PLINKO OU MÁQUINA DE GALTON: COMO UM INSTRUMENTO DE ENSINO NOS FENÔMENOS ALEATÓRIOS Wilson Espindola Passos1, Flávio Santana Michels 2, Paulo Souza da Silva3, Nilson de Oliveira da Silva4 , Paulo César de Souza5, Antônio Carlos Maia Trindade6. 1 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/ Curso de Física, [email protected] Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/ Curso de Física, [email protected] 3 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/ Curso de Física, [email protected] 4 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/ Curso de Física, [email protected] 5 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/ Curso de Física, [email protected] 6 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/ Curso de Física, [email protected] 2 RESUMO A disciplina de Física Experimental nas séries iniciais do Curso de Graduação em Física da UEMS é voltada para o estudo e a análise de médias, que propôs a reprodução da máquina de Galton. Essa atividade pedagógica foi proposta para melhor apreensão cognitiva dos conteúdos da disciplina, principalmente, em relação às incertezas detectáveis nas medidas físicas. O objetivo fundamental deste trabalho foi observar, além de quantificá-los, se os processos aleatórios independentes que atuam numa medida obedecem a uma distribuição normal. Esta se ajusta a muitas funções de densidade de probabilidade que são observadas não apenas em Física Experimental, mas também em várias situações do cotidiano, mostrando ao acadêmico a importância de compreender os processos que levam a essa distribuição. Essa máquina, desenvolvida por Francis Galton, através de seus estudos em bioestatística, consistia numa placa em cuja parte superior havia um funil destinado ao condicionamento dos corpos de provas, abaixo do funil existia uma matriz de pregos dispostos em intervalos iguais, e embaixo dos pregos, um conjunto de canaletas que atuavam como acumuladores desses corpos, formando uma curva próxima a de Gauss. Para produzir esse equipamento, é necessário que o construtor tenha acuidade nas medidas e no alinhamento dos obstáculos, sendo este o fator de mais influência na distribuição das esferas. A distância entre esses foi estabelecida de modo empírico. Através dos testes realizados foram detectadas algumas variáveis, as quais não eram previstas pelo modelo teórico, para eliminá-las foram feitos constantes aprimoramentos no equipamento. Após o término do trabalho, percebeu-se uma melhor assimilação do conteúdo teórico ministrado. Também, um despertar maior do senso de observação, e da socialização do conhecimento, por meio do trabalho em grupo. Palavras-chave: Máquina de Galton, Distribuição Normal, Física Experimental. I. Introdução Uma das maiores dificuldades do ingresso no Curso de Licenciatura em Física da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UEMS, cujos alunos em sua maioria são advindos da rede pública de ensino, reside nas aulas de práticas experimentais, haja vista a não-familiaridade com laboratórios (fato comum nas escolas públicas de ensino médio de Mato Grosso do Sul) e a falta de habilidades de interpretação e resoluções gráficas. A atividade experimental exige o contínuo levantamento de hipótese e a sua verificação, bem como a manipulação quantitativa de variáveis, que são caracterís ticas do pensamento formal, sendo que raramente essa habilidade está plenamente desenvolvida nos alunos de ensino médio e das séries iniciais dos cursos de nível superior. Portanto, a aprendizagem por descoberta pode não ser viável nesses níveis, pois exige em maior grau dessas habilidades características do formal (Tagliaferri et al., 1985). Em um laboratório de ensino, não se está interessado somente em comprovar ou negar os resultados previstos nos modelos teóricos, mas também em desenvolver nos alunos habilidades e atitudes que serão úteis tanto na futura vida profissional como nas atividades cotidianas em geral. O objeto de estudo tratado neste trabalho foi uma atividade experimental extraclasse proposta na disciplina de Física Experimental A para a turma do primeiro ano dos períodos matutino e noturno, tendo por finalidade uma melhor assimilação do conteúdo da teoria