender a
vida moderna. É como se o pensamento sobre a modernidade estivesse estagnado.
Vale citar Jean-Jacques Rousseau, que trata da democracia participativa, das
vitais tradições modernas e experimenta a vida cotidiana de intensas transformações e novas experiências. Mais adiante abordaremos as principais contribuições de
Rousseau para a modernidade.
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Logo depois do Estado de modelo liberal (Estado-Nação), fundado na oposição
entre Estado e sociedade civil, surge o modelo de Estado moderno, marcado pelo positivismo. No que se refere ao modelo positivista, o cidadão é considerado um sujeito
de direito, tendo em vista que a proteção legal da propriedade é uma das decorrências
do princípio da igualdade (perante a lei).
Em fins do século XIX encontra-se o liberalismo econômico, que veio caracterizar o Estado Liberal. Com o advento do industrialismo, dos transportes, das comunicações, do comércio e da complexidade da vida social, os Estados modernos
foram gradualmente absorvendo o indivíduo, entrosando-o em sua engrenagem cada
vez mais vasta e complicada.
Durante este período houve um grande incremento nas revoluções capitalistas,
pois o volume do comércio internacional foi fortemente multiplicado. Entende-se
que a Revolução Industrial promoveu um desenvolvimento tecnológico muito expressivo, assim como a produção de riquezas. Desta maneira, observa-se nos discursos da época a selvagem e cruel exclusão social da classe operária, sendo esta um
ator político que contribuiu para todo o processo econômico atingido. Compreende-se que o sofrimento e a deterioração humana a que foi submetida a classe trabalhadora deveu-se à completa omissão do Estado, principalmente no atendimento das
necessidades mais básicas.
Neste contexto, busca-se entender o que é ser moderno.
O argumento essencial de Berman começa da seguinte maneira: Há um
modo de experiência do espaço e do tempo, de si mesmo e dos outros,
das possibilidades e perigos da vida – que é hoje em dia compartilhado
por homens e mulheres em toda parte do mundo. Chamarei a este corpo
de experiência da modernidade. Ser moderno é encontrarmo-nos em
um meio ambiente que nos promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformação de nós mesmos e do mundo – e que, ao mesmo
tempo, ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que conhecemos, tudo
o que somos. Ambientes e experiências modernos atravessam todas as
fronteiras de geografia e de etnias, de classe e nacionalidade, de religião
e ideologia: neste sentido, pode-se dizer que a modernidade une todo o
gênero humano.
Mas é uma unidade paradoxal, uma unidade desunidade: envolve-nos a
todos num redemoinho perpétuo de desintegração e renovação, de luta
e contradição, de ambigüidade e angústia. “Ser moderno é ser parte de
um universo em que como disse Marx, tudo o que é sólido se volatiliza.” (BERMAN, 1986, p.02)
Ao pensarmos no que é ser moderno atualmente, descobrimos que existem várias lacunas no Estado advindas do capitalismo. Neste sentido, buscamos relacionar
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esse conceito com o que entendemos por Estado Social e suas deficiências advindas
do capitalismo.
No que se refere à contemporaneidade, Giorgio Agamben expõe:
A contemporaneidade, portanto, é singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais
precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através
de uma dissociação e um anacronismo. Aqueles que coincidem muito
plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não
conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. (AGAMBEN, 2009, p. 59).
Entende-se que ser contemporâneo é não aderir completamente a todos os aspectos de sua época, pois não se consegue percebê-la, vê-la. É necessário pensar diferente para que se possa perceber melhor suas características singulares e próprias.
Neste cenário, vale ressaltar que o chamado Estado Social nasce como uma
reformulação do próprio capitalismo, partindo do esgotamento do modelo liberal,
em que os direitos sociais e de participação política assumem a condição de direitos
fundamentais por meio do Estado; os de liberdade, por exemplo, são considerados
direitos naturais da própria condição humana e revelaram-se incapazes de controlar
os conflitos no meio social. Assim, procurou-se construir um novo Estado que defenderia as liberdades fundamentais e imporia, por meio da Constituição, o papel
de assistência dos desfavorecidos, servindo também de alavanca para impulsionar a
economia (GIDDENS, 1996).
É importante ressaltar aqui a proposta da terceira via do autor Anthony Giddens
(1996, p. 93) em resposta, ou alternativa, para a crise do estado de bem-estar, pois
faz um paralelo entre social-democracia, neoliberalismo e terceira via. A terceira via
é uma nova maneira de enfrentar as adversidades vividas pela crise do welfare state.
