Marcos Renato Schahin - PUC-SP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
MARCOS RENATO SCHAHIN
AS RAZÕES DA INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICAS
BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A LUZ DO CULTURALISMO
FILOSÓFICO
MESTRADO EM DIREITO NA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO FILOSOFIA DO
DIREITO
São Paulo
2007
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
MARCOS RENATO SCHAHIN
AS RAZÕES DA INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICAS
BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A LUZ DO CULTURALISMO
FILOSÓFICO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de
MESTRE em direito na área de concentração de filosofia do direito, sob a
orientação do Professor Doutor Cláudio de Cicco.
MESTRADO EM DIREITO NA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO DE FILOSOFIA
DO DIREITO
São Paulo
2007
MARCOS RENATO SCHAHIN
AS RAZÕES DA INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICAS
BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A LUZ DO CULTURALISMO
FILOSÓFICO
Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de mestre em
direito e aprovada em sua forma final pela coordenação do curso de pósgraduação em direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na área
de filosofia do direito.
Banca examinadora:
_______________________________________________________________
PRESIDENTE: PROFESSOR DOUTOR CLÁUDIO DE CICCO; PUC/SP
_______________________________________________________________
MEMBRO: PROFESSOR DOUTOR
_______________________________________________________________
MEMBRO: PROFESSOR DOUTOR
AUTORIZO, EXCLUSIVAMENTE PARA FINS ACADÊMICOS E CIENTÍFICOS,
A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO POR
PROCESSOS DE FOTOCOPIADORAS OU ELETRÔNICOS.
_______________________________________________________________
MARCOS RENATO SCHAHIN
_______________________________________________________________
LOCAL E DATA
Dedico este trabalho ao meu pai e a sua dedicação
incondicional aos seus filhos.
Agradeço ao meu orientador do mestrado,
professor Cláudio de Cicco; ao meu orientador da
graduação, professor Eduardo Carlos Bianca
Bittar; e a minha professora de História da escola,
Mônica Salomão D’avila.
"O que mais preocupa não é o grito dos violentos,
nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos
sem caráter, nem dos sem ética. O que mais
preocupa é o silêncio dos bons!"
(Martin Luther King)
RESUMO
O
presente
trabalho
tem
como
objetivo
demonstrar
os
movimentos filosóficos que nortearam a criação do ordenamento jurídico
brasileiro desde a colônia até os dias atuais através da história do direito.
A necessidade deste estudo nasceu da existência contraditória
entre as leis e a sociedade brasileira. Dessa forma, a pesquisa busca
encontrar algumas razões para a ineficácia do ordenamento jurídico
brasileiro na formação histórica e jurídica do país.
A pesquisa parte da análise da corrente filosófica do culturalismo,
a partir do pensamento de Tobias Barreto. No segundo capítulo a história do
Brasil é confrontada com a história dos ordenamentos, elucidando as
doutrinas que serviram de base para a construção das leis. No terceiro
capítulo será apresentada a repercussão da importação dos ordenamentos
jurídicos, a ineficácia da maioria das leis pátrias, o que levou a falda
impressão de um desenvolvimento jurídico no país. Por fim, o último
capítulo apresenta o projeto educacional de Paulo Freire como meio de
legitimar algumas conquistas nacionais, como a democracia, transformando
a massa brasileira em um povo capaz de tornar real a República Federativa
do Brasil.
ABSTRACT
The present work has the objective to demonstrate the
philosophical movements that have guided the creation of a Brazilian legal
system since colonial times up until the present day through the history of
law.
This study becomes necessary due to the fact that the laws have
become outdated with regard to the demands of society. Consequently, the
research tries to find some reasons for the inefficacy of the Brazilian legal
system in the historical and legal cultural of the country
The research begins with the analysis of the current cultural
philosophy, starting with the thinking of Tobias Barreto.
In the second chapter, the history of Brazil is confronted to a code
of laws that elucidated the doctrines that have served as a basis for the
construction of these some laws.
In the third chapter it will be show that foreign influence with
regard to these codes of laws had proved to be inefficient in their execution.
Finally, the last chapter presents the educational project of Paulo
Freire as a means of legitimizing some national conquests, such as
democracy, transforming the Brazilian people into a nation capable of
making viable the Federative Republic of Brazil.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1
1
CULTURALISMO ....................................................................................... 4
2
SOBRE HISTÓRIA ..................................................................................... 9
3
HISTÓRIA DO BRASIL ............................................................................ 12
3.1
O BRASIL COLÔNIA ........................................................................ 12
3.1.1 OS ÍNDIOS..................................................................................... 12
3.1.2 O PAU BRASIL E AS CAPITANIAS.............................................. 14
3.1.3 GOVERNO GERAL, CANA DE AÇÚCAR E O OURO .................. 15
3.2
O BRASIL REINO.............................................................................. 23
3.2.1 A FAMÍLIA REAL NO BRASIL ...................................................... 23
3.3
O BRASIL IMPÉRIO.......................................................................... 27
3.3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1824.......................................................... 27
3.3.2 ESCRAVOS ................................................................................... 39
3.4
BRASIL REPÚBLICA........................................................................ 50
3.4.1 GOVERNO PROVISÓRIO ............................................................. 50
3.4.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1891.......................................................... 53
3.4.3 O CÓDIGO PENAL DE 1890 ......................................................... 59
3.5
A AUSÊNCIA DE UM CÓDIGO CIVIL............................................... 62
3.6
A REPÚBLICA VELHA ..................................................................... 63
3.7
A ERA GETÚLIO VARGAS............................................................... 69
3.7.1 O GOVERNO PROVISÓRIO.......................................................... 69
3.7.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1934.......................................................... 71
3.7.3 O ESTADO NOVO ......................................................................... 80
3.7.4 O PLANO COHEN ......................................................................... 81
3.7.5 A CONSTITUIÇÃO DE 1937.......................................................... 81
3.7.6 A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E O FIM DO
ESTADO NOVO........................................................................................ 88
3.7.7 A CONSTITUIÇÃO DE 1946.......................................................... 91
3.8
A DITADURA MILITAR ..................................................................... 97
3.8.1 3.7.1. O ATO INSTITUCIONAL...................................................... 98
3.8.2 3.7.2. O ATO INSTITUCIONAL Nº2............................................. 101
3.8.3 3.7.3. O ATO INSTITUCIONAL Nº3............................................. 107
3.8.4 3.7.4. O ATO INSTITUCIONAL Nº4 E A CONSTITUIÇÃO DE 1967
109
3.8.5 3.7.5. O ATO INSTITUCIONAL Nº5............................................. 111
3.9
A REDEMOCRATIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DE 1988................ 115
4
A VALIDADE DO DIREITO NACIONAL E A AUSÊNCIA DE EFICÁCIA
118
5
EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO ............................................................ 121
6
BALANÇO CRÍTICO REFLEXIVO ......................................................... 127
CONCLUSÕES .............................................................................................. 130
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 133
1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata de uma pesquisa sobre a filosofia do
direito com base na história do Brasil, analisando as leis brasileiras e as
circunstâncias de sua criação.
Para o desenvolvimento do tema central do trabalho foram
utilizadas experimentações metodológicas que pudessem vir a contribuir da
melhor maneira possível para o desenvolvimento das questões propostas.
Portanto, a presente pesquisa não possui fidelidade referente a um método
investigativo específico.
A pesquisa tem início com a análise do culturalismo, corrente
filosófica que surgiu na Alemanha e foi desenvolvida no Brasil por Tobias
Barreto e por Miguel Reale. O culturalismo visualiza a realidade como fruto
das transformações culturais, ou seja, promovidas pelo ser humano, desta
forma torna-se fonte primordial de todos os valores, inclusive os jurídicos.
Após essa fase, o trabalho propõe-se a construir a história jurídica
brasileira com o intuito de relativizar o pensamento jurídico atual, revelando
um falso cientificismo formal que encobre os interesses econômicos
norteadores do ordenamento pátrio.
Deste modo, a história do direito desenvolve o criticismo,
chamando o jurista a cumprir o seu papel de agente histórico, abandonado
o papel de simples operador de um sistema pronto e acabado.
O confronto entre a história do Brasil e a história do direito no
Brasil demonstra a ausência de um paralelo entre as duas fontes, enquanto
2
a sociedade brasileira seguia rumos patriarcais e centralizadores, os
institutos jurídicos brasileiros copiavam idéias das sociedades liberais,
burguesas da Europa.
Assim, no capítulo seguinte, a ausência desse elo entre a cultura
brasileira e seus ordenamentos gerou uma crise de eficácia das leis e uma
falsa impressão de desenvolvimento, pois o Brasil, carente de revoluções
populares bem sucedidas, nunca foi preparado para utilizar as leis que
importou das revoluções estrangeiras.
Por fim, a presente pesquisa considera a teoria educacional de
Paulo Freire, como meio para transformar a massa brasileira em povo, um
povo capaz de participar dos rumos nacionais, capaz de tornar o sistema
democrático legitimo.
4
1
CULTURALISMO
Entende-se
por
cultura
um
conjunto
de
padrões
de
comportamento, das crenças, das instituições e dos outros valores morais e
materiais de uma sociedade. A cultura está para um povo, assim como a
memória está para um homem.
O
culturalismo
analisa
a
formação
e
o
processo
de
desenvolvimento de certo grupo, em decorrência de seus acontecimentos
históricos e sociais.
A cultura se desenvolve no espaço e no tempo, portanto, é
necessário estudar a história da sociedade brasileira para compreender
alguns aspectos da sua cultura.
A cultura pode ser classificada em duas formas, a autêntica e a
espúria. A cultura autêntica é integrada e cheia de significado para o
indivíduo, nasce e cresce de dentro da sociedade, criando assim um vínculo
entre as pessoas que nela convivem. A cultura espúria é atomizada e sem
significado para a pessoa, ela vem de fora para dentro, despersonificando
as pessoas do grupo, retirando assim o vínculo existente entre elas. 1
Um exemplo de cultura espúria encontra-se na doutrina que
concebe o indivíduo como uma engrenagem de uma grande máquina, pois
não o qualifica como ser pensante dotado de uma dignidade essencial ao
seu desenvolvimento.
1
Cf. De Cicco, Cláudio. Hollywood na cultura brasileira. 1979, p. 21.
5
O direito é um fenômeno cultural, dessa forma precisa ser situado
no espaço e no tempo da sociedade onde ele atua. O direito brasileiro foi
importado, logo possui uma carga cultural diferente da nacional, o que
gerou uma série de problemas que serão analisados ao longo do trabalho.
Cabe à filosofia do direito o papel de resolver os problemas
apresentados pelo transplante de institutos jurídicos inadequados à
realidade brasileira, na busca de uma adequação dos institutos jurídicos
presentes com a realidade nacional. 2
Essa adaptação consiste também na formação das pessoas que
operam o direito. A formação do jurista deve desenvolver um espírito crítico
de formação, e não apenas de informação. Uma formação humanista aberta
aos valores da cultura e aos problemas fundamentais da sociedade
brasileira. Dessa formação nasce à diferença entre o técnico em direito e o
jurista.
O técnico do direito é a pessoa que possui todas as ferramentas
para operar o direito como uma máquina. Não tendo a noção do todo, faz do
direito um instrumento de geração de renda, vende seu trabalho para
satisfação de prazeres e necessidades, não trabalha pela justiça nem para
o todo, já que, dificilmente possui algum conceito desenvolvido nesse
sentido.
Já o jurista é o profissional do direito que se utiliza de seu
conhecimento técnico para realizar a justiça, possuindo a noção do todo,
contribuindo para a formação e desenvolvimento da pessoa e do meio em
6
que ela vive, e não agindo como um parasita, que busca saciar seus
anseios sem se preocupar se suas atitudes podem destruir o todo.3
Tobias Barreto (1839-1889), precursor do culturalismo jurídico na
escola de Recife, defende o direito como produto da cultura humana, fonte
comum de todas as conquistas e progressos da humanidade, em seu
desenvolvimento histórico. Segundo ele, a principal fonte do direito é o
costume, assim quando uma atitude se repete por diversas vezes ela se
torna
moral,
e
quando
a
sociedade
viabiliza
condições
desse
desenvolvimento cultural, ela vira lei. 4
Tobias Barreto superou o jusnaturalismo e o positivismo de sua
época, desenvolvendo o culturalismo, uma teoria jurídica crítica da
compreensão puramente normativista do positivismo, que servia ao
liberalismo jurídico, e crítica ao direito natural de ordem divina pregado pela
igreja e pela monarquia.
Miguel Reale deu seqüência ao culturalismo colocando a
experiência como elo entre a natureza e a cultura, chegando posteriormente
à teoria tridimensional do direito, que se exprime pelas relações entre fato,
valor e norma.5
No contexto do liberalismo econômico e do conservadorismo
elitista, o Brasil Império desenvolveu uma ordem jurídica legalista formal que
2
Cf. Montoro, André Franco. Estudos de filosofia do direito. 1995, p.107.
Cf. TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. Duas palavras. In O que é a filosofia do direito? São Paulo:
Manole, 2004, Pp. 19,20.
4
Cf. Machado Neto. A. L. História das idéias jurídicas no Brasil, 1969, p.87.
5
Cf. Reale, Miguel. O Direito como experiência : introdução à epistemologia jurídica – 2ª edição – São
Paulo: Saraiva 1992.
3
7
fundamentou nossa cultura jurídica, uma cultura conservadora que excluía o
povo brasileiro de qualquer participação na construção da vida política e
jurídica nacional.
Nessa toada, foram criados os dois primeiros cursos jurídicos no
país, São Paulo e Olinda que depois se transferiu para Recife, para a
formação de bacharéis que desempenhariam funções burocráticas em favor
do Estado oligárquico e conservador,
esse
movimento
pode
ser
denominado por bacharelismo.
Uma outra maneira de adaptação deve ser realizada através da
superação do colonialismo cultural implantado no Brasil, através de um
sistema educacional que será devidamente analisado mais profundamente
no quinto capítulo do presente trabalho. O próximo capítulo busca montar a
história do Brasil aliada às importações jurídicas e suas causas.
9
2
SOBRE HISTÓRIA
A história narrativa apenas ordena os fatos cronologicamente sem
carga valorativa, é focada no homem e não nas circunstâncias. 6 O presente
trabalho abrange esse método da história narrativa em segundo plano, pois,
tem base na interpretação econômica da história, que coloca o fator
econômico como fator fundamental do qual dependem os demais.
7
Uma
vez que, na história do Brasil, as mudanças jurídicas só ocorreram após
algum interesse econômico da classe dominante. 8
As fontes históricas até o século XX são em sua maioria
européias,
9
portanto, a subjetividade dos fatos narrados deve ser
observada para uma análise crítica dos acontecimentos
10
. Aquilo que nos
parece natural é historicamente relativo. Um exemplo disso é a corrente
utilização do termo “descobrimento do Brasil”, que possui um caráter
heróico, como se todo um continente já habitado por uma civilização de
cultura riquíssima, os ameríndios, só passasse a existir e ter valor após a
chegada dos europeus no século XV.
Por isso, a necessidade dos questionamentos: Qual história é
apresentada? Contada por quem? Quais os costumes e valores da época
6
Cf. Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 202.
Cf. Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 159.
8
“Uma vez mais a tendência é tratar os movimentos econômicos como espinha dorsal de tal análise. As
tensões às quais a sociedade está exposta no processo de mudança histórica e transformação permitem
então que o historiador exponha, em primeiro lugar, o mecanismo geral pelo qual as estruturas da
sociedade tendem simultaneamente a perder e restabelecer seus equilíbrios e, em segundo lugar, os
fenômenos que tradicionalmente são o tema de historiadores sociais, como, por exemplo, consciência
coletiva, movimentos sociais e a dimensão social da mudanças intelectuais e culturais. ” (Hobsbawn, Eric.
Sobre História, 1998, p. 94).
9
“A partir do século XV, a história do mundo tornou-se indiscutivelmente eurocêntrica, e assim
permaneceu até o século XX.” (Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 239).
7
10
dos acontecimentos? E principalmente, quais os valores do local e da época
de quem está escrevendo a história? 11
10
“Todo historiador tem seu próprio tempo de vida, um poleiro particular a partir do qual sonda o
mundo” (Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 244),
11
“O cientista, que é fruto de sua época, reflete os preconceitos ideológicos e outros de seu ambiente e
experiências e interesses históricos e sociais específicos.” (Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p.
139).