e da distribuição padrão ou gaussiana de erros relacionados às estruturas cognitivas (Moreira, 1983; Piaget e Garcia, 1983), tais como generalização, raciocínio hipotético–dedutivo, reversibilidade, conservações, e o desenvolvimento histórico de conceitos como aleatoriedade, probabilidade e distribuição normal. II. – Distribuição Normal ou de Gauss. Um problema fundamental para análise de resultados experimentais é o da determinação da função densidade de probabilidade associada à flutuação da grandeza medida. Conhecida a forma dessa função será possível calcular as respectivas medidas de tendência central e de dispersão e obter informações sobre a flutuação de amostras desta população. Podendo-se desse modo exprimir corretamente a grandeza medida com a sua respectiva incerteza. Geralmente, em medidas de uma grandeza física a distribuição de erros se aproxima com grande sucesso de uma gaussiana (Vuolo, 1996). A função densidade de probabilidade gaussiana ou normal é definida por G ( x) = 1 e σ 2π 1 x −µ − 2 σ 2 1. Equação 1 onde x é o valor experimental da grandeza física medida, que pode variar de −∞ a +∞ , µ é o valor médio e σ o desvio padrão da distribuição. Essa função possui algumas propriedades particulares como: a) É um modelo teórico cuja representação gráfica se assemelha a um sino simétrico em relação a um eixo passado pela media da distribuição; b) À medida que os pontos se afastam da média, a curva se torna assintótica em relação ao eixo das abscissas (aproxima-se do eixo horizontal sem jamais tocá-la); c) É definida pelo médio e pelo desvio-padrão da variável razão, pela qual é genericamente representada por x: nI(M,sigma); d) Dada a simetria da distribuição, 50% dos valores são inferiores à média de 50% superiores a ela ; e) O ponto máximo da função F(x) é o ponto médio da distribuição; f) Os pontos de inflexão da função F(x) estão a uma distância de um desviopadrão da média da distribuição. Admite-se, como elemento da análise de resultados experimentais, que as flutuações das medidas de uma grandeza obedecem à distribuição normal. É possível demonstrar que as flutuações das medidas seguem a distribuição de Gauss supondo serem resultante da ação simultânea de uma infinidade de fatores independentes, cada um contribuindo com uma alteração infinitesimal do valor da grandeza medida (Vuolo, 1996; Helene e Vanin, 1991; Barthem, 1997). III. 2 – A Máquina de Galton Esse dispositivo foi projetado por Galton (1873-1874) como um engenhoso modelo físico da teoria de erros e aplicável a muitos fenômenos no campo da Biologia e da Física (Teixeira et al., 2008; Helene e Vanin, 1991). A máquina ou placa de Galton consiste basicamente de um arranjo de pinos de metal ou pregos, dispostos em intervalos iguais, atuando como obstáculos à passagem dos corpos de prova por gravidade. Na parte superior da placa, há um funil para o armazenamento das esferas metálicas; e, quando esses corpos são liberados, há uma série de colisões sucessivas, acumulando-se verticalmente numa série de canaletes cuja distribuição resultante é semelhante a uma curva normal. Quando uma esfera encontra um obstáculo, a probabilidade de seguir para direita ou esquerda são iguais a 1 2 , i.e. os eventos são equiprováveis. Após o segundo choque, as probabilidades de queda à esquerda de ambos os pregos ou entre eles ou à direita de ambos deve estar na proporção 1:2:1 (Teixeira et al., 2008). Como temos uma série de choques sucessivos, a probabilidade com os próximos obstáculos segue uma configuração tipo triângulo de Pascal. O acúmulo em cada canalete segue uma distribuição binomial, P( x) , P ( x) = n! n− x p x (1 − p ) x !