Os princípios da terceira via, segundo Giddens, são: a igualdade; a proteção aos vulneráveis; a liberdade como autonomia; não há direitos sem responsabilidades; não
há autoridade sem democracia; pluralismo e conservadorismo filosófico. Esses princípios norteiam a ação política da terceira via como resposta aos desafios impostos
pela modernização, pela globalização, além das transformações no relacionamento
com a natureza. Trata-se de preservar a social-democracia. Verifica-se a preocupação
com a igualdade, a justiça social e a proteção aos mais necessitados, dando ênfase às
responsabilidades sociais (cf. GIDDENS, 1996, p.76)
Sob outra ótica, observa-se a reforma do Estado da terceira via: Giddens (2000,
p. 80) comenta que o essencial é o aprofundamento da democracia e o fortalecimen-
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to das parcerias com a sociedade civil para o desenvolvimento da comunidade, o
desenvolvimento do terceiro setor, no fortalecimento da solidariedade comunitária e
da família. Giddens (2000, p. 81) assinala dez pontos importantes: o centro radical;
o novo Estado democrático e sem inimigos; a sociedade civil ativa; a família democrática; a nova economia mista, que prevê um equilíbrio no aspecto econômico e
não econômico na vida da sociedade; a igualdade como inclusão; o welfare positivo
e o Estado do investimento social; a nação cosmopolita e a democracia cosmopolita.
No Brasil, não podemos falar de uma crise do welfare state, pois nunca o alcançamos de maneira plena. Enfrentou-se uma forte crise do Estado, que se agravou ao
final do período militar, em virtude do esgotamento do modelo desenvolvimentista
e centralizado do Estado. A ideia de um welfare state no Brasil foi vista por alguns
autores como um modelo de Estado de mal-estar social. Entende-se que tivemos um
frágil sistema de proteção social.
Diz Ellen Meiksins Wood, em sua obra intitulada Modernidade, pós-modernidade ou capitalismo:
Desde o início dos anos 70, supostamente temos vivido em uma nova
época histórica. Tal época tem sido descrita de várias maneiras. Alguns
relatos enfatizam as mudanças culturais (pós-modernismo), enquanto
outros priorizam as transformações econômicas, as mudanças na produção e no mercado, ou na organização corporativa e financeira (último
capitalismo, capitalismo multinacional, acumulação flexível e assim
por diante). Essas descrições tem em comum a preocupação com as
novas tecnologias, as novas formas de comunicação, a Internet, a informação “super-rápida”. Para além de qualquer outra coisa, trata-se sempre disto, da “era da informação”. Quaisquer outros fatores que possam
configurar esta época de mudanças terão sempre nas novas tecnologias
sua condição indispensável. Todos esses fatores – culturais e econômicos juntamente com seus fundamentos tecnológicos – foram agrupados
sob o conceito de “pós-modernidade” e sob a perspectiva de que, nas
últimas duas ou três décadas, temos testemunhado uma transição histórica, a da “modernidade” para a “pós-modernidade”. (s/d, p. 27).
Para Wood, o pós-modernismo percebe o mundo como essencialmente fragmentado e indeterminado:
rejeita qualquer discurso totalizante, qualquer assim chamada “metanarrativa”, teorias abrangentes e universalizantes sobre o mundo e a
história. Rejeita também qualquer projeto político universal, mesmo
projetos emancipatórios universais – em outras palavras, defende projetos de lutas particularizadas e não mais a luta para uma “emancipação
humana” atual.
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O Estado e a modernidade no século XXI
[…] é preciso ressaltar que a modernidade aparece identificada com o
capitalismo. Esta identificação pode parecer bastante inócua, mas eu
gostaria de argumentar que se trata de um erro fundamental e que o
assim chamado projeto a modernidade tem pouco a ver com o capitalismo. (s/d, p. 29).
Para a autora, o conceito de modernidade é comumente visto pelas lentes padronizadas que tomam “o capitalismo como algo natural, do resultado necessário de
tendências já existentes, mesmo de leis naturais, e que se efetivam quando e onde
surge oportunidade” (WOOD, s/d, p. 31).