12
3
HISTÓRIA DO BRASIL
3.1
O BRASIL COLÔNIA
3.1.1 OS ÍNDIOS
Os índios que viviam no Brasil não conheciam a propriedade
privada, apenas utensílios pessoais, como armas e colares, pertenciam a
um indivíduo. O caráter comunitário também influenciava a economia, que
produzia somente o necessário para o consumo, o excedente era no
máximo trocado com outras tribos.
Os portugueses estranharam a ausência de um poder central nas
tribos, não existia um chefe local que ditava as leis, as decisões eram
tomadas pelo grupo de homens adultos da tribo. A divisão do trabalho era
feita através das diferenças sexuais e de idade, e a poligamia era permitida.
A formação cultural brasileira teve como base a cultura indígena
dos habitantes do continente, a cultura negra trazida pelos escravos da
África, e a cultura européia trazida pelos portugueses. Contudo, a
dominação da cultura européia sobre as outras, ocorreu devido ao maior
poderio econômico e militar dos portugueses, e o caráter civilizador
europeu, que buscava impor seus costumes e religião ao povo considerado
por eles incivilizado. 12
12
“Caso do Brasil que se originou de operações comerciais. Com efeito, a formação do Brasil não teve
como ponto de partida a confrontação dos invasores portugueses com as populações autóctones. Estas
foram massacradas para abrir espaço a atividades empresariais ligadas à expansão de atividades
econômicas européias.” (Furtado. Economia Colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII, 2001, p.5).
13
Assim, o Brasil tornou-se um apêndice da Europa no continente
americano, as pessoas que aqui vivam consideravam-se portuguesas, o
“novo país” nasceu sem a identidade de ter seu próprio povo.
A colônia não propiciava um ambiente para o desenvolvimento
intelectual, a empresa colonial funcionava com objetivos puramente
comerciais, sem dar espaço ao desenvolvimento moral da nação. 13
No princípio o sistema jurídico brasileiro seguia as ordenações
manuelinas, ditadas por Dom Manuel, interpretadas e aplicadas pelos
jesuítas, pois eram os únicos capazes de ler tal conteúdo. Essas
ordenações substituíram a concepção de propriedade comunitária dos
índios pela noção de propriedade privada do direito romano, e o direito do
pater família foi imposto. 14
O poder econômico e a ausência de um poder centralizador
proporcionaram o autoritarismo local, que se tornou tradição no Brasil. A
dificuldade de comunicação entre as capitanias e a metrópole, e o imenso
território brasileiro, concedia ao chefe local o papel do patriarca que
governava com poderes absolutos.
Desse modo, o Estado brasileiro caminhava no sentido oposto
das nações européias, enquanto os Estados europeus, de governos fortes e
centralizadores, influenciavam todos os setores dos seus países em
benefício da Coroa e da ampliação do seu poderio, no Brasil a força
13
14
Cf. Machado Neto. A. L. História das idéias jurídicas no Brasil, 1969, p.15.
Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 67.
14
regional patriarcal, descentralizava o poder em favor de interesses
particulares da elite.
3.1.2 O PAU BRASIL E AS CAPITANIAS
Com a invasão da América, o eixo econômico europeu deixou de
ser o Oriente e o norte da África e passou a ser a exploração do “novo
continente” do Ocidente. Esse novo foco econômico passou a ditar as
regras de direito no território brasileiro.
O pau-brasil foi a primeira riqueza explorada pelos portugueses
em terras brasileiras. A coroa portuguesa declarou monopólio sobre a
extração do pau-brasil, cobrando impostos de quem explorasse a madeira.
O medo de perder a colônia para outros povos europeus, fez Portugal iniciar
o processo de ocupação e colonização do Brasil. Cinco navios com 400
pessoas, vieram ocupar a terra para a exploração econômica. Em 22-011532 foi fundada a primeira vila do Brasil, São Vicente.
A colônia servia para dar lucro à metrópole, portanto, a primeira
atividade econômica, a extração do Pau-Brasil, foi regulada por um
documento com valor jurídico vindo de Portugal que concedia o direito de
extrair a madeira por um determinado período de tempo mediante
pagamento à coroa.
15
Outra emanação jurídica vinda de Portugal fazia referência às
capitanias hereditárias, onde os donatários recebiam terras através das
cartas de doação da coroa portuguesa, junto com os forais, que indicavam
os direitos e deveres dos donatários.
3.1.3 GOVERNO GERAL, CANA DE AÇÚCAR E O OURO
O governo português não queria gastar dinheiro na colonização
brasileira. Portanto, dividiu o território em grandes lotes de terra, as
capitanias hereditárias, divisão esta que Portugal já tinha feito em Açores e
Madeira, e entregou-os aos nobres para explorá-las. O capitão era a
autoridade máxima dentro da capitania. Sua morte transferia o comando da
capitania a um descendente ou herdeiro, o capitão podia distribuir terras,
escravizar índios, e aplicar a pena de morte, em contrapartida era obrigado
a repassar parte de seus lucros à coroa portuguesa. O sistema das
capitanias não gerou o efeito esperado pelos portugueses, os capitães não
tinham recursos suficientes para investir, a ocupação foi apenas litorânea,
os grupos indígenas resistiam à invasão portuguesa, as viagens da
capitania até Portugal eram caras e duravam dois meses, e Portugal não
supria as necessidades em relação à defesa do território. Dessa
experiência, nasceram os primeiros núcleos de povoamento, como São
Vicente, Porto Seguro, Ilhéus, Olinda e Santos. 15
O insucesso do sistema de capitanias levou à implantação de um
governo geral português no Brasil, que teve como sede a Bahia, Salvador
15
“Não era e não podia o pequeno reino lusitano ser uma potência colonizadora à feição da antiga Grécia.
O surto marítimo que enche sua história do século XV não resultara do extravasamento de nenhum
excesso de população, mas fora apenas provocado por uma burguesia comercial sedenta de lucros, e que
16
que foi a primeira capital do Brasil. O governo criou três cargos: o ouvidormor, encarregado dos negócios da justiça; o provedor-mor, encarregado
dos assuntos da fazenda; e o capitão mor, encarregado da defesa do litoral.
Com o fracasso das capitanias, o modelo de administração local
da metrópole foi implantado na colônia. Foi criado o Governo Geral em
1548, os governadores estavam subordinados a metrópole, e a um
regimento que buscava a defesa do território e o desenvolvimento de
engenhos de cana.
Os portugueses passaram a explorar o plantio da cana-de-açúcar
por ser rentável, por conhecerem o plantio, e o bom clima e as terras
favoráveis levaram os portugueses a ocupar o território brasileiro com
imensos engenhos. Os senhores de engenho possuíam uma autoridade que
ultrapassava o limite de suas terras, vilas e povoados vizinhos, que viviam
sob o comando do senhor de engenho16. A mão-de-obra escrava que era
indígena foi trocada pela negra, pois o tráfico negreiro era uma atividade
rentável para Portugal e para Europa, pois adquiriam os negros na África e
os vendiam nas suas colônias. Ao longo do século XVI, chegou a dar mais
lucro para os portugueses o tráfico negreiro do que a produção de cana.
Começava a produção do açúcar para a exportação. Onde o
governo português cedia terras à lucratividade do negócio. A aculturação
não encontrava no reduzido território pátrio satisfação à sua desmedida ambição. (Prado Júnior. Evolução
Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p. 11).
16
“Protegiam-se os proprietários de engenho com uma legislação especial que impedia a sua execução
judicial e a perda de instrumentos de produção. Foi criada uma honraria especial, que valia por um título
– o de senhor de engenho – concedida especialmente por Sua Majestade. (Furtado. Economia Colonial no
Brasil nos séculos XVI e XVII, 2001, p.96).
17
dos índios, a proteção religiosa, e a lucratividade do tráfico, fez o português
investir na mão-de-obra africana.
Os Jesuítas foram enviados ao Brasil para catequizar os índios,
isto é, convertê-los à religião católica, e fundaram o colégio de São Paulo,
onde surgiu a vila que deu origem à cidade de São Paulo. Junto com a
formação das primeiras vilas, foram surgindo as Câmaras Municipais,
controladas pela elite financeira do local, denominados “homens bons”.
Essas Câmaras eram órgãos da administração colonial, que ditavam as leis
impostas pela metrópole. 17
A igreja católica fez parte do processo de colonização do Brasil,
isso porque Portugal e a Igreja estavam ligados pelo regime do padroado,
onde o rei obrigava seus súditos serem católicos, implantava o catolicismo
em todas as terras conquistadas, construía e conservava as igrejas. Em
contrapartida, o rei nomeava bispos, e recolhia o dízimo.
O Brasil teve a sua formação prejudicada pelos portugueses, que
sempre exploraram as riquezas naturais do país em favor da metrópole.
Tudo que se produzia aqui era vendido ao exterior e os lucros ficavam com
os portugueses, e tudo que era consumido aqui era na maioria comprado
dos portugueses. 18
17
“O poder das câmaras é pois o dos proprietários. E seu raio de ação é grande, muito maior que o
estabelecido nas leis... Apresenta-se assim o Estado Colonial, até meados do século XVII, como
instrumento de classes desses proprietários. É por intermédio deles, contrariando as próprias leis da
metrópole, que se suprem dos índios de que carecem para suas lavouras, intervindo nas aldeias,
instituições públicas que deveriam gozar da proteção oficial, ou então fazendo declarar a torto e a direito
guerra ao gentio, para traze-lo das florestas ao tronco da escravidão. É com a organização política de que
dispõem que conseguem manter na sujeição, explorando o seu trabalho, a grande massa da população,
escravos e semi-escravos. (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.31).
18
“Para o Brasil, esse sistema econômico será de conseqüências igualmente nefastas. O centro de
gravidade da economia do país estará fora dele. Os interesses da terra não contarão para nada: o bem –
18
As atribuições da metrópole não tiveram muita eficácia, pois o
modelo importado para a colônia não foi adaptado à enorme diferença
territorial entre metrópole e colônia, o poder estava centralizado apenas nas
capitais, deixando o resto do território sem a presença do poder português.
19
O sistema das ordenações Filipinas, que não conseguia abranger
todo território, era composto da seguinte forma:
“Ouvidor
-
além
das
funções
administrativas cabia-lhe conhecer e julgar por ação
nova ou por avocação a seu juízo, os processos
cíveis
e
criminais
interessadas
juízes
em
que
alcaides,
fossem
partes
procuradores,
tabeliães, fidalgos, abades, priores ou pessoas
gradas; suspeições de juízes e as causas da
competência dos juízes de fora, das cidades e vilas
situadas a duas léguas ou menos da sede da
comarca; agravos dos juízes ordinários e de fora e
as apelações dos juízes ordinários nas causas que
não excedessem sua alçada.
estar de sua população jamais será tido em conta. O país terá assim, um papel passivo no processo de sua
formação. Ademais, o grosso dos benefícios do trabalho realizado na terra se desviará para o bolso dos
intermediários metropolitanos.” (Furtado. Economia Colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII, 2001,
p.142).
19
“Ele é por isso necessariamente disperso. Em cada região, é a câmara respectiva que exerce o poder.
Formam-se assim sistemas praticamente soberanos, regidos cada qual por uma organização política
autônoma. O Brasil colônia forma uma unidade somente no nome. Na realidade é um aglomerado de
órgãos independentes, ligados entre si apenas pelo domínio comum, porém, muito mais teórico que real,
da mesma metrópole. (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.32).
19
Juiz ordinário ou da terra – eleito entre os
homens bons, tinha como função: processar e julgar
processos cíveis e criminais; onde não houvesse
juiz de órfão deveria exercer também as atribuições
deste; processar e julgar, sem recurso, juntamente
com
os
vereadores
as
injúrias
verbais
ou,
singularmente mas com recurso quando o caso
tratasse de fidalgo ou cavaleiro; julgar as apelações
e agravos das decisões dos almotáceis.
Juiz de Vintena – eleito anualmente pela
câmara de vereadores na base de um juiz para cada
20 habitantes, distante uma légua pelo menos da
sede, cabia-lhe julgar em processo verbal, sem
apelação nem agravo as questões de pequena
monte, excluindo-se as relativas a bens imóveis e
infrações e posturas municipais.
Almotacéis – em número de dois para
cada município competia-lhes: questões sobre
servidões urbanas e nuciações de obras novas.
Juiz de fora – era nomeado pelo poder
central e substituía o juiz ordinário nas causas cíveis
cujo o valor não ultrapassasse mil réis nos bens
móveis e na localidade de até 200 casas, bem como
tinha a competência para causas de bens móveis
20
com valor de até 600 réis e bens imóveis até 400
réis.
Juiz de órfãos – eleitos ou nomeados se o
município possuísse mais de 400 vizinhos e cabialhe processar e julgar inventários, partilhas, causas
decorrentes deles ou em que fosse parte deles
menores ou incapazes, assim como as causas
envolvendo a tutela e a curatela.
Para o segundo e terceiro graus de
jurisdição
o
órgão
máximo
era
a
casa
de
Suplicação, com sede em Lisboa. Outros eram o
Desembargo do Paço, a Casa do Porto, A Mesa de
Consciência e Ordens, o Conselho Ultramarino, a
Junta do Comércio, o Conselho do Almirantado, o
Tribunal da Junta dos Três Estados, o Régio
Tribunal ou Fazenda e o Tribunal do Santo Ofício.”20
O secretário de Estado do Reino, Marques de Pombal, na tarefa
de centralizar o poder do Estado brasileiro, passou a negar qualquer
premissa do direito divino e religioso do ordenamento jurídico, utilizado
pelos chefes regionais, e adotou a base positivista e racionalista do
ordenamento jurídico, provenientes das reformas iluministas da Europa para
centralizar o poder em suas mãos. Assim, na teoria positivista, o direito só
20
Apud Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, ps.310- 311.
21
poderia surgir e ser aplicado pelo Estado, e não mais pelos chefes locais
baseados na divindade do jusnaturalismo.
Os processos dessa época eram julgados, pelos poderes locais,
favoráveis a não intervenção do Estado nas questões familiares, baseados
no pátrio poder e nas antigas ordenações, porém a suprema corte
reformava as decisões, tornando legítima a interferência do Estado em
qualquer questão que considerasse injusta ou ilegal. 21
Assim, foi criado o cargo dos “juízes de fora” para aplicar a lei de
acordo com os interesses do Estado, e acabar com os julgamentos feitos
pelos grandes proprietários, muitas revoltas surgiram, pois além da perda
da autonomia dos chefes locais, os impostos para sustentar uma máquina
estatal mais atuante eram mais altos. 22
Essa discrepância de interesses entre a metrópole e os pequenos
núcleos de poder regionais deu origem a movimentos de independência, a
lei imposta pela coroa não interessava mais a elite nacional, que buscava
legitimidade para impor seu próprio sistema de regras.
Foi somente no final do século XVII que os bandeirantes
encontravam o ouro de Aluvião nas margens dos rios, sendo que a notícia
da descoberta provocou uma corrida de diferentes pessoas em direção a
Minas Gerais, em poucos anos nasceram vilas e cidades em função do
ouro.
21
22
Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 106.
Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 75.
22
Todas as minas passaram a pertencer ao governo português, que
concedia lotes aos mineradores que exploravam o ouro. O trabalho era
realizado por escravos, em locais denominados lavras. O ouro em pó e em
pedra facilitava o contrabando, por isso, em 1702, Portugal criou a
intendência das minas órgão responsável pela distribuição das terras para
exploração do ouro, pela fiscalização da mineração pelo julgamento das
questões referentes à mineração pela cobrança de impostos dos
mineradores, um quinto de qualquer metal extraído. As casas de fundição
surgiram para facilitar a cobrança do quinto, o ouro só podia circular após
ser fundido e transformado em barras, medida que inibia o contrabando.
A população só tinha como renda a exploração das minas e a
pobreza se agravou com a escassez do ouro. O governo continuava
cobrando impostos, mesmo sem dar condições de produção. Logo, as elites
mineiras planejaram um movimento rebelde, chamado inconfidência mineira
pelos portugueses, e conjuração mineira para os brasileiros. Eles
pretendiam desenvolver indústrias e criar uma universidade na região, mas
não tinham como ideal acabar com a escravidão. O Coronel Joaquim
Silvério dos Reis denunciou o movimento em troca do perdão das suas
dívidas tributárias. Tropas prenderam os principais líderes do movimento,
foram condenados á pena de morte os menos abastados, incluindo
Tiradentes, os mais abastados foram exilados ou praticaram trabalhos
forçados.