( n − x) ! Equação 2 em que n representa o número de colisões, ou fileiras de pregos, que o corpo de prova encontra até atingir o acumulador e x é o numero de sucessos em cada canalete com probabilidade p de ocorrer. A Equação 1, utilizada no caso de variáveis contínuas, aproxima-se da distribuição binomial com µ = np e σ = np (1 − p ) . Para se entender a Equação 2, pode-se pensar na seguinte situação: para que a esfera caia no 3º canalete ( x = 3 ) à direita (sucesso), ela deve seguir na mesma direção três vezes, mas como se tem n fileiras, ter-se-á ( n − x ) colisões à esquerda (insucesso). A probabilidade de sucesso para tal configuração será p x e os insucessos serão (1 − p ) n− x ; assim, a probabilidade que tal situação ocorra será p x (1 − p ) n− x . O número de trajetórias possíveis é dado por n ! . Entretanto, para cada trajetória possível existe m x ! maneiras que a esfera pode ir à direita, e da mesma forma tem-se ( n − x ) ! maneiras à esquerda. Portanto, o número total de trajetórias possíveis deve ser dividido por esses dois fatores, que é o divisor da Equação 2. É interessante notar que por baixo de cada prego estão colocados dois pregos numa linha horizontal formando um triângulo eqüilátero com o prego superior. Se o declive da rampa estiver corretamente ajustado, o corpo esférico chocar-se-á em um dos pregos da base desse triângulo, após a prévia colisão com o prego superior. IV – Descrição do Trabalho Desenvolvido Na construção da máquina de Galton, foram utilizados os seguintes materiais: 1 suporte de MDF com 48,4 x 75,5 cm com bordas em cerejeira de 1,5 x 2,0 cm; 10 parafusos Philips de 2,5 cm utilizados para fixar as bordas; pregos de 20 mm para bordas internas; 21 tiras de vidro de 30 cm; 30 cm de arame artesanal; 400 pregos de 10x10 mm sem cabeça e 315 esferas em aço com 0,66 cm de diâmetro utilizado para lançamento ; como também as seguintes ferramentas: martelo, furadeira elétrica com broca de 1,5 mm, serra elétrica e régua metálica com escala em milímetros. Inicialmente, mediu-se o diâmetro do conjunto de trezentas esferas de aço, utilizando-se um paquímetro com incerteza de 0,05 mm. Desse conjunto, extraiuse a média aritmética simples, obtendo um valor médio do diâmetro de (6,00 ± 0,05) mm para as esferas a serem utilizadas no experimento. Em seguida, foram fixados os obstáculos feitos de pregos com altura de (15,00 ± 0,05) mm, dispostos na formação de triângulos eqüiláteros simétricos como mostra a Figura 1. Para a determinação da distância entre os pregos nas fileiras, foi feita uma simulação para se obter a melhor disposição do arranjo, de tal maneira que o resultado final se aproximasse mais de uma distribuição gaussiana. Quatro testes foram feitos e em cada um variou-se a distância entre os pregos. Analisando os resultados chegou-se à conclusão de que a melhor disposição seria de três vezes o raio da esfera. A determinação empírica dessa distância fez-se necessária, pois a esfera em seu trajeto possui um movimento não determinístico e complicado com choques inelásticos, deslizamentos e rolagens. Através da base do triângulo, i.e. distância entre os pregos nas fileiras, calculou-se a altura por geometria elementar. No caso deste estudo, como construíram-se 21 canaletes, o número de fileiras de pregos construídas foi 21, mais o primeiro prego. Figura 1 – Esquema utilizado para as posições dos obstáculos O aparato construído pode ser visualizado na Erro! Fonte de referência não encontrada., visando uma articulação entre teoria e prática e uma socialização do conhecimento pelos integrantes dos grupos de trabalho. Figura 2 – Aparato construído para o estudo da distribuição normal baseada na Máquina de Galton e a distribuição das esferas ao longo dos canaletes após um lançamento Utilizando o aparato construído, conforme Erro! Fonte de referência não encontrada., foram realizados testes observando a distribuição final das esferas, após a sua trajetória ao longo do arranjo de pregos. Observou-se a uma distribuição que se aproxima da curva de Gauss. Entretanto, pode ocorrer uma pequena discrepância no resultado esperado, como visto na Erro! Fonte de referência não encontrada.. Constata-se que esses resultados são advindos de pequenas irregularidades no arranjo dos pregos na tábua, mas quando se toma a média de vários lançamentos, a configuração das esferas se aproxima consideravelmente da distribuição normal. V – Resultados Obtidos Utilizando o aparato mostrado Erro! Fonte de referência não encontrada.foram realizados vários lançamentos, para observar as posições das esferas ao final de sua trajetória. Com esses resultados, efetuou-se um acúmulo dos lançamentos e traçou-se o gráfico (Erro! Fonte de referência não encontrada.) que mostra a freqüência das esferas agrupadas