No cenário brasileiro, sabe-se que a partir de 1985, são percebidas transformações no padrão de política social. As novas características podem ser elencadas da
seguinte forma: o político-institucional (descentralização político-administrativa), o
social (elevação do grau de participação popular em diferentes níveis do processo
de decisão, elaboração e implementação das políticas) e o da relação entre Estado,
setor privado lucrativo e setor privado não lucrativo. Trata-se de uma mudança nos
modos de produzir e distribuir os bens e serviços sociais. Percebem-se novas formas
de solidariedade social que ocupam o espaço onde anteriormente predominavam o
Estado e o mercado. Têm-se novas formas de produção: a revolução tecnológica e a
redução do trabalho trazem como uma das consequências a crise dos direitos sociais.
No tocante aos limites dos sistemas de proteção social, o estado de estar social
não foi desenhado nem capacitado para enfrentar a situação atual brasileira de acelerada redução de trabalho. São impactos sociais negativos das políticas de estabilização,
reestruturação produtiva e integração competitiva internacional e, portanto, buscam-se
as novas exigências direcionadas às políticas sociais, que assumem novas posturas.
Contudo, verifica-se que o papel dos governos e das administrações públicas já
não se resume mais a proteger de forma paternalista a economia nacional. Com mercado globalizado e competitivo, resta ao Estado o papel de agente catalisador das forças
produtivas, desenvolvendo políticas de incentivo à produção, à inovação tecnológica
e à exportação. Tornam-se fundamentais as relações mais ‘democráticas transparentes
e participativas’ entre o governo e os cidadãos, como entre a administração e o administrado, sendo requisitos para a eficiência das políticas públicas (cf. GOHN, 2005).
Conforme Meksenas (2002), vivemos uma democracia deficitária no que tange
à garantia de igualdade de condições para o exercício de uma cidadania plena, uma
inércia na prestação de serviços básicos e a ausência de canais para a expressão de
direitos elementares.
Segundo Habermas (1986), o Estado precisa ser democratizado de maneira intensa, ágil e flexível. Precisa se impor com soberania na nova estrutura da economia
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mundial, regular democraticamente a economia, coordenar o desenvolvimento e desenhar políticas sociais ativas, agressivas e radicais. Entende-se que o Estado precisa
ser radicalmente democratizado, construir um aparato burocrático capaz de produzir inovação organizacional e gerencial permanente, coordenar e planejar, atuar de
modo descentralizado e estimular a gestão governamental, encontrar formas de se
refinanciar, de se fortalecer e de ser novamente legitimado.
Conforme Torres (2004, p. 27), o crescimento da burocracia pública é causa
direta dos avanços democráticos experimentados pelo mundo ocidental, de forma
intensa a partir do século XX. Por outro lado, verifica-se que a conquista dos direitos
civis e políticos não implicou o aumento do aparelho estatal, que permaneceu enxuto
e restrito nos séculos XVIII e XIX. A conquista dos direitos sociais exigiu uma reformulação que implicou um intenso aumento da atuação da administração pública, que
passa a atender às demandas de políticas públicas de inclusão social.
Meksenas (2002, p. 125) chama a atenção para as chamadas formas históricas em que prevalecem as relações sociais de produção capitalista, as concepções,
teorizações e práticas individuais e coletivas, os valores e as representações que se
mostram distorcidos e dicotomizados. Os chamados espaços sociais recebem designações de regulação social e emancipação social.
No tocante à regulação social e emancipação social, o autor supracitado afirma que elas são apontadas na análise do capitalismo que “é engendrado num duplo
movimento: a produção gera a sua reprodução do mesmo modo que a reprodução
implica na produção” (MEKSENAS, 2002, p. 126).
No tocante ao conceito de sociedade civil, destaca-se que a definição de Habermas (1997), em sua obra intitulada Direito e democracia, busca complementar a
noção de espaço público.
Conforme expõe Meksenas:
o núcleo institucional da sociedade civil é formado por associações e
organizações livres, isto é, autônomas, frente ao Estado e ao mercado. Vale lembrar que autônomo para Habermas não significa livre da
relação com o Estado e com o mercado; autônomas são associações
e organizações capazes de criticar o Estado e o mercado. A sociedade
civil institucionaliza os discursos tematizados na esfera pública e os
potencializa como questões de interesse geral, capazes de influenciar as
ações presentes no Estado e no mercado. (2002, p. 139).
Desta forma, no tópico a seguir, busca-se discutir a importância dos movimentos sociais na sociedade civil contemporânea.