A Conjuração Baiana surgiu dez anos após a conjuração mineira,
foi promovida por pobres, brancos e negros. Por ser formada principalmente
por trabalhadores também ficou conhecida por Revolta dos Alfaiates. O
23
movimento queria a libertação do Brasil de Portugal, a Proclamação da
República, a abolição da Escravatura, e a abertura dos portos a todas as
nações, a Repressão deu penas mais severas aos líderes pobres.
Para regular a nova atividade econômica no Brasil a Coroa
expediu algumas normas. “Com a descoberta do ouro e o desenvolvimento
das Minas Gerais, foi criado o código mineiro de 1603 e 1618 e o regimento
de 1702. O código mineiro estabelecia que todos os súditos do rei podiam
extrair livremente o ouro, desde que reservassem para a Real Fazenda a
quinta parte do produto. Autorizava a criação de casas de fundição para
onde deveria ser levado todo material extraído para ser fundido em barras,
depois de deduzida a parte do imposto. Demarcava as terras chamadas
minerais. Criava o cargo de provedor específico para a região aurífera, ele
seria o responsável pela fiscalização das jazidas e a cobrança do quinto (o
regimento de 1618 ampliou os poderes deste provedor no tocante a
cobrança de impostos).”23 O regimento de 1702 aperfeiçoou o sistema de
cobrança de impostos.
3.2
O BRASIL REINO
3.2.1 A FAMÍLIA REAL NO BRASIL
A família real veio à colônia devido ao movimento expansionista
da França de Napoleão na Europa. Apenas a Inglaterra tinha forças para
resistir aos franceses, logo a França tentou vencê-la pela força econômica,
e decretou o bloqueio continental. Portugal tentava se manter indiferente no
conflito, pois temia a França e tinha boa relação comercial com a Inglaterra.
23
Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.315.
24
Assim, D. João e as tropas fugiram para o Brasil, sob proteção Inglesa. A
Inglaterra queria o fim do monopólio de Portugal sobre o Brasil, dessa forma
foi decretada a abertura dos portos, e o Brasil começava a se libertar de
Portugal.
O governo de D.João no Brasil garantiu a liberação da atividade
industrial no Brasil, e a Inglaterra passou a dominar as atividades
comerciais. O Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido e adquiriu
autonomia administrativa.
Com a chegada da família real ao Brasil, foi feito o documento
que continha a liberação do comércio no país. O tratado de 1810, através
deste, o imposto pago pela Inglaterra seria de 16%, de Portugal 15% e dos
demais países 24%.
Em 1785, foi expedido um alvará no qual constava que o Brasil
estava proibido de produzir manufaturados, pois abriria concorrência com os
produtos vindos de Portugal, porém com a transferência da corte, novas
necessidades e uma nova mentalidade estavam presentes. D. João revogou
o alvará de 1785 através do alvará de 1808, que autorizava a produção de
produtos manufaturados.
Em 1808 foram trazidos para o Brasil todos os órgãos do Estado
Português: os ministérios do Reino, da Guerra e Estrangeiros, da Marinha e
Ultramar, o Real Erário, o Conselho de Estado, Desembargo do Paço, Mesa
da Consciência e Ordens, e o Conselho Supremo Militar. Esse aparelho
estatal estava fora da realidade social do país, e além do mais todos os
gastos com esses órgãos passaram a ser financiados pelo povo brasileiro.
25
Então, com o intuito de cobrir os gastos crescentes com a emissão de
moeda, foi criado o Banco do Brasil através de alvará. Estes gastos e
preferências
econômicas
aos
europeus
geraram
movimentos
que
expressavam sua insatisfação.
A Revolução Pernambucana teve como motivos de insatisfação
os altos impostos gerados pela instalação da corte portuguesa no Brasil, os
preços do açúcar e do algodão estavam caindo no mercado internacional
devido à concorrência externa. Tinham o objetivo de proclamar uma
república inspirada nos ideais da revolução francesa. Os rebeldes tomaram
o poder, acabaram com alguns impostos, permitiram liberdade de imprensa
e religiosa. A libertação dos escravos não ocorreu, pois não interessava aos
senhores
de
engenho
perder
a
sua
mão-de-obra.
Os
rebeldes
permaneceram no poder por 75 dias. O governo de D.João VI condenou os
líderes do movimento à pena de morte.
As ideologias liberais começavam a entrar em conflito com o
monopolismo mercantilista, Portugal precisava manter o antigo regime
político no Brasil para manter sua dominação, porém a influência inglesa e o
despertar dos colonos para as facilidades trazidas pelas idéias liberais
colocaram frente a frente os interesses opostos.
Através do alvará de 1808 foi criado o cargo de Juiz Conservador
da Nação Britânica, sendo que esse juiz era escolhido pelos ingleses
residentes e somente ele poderia julgá-los. 24
24
Cf. Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.339.
26
O Brasil não mais vivia como uma simples colônia portuguesa, e
os efeitos dessas mudanças foram ratificados pela carta de lei de 16 de
dezembro de 1815 que elevou o Brasil à condição de Reino Unido, medida
esta que colaborou para a Independência do Brasil. 25
Em agosto de 1820, comerciantes da cidade portuguesa
lideravam um movimento conhecido como Revolução Liberal, os revoltosos
dominaram o poder em Portugal e limitando as ações de D.João VI que
estava no Brasil. Dom João VI voltou para Portugal, deixando D.Pedro no
poder, como príncipe regente. A corte portuguesa queria recolonizar o Brasil
e passou a exigir a volta de D.Pedro para Portugal, a elite brasileira queria
manter a liberdade de comércio e deram apoio para manter D.Pedro no
Brasil. Reuniram um documento com cerca de oito mil assinaturas pedindo
que D.Pedro ficasse. D.Pedro ficou, e disse que as ordens vindas de
Portugal só seriam cumpridas mediante sua autorização.
A corte Portuguesa continuava a mandar ordens e, dessa forma
D.Pedro resolveu romper com Portugal e proclamou a independência em 7
de setembro de 1822, que só foi reconhecida por Portugal após o
pagamento de uma alta indenização. A Independência tinha como objetivo
preservar a liberdade de comércio e autonomia administrativa. Ou seja,
manteve intactos os interesses da elite. O povo continuou na mesma
25
“Mas, também é certo que nossa condição de sede provisória da monarquia foi a causa última e
imediata da Independência, substituindo, talvez sem vantagem alguma, o processo final da luta armada
que foi feito nas demais colônias americanas.” (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e
Império, 2006, p.46).
27
situação de miséria, e os escravos não se beneficiaram dos avanços
liberais. 26
D. Pedro fica no Brasil após a volta da família real para Portugal,
e, com o apoio da elite nacional, declara o Brasil independente de Portugal.
Instaura um governo centralizador, instituindo governos municipais com
presidentes indicados por ele, neutralizando a ação dos chefes locais. Com
a constituição de 1824 abre-se espaço para a criação do código penal em
1830, do código de processo penal em 1832, e do código comercial em
1850, para unificar o direito que seria aplicado no Brasil e para libertar-se
das antigas e ultrapassadas ordenações do reino. O código civil demorou a
sair porque importaria uma igualdade iluminista entre todos, e uma série de
conceitos liberais, de modo que as elites agrárias que se beneficiavam dos
privilégios das antigas ordenações não queriam alterar tal situação,
dificultando a aprovação de um novo código.
3.3
27
O BRASIL IMPÉRIO
3.3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1824
A idéia de que a independência brasileira veio através de um ato
de coragem de D. Pedro sobre o seu cavalo não passa de uma invenção
romântica. As elites brasileiras proclamaram a independência do Brasil
através de um processo político que manteve o sistema de monarquia,
26
“E na falta de movimentos populares, na falta de participação direta das massas neste processo, o poder
é todo absorvido pelas classes superiores da ex-colônia, naturalmente as únicas em contato direto com o
regente e sua política. Fez-se a Independência praticamente à revelia do povo; e se isto lhe poupou
sacrifícios, também afastou por completo sua participação na nova ordem política. A Independência
brasileira é fruto mais de uma classe que da nação tomada em conjunto.” (Prado Júnior. Evolução Política
do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.52).
27
Cf. De Cicco,. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 240.
28
mantendo toda estrutura necessária para um país latifundiário, monocultor,
exportador, e escravocrata. 28
Em junho de 1822, foi convocada a assembléia para elaborar a
primeira Constituição brasileira, os membros da assembléia constituinte
eram os grandes proprietários. O projeto de Constituição previa a proibição
de estrangeiros para ocupar cargos públicos de representação nacional,
limitava os poderes do imperador e ampliava os poderes do legislativo,
restringia o poder político aos grandes proprietários rurais. D.Pedro І
recusou tal projeto em 1823 e dissolveu a assembléia. Após conflitos entre
o Partido Português e o Partido Brasileiro, D.Pedro nomeou uma nova
comissão. Assim, surgiu a Constituição de 1824, outorgada, que dividia o
poder em quatro: Judiciário, Legislativo, Executivo e Moderador.
Ao dar-se início aos trabalhos da constituinte, ocorreu o
extermínio de possibilidades da oposição, restringindo o direito de voto a um
pequeno grupo, pessoas de ideais democratas foram degredadas do país,
e, por decreto, foi instituída a censura à imprensa no Brasil.
O anteprojeto de 1823 foi formado para obedecer aos interesses
do Partido Brasileiro, fiel ao sistema monárquico. Foram designados seis
deputados para elaboração do anteprojeto, muitos artigos foram inspirados
nos ideais iluministas no tocante ao liberalismo econômico, mas não quanto
à democracia e as liberdades. O projeto de Constituição tinha uma
tendência classista, afastava a maioria da população, as eleições seriam
feitas em dois turnos condicionando a capacidade eleitoral à quantidade de
28
Cf. Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.346.
29
farinha de mandioca. “Os eleitores de primeiro grau deveriam ter renda
mínima equivalente a cento e cinqüenta alqueires de farinha de mandioca,
eles elegeriam os eleitores de segundo grau que para sê-lo deveriam ter
uma renda mínima de duzentos e cinqüenta alqueires de farinha de
mandioca. Estes últimos elegeriam deputados e senadores que, para
candidatarem-se a tais cargos deveriam ter renda correspondente a
quinhentos mil alqueires.” 29.
Porém, o anteprojeto estabeleceu a indissolubilidade da Câmara,
o veto do imperador aos projetos de lei seria apenas de caráter suspensivo,
e as forças armadas sujeitar-se-iam ao parlamento e não ao imperador.
Assim, a assembléia foi fechada e D. Pedro convoca uma nova comissão
para dar continuidade nos trabalhos.
Assim, a Constituição de 1824 foi outorgada, ou seja, imposta por
D. Pedro, que desejava centralizar o poder em suas mãos, porém não era
mais sustentável ao monarca alegar a representação divina para ser o dono
do Estado, por isso D. Pedro elaborou uma Constituição que transvertia
seus interesses na forma da lei30. A análise de alguns de seus artigos
mostra a centralização do poder contida em seu bojo.
A separação de poderes foi elaborada nos moldes iluministas,
porém só nos moldes, pois na prática, a Constituição de 1824 além dos
poderes executivo, legislativo e judiciário, também continha o poder
29
Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.352.
“Uma constituição é sempre a tradução do equilíbrio político de uma sociedade em normas jurídicas
fundamentais. Ela reflete as condições políticas reinantes, isto é, os interesses da classe que domina e a
forma pela qual exerce o seu domínio” (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império,
2006, p.53).
30
30
moderador que capacitava D. Pedro a interferir nesses poderes. Como se
pode ler no artigo 98:
“Art. 98. O Poder Moderador é a chave de
toda
a
organização
política
e
é
delegada
privativamente ao Imperador, como chefe supremo
da Nação e seu primeiro representante, para que
incessantemente vele sobre a manutenção da
independência, equilíbrio e harmonia dos mais
poderes políticos.”
A monarquia parlamentarista também não era viável, pois os
ministros de Estado eram nomeados pelo Imperador, logo assinariam todos
os atos do Imperador sem questionamento.
“Art. 101. O Imperador exerce o Poder
moderador (...)
6º) Nomeando e demitindo livremente os
ministros de Estado.
Art.
132.
Os
ministros
de
Estado
referendarão ou assinarão, todos os atos do Poder
executivo, sem o que não poderão ter execução.”
O poder legislativo também dependia da sanção do Imperador
para aprovação das leis.
31
“Art. 13. O Poder Legislativo é delegado à
Assembléia Geral, com a sanção do Imperador.”
Um terço da composição do senado era indicada pelo Imperador,
e para ocupar o cargo de senador ou deputado era necessário ter muito
dinheiro. Porém, os príncipes não precisavam preencher requisito algum.
“Art. 46. Os príncipes da Casa Imperial
são senadores por direito e terão assento no
Senado, logo que chegarem à idade de vinte e cinco
anos.”
O sistema de eleição dos deputados dava o direito de voto
apenas para quem tivesse atingido certa renda líquida anual.
“Art. 92. São excluídos de votar nas
assembléias paroquiais:
1º) Os menores de vinte e cinco anos, nos
quais não se compreendem os casados e oficiais
militares, que forem maiores de vinte e um anos, os
bacharéis formados e clérigos de ordens sacras.
2º) Os filhos-família que estiverem na
companhia de seus pais, salvo se servirem ofícios
públicos.
3º)Os criados de servir, em cuja classe
não entram os guarda-livros e primeiros caixeiros
32
das casas de comércio, os criados da Casa Imperial
que
não
forem
de
galão
branco
e
os
administradores das fazendas rurais e fábricas.
4º) Os religiosos e quaisquer que vivam
em comunidade clausural.
5º) Os que não tiverem de renda líquida
anual cem mil réis por bens de raiz, indústria,
comércio ou empregos”.
O Imperador ainda podia fechar a câmara dos deputados para
convocar novas eleições para salvar o Estado
“Art. 101. O Imperador exerce o Poder
moderador (...)
5º) Prorrogando ou adiando a Assembléia
Geral e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos
casos em que o exigir a salvação do Estado,
convocando imediatamente outra, que a substitua.”
Ele também exercia o poder legislativo através da expedição de
decretos, instruções e regulamentos. Mesmo assim, qualquer lei vinda das
casas do legislativo só teria validade após a sanção do Imperador.
Art. 102. O Imperador é o chefe do poder
Executivo e o exercita pelos seus ministros de
Estado. São suas principais atribuições: (...)
33
12º) Expedir os decretos, instruções e
regulamentos adequados à boa execução das leis.”
O poder judiciário também sofria interferência do Imperador, pois
os magistrados eram nomeados, e podiam ser suspensos por ele.
“Art. 102. O Imperador é o chefe do poder
Executivo e o exercita pelos seus ministros de
Estado. São suas principais atribuições: (...)
3º) Nomear Magistrados.
Art. 154. O Imperador poderá suspendêlos por queixas contra eles feitas....”
Os funcionários públicos seriam responsabilizados por crimes
cometidos no tocante as suas funções, porém a figura do Imperador
possuía imunidade total.
“Art. 156. Todos os juízes de direito e os
oficiais de justiça são responsáveis pelos abusos de
poder e prevaricações que cometerem no exercício
de seus empregos; esta responsabilidade se fará
efetiva por lei regulamentar.
Art. 99. A pessoa do Imperador é
inviolável e sagrada; ele não está sujeito à
responsabilidade alguma.”
34
Outras partes da Constituição apenas copiavam idéias da
revolução francesa sem a mínima preocupação de eficácia dessas leis, o
sistema
econômico
brasileiro
baseado
na
mão
de
obra
escrava
impossibilitava a aplicação dos direitos humanos, que figuravam na
Constituição com papel meramente ilustrativo.
Atitudes autoritárias de D.Pedro provocaram revoltas entre os
partidos liberais. A reação explodiu no Nordeste, liderada por Pernambuco,
onde ocorreu a Confederação do Equador. A queda do açúcar deixou o
nordeste na miséria, os grupos queriam a descentralização do poder, com
autonomia para as províncias. Frei Caneca, um dos líderes do movimento,
defendia a constituição de uma Federação brasileira, era contra o poder
moderador, e contra a outorga da Constituição. Eles queriam formar a
confederação do Equador, e eram contra a escravidão, por isso perderam o
apoio dos proprietários de terra, e foram derrotados pelas tropas de
D.Pedro.
A queda da popularidade do Imperador se deu pelo fechamento
da assembléia constituinte, a imposição da Constituição de 1824, a
violência contra rebeldes, a falência do Banco do Brasil, o pagamento pela
independência, e o fato de D.Pedro poder voltar ao trono português,
culminado com o assassinato de um líder de imprensa, Libero Badaró, que
criticava o governo.