em cada canalete. Facilmente , pode-se observar que a freqüência maior é em torno dos canaletes centrais, obedecendo à distribuição prevista pelo modelo teórico de Gauss. A diferença existente, no gráfico apresentado na Erro! Fonte de referência não encontrada., entre o histograma obtido com o acúmulo dos lançamentos e a gaussiana ajustada são distintas em relação ao tipo de variável considerada. No caso do histograma os canaletes funcionam como intervalos de dados, i.e. uma variável discreta, já para a distribuição gaussiana, tem-se um espectro de variáveis contínuas. Figura 3 – Histograma da distribuição das esferas com a gaussiana ajustada, com prancha inclinada a 90º 600 Frequêcia Média 500 400 300 200 100 0 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 Canaletes É interessante notar que a média dos lançamentos, conforme mostra o gráfico mostrado na Erro! Fonte de referência não encontrada., está concentrada em torno do canalete nº 12. Esse resultado expressa um desvio da posição central de um canalete, pois o canalete central é o nº 11. Dessa forma, constata-se a presença de um erro sistemático nos lançamentos, pois a distribuição ficou deslocada de um canalete. As possíveis fontes de erros que tiveram maior influência nos resultados foram o alinhamento dos obstáculos e o método de lançamento , os quais contribuíram com o aumento de erros sistemáticos. Vale salientar que os pregos, no decorrer dos lançamentos, precisavam ser fixados devido ao elevado número de choques das esferas de aço. Assim, há a necessidade da escolha de um material menos maciço para as esferas e uma prancha mais rígida. VI – Discussões e Conclusões A distribuição da probabilidade é uma função que determina a possibilidade de ocorrência de qualquer conjunto de eventos, que podem ser arranjados de muitas maneiras. Através da máquina de Galton, pode-se averiguar seu nível em cada evento, em que o centro tem a maior densidade de esferas, devido aos arranjos dos obstáculos. Durante o experimento, observou-se que as esferas sofriam influência significativa da força de atrito, de tal modo que algumas estacionavam no arranjo antes de terminar o percurso até os canaletes. Relacionando a inclinação da prancha com a força de atrito, decidiu-se utilizar o ângulo reto fazendo com que a força de atrito pudesse ser desprezada. Importante mencionar que um questionário, para apreensão por parte dos alunos do grau de aprendizagem dos conceitos inerentes ao experimento, está sendo elaborado e deverá ser aplicado após o término da disciplina em curso, considerando que o ano letivo ainda não foi encerrado. Logo, mesmo sem os resultados do questionário, acredita-se que os acadêmicos que realizaram essa atividade tiveram uma melhor assimilação do conteúdo ministrado na disciplina de Física Experimental A , pois: a) Identificaram um modelo teórico na prática; b) Perceberam a importância da acuidade que se deve ter ao realizar uma prática experimental; e. c) Obtiveram um despertar maior do senso de observação e da socialização do conhecimento, por meio do trabalho em grupo. VII – Referências BARTHEM, Ricardo Borges. Tratamento e Analises de Dados em Física Experimental. 4ª Edição. Rio de Janeiro: UFRJ – Série Cadernos Didáticos, 1997. HELENE, Otaviano A. M; TSAI, Shan P.; TEIXEIRA, R. R. P. O que é uma medida?, Rev. Brás. Ensino Física, V. 13, p. 12, 1991. IEZZI, Gelson. Fundamentos de Matemática Elementar, São Paulo: Editora Atual. S.P. 2006. MOREIRA, Marco A. Uma abordagem cognitivista ao ensino da Física. Porto Alegre: Editora da Universidade - IFRGS , 1983. Otaviano, A. M. Helene; Vito, R. Vanin.Tratamento Estatístico de Dados em Física Experimental. São Paulo: Editora Edgard Blucher, 1991. PIAGET, J.; GARCIA, R. Psicogênese e História das Ciências. Lisboa: Dom Quixote, 1983. TAGLIAFERRI, Angel A.; Ure, J. E.; Dibar-Ure, M. C. Influencia del nivel cognoscitivo en el desempeño en el laboratorio. Enseñanza de las Ciencias, p. 209-212, 1985. TEIXEIRA, Ricardo R.; PEREIRA, Riama G.; TAKEUCHI, Margareth Y. A Distribuição Normal e o Quincunx. Cad. Bras. Ens. Fís., V. 25, n. 2, p. 340-353, 2008. VUOLO, J.H. Fundamentos da Teoria de Erros. São Paulo: Editora Edgar Blücher Ltda., 1996.