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O Estado e a modernidade no século XXI
O papel dos movimentos sociais na sociedade civil atual
Nas últimas décadas, a sociedade civil passou a se articular de maneira diferente em sua relação com o Estado. Temos o resgate da importância dos governos locais,
a vigência de regimes mais democráticos, a valorização do processo de descentralização, novas articulações entre poder público, sociedade e atividade produtiva, a
preocupação com a preservação ambiental e a melhoria da qualidade de vida. Esses
são elementos importantes para a construção de espaços públicos participativos.
Para Meksenas,
O conceito de movimentos sociais possui dimensão histórica inerente
ao capitalismo. Articulando com a teoria dos direitos e das políticas públicas, denota as faces que a sociedade civil assume ao longo do processo de regulação e de emancipação social, presente no mundo contemporâneo. As lutas por direitos e espaços de participação relacionados às
políticas públicas, por outro lado, evidenciam aspectos da dinâmica dos
movimentos sociais. (2002, p. 141).
Entende-se que a participação popular e o aumento das capacidades e habilidades dos atores sociais são essenciais na busca de soluções para problemas na sociedade atual. A ação coletiva, efetivada e entendida aqui pelos movimentos sociais,
parece ser um dos caminhos a se chegar a uma maior representatividade e a uma
busca por qualidades, seja pelos mais variados âmbitos, como o educacional, saúde,
lazer ou tantos outros. Partindo da análise da evolução histórica do estado de direito
no mundo, observa-se que os diferentes modelos de Estado construídos ao longo da
história moderna estão representados pelo Estado Liberal, no século XVIII, a partir
da Revolução Francesa, passando para o Estado Social ou Estado-Providência, durante o século XIX e, posteriormente, para o Estado de bem-estar social e Estado
democrático de direito, a partir de meados do século XX.
Entende-se que o Estado constitui-se por diversos atores sociais e políticos da
sociedade, pelos cidadãos ativos que buscam atuar em diferentes espaços públicos de
participação. Atualmente, o Estado de direito firma-se no papel da liberdade identificada pelos direitos fundamentais e pelos direitos humanos. Sendo assim, sua constituição traz a vontade participativa de cidadãos em incrementar, nos espaços públicos, um auxílio ao Estado na execução de direitos fundamentais como educação,
alimentação, vestuário, proteção social à mulher, idosos e crianças e adolescentes.
O Estado social e democrático de direito garante em Lei – na Constituição de
1988 – a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, assim como o exercício dos
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direitos sociais (educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência
social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados) e individuais (liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça como
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos).
Desta forma, observam-se críticas ao governo brasileiro a respeito de sua atuação com políticas e, ao falar desses problemas, não podemos deixar de argumentar
sobre a explosão dessa descentralização, seja por meio de organizações não governamentais (ONGs), da sociedade civil ou do terceiro setor, na atuação em projetos
solidários. Sendo assim, observamos que a sociedade civil aparece com um novo
foco, como se houvesse uma reviravolta, sofrendo uma crise de identidade e de força
política. Entende-se que de certa forma parte da geografia da esquerda foi apagada,
e de seus destroços surgiram movimentos que questionam a globalização neoliberal
e apontam para um novo desenho ideológico, geográfico e político. O conceito de
cidadania, desde a década de 1980, vem ganhando força no pensamento social e político brasileiro. A palavra cidadania vem de transformações embutidas, primeiro, por
uma forma autoritária de governo e, posteriormente, pela redescoberta da democracia. Sendo assim, o ativismo social cresce, despertando no empresariado brasileiro
sua autoconstituição de responsabilidade social.
Os projetos e as práticas engendradas pelas ONGs são definidos conforme as
possibilidades de manutenção da regulação social ou de sua redefinição por processos emancipatórios. Conforme Meksenas (2002, p. 157), as ONGs enfatizam os
laços de solidariedade sem se perder no assistencialismo. São capazes de promover o
debate e a crítica por considerarem os princípios éticos e de valorização dos direitos
civis, políticos e sociais.
Para Scherer-Warren, as chamadas ONGs podem ser assim entendidas:
1. Neomarxistas – organizadas com o objetivo de contribuir na educação
das classes trabalhadoras, formando a consciência de lideranças políticas.
Apresentam-se como órgãos consultivos, de assessoria ou apoio às centrais
sindicais, partidos de esquerda e movimentos populares.