Os mineiros protestaram contra estas atitudes, porém o Partido
Português organizou uma festa para recepcionar D.Pedro após os fatos.
35
Militantes do Partido Liberal entraram em conflito com o Partido Português.
Esse episódio ficou conhecido como a noite das garrafadas.
Dom Pedro tentou agradar o povo organizando um ministério só
de brasileiros. Porém, como o ministério não obedecia às suas ordens, ele
trocou pelo ministério dos marqueses, formado por portugueses. A
nomeação do novo ministério fez estourar uma grande revolta. D.Pedro
abdicou o trono em favor de seu filho de cinco anos, e partiu para Portugal
para tentar reconquistar o trono português.
Até D.Pedro ІІ completar 18 anos, dizia a Constituição do império
que o Brasil seria governado por um conselho de três regentes. Três grupos
principais disputavam o poder: restauradores, liberais exaltados e liberais
moderados. Os restauradores queriam a volta de D.Pedro І, o regime
absolutista e centralizador, era formado por comerciantes portugueses,
militares de alta patente e altos funcionários públicos. Os liberais exaltados
queriam a descentralização do poder, o federalismo, o fim da monarquia e
início da República, era formado por profissionais liberais, pequenos
comerciantes, funcionários públicos modestos e militares de baixa patente.
Os liberais moderados queriam a monarquia não absolutista, a ampliação
do poder dos governantes das províncias, e a manutenção da escravidão,
era formado por donos de terra e grandes comerciantes.
Em 1.834, D.Pedro І morreu em Portugal aos 36 anos, diluindo os
restauradores. Desse modo, os liberais exaltados perderam sua influência
política, e os liberais moderados dividiram-se em progressistas e
regressistas.
36
A Regência Trina Provisória de 1831 readmitiu o Ministério dos
Brasileiros, deu anistia aos presos políticos, decretou a suspensão parcial
do poder moderador, criou a Guarda Nacional, que concedia aos
fazendeiros o título de coronel da guarda nacional, fez o ato adicional à
Constituição que transformou a Regência Trina em Una, e criou
assembléias legislativas nas províncias.
A Regência Una de Feijó enfrentou rebeliões como a Cabanagem
e a Farroupilha, os grandes fazendeiros estavam preocupados com as
constantes revoltas e pressionaram Feijó a renunciar, elegendo Pedro
Araújo Lima, um regressista. Na Regência de Araújo Lima
formou-se o
Ministério de políticos conservadores, e fez-se a lei interpretativa do ato
adicional, que reduzia o poder das províncias.
No Pará, ocorria a cabanagem em 1.835, que foi uma revolta
popular de negros, índios e mestiços, que trabalhavam na extração de
produtos na floresta e moravam em casas semelhantes a cabanas. A
revolta se deu contra a situação de miséria, e foram apoiados por
fazendeiros que queriam autonomia para exportar sem as barreiras do
governo, porém os fazendeiros se afastaram do movimento devido ás idéias
abolicionistas e da divisão de terras. Em janeiro de 1.835 os cabanos
conquistaram Belém e mataram o presidente da província, o Rio de Janeiro
enviou tropas, matando 30 mil cabanos, acabando com o movimento.
No Rio Grande do Sul, se dava a Farroupilha, que foi a mais longa
revolta, de 1.835 a 1.845. Deu-se devido aos problemas econômicos dos
produtores rurais, pois os produtos do gado concorriam no mercado interno
37
com a Argentina e o Uruguai. As baixas tarifas dos produtos importados e a
falta de autonomia da província geravam insatisfação. Bento Gonçalves
comandou as tropas farroupilhas que dominaram Porto Alegre, o movimento
expandiu-se e, em 1836 os rebeldes fundaram a república Rio Grandense.
Em 1839 o movimento expandiu-se com a conquista de Santa Catarina,
onde foi fundada a república Juliana. A revolta foi combatida pelas tropas
imperiais sem sucesso, dessa forma o movimento só foi abafado quando o
império negociou com os fazendeiros melhores condições financeiras, assim
eles venderam a revolta. Esse movimento não sustentou seu cunho popular
ou abolicionista, pois quando os interesses dos ricos foram atendidos, o
movimento acabou.
Em Salvador, por sua vez, se dava a revolta dos malês, em 1835.
Foi um movimento dos escravos, uma denúncia antecipou o início do
movimento, eles não se entregaram, muitos morreram e outros foram
presos.
A Sabinada em 1837 também ocorreu na Bahia, foi liderada pelo
médico Francisco Sabino. Queriam instituir uma república na província,
tomaram o poder em Salvador, porém, os fazendeiros com medo da
abolição mudaram de lado e ajudaram a acabar com o movimento em 1838.
No Maranhão ocorreu a Balaiada de1835 a 1841, devido à crise
agrária, vaqueiros, sertanejos e escravos uniram-se para lutar contra a
miséria, a fome, a escravidão e os maus tratos. Conquistaram a cidade de
Caxias, porém conflitos internos ajudaram as tropas do governo que
38
acabaram com o movimento matando 12 mil pessoas entre sertanejos e
escravos.
Em todas as revoltas brasileiras, o povo serviu apenas de massa
de manobra, assim que os interesses da classe revoltosa foram atendidos,
os rebeldes passavam a opressores, pois temiam uma verdadeira tomada
de poder pelo povo. 31
O segundo reinado foi de 1840 a 1889, iniciado com a
emancipação de Dom Pedro ІІ para tornar-se imperador após um jogo
político. Dois partidos dominaram o cenário político do segundo reinado: o
conservador, formado por grandes proprietários, burocratas do serviço
público e os grandes comerciantes, queriam um governo imperial forte e
centralizado;
o
liberal,
formado
por
profissionais
liberais
urbanos,
proprietários rurais voltados ao abastecimento interno, que queriam um
governo descentralizado. A disputa pelo poder não mudava muito a forma
de governo, os políticos que assumiam o poder trabalhavam apenas para
obter vantagens próprias.
Com a produção do café, o centro econômico brasileiro passou do
Nordeste para o Sudeste. Os imigrantes começaram a substituir o trabalho
escravo pelo assalariado e a renda do café impulsionou a industrialização,
os cafeicultores tornaram-se o grupo mais influente do Brasil. Em 1850, foi
31
“Toda essa agitação, todos estes movimentos, embora desconexos, que ora aqui, ora acolá abalam o
país, têm contudo entre si um traço comum de evolução. A pressão revolucionária começa nas camadas
logo abaixo da classe dominante. Daí se generaliza por toda massa, descendo sucessivamente de uma para
outra camada inferior. Isto provoca uma contramarcha das próprias classes iniciadoras do movimento, e
que de revolucionárias, sob a pressão que as arrasta para onde não querem ir, passam a reacionárias, ou
pelo menos abandonam o movimento. Deixam assim à sorte os últimos a entrarem na luta, que por esta
forma enfraquecidos, são esmagados pela reação do poder central.” (Prado Júnior. Evolução Política do
Brasil: Colônia e Império, 2006, p.66).
39
extinto o comércio internacional de escravos para o Brasil, pela lei Eusébio
de Queiroz. O dinheiro gasto na compra e manutenção dos escravos foi
aplicado em outros setores da economia. O método de adquirir
propriedades passou da posse para a compra.
Após a independência do Paraguai em 1811, o país voltou sua
economia para o povo, distribuiu terras aos camponeses, combateu donos
de terras improdutivas, construiu muitas escolas, desenvolveu o artesanato
absorvendo a mão de obra indígena, desenvolveu a indústria de pólvora, o
país era auto sustentável. O desenvolvimento paraguaio não interessava
aos objetivos industriais ingleses. Assim, a Inglaterra financiou o Brasil, a
Argentina e o Uruguai para lutar contra o Paraguai. A guerra do Paraguai
teve início em 1865 e durou até 1870, morreram 100.000 brasileiros e
200.000 paraguaios, após a guerra à economia sul americana estava
abalada, o que aumentou a dívida externa com os ingleses.
3.3.2 ESCRAVOS
A questão dos escravos era de difícil encaixe nas leis brasileiras,
pois eram inspiradas na sociedade européia pós-revolução industrial, onde
a mão-de-obra era assalariada. O Brasil ainda tinha como base econômica
a agricultura latifundiária voltada à exportação com mão-de-obra escrava,
de modo que os estudiosos brasileiros formados nas universidades
européias tinham dificuldade em adaptar as leis de sociedades que viviam
momentos econômicos distintos.
40
As
inspirações
humanistas
do
iluminismo
encontravam
incongruências nos ordenamentos brasileiros. As ordenações Filipinas não
puniam o estupro cometido contra escravas.
“Todo homem, de qualquer stado e
condição que seja, que forçosamente dormir com
qualquer mulher (...), morra por ello. Porém, quando
for com mulher que ganhe dinheiro per seu corpo,
ou com scrava, não se fará execução, até nol-o
fazerem saber e per nosso mandado”32
Os filhos dos senhores com as escravas geravam anomalias
jurídicas, pois um acórdão proibia a venda dessas crianças como escravas,
e, quando essas chegavam a assumir a herança do pai tinham como
escrava a própria mãe. Algumas tendências jurisprudenciais da época ainda
proibiam a libertação da mãe escrava pelo filho herdeiro.
“O jornal A Província de São Paulo, de 16
de janeiro de 1875, transcreve um parecer do
procurador geral da coroa sobre a apelação cível
nº67, de Amparo, que indagava se deveria ser
considerada liberta a escrava, mãe daquele que o
respectivo senhor em seu testamento reconheceu
por seu filho e institui herdeiro. A escrava Luísa,
considerada escrava do menor Martinho, requereu
nomeação de curador, que em juízo promovesse
32
Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.391.
41
sua liberdade alegando que sendo mãe do réu,
herdeiro dos bens do senhor não podia ser escrava
do mesmo. Juntou documentos, certidões de
nascimento
improcedente
etc.
O
a
ação
Juiz
por
de
direito
considerar
julgou
que
o
ajuntamento ilícito do senhor com a escrava não era
razão suficiente para impetrar a liberdade desta, e
para
fundamentar
seu
parecer
apoio-se
na
jurisprudência.”33
A lei definia o escravo como propriedade, porém na lei penal, ele
assumia papel de pessoa como agente de algum crime e de coisa na
condição de vítima, assim o escravo seria punido se cometesse algum
delito, porém se fosse vítima de algum, quem receberia o ressarcimento
seria o seu senhor.
O modelo econômico adotado após o iluminismo não era
compatível com a escravidão, primeiro porque para as indústrias era mais
caro manter um escravo do que pagar um salário, depois porque o sistema
de mão-de-obra escrava emperraria o desenvolvimento econômico, pois a
criação de uma nova classe de operários assalariados estaria apta a
consumir os produtos industrializados, coisa que os escravos não tinham
condições de fazer, por último, questões filosóficas e humanitárias que
33
Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.392.
42
sozinhas não teriam força suficiente para ecoar em uma sociedade vazia de
valores que caminhava em direção ao brilho do dinheiro. 34
Assim, a Inglaterra, país de interesses capitalistas que acumulou
capital necessário para seu desenvolvimento através da mão de obra
escrava, agora começava a pressionar a elite agrária do Brasil a acabar
com a escravidão para dar seqüência ao desenvolvimento do seu sistema
econômico.
O tratado de 1810, firmado entre D. João e a Inglaterra, obrigava
o príncipe regente a proibir o tráfico negreiro, sendo que em 1815 foi
assinado um novo tratado onde a Inglaterra conseguiu que D. João
proibisse o comércio de escravos ao norte do Equador, a convenção de
1817 permitia a inspeção em navios mercantes suspeitos de traficar
escravos.
Para reconhecer a autonomia do Brasil como país independente,
a Inglaterra passou a influenciar as leis brasileiras para acabar com a
escravidão. Então, em 1827, foi assinado com o Brasil um tratado que
extinguiria o tráfico de escravos ao país no período de três anos.
O código penal de 1830 penalizava os traficantes da seguinte
forma:
34
“Se intentamos captar a essência do processo histórico que engendrou a civilização moderna, vemos
que o importante não foram as ideologias e nem mesmo as tecnologias. Esses foram ingredientes
utilizados por forças sociais em confrontação, pelas lutas de classes, se ficamos com a linguagem dos
heréticos do século passado. Os grupos sociais que comandaram o fantástico processo de acumulação de
riqueza conformam o modelo de organização societária, mas dentro de limites ditados pelas classes
assalariadas. Estas adquiriram importância crescente como mercados absorvedores do fluxo da produção.
(Furtado. O capitalismo global, 1998, p. 21).
43
“Art. 179. Reduzir à escravidão a pessoa
livre, que se achar em posse de sua liberdade. Pena
de prisão por três a nove annos, e de multa
correspondente à terça parte do tempo, nunca
porém o tempo de prisão será menor, do que o do
captiveiro injusto, e mais uma terça parte.”
Porém, como na maioria das vezes, essa lei não teve a mínima
eficácia, pois 85% dos escravos que vieram ao Brasil, chegaram após a
promulgação dessa lei. Chegou-se ao ponto de pedir a revogação da lei
pelo constante desrespeito da mesma.
“Interpretando
o
pensamento
dos
interesses agrários e do tráfico, Bernardo Pereira de
Vasconcelos proporá em 24 de junho de 1835 uma
emenda revogando a lei de 7 de novembro de 1831.
Não faltaram representações de câmaras municipais
dirigidas ao parlamento no mesmo sentido. A
Câmara de Barbacena representava em 26 de junho
de 1835, a de Barra Mansa e de Paraíba do Sul
redigiam, em agosto, ofícios do mesmo teor. A
Assembléia provincial de Minas Gerais solicitou a
revogação como media higienizadora, uma vez que
o dispositivo legal era reiteradamente violado, sob
as vistas das autoridades.”35
35
Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.397.
44
No Brasil, muitos estudiosos que vinham da Europa começaram a
defender a causa abolicionista, assim começaram a surgir às leis
abolicionistas no país.
Mediante diversas pressões, os fazendeiros começaram a ceder,
contudo achavam que estavam bem abastecidos de escravos, assim a Lei
Eusébio de Queiroz reprimia o tráfico negreiro.
“Art.1º.
As
embarcações
brasileiras
encontradas em qualquer parte, as estrangeiras
encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros,
ou mares territoriais do Brasil tendo a bordo
escravos, cuja importação eh prohibida por lei de 7
de
novembro
desembarcando,
de
1831,
serão
ou
havendo-os
aprehendidas
pellas
autoridades, ou pellos navios de guerra brasileiros,
e consideradas importadoras de escravos.
Aquellas que não tiverem escravos a
bordo
nem
os
houverem
nas
proximidades
desembarcado, porém que se encontram com sinais
de se empregarem no tráfico de escravos, serão
igualmente
aprehendidas,
e
consideradas
em
tentativa de importação de escravos.”
Contudo, o artigo 6º dessa lei desviava seu caráter humanitário,
pois dizia que os escravos apreendidos seriam enviados de volta à África
com o custeio do Estado, e, quando isso não fosse possível, seriam
45
empregados sob a tutela do Estado. Esses escravos acabavam sendo
entregues aos fazendeiros que os libertavam após quatorze anos de
trabalho, essa lei teve eficácia parcial, pois acabou atendendo aos
interesses da elite nacional. 36
Com o fim do tráfico negreiro, o Brasil passaria por mudanças
econômicas e sociais, pois com o declínio dos fazendeiros do nordeste e o
início da industrialização no sudeste, ia se formando uma nova elite.
A pressão abolicionista continuava e no período do segundo
reinado, o Brasil era o único país independente a manter a escravidão, os
fazendeiros alegavam que a abolição dos escravos arruinaria a economia
nacional e geraria conflitos sociais terríveis, além de dizer que a abolição
dos escravos feriria o princípio constitucional de propriedade. Por outro lado
a corrente abolicionista afirmava que a propriedade de escravos era uma
violação ao direito natural.
Mediante a pressão, o parlamento aprovou a lei do ventre livre
onde os filhos da mulher escrava nasceriam livres, porém essa lei teve a
intenção apenas de acalmar os movimentos abolicionistas, porque na
prática não representava nenhum avanço em direção a abolição, já que não
apresentava condições de vida livre para a criança.
“Art. 1º. Os filhos da mulher escrava que
nascerem no Império desde a data dessa lei, serão
considerados de condição livre.
36
Cf. Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, P.p. 397, 398.