2. Neoanarquistas – concebem a emancipação social como um processo que
ocorre no cotidiano; valorizam o poder local e de base, muitas vezes se
confundem com os próprios movimentos sociais a que prestam assessoria.
3. Teologia da Libertação – buscam a síntese da vida ética cristã com a análise
marxista da sociedade; valorizam o saber popular no sentido atribuído por
Gramsci, constituindo-se em centros de informação e formação, associados
às diversas pastorais da Igreja Católica.
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4. Articulistas – organizam projetos políticos definidos com o objetivo da expansão dos espaços democrático-populares. Aparecem como agências de
mediação dos movimentos sociais como o Estado e buscam garantias à
autonomia e às conquistas dos primeiros. Também realizam fóruns, conselhos e seminários como estratégia de divulgação, ampliação e politização
das questões de fundo ético, sexual, ambiental, de comunicação ou social,
que se transformam em temas da sociedade civil. (SCHERER-WARREN,
1995, p. 167).
As quatro matrizes discursivas e ideológicas mencionadas anteriormente têm
em comum o fomento de lutas por uma sociedade futura diferente da atual, pois buscam a realização de utopias que valorizam a democracia como síntese de uma maior
igualdade econômica com a liberdade política.
Vale reforçar que as ONGs “estabelecem relações ambíguas, porém relações
imprescindíveis com o Estado e o mercado. Possuem caráter assistencialista ou político, privatista ou social” (MEKSENAS, 2002, p. 158). O autor chama a atenção
para o fato de que algumas vezes as ONGs tornam-se “apêndices do Estado ou do
mercado no seio da sociedade civil e por isso se voltam aos princípios da regulação
social” (Ibid.).
Neste contexto, vale citar Gohn quando trata dos chamados novos movimentos
sociais e designa:
1. Emergentes nas décadas de 1970-80; 2) independentes do poder político, ao
reivindicarem a extensão dos equipamentos coletivos; 3) capazes de redefinir sua relação com o Estado, por priorizarem os direitos sociais e a participação política no processo de redemocratização da sociedade. (2005, p. 38).
No tópico a seguir, destaca-se o papel das políticas públicas na atualidade e a
contribuição de Jean-Jacques Rousseau neste contexto.
A importância das políticas públicas e a contribuição de Rousseau
no cenário contemporâneo
As políticas públicas são consideradas atividades típicas do Estado social de direito e consequência direta da necessidade de participação social em sua efetivação.
A autora compreende por políticas públicas a organização sistemática dos motivos
fundamentais e dos objetivos que orientam os programas de governo relacionados à
resolução de problemas sociais (cf. BUCCI, 2002).
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As políticas públicas permitem romper com as barreiras que separam a administração pública da sociedade. Esta passa a participar da concepção, da decisão e
de sua implementação. Podem-se citar as audiências e as consultas públicas como
exemplos práticos da participação na elaboração destas políticas. Já o plebiscito
administrativo, o referendo, as comissões de caráter deliberativo são exemplos da
participação no processo de decisão. Exemplos de execução de políticas públicas
são as comissões de usuários, a atuação de organizações sociais ou de entidades de
utilidade pública e a expansão dos serviços públicos. (cf. PEREZ, 2004)
Entende-se que a relação entre o Estado, as classes sociais e a sociedade civil
proporciona o surgimento de agentes definidores das políticas públicas. A partir do
contexto da produção econômica, cultural e dos interesses dos grupos dominantes
são construídas as políticas públicas, sua elaboração e operacionalização, de acordo
com as ações institucionais e particulares (cf. BONETI, 2006).
Constata-se a predominância dos interesses das elites econômicas camuflados
nas diversas políticas públicas, porém com objetivos de expansão do capitalismo
internacional. Utilizam-se temas atuais, como o desenvolvimento sustentável, para
transmitir uma imagem positiva de preocupação e engajamento no desenvolvimento
social e ambiental.
Percebe-se que é inviável considerar a formulação de políticas públicas a partir
somente da determinação jurídica, fundamentada em lei, como se fosse uma instituição neutra. Deve-se levar em consideração a existência da relação entre o Estado e as
classes sociais, em particular entre o Estado e a classe dominante (cf. BONETI, 2006).