46
§ 1º Os ditos filhos menores ficarão em
poder e sob a autoridade dos senhores de suas
mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratálos até a idade de oito anos completos. Chegando o
filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá
a opção, ou receber do Estado a indenização de
600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor
até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso
o governo receberá o menor, e lhe dará destino, em
conformidade com a presente lei. A indenização
pecuniária acima fixada será paga em títulos de
renda com o juro anual de 6%, os quais se
considerarão extintos no fim de trinta anos. A
declaração do senhor deverá ser feita dentro de
trinta dias, a contar daquele em que o menor chegar
à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará
entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos
serviços do mesmo menor.
Art. 2º. O governo poderá entregar a
associações por ele autorizadas os filhos das
escravas, nascidos desde a data dessa lei, que
sejam cedidos ou abandonados pelos senhores
delas, ou tirados do poder destes em virtude do Art.
1º, § 6º.
47
§ 1º As ditas associações terão direito aos
serviços gratuitos dos menores até a idade de 21
anos completos e poderão alugar esses serviços...”
Essa lei acabou não trazendo benefícios aos filhos de escravos,
tendo em vista que ou continuavam a trabalhar para o senhor, ou seriam
forçados a trabalhar para o Estado. Mais uma vez os interesses econômicos
acabavam sobrepondo-se aos ideais humanitários na lei.
A lei dos sexagenários seguia a mesma trilha da lei do ventre
livre, feita para diminuir a pressão dos abolicionistas, porém sem grandes
vantagens para o negro, que quase nunca chegava aos sessenta anos de
idade, e quando o fazia era mais um custo que um benefício para o senhor,
pois já não tinha força suficiente para o trabalho.
“Art.3º. § 10º São libertos os escravos de
60 anos de idade, completos antes e depois da data
em que entrar em execução essa lei, ficando,
porém, obrigados a título de indenização pela sua
alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo
espaço de três anos.”
Além de abusar e escravizar uma pessoa por um longo tempo, o
escravo ainda tinha de pagar uma indenização ao senhor, em dinheiro ou
com trabalho.
“§ 12º É permitida a remissão dos
mesmos serviços, mediante o valor não excedente à
48
metade do valor arbitrado para os escravos de
classe de 55 a 60 anos de idade.”
Mesmo assim, os que conseguissem sua liberdade, não poderiam
mover-se livremente.
“§14º É domicílio obrigado por tempo de
cinco anos, contados da data da libertação do liberto
pelo fundo de emancipação, o município onde tiver
sido alforriado, exceto o das capitais.
§15º O que se ausentar de seu domicílio
será considerado vagabundo e apreendido pela
polícia para ser empregado em trabalhos públicos
ou colônias agrícolas.”
Contudo, essas leis paliativas acabaram por fim aproximando a
opinião pública da abolição dos escravos, assim a elite começou a perder o
controle da situação e foi promulgada a lei Áurea.
A Princesa Imperial Regente em nome de sua Majestade o
Imperador o Senhor D. Pedro II faz saber a todos os seus súditos do
Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a Lei seguinte:
“Art.1º É declarada extinta desde a data
desta Lei a escravidão no Brasil.
Art.2º Revogam-se as disposições em
contrário. Manda, portanto a todas as autoridades
49
que o conhecimento e execução da referida Lei
pertencer que a cumpram e façam cumprir e
guardar tão inteiramente como nela se contém.”
A libertação dos escravos continuou a não melhorar muito a
situação dos negros no Brasil, pois os libertos não tinham espaço na
sociedade, muitos continuavam a trabalhar para o senhor, já que não
tinham pra onde ir.
A Inglaterra também apoiava a abolição da escravidão, pois
necessitava abrir seu leque de consumidores para trabalhadores imigrantes
assalariados, pois escravo não recebia salário, logo não eram consumidores
em potencial. Em 1871 a Lei do Ventre Livre garantiu que os filhos dos
escravos nascessem livres. Em 1885 a Lei dos Sexagenários garantiu a
liberdade aos escravos com mais de 65 anos. Em1888 a Lei Áurea
extinguiu a escravidão no Brasil. Mesmo após a libertação, os negros
continuaram
sendo
marginalizados
pela
sociedade,
pois
as
leis
abolicionistas não se preocuparam com a integração dos negros no país,
pois essas leis nasceram com natureza econômica e não social. As leis
abolicionistas fizeram com que a monarquia perdesse o apoio dos grandes
proprietários rurais, que passaram a apoiar a causa republicana.
Fazendeiros do café de São Paulo fundaram o partido republicano
paulista. Vale lembrar que, enquanto os movimentos republicanos foram
feitos pelo povo, eles não tiveram sucesso. D.Pedro ІІ começou a apoiar a
maçonaria, contrariando a igreja católica. Após a guerra do Paraguai, os
militares passaram a ser mais influentes no governo. A oposição de tantos
50
setores facilitou o golpe político que instalou a república no Brasil, e em 15
de novembro de 1889 Marechal Deodoro da Fonseca constitui o governo
provisório da República dos Estados Unidos do Brasil.
3.4
BRASIL REPÚBLICA
3.4.1 GOVERNO PROVISÓRIO
A etimologia da palavra República remete a coisa pública. Porém,
a República do Brasil não foi proclamada pelo povo, mas sim por um
movimento oligárquico. O governo republicano foi organizado pelos
militares, cafeicultores e profissionais liberais, ou seja, foi nula a
participação popular na instituição da república. O governo provisório
defendeu a ordem pública já existente, a segurança e o direito dos
proprietários brasileiros e estrangeiros. Foi instituído o federalismo pelo qual
as províncias foram transformadas em estados membros, surgiu o estado
laico, a certidão de nascimento e o casamento civil.
Os processos de industrialização e de abolição da escravatura
tiveram influência inglesa, fazendo D. Pedro II perder o apoio dos
fazendeiros. Assim, foi declarada a república em 1889 e o poder foi dividido
entre os militares, os grandes proprietários rurais, e os industriais liberais
ingleses. Os militares defendiam o positivismo jurídico para legitimar seu
poder, os grandes proprietários defendiam a interferência do Estado nas
realizações econômicas do país para usar a máquina estatal para conseguir
melhores condições de atuação no mercado externo, e os industriais liberais
51
ingleses que não queriam interferência estatal para instalar seus negócios
no Brasil. 37
Com a predominância dos interesses da Inglaterra no país, o
Brasil adotou o modelo capitalista liberal, contrário ao conservadorismo e
protecionismo dos grandes proprietários, que perderam suas fortunas e os
lugares privilegiados na sociedade, assim fazendo uso de sua influência
para tomar conta do funcionalismo público. 38
Após a proclamação da República, o Brasil vivia com o
positivismo militar que era necessário ao liberalismo inglês,39 pois a
crescente classe operária precisava ser dominada pela burguesia através
da força militar do Estado. Nesse contexto, Clóvis Bevilaqua elabora um
código civil liberal e individualista, que não ia de encontro com a realidade
das pessoas que moravam no país, acostumadas com as tradicionais
famílias patriarcais de formação católicas do país.
O Estado intensificou a burocracia e passou a impor seus
métodos de dominação através do legalismo jurídico, essa racionalização
do direito era indispensável à dominação burocrática. A sociedade brasileira
não tinha no direito um instrumento que busca a justiça como fim, mas sim
um sistema que buscava valer-se da legitimidade estatal para colocar a lei
como sinônimo de direito e de justiça. 40
37
Cf. De Cicco, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 241.
Cf. De Cicco, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 242.
39
Cf. De Cicco, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 245.
40
Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 120, 122.
38
52
O governo lançou o Encilhamento, o plano econômico que
permitia aos bancos emitir moedas para implantar indústrias e pagar
operários. Mas, a grande quantidade de moeda que passou a circular não
correspondia à produção real da economia. O resultado foi uma grande
inflação. Várias empresas “fantasmas” surgiram para obter o crédito junto
aos bancos, a bolsa de valores produzia lucro sem produzir um real valor e
isso desarrumou a economia nacional.
A idéia de uma República brasileira não nasceu do povo, e, após
a abolição, as elites latifundiárias sentiram-se traídas pelo governo
monárquico e deram início aos movimentos políticos rumo à República.
Assim, sem a manifestação popular, a República nasceu de um
golpe militar que instituiu um governo provisório, que tinha como maior
preocupação a não criação de brechas no poder para evitar que grupos
populares iniciassem uma revolução de fato.
O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil
decreta:
“Art. 1º - Fica proclamada provisoriamente
e decretada como a forma de governo da nação
brazileira a República Federativa.”
Esse decreto instaurava uma ditadura militar, tendo em vista o
fechamento de todos os órgãos do legislativo e a revogação da Constituição
de 1824. O Governo Provisório apoiado pelos militares impôs a censura, o
banimento da família Real, e diversas prisões cautelares.
53
Foi criada a Comissão Militar de Sindicâncias e julgamentos, um
tribunal de exceção que podia decretar a pena de morte. O artigo primeiro
da comissão dizia o seguinte:
“Os indivíduos que conspirarem contra a
República e o seu governo; que aconselharem ou
promoverem por palavras escritas ou atos, a revolta
civil e a indisciplina militar; que tentarem o suborno
ou a aliciação de qualquer gênero sobre soldados e
oficiais, contra seus deveres para com os superiores
e a forma republicana; que divulgarem nas fileiras
do
exército
subversivas,
República;
insubordinar
e
da
armada
tendentes
a
noções
falsas
e
indispô-los
com
a
que
usarem
de
embriaguez
para
os
ânimos
dos
soldados;
serão
julgados militarmente por uma comissão militar
nomeada pelo ministro da guerra e punidos com as
penas de sedição.”
Essa redação calou a imprensa e qualquer outro setor da
sociedade, mesmo assim muitas pessoas foram condenadas à pena de
morte.
3.4.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1891
Em 1890, Deodoro da Fonseca convocou eleições para a
assembléia constituinte, porém não tinham direito a voto, as mulheres, os
analfabetos, os mendigos, militares de baixa patente, e os religiosos. Assim,
54
como a maioria do povo era analfabeta, as eleições tomaram o rumo dos
grandes latifundiários, o que contrariava os interesses militares de Deodoro.
Enquanto a Constituição de 1824 seguia os moldes franceses, a
Constituição republicana de 1891 seguia os moldes dos Estados Unidos da
América.
“Art. 1º A Nação brasileira adota como
forma de governo, sob o regime representativo, a
República Federativa proclamada a 15 de novembro
de 1889, e constitui-se, por união perpétua e
indissolúvel
das
suas
antigas
províncias,
em
Estados Unidos do Brasil.”
República significa coisa pública, porém a República brasileira
não teve a participação popular.
A tripartição dos poderes foi feita com a exclusão do poder
moderador.
“Art.
15.
São
órgãos
da
soberania
nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, harmônicos e independentes entre si.”
O sistema judiciário adotou a forma dualista, ou seja, houve a
separação entre Justiça Federal e Justiça Estadual, a Constituição indicava
os casos de interferência entre elas.
55
A Justiça Federal tem como órgão superior o Supremo Tribunal
Federal, com a quantidade de Tribunas Federais espelhados pelo território
de acordo com o que o congresso achar necessário.
“Art. 55. O Poder Judiciário da União terá
por órgão um Supremo Tribunal Federal, com sede
na Capital da República, e tantos juízes e tribunais
federais,
distribuídos
pelo
país,
quantos
o
Congresso criar.”
A jurisdição do Supremo Tribunal Federal era ordinária, de
recurso e de revisão. Ordinária, pois seria o único órgão a julgar um
processo, de recurso, pois seria o órgão competente para julgar e reformar
decisões de outros tribunais, e de revisão, pois poderia rever sentenças de
ultima instância.
A jurisprudência também foi incluída no texto da Constituição de
1891.
“Art. 59...
§ 2º Nos casos em que houver de aplicar
leis dos Estados, a justiça federal consultará a
jurisprudência dos tribunais locais e, vice-versa, as
justiças dos Estados consultarão a jurisprudência
dos
tribunais
federais,
interpretar leis da União.”
quando
houverem
de
56
O poder Legislativo era composto pela Câmara dos Deputados e
pelo Senado Federal, com a sanção do Presidente.
“Art. 16. O Poder Legislativo é exercido
pelo Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República.
§ 1º O Congresso Nacional compõe-se de
dois ramos: a Câmara dos Deputados e o Senado.”
Os membros do poder legislativo gozavam de imunidade
parlamentar ampla, ou seja, além dos limites das suas atribuições como
parlamentares, o processo para condenar um parlamentar precisaria passar
pela aprovação da casa onde ele trabalhasse.
“Art. 20. Os Deputados e Senadores,
desde que tiverem recebido diploma até a nova
eleição, não poderão ser presos nem processados
criminalmente, sem prévia licença de sua Câmara,
salvo caso de flagrância em crime inafiançável.
Neste caso, levando o processo até pronuncia
exclusive, a autoridade processante remeterá os
autos à Câmara respectiva, para resolver sobre a
procedência da acusação, se o acusado não optar
pelo julgamento imediato.”
O processo das eleições não continha mais requisitos financeiros.
57
“Art. 26. São condições de elegibilidade
para o Congresso Nacional:
1) estar na posse dos direitos de cidadão
brasileiro e ser alistável como eleitor;
2) para a Câmara, ter mais de quatro anos
de cidadão brasileiro, e para o senado mais de seis.
(...)
Art. 30. O Senado compõe-se de cidadãos
elegíveis nos termos do art. 26 e maiores de 35
anos, em número de três Senadores por Estado e
três pelo Distrito Federal, eleito pelo mesmo modo
por que forem os Deputados...”
O voto não era obrigatório, não era necessária renda mínima para
votar e os analfabetos estavam excluídos das votações, porém bastava
saber rabiscar o nome para não ser considerado analfabeto. Mendigos,
religiosos, menores de vinte e um anos, e militares de baixo escalão eram
proibidos de votar.
“Art.
70.
São
eleitores
os
cidadãos
maiores de 21 anos, que se alistarem na forma da
lei.
§ 1º Não podem alistar-se eleitores para
as eleições federais, ou para as dos Estados:
58
1) os mendigos;
2) os analfabetos;
3) as praças de pré, excetuados os alunos
das escolas militares de ensino superior;
4) os religiosos de ordens monásticas,
companhias, congregações, ou comunidades de
qualquer
denominação,
sujeitas
a
voto
de
obediência, regra, ou estatuto, que importe a
renúncia da liberdade individual.
§
2º
São
inelegíveis
cidadãos
não
alistáveis.”
A Constituição permitia que os Estados organizassem as eleições
municipais de forma livre.
“Art. 68. Os Estados organizar-se-ão de
forma que fique assegurada a autonomia dos
municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar
interesse.”
Assim, as elites locais ainda conseguiam guiar as eleições
municipais para atender seus interesses.
Essa Constituição previa a transferência da Capital do Brasil do
Rio de Janeiro para o Distrito Federal, para afastar a administração pública
dos movimentos populares.
59
“Art. 3º Fica pertencendo à União, no
planalto central da República, uma zona de 14.400
quilômetros quadrados, que será oportunamente
demarcada, para nela estabelecer-se a futura
Capital Federal.”
O controle da vida civil que antes pertencia a igreja católica, agora
com a Constituição de 1891 passou para o Estado, casamentos, certidões
de nascimento, não estavam mais sob o controle da igreja, e sim sob a
tutela do Estado.
“Art. 72, § 4º A República só reconhece o
casamento civil, cuja celebração será gratuita.”
O princípio da ampla defesa e o Hábeas Corpus também foram
consagrados nessa Constituição, e as penas de banimento, galés, e de
morte também foram abolidas.
3.4.3 O CÓDIGO PENAL DE 1890
Com a proclamação da República e o processo de abolição da
escravatura, o código criminal de 1830 estava desatualizado, portanto em
1890 foi implantado um novo código penal.
Esse código trouxe consigo o Princípio da Legalidade e o
Princípio da Territorialidade, eliminando interpretações extensivas.
Ficou proibido o uso de penas infamantes e a prisão perpétua.
60
“Art. 44. Não há penas infamantes. As
penas
restritivas
da
liberdade
individual
são
temporárias e não excederão de 30 annos.”
O código penal de 1890 também punia quem impedisse o livre
culto de qualquer religião.
“Art. 185. Ultrajar qualquer confissão
religiosa, vilipendiando acto ou objecto de seu culto,
desacatando
ou
profanando
seus
symbolos
publicamente.
Pena: de prisão cellular por um a seis
mezes.
Art. 186. Impedir, por qualquer modo, a
celebração de cerimônias religiosas, solemnidades
e ritos de qualquer confissão religiosa, ou perturbala no exercício de seu culto.
Pena: prisão cellular por dous mezes a
um anno.”
Contudo, o espiritismo não era considerada religião, e a sua
prática era considerada crime.
“Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e
seus sortilégios, usar talismans e cartomancias,
para despertar sentimentos de ódio ou amor,
61
inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis,
emfim, para fascinar e subjulgar a credibilidade
pública.
Pena: de prisão celular por um a seis
meses, e multa de 100$000 a 500$000.”
Um artigo que não teve a mínima eficácia foi o que tratava como
crime o voto de cabresto, pois essa prática do coronelismo era considerada
como forma de fazer política na velha República.
“Art. 166. Solicitar, usando promessas ou
ameaças, votos para certa e determinada pessoa,
ou para esse fim comprar votos, qualquer que seja a
eleição a que se proceda. Penas: de prisão cellular
por três mezes a um anno, e de privação dos
direitos políticos por dois annos.”
O estupro ainda era diferenciado entre mulheres honestas e
prostitutas.
“Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não,
mas honesta:
Pena – de prisão cellular por um a seis
annos.
§ 1º Si a estuprada for mulher pública ou
prostituta:
62
Pena – de prisão cellular por seis mezes a
dous anos.
Art. 269. Chama-se estupro o acto pelo
qual o homem abusa, com violência, de uma
mulher, seja virgem ou não.
Por
violência
entende-se
não
só
o
emprego de força physica, como o de meios que
privarem a mulher de suas faculdades psychicas, e
assim da possibilidade de resistir e defender-se
como sejam o hypnotismo, o chloroformio, o ether,
e, em geral, os anesthésicos e narcóticos.”
3.5
A AUSÊNCIA DE UM CÓDIGO CIVIL
Desde a Constituição de 1824, previa-se a criação de um Código
Civil para o Brasil, porém um Código Civil que falasse sobre direitos dos
cidadãos, igualando todas as pessoas, não seria bem aceito em uma
sociedade onde a maioria da população era formada por escravos
controlados pela elite.
Um Código Civil excludente demais não seria aceito pelos juristas
nacionais, e um Código Civil abrangente não seria aceito pelos políticos
influenciados pela elite econômica, por isso o primeiro código civil brasileiro
só foi promulgado em 1916 após muitas controvérsias.
José de Alencar criticava a imposição dos costumes ingleses
sobre a cultura brasileira, e com base na escola histórica de Savigny
63
condenava a imposição de um único código civil para um país de enorme
diversidade cultural como o Brasil, pois este não teria base nos usos e
costumes das diferentes culturas que residiam no país, ele também era
contra a abolição dos escravos, pois eram à base da economia agrária do
país. Ele defendia que um código civil deveria ser baseado nos usos e
costumes do povo brasileiro, e não poderia importar o conceito de
propriedade trazido pela revolução industrial. 41
O jurista Pereira Barreto dizia que as constituições políticas não
se impõem, as leis não se impõem, os costumes não se impõem a um povo
que para eles não esteja preparado, visão que os legisladores da época não
observaram, ele também fazia crítica a igualdade meramente formal do
liberalismo, que não se aplicaria em um país com a cultura que tinha o
Brasil da época. 42
3.6
A REPÚBLICA VELHA
A República Velha foi um instrumento de controle da elite do café
com leite, que revezava presidentes para organizar a economia do país a
seu favor. Após a primeira Guerra Mundial o mercado brasileiro sofreu um
grande abalo, pois era dependente da exportação do café, assim a elite
cafeeira utilizou-se do governo para escoar sua produção, fazendo com que
o Brasil comprasse e estocasse as sacas de café mesmo sem ter mercado
para o produto.
O processo de industrialização nacional criou duas novas classes
sociais opostas, a dos operários e dos burgueses. Esses trabalhadores
41
Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 95.
64
urbanos começaram a desenvolver ideais socialistas, comunistas e
anarquistas, eles começaram a organizar-se em torno de sindicatos, assim
uma articulação popular começava a se formar.
Foi o futebol, o samba e o carnaval que deram ao Rio de Janeiro,
a sensação de existência de uma comunidade, por cima e além das
grandes diferenças sociais que sobreviveram e ainda sobrevivem. Negros
livres, imigrantes, proletários e classe média encontraram aos poucos um
terreno comum de auto-reconhecimento que não lhes era propiciado pela
política.
Deodoro da Fonseca, já não tinha mais suporte dos cafeicultores
após o insucesso do Encilhamento. Por isso, fechou o Congresso Nacional
e prendeu seus principais líderes.
A oposição fez a greve dos trabalhadores da estrada de ferro
central, enquanto isso, membros da marinha ameaçavam bombardear o Rio
de Janeiro. Deodoro renunciou e o vice Floriano Peixoto assumiu, reabrindo
o Congresso Nacional. Na revolução federalista participaram o partido
republicano gaúcho presidencialista e o partido federalista parlamentarista.
A Republica Velha compreende o período do domínio da
oligarquia dos políticos paulistas (café) e mineiros (leite). Na republica do
“café com leite” o número de eleitores passou de 1% para 10%. Contudo, os
coronéis continuavam direcionando o rumo das eleições, pois a economia
no Brasil era essencialmente agrícola e os coronéis tinham em suas
fazendas grande número de trabalhadores, que dependiam do coronel para
42
Cf. Machado Neto. A. L. História das idéias jurídicas no Brasil, 1969, p.50.
65
sobrevivência essa grande influência exercida pelos coronéis sobre a
sociedade marcou o período do coronelismo.
Os coronéis obrigavam as pessoas que trabalhavam para ele a
votarem nos candidatos por ele indicados. Esse candidato quando eleito
direcionava sua política em favor do coronel. Esse voto aberto e prédeterminado ficou conhecido como “voto de cabresto”, uma vez que o
cavalo é obrigado a seguir para onde o condutor deseja.
A política dos governadores desempenhava o mesmo papel de
corrupção dos coronéis, pois os governadores ajudavam a eleger deputados
e senadores favoráveis ao presidente em troca da verba federal.
O café representava mais de 50% das exportações nacionais, e o
enorme poder dos cafeicultores no Brasil fez com que sua produção
superasse qualquer barreira interna e crescesse além da necessidade do
mercado externo, assim causando a baixa do valor do produto. Para
resolver esse problema foi realizado o Convênio de Taubaté, onde os
fazendeiros fizeram com que o governo comprasse o excedente da
produção, com dinheiro emprestado de outros países, para a venda do
produto quando o valor normalizasse. Porém, os cafeicultores continuavam
a crescer não permitindo que o estoque do governo fosse vendido, e assim
impossibilitando o pagamento da dívida.
Muitos imigrantes vieram ao Brasil nessa época para trabalhar
nas lavouras de café, 33% de italianos, 29% portugueses, 12% espanhóis e
outros países em menor número. O estado que recebeu a maioria dos
imigrantes foi São Paulo. O excesso de mão-de-obra, o lucro dos
66
cafeicultores e a 1ª guerra mundial ajudaram na formação das indústrias
nacionais de calçados, roupas e materiais de construção.
Os operários eram esmagados pela grande carga de trabalho, e
pelas péssimas condições que os industriais ofereciam. Essa opressão deu
origem ao movimento operário, com influências socialistas e anarquistas.
Em 1917 foi realizada a primeira greve da classe operária, os conflitos e a
paralisação obrigaram a elite a negociar com os trabalhadores. Porém, após
a volta ao trabalho as negociações não foram cumpridas e os movimentos
comunistas foram reprimidos com violência.
A palavra messianismo deriva de messias, o salvador enviado por
Deus, na história do Brasil o termo messianismo é usado para denominar os
movimentos sociais sertanejos comandados por um líder religioso.
Antônio Conselheiro liderou o povoado de Canudos por volta de
1893, no sertão baiano, mudaram para lá pessoas que não possuíam terras,
vaqueiros, ex-escravos, perseguidos, e pobres em geral. Eles viviam sob o
lema “a terra não tem dono, a terra é de todos”. O povoado de Canudos
crescia com uma economia de subsistência, sem a cobrança de impostos e
quase sem a propriedade privada. Sua população alcançou 30 mil
habitantes, e começou a preocupar o governo que não recolhia imposto
sobre o povoado. O governo federal enviou mais de sete mil homens para
destruir o povoado, as pessoas foram mortas defendendo suas casas em
1897.
Outro movimento messiânico ocorreu na fronteira entre o Paraná
e Santa Catarina, numa região contestada pelos dois estados. Nessa área
67
moravam sertanejos, sem-terras, e trabalhadores que recebiam péssimos
salários para trabalhar em duas empresas norte-americanas. As empresas
trouxeram mais de oito mil trabalhadores de outros estados para a
construção de uma linha de trem. Após o término do serviço, foram todos
dispensados, sem dinheiro e sem emprego, organizaram uma nova
sociedade. Os sertanejos do contestado organizaram-se sob a liderança do
monge João Maria e José Maria. Assim como o povoado de canudos, eles
viviam com economia de subsistência, independentes do estado e não
pagavam impostos. Em 1916, o governo junto com as empresas norteamericanas atacou o povoado até com aviões de bombardeio, destruindo a
civilização.
No
nordeste,
grupos
atacavam
fazendas
baseados
na
desigualdade social, eram os cangaceiros comandados por lampião. Em
1938 a polícia massacrou o movimento.
O Rio de Janeiro, capital da república, enfrentava graves
problemas: pobreza, mosquitos transmissores de doenças, desemprego,
lixo amontoado nas ruas e ratos. O governo queria fazer do Rio de janeiro à
cidade do progresso. Destruíram os casebres, ampliaram a rede de esgotos
e fizeram o programa para controlar epidemias. O presidente decretou a lei
da vacinação obrigatória, várias pessoas não entendiam que as injeções
que continham o vírus seriam saudáveis, assim, não aceitavam a
obrigatoriedade da vacinação, dando início a revolta das vacinas,
patrocinada pelos opositores do governo. A revolta foi reprimida contando
30 mortos e 100 feridos.
68
Os marujos em 1910 se rebelaram contra as fortes punições do
código de disciplina da marinha. Punições como a chibata, os baixos soldos
e a má condição da marinha levaram João cândido, apoiado por 2000
marujos a apontar os canhões dos barcos da marinha contra a cidade do
Rio de Janeiro, e disseram que se em 12 horas medidas não fossem
tomadas os canhões seriam disparados. Assim, o governo prometeu acatar
os pedidos dos marujos. Porém, quando os marujos baixaram as armas,
foram presos e expulsos da marinha.
O tenentismo foi um movimento político militar, que pretendia
fazer reformas na República Velha. Queriam a moralização, o fim da
corrupção eleitoral, o voto secreto, era contrário à exploração feita por
empresas estrangeiras, queriam o ensino gratuito e obrigatório. Em 1922,
trezentos homens reuniram-se no forte de Copacabana para impedir a
posse do presidente Artur Bernardes, o forte foi cercado por tropas do
governo, os rebeldes se entregaram menos 18 homens, que partiram para
uma luta suicida.
Paulistas e sulistas formaram a coluna Prestes, percorrendo o
país divulgando idéias comunistas. Eram contrários aos impostos
exorbitantes, a incompetência administrativa, a falta de justiça, a mentira do
voto, o amordaçamento da imprensa, a falta de autonomia dos estados, a
falta de legislação social, e o permanente estado de sítio.
O ano de 1929 foi difícil para os cafeicultores, a quebra da bolsa
nos Estados Unidos teve impacto em toda economia mundial, as
exportações e o preço do café diminuíram drasticamente, levando muitos
69
cafeicultores a falência. O enfraquecimento econômico dos cafeicultores
contribui para desmontar as bases políticas que sustentavam a República
Velha, os paulistas romperam com o acordo da política do café-com-leite,
assim os mineiros passaram a apoiar a candidatura de um sulista, Getúlio
Vargas.
3.7
A ERA GETÚLIO VARGAS
3.7.1 O GOVERNO PROVISÓRIO
Washington Luis foi deposto e Getúlio Vargas assumiu o cargo de
chefe do governo provisório.
A aliança liberal de Vargas defendia o voto secreto, as leis
trabalhistas e o incentivo a produção industrial. Os operários lançaram a
candidatura do operário marmorista Minervino de Oliveira, seu partido
defendia o combate á plutocracia, impostos somente para os ricos,
habitação operária, extensão e obrigatoriedade do ensino primário, voto
secreto e obrigatório inclusive para mulheres, restabelecimento das
relações com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Júlio prestes saiu vitorioso nas eleições, os líderes da aliança
liberal afirmavam fraude nas eleições e aproveitaram a insatisfação popular
para fazer uma revolução que derrubou Washington Luís e entregou o
poder a Getúlio Vargas, que ficou no poder de 1930 até 1945, a Era Vargas
que foi dividida em três períodos. O governo provisório de 1930 a 1934, o
governo constitucional de 1934 a 1937 e o governo ditatorial 1937 a 1945.
70
No governo provisório, Getúlio suspendeu a Constituição de 1891,
fechou o legislativo e indicou interventores militares para chefiar os
governos estaduais, os cafeicultores de São Paulo estavam insatisfeitos
com o governo de Getúlio, pois perderam seus privilégios. Eles organizaram
a Revolução Constitucionalista de 1932, que queria a convocação da
assembléia constituinte para colocar entre os legisladores “gente sua”. Após
três meses de luta, os soldados paulistas foram derrotados, porém o
objetivo político foi alcançado, foram convocadas eleições para a
assembléia nacional constituinte. A Constituição foi promulgada em 1934 e
trouxe consigo o voto secreto, direitos trabalhistas, e o nacionalismo
econômico.
Daí, nasceram dois grupos políticos: os integralistas que
defendiam o combate ao comunismo, pregavam o nacionalismo extremado,
a existência de um estado poderoso, disciplina e hierarquia dentro da
sociedade, entrega do poder a um único chefe integralista, eram baseados
no nazismo e no fascismo; e os aliancistas de Luis Carlos prestes que
pregavam nacionalização das empresas estrangeiras, o não pagamento da
dívida externa a realização da reforma agrária e a garantia das liberdades
individuais.
“Decreto 19.398. O Governo Provisório
exercerá
discricionariamente,
em
toda
sua
plenitude, as funções e atribuições não só do Poder
Executivo, como também do Poder Legislativo até
que eleita a Assembléia Constituinte estabeleça
esta reorganização constitucional do país.”
71
No Governo Provisório foi criada a corte de apelações do Distrito
Federal, e seis câmaras compostas por vinte e dois desembargadores.
Neste mesmo decreto foi criada a Ordem dos Advogados do
Brasil.
“Art. 17. Fica criada a Ordem dos
Advogados dos Brasileiros, órgão de disciplina e
seleção da classe dos advogados, que se regerá
pelos estatutos que forem votados pelo instituto da
Ordem
dos
colaboração
Advogados
dos
Brasileiros,
Institutos
dos
com
a
Estados,
e
aprovados pelo Governo.”
O código eleitoral de 1932 institui o voto secreto e possibilitou o
voto feminino. Possibilitou também o voto a partir dos dezoito anos e a
representação classista nos órgãos legislativos.
3.7.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1934
A Constituição foi publicada em 16 de julho de 1934 e preservava
o federalismo, o presidencialismo, e o regime representativo.
“Art. 1º A Nação brasileira, constituída
pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do
Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos
do Brasil, mantém como forma de governo, sob o
regime
representativo,
a
República
proclamada em 15 de novembro de 1889.
Federativa
72
Porém
a
autonomia
estadual
não
foi
respeitada
nessa
Constituição.
“Art.
176.
O
mandato
dos
atuais
governadores dos Estados, uma vez confirmado
pelo presidente da República dentro de trinta dias
da data desta Constituição, se entende prorrogado
para o primeiro período de governo a ser fixado nas
Constituições estaduais. Esse período se contará da
data desta Constituição, não podendo em caso
algum exceder o aqui fixado ao Presidente da
República.
Parágrafo
único.
O
Presidente
da
República decretará a intervenção nos Estados
cujos governadores não tiveram o seu mandato
confirmado. A intervenção durará até a posse dos
governadores eleitos, que terminarão o primeiro
período
de
governo
fixado
nas
Constituições
estaduais.”
Na Constituição de 1891 os Estados poderiam ter seus próprios
códigos de processo, já a Constituição de 1934 não permitia tal situação.
A autonomia dos municípios também sofre com a Constituição de
1934 quando ela autoriza a intervenção estatal no caso de não pagamento
das dívidas para com o Estado. Além da nomeação de prefeitos em alguns
municípios.