Podem-se pensar também as políticas públicas como algo relacionado com o
público, a arte ou a ciência de governar, de administrar e de organizar. Políticas públicas são ações voltadas ao público e que envolvem recursos públicos. Medidas de
intervenção meramente administrativas por parte do Estado, mesmo sem envolver o
orçamento público, podem ser consideradas políticas públicas (cf. BONETI, 2006).
A tarefa de conceituar políticas públicas envolve certa complexidade na dinâmica de sua formulação e operacionalização. É preciso analisar desde o surgimento da ideia, sua elaboração até seu amadurecimento, sua efetivação, resultando
numa ação pública.
Deve-se ir além de avaliar seus resultados em relação ao atendimento dos direitos sociais. Sabe-se que as políticas públicas envolvem a organização da sociedade
civil, os interesses de classes, os partidos políticos e agentes responsáveis por sua
elaboração, operacionalização e controle.
A política pública governamental, sendo um processo sujeito a pressões e articulações políticas, pode ser entendida como uma ação intencional do Governo e
instrumentalizada pelo Estado, cujo impacto é dirigido a um segmento majoritário
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da população, ou como um conjunto de ações (ou omissões) que manifestam determinada modalidade de intervenção do Estado em relação a uma questão de interesse
para outros atores da sociedade civil.
É interessante aclarar uma distinção entre políticas de Estado e políticas de Governo. Entendemos como políticas de Estado determinadas ideias e princípios que se
caracterizam por seu caráter de permanência, de legitimidade junto à sociedade e junto à burocracia e por sua materialização em textos legais e em instituições específicas.
Abaixo desta superestrutura existem os governos, que são gestores temporários
destas políticas de Estado. Conciliar estes dois aspectos (a estrutura e a conjuntura) é
um dos problemas mais complexos da administração pública, pois cada governo vai
querer dar sua interpretação pessoal sobre os princípios de ação do Estado, de acordo
com sua tendência política e articulações de interesses.
Há três diferentes tipos de políticas públicas definidas como intervenções do
Estado: distributivas, redistributivas e regulatórias. Estas últimas envolvem uma
decisão de curto prazo a respeito de quem serão os beneficiados diretos de uma determinada política. As políticas distributivas vão se acumulando ao longo do tempo
e envolvem todos os setores institucionais. Por outro lado, as decisões de caráter
redistributivo têm sentido muito mais amplo e consideram a sociedade dividida em
diferentes classes e setores sociais.
No Brasil, as políticas públicas, muitas vezes, beneficiam grupos sociais específicos, regiões, municípios. Ou seja, são sempre beneficiados os segmentos sociais
com maior força política no Poder Legislativo e com maior força financeira nos meandros da sociedade civil. Uma política pública, após sair da instância legislativa e
passar pelo setor burocrático, segue em direção de sua operacionalidade, comandada
por agentes do partido político que se diz autor do projeto.
Significa dizer que uma política pública, desde a elaboração até sua operacionalização, envolve uma rede de micropoderes, contribuindo com o fortalecimento e
interesses específicos de cada instância do poder. As pessoas que entram em contato
com as políticas públicas no decorrer de suas longas trajetórias não pensam de modo
uniforme, não têm a mesma interpretação de intervenção na realidade etc. As políticas públicas, ao longo de seus percursos, são contaminadas por interesses, inocências e sabedorias (cf. BONETI, 2006).
Desta forma, no Brasil o acesso às escolas e universidades ainda é restrito a
uma pequena parcela da população, comprometendo suas possibilidades no mercado
de trabalho, já que o ensino público é de péssima qualidade em nossa sociedade.
Destaca-se a importância dada por Rousseau à educação e à família. Para ele, esta
questão é muito séria e deve ser a base da sociedade. Se trouxermos esta questão para
os dias atuais, é evidente que isto não tem sido valorizado.
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Pode-se citar o seguinte trecho da obra de Fábio Konder Comparato, que valoriza o papel da educação:
A lição dos antigos é irrefutável: há sempre uma íntima ligação entre
educação e política, entre a formação do cidadão e a organização jurídica da cidadania. Se a boa natureza original do ser humano foi corrompida pela sociedade moderna, a regeneração dependerá de uma reforma
profunda, tanto do sistema educacional, quanto da organização do Estado, pois esses dois setores estão intimamente ligados. […] A verdadeira
educação é de cunho moral e não técnico. A educação preocupa-se com
a única finalidade que importa: o desenvolvimento harmônico de todas
as qualidades humanas. A mera instrução, diferentemente, cuida dos
meios ou instrumentos. Desviada de sua finalidade maior, ela pode criar
autônomos e súditos, nunca cidadãos e homens livres. (2006, p. 241).