73
“Art. 13. Os municípios serão organizados
de forma que lhes fique assegurada a autonomia em
tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e
especialmente:
I – a eletividade do prefeito e dos
vereadores da Câmara Municipal, podendo aquele
ser eleito por esta;
II – a decretação dos seus impostos e
taxas, e a arrecadação e aplicação das suas rendas;
III – a organização dos serviços de sua
competência.
§1º O prefeito poderá ser de nomeação do
governo do Estado no município da Capital e nas
estâncias hidrominerais.
§3º É facultado ao Estado a criação de um
órgão de assistência técnica à administração
municipal e fiscalização de suas finanças.
§4º Também lhe é permitido intervir nos
municípios, a fim de lhes regularizar as finanças,
quando se verificar impontualidade nos serviços de
empréstimos garantidos pelo Estado, ou falta de
pagamento da sua dívida fundada por dois anos
74
consecutivos, observadas, naquilo em que forem
aplicáveis, as normas do art. 12.”
Uma das diferenças dessa Constituição referente ao poder
executivo é a ausência do vice-presidente.
“Art. 51. O poder executivo é exercido
pelo Presidente da República.”
Após a promulgação da Constituição de 1934, coube a
Assembléia Nacional Constituinte eleger o Presidente da República.
Getúlio Vargas assumiu a Presidência da República sob a
seguinte manifestação da Assembléia.
“A
Assembléia
Nacional
Constituinte,
sufragando o nome do Sr. Getúlio Vargas, para o
exercício da suprema magistratura da República, no
primeiro período presidencial (...), não fez mais do
que obedecer à lógica (...). A prática de quaisquer
instituições políticas, mesmo quando elaboradas
com a preocupação de tornar seu funcionamento o
mais independente possível do fator pessoal,
representado pela mentalidade e pelo caráter dos
estadistas colocados nos postos de suprema
direção, fica sempre adstrita a esses elementos
imponderáveis que decorrem da personalidade dos
homens de governo...”
75
A escolha do próximo presidente seria feita de acordo com o
artigo 51, §1º.
“§1º A eleição presidencial far-se-á em
todo o território da República, por sufrágio universal,
direto, secreto e maioria de votos, cento e vinte dias
antes do término do quadriênio, ou sessenta dias
depois de aberta a vaga, se esta ocorrer dentro dos
dois primeiros anos.”
O legislativo continuava a cargo da Câmara dos Deputados e do
Senado, porém a Constituição agora garantia a representação classista na
Câmara.
A
imunidade
parlamentar
estendeu-se
até
ao
flagrante,
dependendo da autorização da sua casa para a formação da culpa.
“Art. 31. Os Deputados são invioláveis por
suas opiniões, palavras e votos no exercício das
funções do mandato.
Art. 32. Os Deputados, desde que tiverem
recebido diploma até a expedição dos diplomas para
a
legislatura
processados
subseqüente,
não
poderão
ser
criminalmente,
nem
presos,
sem
licença da Câmara, salvo caso de flagrância em
crime inafiançável. Esta imunidade é extensiva ao
suplente imediato do Deputado em exercício.
76
§1º A prisão em flagrante de crime
inafiançável será logo comunicada ao Presidente da
Câmara dos Deputados, com a remessa do auto e
dos depoimentos tomados, para que ela resolva
sobre a sua legitimidade de conveniência, e
autorize, ou não, a formação de culpa.”
Ao Senado cabia zelar pela Constituição e coordenar os três
poderes.
A ação direta de inconstitucionalidade foi uma inovação da
Constituição de 1934.
“Art. 79. É criado um tribunal, cuja
denominação e organização a lei estabelecerá,
composto de juízes, nomeados pelo Presidente da
República
na
forma
e
com
os
requisitos
determinados no artigo 74.
Parágrafo
único.
Competirá
a
esse
tribunal, nos termos que a lei estabelecer, julgar
privativa e definitivamente, salvo recurso voluntário
para a Corte Suprema nas espécies que envolverem
matéria constitucional.
Art. 96. Quando a Corte Suprema declarar
inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato
governamental o Procurador-Geral da República
77
comunicará a decisão ao Senado Federal, para os
fins do art. 91, nº IV, e bem assim à autoridade
legislativa ou executiva, de que tenha emanado a lei
ou o ato.”
O controle de constitucionalidade também poderia ser exercido
pelo Presidente da República.
“Art.
45.
Quando
o
Presidente
da
República julgar um projeto de lei, no todo ou em
parte, inconstitucional ou contrário aos interesses
nacionais, o vetará, total ou parcialmente, dentro de
dez dias úteis, a contar daquele em que o receber,
devolvendo nesse prazo, e com os motivos do veto,
o projeto, ou a parte vetada, à Câmara dos
Deputados.”
A Constituição de 1934 criou conselhos técnicos para ajudar os
políticos em problemas mais específicos, tornando as decisões menos
políticas.
“Art. 103. Cada ministério será assistido
por um ou mais conselhos técnicos, coordenados,
segundo a natureza dos seus trabalhos, em
conselhos gerais, como órgãos consultivos da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal.”
78
O rol dos direitos e garantias individuais continuavam a crescer,
porém sem eficácia, pois com as diferenças financeiras e com o domínio da
máquina estatal para atender os interesses da elite, essas garantias não
saíam do papel.
“Art.113.
A
Constituição
assegura
a
brasileiros e a estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade
dos
direitos
concernentes
à
liberdade, à subsistência, à segurança individual e à
propriedade, nos seguintes termos:
(...)”
A mudança social que o processo de industrialização trouxe,
criando uma massa de operários, fez com que o direito do trabalho
constasse na Constituição de 1934.
Um
aspecto
interessante
dessa
Constituição
era
o
enquadramento da justiça do trabalho fora do capítulo que tratava do
judiciário, a maneira de resolver os conflitos entre empregados e
empregadores até então era feita por comissões mistas de conciliação e
juntas de conciliação e julgamento, que tinham por finalidade evitar conflitos
que fossem perigosos para a política. Assim, a justiça do trabalho foi
consagrada na Constituição de 1934 da seguinte forma:
“Art.122. Para dirimir questões entre
empregadores
e
empregados,
regidas
pela
legislação social, fica instituída a Justiça do
79
Trabalho, à qual não se aplica o disposto no
Capítulo IV do Título I.
Parágrafo
Tribunais
do
único.
Trabalho
e
A
das
constituição
dos
Comissões
de
Conciliação obedecerá sempre ao princípio da
eleição
de
seus
membros,
metade
pelas
associações representativas dos empregados, e
metade pelas associações representações dos
empregadores,
sendo
o
presidente
de
livre
nomeação do Governo, escolhido dentre pessoas
de experiência e notória capacidade moral e
intelectual.”
O período entre as duas grandes guerras foi marcado pelo
nacionalismo praticamente em todos os países, assim a Constituição de
1934 restringiu a política de imigrações, preconizou a estatização de
empresas estrangeiras e nacionais, e fez algumas restrições aos
estrangeiros no país.
A educação passou a ganhar espaço na Constituição de 1934,
pois a mão-de-obra operária necessitava de mais conhecimentos técnicos
do que a mão-de-obra rural, e responsabilidade pela educação foi
transferida à família e aos poderes públicos.
Essa responsabilidade de diminuir o analfabetismo foi dividida
com as empresas.
80
“Art 139 - Toda empresa industrial ou
agrícola, fora dos centros escolares, e onde
trabalharem mais de cinqüenta pessoas, perfazendo
estas e os seus filhos, pelo menos, dez analfabetos,
será obrigada a lhes proporcionar ensino primário
gratuito.”
O assistencialismo foi contemplado nessa Constituição, o Estado
agora tinha a obrigação de cuidar dos seus cidadãos, reflexo da nascente
cultura européia de um Estado de Bem Estar Social.
3.7.3 O ESTADO NOVO
O governo Vargas começou a se preocupar com os ideais
comunistas dos aliancistas e ordenou a prisão de seus líderes. Diante da
repressão nasceu a intentona comunista, que foi rapidamente dominada
pelas tropas do governo. O presidente fechou o congresso em 1937, e criou
o Estado Novo, onde foi utilizado o estado de emergência, que permitia a
ação do executivo sem a apreciação do judiciário. Os estados brasileiros
perderam sua autonomia, o sistema federativo foi suprimido, partidos
políticos foram extintos e as eleições democráticas suspensas, greves e
manifestações foram proibidas, foi criado o poder parlamentar e o controle
de imprensa e opinião popular, a educação recebia a ideologia governista.
O governo Vargas procurou agir em defesa da cafeicultura, proibindo o
plantio de novas mudas e queimando milhões de sacas estocadas do
governo. O objetivo era evitar a superprodução e recuperar o preço do
produto, além de incentivar a produção de algodão, cana-de-açúcar, óleos
81
vegetais e frutas tropicais, o governo preocupou-se em estimular o
desenvolvimento industrial, aumentando os impostos de importação e
diminuindo os custos da produção nacional.
Com o crescimento industrial do sudeste, muitos desempregados
do nordeste vieram em busca de emprego. A grande classe operária que se
formava poderia apresentar problemas ao governo, assim Getúlio
aproximou-se dos sindicatos, atendendo alguns pedidos, para evitar
revoluções, em 1943 às leis trabalhistas foram reunidas na consolidação
das leis do trabalho. Vargas, temendo revoltas dos grupos liberais, liderou a
abertura democrática, concedeu anistia aos presos políticos e aos exilados,
e com medo de um novo golpe, forças do exército obrigaram Vargas a
renunciar.
3.7.4 O PLANO COHEN
Na Europa pós-guerra, o fascismo e o comunismo ganhavam
força após o conflito capitalista, assim, no Brasil, esses movimentos
começavam a se organizar, porém sem força suficiente para tomar o poder.
Getúlio Vargas percebendo que seu mandato estava chegando ao
fim, aproveitou-se desses movimentos comunistas para permanecer no
poder. Assim, forjou um documento chamado plano Cohen, de ação
agressiva dos comunistas.
3.7.5 A CONSTITUIÇÃO DE 1937
Com o pretexto de salvar o Brasil dessa falsa ameaça, Getúlio
decretou o fechamento do congresso e anunciou uma nova Constituição.
82
Apesar da Constituição de 1937 oferecer meios suficientes para o
governo ditatorial de Getúlio Vargas, ela não fora respeitada, e a lei
continuava com papel meramente ilustrativo nas mãos dos governantes.
Essa Constituição nunca deixou de ser provisória, pois o plebiscito
necessário a sua aprovação jamais ocorreu.
“Art 187 - Esta Constituição entrará em
vigor na sua data e será submetida ao plebiscito
nacional
na
forma
regulada
em
decreto
do
Presidente da República.”
Nessa Constituição não existe a tripartição dos poderes, o
presidente da República era autoridade suprema da nação, o que gerou o
retrocesso da lei brasileira a época do Império, porém sem a hipocrisia do
poder moderador de D.Pedro.
“Art 73 - o Presidente da República,
autoridade
suprema
do
Estado,
coordena
a
atividade dos órgãos representativos, de grau
superior, dirige a política interna e externa, promove
ou orienta a política legislativa de interesse nacional,
e superintende a administração do País.”
Getúlio Vargas ficaria no poder apenas até o plebiscito
supracitado, que nunca ocorreu.
“Art 175 - O primeiro período presidencial
começará na data desta Constituição. O atual
83
Presidente da República tem renovado o seu
mandato até a realização do plebiscito a que se
refere o art. 187, terminando o período presidencial
fixado no art. 80, se o resultado do plebiscito for
favorável à Constituição.”
A independência dos Estados perante o governo federal não
existia.
Caso existisse um poder legislativo ele seria submetido aos
interesses do Presidente.
Contudo, o Poder Legislativo não chegou a existir na ditadura
Vargas, pois o plebiscito encarregado de organizar tal Poder, não
aconteceu.
“Art 178 - São dissolvidos nesta data a
Câmara dos Deputados, o Senado Federal, as
Assembléias
Legislativas
dos
Estados
e
as
Câmaras Municipais. As eleições ao Parlamento
nacional
serão
marcadas
pelo
Presidente
da
República, depois de realizado o plebiscito a que se
refere o art. 187.”
Mesmo se chegasse a existir, o Poder Legislativo seria composto
pela Câmara dos Deputados e um Conselho Federal, ou seja, não existiria
um Senado, e este Conselho Federal estaria diretamente ligado ao
Presidente.
84
O Poder Legislativo não teria independência, tendo em vista que
seria também exercido pelo Chefe do Executivo.
Os municípios também estavam subordinados ao Presidente,
tendo em vista que os prefeitos seriam nomeados pelos governadores, e
estes últimos nomeados pelo Presidente.
“Art 27 - O Prefeito será de livre
nomeação do Governador do Estado.”
Sob a influência do fascismo italiano, a Constituição de 1937 criou
o Conselho de Economia Nacional. Tendo como base o corporativismo, o
Conselho era composto por representantes indicados por associações
profissionais e sindicatos. A função do Conselho era a de oferecer acessória
técnica e aproximar as classes produtoras junto ao Governo.
O órgão máximo do Poder Judiciário voltou a ser chamado de
Supremo Tribunal Federal, seus integrantes seriam escolhidos pelo
presidente, e teriam muita dificuldade em declarar uma lei vinda deste
inconstitucional.
A parte da Constituição dirigida aos direitos e garantias individuais
novamente teve caráter meramente ilustrativo, pois em uma ditadura o
Estado de Direito fica subordinado a vontade do Presidente. A pena de
morte estava prevista neste capítulo, e o rol de situações que ela poderia
ser aplicada foi aumentado. No mesmo artigo foi criado o Departamento de
Imprensa e Propaganda, com o intuito de controlar a imprensa e direcionar
jornais e rádios a enaltecer o governo.
85
Mesmo com todos os direitos e garantias, o uso dos mesmos
tinha como limite o bem público, as necessidades de defesa do bem estar,
da paz e ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação.
“Art 123 - A especificação das garantias e
direitos acima enumerados não exclui outras
garantias e direitos, resultantes da forma de governo
e dos princípios consignados na Constituição. O uso
desses direitos e garantias terá por limite o bem
público, as necessidades da defesa, do bem-estar,
da paz e da ordem coletiva, bem como as
exigências da segurança da Nação e do Estado em
nome
dela
constituído
e
organizado
nesta
Constituição.”
A educação era de obrigação direta da família com assistência do
Estado, o modelo populista de governo manteve o assistencialismo.
“Art 125 - A educação integral da prole é o
primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado
não será estranho a esse dever, colaborando, de
maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua
execução ou suprir as deficiências e lacunas da
educação particular.
Art 127 - A infância e a juventude devem
ser objeto de cuidados e garantias especiais por
parte do Estado, que tomará todas as medidas
86
destinadas a assegurar-lhes condições físicas e
morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento
das suas faculdades.”
A novidade ficou por conta da igualdade entre os filhos legítimos e
naturais, pois o código civil de 1916 os tratava de forma diferenciada.
“Art 126 - Aos filhos naturais, facilitandolhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade
com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e
deveres que em relação a estes incumbem aos
pais.”
Foi incluída no currículo escolar a obrigatoriedade da educação
física, educação moral e cívica e do trabalho, características estas
provenientes do fascismo.
“Art 131 - A educação física, o ensino
cívico e o de trabalhos manuais serão obrigatórios
em
todas
as
escolas
primárias,
normais
e
secundárias, não podendo nenhuma escola de
qualquer
desses
graus
ser
autorizada
ou
reconhecida sem que satisfaça aquela exigência.”
Todas as leis relativas ao direito do trabalho foram mantidas, pois
Getúlio sustentava seu populismo com o apoio à classe operária através
dos sindicatos. O imposto sindical era cobrado por cada trabalhador filiado
87
ao sindicato, portanto quanto maior o sindicato maior a renda que ele
fornecia ao governo, e mais influente o sindicato se tornava.
“Art 138 - A associação profissional ou
sindical é livre. Somente, porém, o sindicato
regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito
de representação legal dos que participarem da
categoria de produção para que foi constituído, e de
defender-lhes os direitos perante o Estado e as
outras associações profissionais, estipular contratos
coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus
associados, impor-lhes contribuições e exercer em
relação a eles funções delegadas de Poder Público.”
A Justiça do Trabalho continuava a ser mais um órgão de
conciliação, pois não estava contida no capítulo que tratava do Poder
Judiciário.