Para Comparato (2006), o pensamento de Jean-Jacques Rousseau é revolucionário em dois sentidos: na restauração das antigas liberdades e na reconstrução completa da ordem tradicional. Rousseau sustentou a necessidade de uma restauração da
pureza original dos costumes, corrompida pela sociedade moderna. Essa restauração,
porem, é antes a refundação da sociedade civil sobre novas bases, de acordo com o
espírito das instituições que vigoraram em Esparta e em Roma, tidas como absolutas.
Observa-se que, apesar de serem diferentes as épocas, as ideias de Rousseau,
assim como as de Maquiavel e de Hobbes, permanecem atuais e vivas. É importante
apontar que as ideias de Rousseau são fundamentais para compreensão do Estado
moderno. A forte crítica ao Estado representativo permite interpretar que ele era um
crítico do liberalismo. Rousseau jamais foi um liberal. Ele não acreditava na possibilidade de qualquer rígida separação entre indivíduo e Estado como queriam os
teóricos liberais, pois achava inconcebível o desenvolvimento da plena vida moral
sem a ativa participação do indivíduo no corpo inteiro da sociedade. Defendia que
a unidade e permanência do Estado dependem da integridade moral e da lealdade
indivisível de cada cidadão.
Outro ponto importante da contribuição de Rousseau (2000) foi a sua influência
na base do movimento romântico, que caracterizou a metade do século XIX e permanece vigorando até os dias atuais, como formas básicas de sentir e pensar o mundo.
A valorização do mundo dos sentimentos em contradição com a razão intelectual e
da natureza mais profunda do homem, em detrimento ao artificialismo da vida civilizada, encontra-se neste movimento.
Vale afirmar que poucos autores transformaram tão expressivamente a realidade social por suas ideias. O pensamento de Rousseau exerceu decisiva influência na
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história moderna, primeiro no Ocidente e depois em todo o mundo, no que se refere
à educação (relacionada com a política) e à reforma do Estado.
Considerações finais
Diante de todo o exposto, conclui-se que o modelo ideal de Estado para o Brasil
é aquele pautado na participação cidadã e na democracia. Conforme a Carta Maior,
faz-se necessário construir verdadeiramente um Estado social e democrático de direito voltado para a democracia participativa. Entende-se que a participação é um
processo de construção lento e gradual e não podemos visualizá-la como algo fácil,
sem obstáculos ou dificuldades. Fica claro que é uma conquista contínua e depende
fundamentalmente da atuação dos atores sociais. A sociedade sempre girou em torno
do poder, e a teoria da participação não pode ignorar esse fato, que por sua vez, é um
forte obstáculo. Estamos diante da construção da nova cidadania, que precisa formar
um laço entre a cultura e a política, constituindo diferentes sujeitos políticos e transformações culturais como alvo da luta política e da luta cultural como instrumento
para a mudança política.
A nova cidadania inclui o processo de invenção e criação de novos direitos,
que surgem de lutas e práticas reais. São exemplos: o direito dos povos indígenas,
o direito à diversidade cultural, a proteção à cultura, o direito à autonomia sobre o
próprio corpo, o direito à proteção do meio ambiente, o direito à moradia, à construção da cidadania de baixo para cima, a adaptação dos próprios movimentos sociais à nova democracia, a formulação de um projeto para uma nova sociabilidade,
e estes permitem a construção da experiência democrático-participativa no interior
da própria sociedade.
Dessa maneira, a partir do momento em que efetivamente tivermos um Estado
de direito que abra possibilidades para a sociedade civil atuar não só pela consulta
popular (caso das eleições), mas participando efetivamente de assuntos sociais, o
conceito de cidadania participativa será pleno.
Entende-se que, quando possibilitarmos a realização de uma democracia participativa, melhor se estruturarão os movimentos sociais, bem como suas realizações
e conquistas. Faz-se necessária uma relação entre esses dois conceitos, uma relação
que implique dinâmica e confiabilidade. À medida que a sociedade civil se sentir
segura para ir às ruas ou para participar, por exemplo, de um orçamento participativo
ou de um plano diretor, teremos a conquista e o costume de cada vez mais ampliar o
número de cidadãos.
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Submetido em: 29/11/2011
Aceito em: 31/7/2012
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