“Art 139 - Para dirimir os conflitos
oriundos das relações entre empregadores e
empregados, reguladas na legislação social, é
instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada
em lei e à qual não se aplicam as disposições desta
Constituição
relativas
à
competência,
ao
recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.”
88
3.7.6 A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E O FIM
DO ESTADO NOVO
A consolidação das leis do trabalho de 1943 foi resultado da luta
operária que começou em meados de 1920 e ganhou força no governo
Vargas, pois a inviabilidade do liberalismo clássico, onde o Estado jamais
deveria intervir em questões privadas, era evidente. Com o aumento da
massa operária passou a ser interessante para o governo e para os
empresários negociar com um sindicato para evitar greves e revoltas que
colocassem em perigo a organização econômica do país. Assim, Getúlio
Vargas fez dos sindicatos as extensões do seu governo, e o corporativismo
era o instrumento que dava a sensação de nacionalidade a massa operária.
O código penal de 1940 teve como base o projeto elaborado por
Alcântara Machado, que foi modificado por uma comissão para ser
transformado em lei. Esse código apresentou-se com o pensamento
neoclássico e o positivismo. O código de processo penal foi elaborado em
1941, também no período ditatorial de Vargas.
Durante o período ditatorial, o direito era impraticável, num Estado
onde a centralização de poder nas mãos do Poder Executivo, que utilizava o
poder de polícia para atingir seus fins, através da tortura, censura
extradição e mortes sem julgamentos. Esse retrocesso jurídico demonstra
que o ser humano não evoluiu de fato com os ordenamentos jurídicos, estes
últimos desenvolveram-se após constantes tragédias no curso da história,
porém o ser humano não acompanhou esse desenvolvimento, e ainda
dirigido pela lei do mais forte, arrumava uma maneira de sobrepor-se à lei
para atingir seus objetivos.
89
Em 1942, o Brasil passou a apoiar as potências liberais na II
Guerra Mundial, o que era uma contradição com o modelo político utilizado
por Getúlio. As tropas que voltaram da guerra fizeram aumentar a
movimentação rumo à redemocratização.
Cedendo as pressões Getúlio permitiu a abertura de partidos
políticos, e concedeu anistia política. A aceitação popular ainda era grande,
e foi necessário um golpe dos opositores para tirar Getúlio Vargas do poder,
portanto em 29 de outubro de 1945 ele foi obrigado a abandonar o poder,
deste modo dando fim ao Estado Novo.
Com o fim do Estado Novo, o general Dutra foi eleito para
presidente, foi também eleita uma assembléia constituinte. A constituição de
1946 era liberal, atendia os interesses dos grandes empresários e não do
povo, nela ficou estabelecida à República Federativa presidencialista, o voto
secreto e universal (menos para analfabetos e militares de baixo escalão).
O governo Dutra uniu-se ao bloco capitalista liderados pelos Estados
unidos, rompendo relações com a União Soviética e acabando com o PC
Do B, caçando seus parlamentares. Fez a estrada Rio São Paulo (Dutra)
direcionou a economia do país aos interesses das empresas estrangeiras, o
que destruiu a economia nacional.
Nas eleições de 1950, Getúlio Vargas foi eleito, e retomou a
economia nacionalista, criou a Petrobrás, e aumentou o salário mínimo em
100%. Os patrões, e o grupo internacionalista, começaram a fazer forte
oposição ao governo popular de Getúlio, e os militares exigiam sua
90
renúncia. Getúlio recusou-se a deixar o cargo, escreveu uma cartatestamento ao povo brasileiro e cometeu suicídio.
Juscelino Kubitscheck foi eleito na eleição posterior, era do
partido de Getúlio, o que gerou a revolta dos opositores udenistas. Entre as
metas do seu governo estavam a construção de usinas hidrelétricas, a
implantação da indústria automobilística, a ampliação da produção de
petróleo, a construção de estradas e a construção de Brasília. Suas obras
foram feitas com empréstimos estrangeiros, multinacionais vieram ao Brasil
controlando diversos setores, a economia internacionalizou, e a inflação
aumentou. Ao final de seu mandato foi eleito Jânio Quadros candidato da
oposição.
Jânio era contrário ao comunismo, queria manter o país aberto ao
capital estrangeiro, abriu relações com os países socialistas. Assim, sofreu
ataque dos udenistas, acusado de abrir as portas do Brasil ao comunismo,
renunciou em 1961.
O vice João Goulart era do partido de Getúlio, reforçou a linha de
governo nacionalista, anunciou a reforma agrária, educacional, eleitoral e
tributária. Fez a lei de remessa de lucros, que limitava o envio de dólares
das multinacionais ao exterior. Porém, em 31/3/1964 explodiu a rebelião das
forças armadas contra o governo João Goulart, o presidente deixou Brasília
rumo ao exílio político no Uruguai, era o início do Regime Militar.
91
3.7.7 A CONSTITUIÇÃO DE 1946
Em dezembro de 1945 foram convocadas eleições para
Assembléia Constituinte, assim em setembro de 1946 foi aprovada a
Constituição de 1946, que tinha como base a Constituição de 1934 e um
alinhamento fortíssimo com os interesses dos Estados Unidos, líder do
bloco capitalista pós-guerra.
O Poder Executivo seria exercido pelo Presidente que teria um
Vice como substituto, as eleições para os dois cargos era feita de maneira
independente, pois o Vice Presidente
seria
eleito
pelos
próprios
constituintes no primeiro mandato.
O Vice Presidente seria também o Presidente do Senado, porém
dessa vez essa mistura entre Legislativo e Executivo favorecia o Legislativo,
pois o modelo econômico neoliberal temia um novo Executivo cheio de
poderes. Dessa forma, os ministros por mais que fossem nomeados pelo
Presidente da República, tinham o compromisso de prestar esclarecimento
no Congresso.
A força do legislativo era evidente, pois agora cabia aos
Senadores aprovar membros indicados ao judiciário, suspender decretos, e
instaurar comissões parlamentares de inquérito.
“Art 63 - Também compete privativamente
ao Senado Federal:
I - aprovar, mediante voto secreto, a
escolha de magistrados, nos casos estabelecidos
92
por esta Constituição, do Procurador-Geral da
República, dos Ministros do Tribunal de Contas, do
Prefeito do Distrito Federal, dos membros do
Conselho Nacional de Economia e dos chefes de
missão diplomática de caráter permanente;
II - autorizar os empréstimos externos dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art 64 - incumbe ao Senado Federal
suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
ou decreto declarados inconstitucionais por decisão
definitiva do Supremo Tribunal Federal.
Art 53 - A Câmara dos Deputados e o
Senado Federal criarão Comissões de inquérito
sobre fato determinado, sempre que o requerer um
terço dos seus membros.”
Como sempre, o novo poder dominante além de reprimir as
injustiças do antigo modelo, passa a cometer novos abusos.
“Art 47 - Os Deputados e Senadores
vencerão anualmente subsídio igual e terão igual
ajuda de custo.
§ 1º - O subsídio será dividido em duas
partes: uma fixa, que se pagará no decurso do ano,
93
e
outra
variável,
correspondente
ao
comparecimento.
§ 2º - A ajuda de custo e o subsídio serão
fixados no fim de cada Legislatura.
Art 51 - O Deputado ou Senador investido
na função de Ministro de Estado, interventor federal
ou Secretário de Estado não perde o mandato.”
A autonomia do Poder Judiciário foi restaurada, e as garantias
clássicas dos magistrados também.
A eleição dos seus membros de direção não seriam mais
ocupadas por pessoas indicadas pelo chefe do Executivo.
A estrutura do Poder Judiciário era a seguinte, agora com a
inclusão da Justiça do Trabalho no Poder Judiciário.
“Art 94 - O Poder Judiciário é exercido
pelos seguintes órgãos:
I - Supremo Tribunal Federal;
II - Tribunal Federal de Recursos;
III - Juízes e Tribunais militares;
IV - Juízes e Tribunais eleitorais;
V - Juízes e Tribunais do trabalho.”
94
O Supremo Tribunal Federal seria composto por onze ministros
indicados pelo Presidente e referendados pelo Senado.
Foi criado o Tribunal Federal de Recursos, pois o Supremo
Tribunal Federal estava sobrecarregado.
“Art
103
-
O
Tribunal
Federal
de
Recursos, com sede na Capital federal compor-se-á
de nove Juízes, nomeados pelo Presidente da
República, depois de aprovada a escolha pelo
Senado
Federal,
magistrados
e
um
sendo
dois
terços
entre
terço
entre
advogados
e
membros do Ministério Público, com os requisitos do
art. 99.”
O controle de constitucionalidade era feito pelo Poder Judiciário, e
cabia ao Senado apenas executar a decisão dos Tribunais.
A Justiça do Trabalho deixou de ser um órgão de conciliação e
passou a integrar o Poder Judiciário.
“Art 123 - Compete à Justiça do Trabalho
conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos
entre empregados e empregadores, e, as demais
controvérsias oriundas de relações, do trabalho
regidas por legislação especial.”
95
A autonomia dos Estados voltou nesta Constituição, porém, os
municípios não atingiram tal situação, tendo em vista a nomeação de
prefeitos em algumas cidades.
“Art 28 - A autonomia dos Municípios será
assegurada:
I - pela eleição do Prefeito e dos
Vereadores;
II - pela administração própria, no que
concerne
ao
seu
peculiar
interesse
e,
especialmente,
a) à decretação e arrecadação dos
tributos de sua competência e à aplicação das suas
rendas;
b) à organização dos serviços públicos
locais.
§ 1º - Poderão ser nomeados pelos
Governadores dos Estados ou dos Territórios os
Prefeitos das Capitais, bem como os dos Municípios
onde
houver
estâncias
hidrominerais
naturais,
quando beneficiadas pelo Estado ou pela União.
§
2º
-
Serão
nomeados
pelos
Governadores dos Estados ou dos Territórios os
96
Prefeitos dos Municípios que a lei federal, mediante
parecer do Conselho de Segurança Nacional,
declarar bases ou portos militares de excepcional
importância para a defesa externa do País.”
O direito de voto era garantido aos alfabetizados maiores de
dezoito anos, homens e mulheres, que tinham a obrigação de alistamento e
de voto.
A aliança do Brasil ao bloco capitalista na guerra fria, gerou uma
grande discordância na Constituição de 1946, que pregava a liberdade e a
democracia, porém proibia a abertura de certos partidos políticos de
ideologia comunista. Ou seja, essa liberdade pregada pelos liberais possuía
suas restrições quando seu interesse entrava em jogo.
“Art 141 - A Constituição assegura aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
liberdade, a segurança individual e à propriedade,
nos termos seguintes:
(...)
§ 13 - É vedada a organização, o registro
ou o funcionamento de qualquer Partido Político ou
associação, cujo programa ou ação contrarie o
regime democrático, baseado na pluralidade dos
97
Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do
homem.”
3.8
A DITADURA MILITAR
Nos primeiros anos após a queda da ditadura de Vargas,
ocorreram muitas greves, e o Presidente Dutra respondia de forma violenta,
e colocou 143 sob intervenção. Um decreto passou a restringir o direito de
greve garantido na Constituição, uma anomalia jurídica, pois nunca um
decreto pode sobrepor-se a Carta Magna.
Os liberais que criticavam fortemente à repressão do governo
anterior, passaram a fazer uso dos mesmos meios violentos para manter a
política econômica de acordo com os interesses do bloco capitalista, em
detrimento dos interesses populares.
Os Estados Unidos financiavam a economia brasileira para passar
a impressão que todos os países que apoiavam seu bloco estavam
prosperando, porém essa falsa prosperidade que o país atravessava e o
constante aumento da massa operária urbana e seu descontentamento
dirigia o Brasil para mais um período ditatorial.
Esse falso período democrático estava insustentável, pois as
grandes cidades acumulavam recursos de empresas estrangeiras, logo
muitas pessoas vieram da área rural em decadência procurar seu sustento
nas grandes cidades, assim teve início a formação das favelas.
A economia do país estava longe de ser focada aos interesses do
povo, a falsa República atendia apenas aos interesses da elite e do
98
mercado externo. Numa situação extrema, cabia apenas aos investidores
estrangeiros financiar o exército para comandar o Brasil a força, tendo em
vista a tamanha insatisfação popular gerada por esse modelo econômico
capitalista.
Mediante esse cenário, em 1964, as forças armadas articularam
um golpe para tomar o poder de João Goulart, e instaurar novamente a
ditadura no Brasil.
João Goulart foi deposto por uma revolta militar, e a Constituição
determinava que uma nova eleição fosse convocada em trinta dias.
Enquanto isso, os militares ‘limpavam’ o legislativo para torná-lo um órgão
que trabalhasse a seu favor.
3.8.1 3.7.1. O ATO INSTITUCIONAL
Deste modo, após o golpe, os ministros militares publicaram um
Ato Institucional para instalar uma nova ordem no país. O Ato Institucional
estava acima do Poder Legislador e da Constituição, o culpado pela sua
existência era o movimento comunista bolchevique.
O Ato Institucional manteve a legislação vigente, porém manteve
para si a capacidade de alterar qualquer dispositivo que achasse
necessário.
“Art 1º - São mantidas a Constituição de
1946 e as Constituições estaduais e respectivas
Emendas, com as modificações constantes deste
Ato.”
99
A eleição do Presidente e do Vice ficaria a cargo do Congresso, já
‘limpo’ pelos militares.
“Art 2º - A eleição do Presidente e do
Vice-Presidente da República, cujos mandatos
terminarão em 31 (trinta e um) de janeiro de 1966,
será realizada pela maioria absoluta dos membros
do Congresso Nacional, dentro de 2 (dois) dias, a
contar deste Ato, em sessão pública e votação
nominal.”
A capacidade de legislar do Presidente era quase plena,
necessitava apenas da aprovação de um órgão submetido ao golpe.
“Art 4º - O Presidente da República
poderá enviar ao Congresso Nacional projetos de lei
sobre qualquer matéria, os quais deverão ser
apreciados dentro de 30 (trinta) dias, a contar do
seu recebimento na Câmara dos Deputados, e de
igual prazo no Senado Federal; caso contrário,
serão tidos como aprovados.
Parágrafo
único
-
O
Presidente
da
República, se julgar urgente a medida, poderá
solicitar que a apreciação do projeto se faça, em 30
(trinta) dias, em sessão conjunta do Congresso
Nacional, na forma prevista neste artigo.”
100
Algumas garantias Constitucionais referentes ao Poder Judiciário
foram suspensas, e o Poder Executivo agora poderia abrir inquéritos contra
opositores e cassar mandatos.
“Art 8º - Os inquéritos e processos
visando à apuração da responsabilidade pela prática
de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a
ordem política e social ou de atos de guerra
revolucionária poderão ser instaurados individual ou
coletivamente.
Art 10 - No interesse da paz e da honra
nacional,
e
Constituição,
sem
os
as
limitações
previstas
Comandantes-em-Chefe,
na
que
editam o presente Ato, poderão suspender os
direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos e
cassar mandatos legislativos federais, estaduais e
municipais, excluída a apreciação judicial desses
atos.”
Com o Ato Institucional em vigor cinco mil pessoas foram presas,
dois mil funcionários público demitidos e trezentas e oitenta e seis pessoas
tiveram seus mandatos cassados e seus direitos políticos cassados.
Quatrocentos e vinte um oficiais foram punidos com a “morte
civil”, a maioria das diretorias dos sindicatos dos trabalhadores foram
depostas e mais de duzentas pessoas morreram no golpe de 1964.
101
A ditadura continuava a aumentar a repressão contra as pessoas
consideradas ‘inimigas’ do Estado, e por incrível que pareça ainda
pregavam a democracia para ir contra os comunistas.
Duas medidas foram aprovadas, a Lei de Inelegibilidade, que
barrava a candidatura de quaisquer ex ministro de João Goulart; e o
Estatuto dos Partidos Políticos, para organizar a atividade política no Brasil.
No fundo essas foram medidas de repressão destinadas a guiar os
resultados das eleições para governador em 1965.
Contudo, a oposição obteve vitória na maioria dos Estados, e
pressões começaram a surgir para anular as eleições, e que os vencedores
fossem investigados pelo Tribunal Militar.
3.8.2 3.7.2. O ATO INSTITUCIONAL Nº2
Essas pressões resultaram no Ato Institucional nº2, que sob o
pretexto de dar continuidade à revolução, continuava a sobrepor-se ao
sistema jurídico, fazendo o que bem entendesse com País, ele passou a ser
um documento que valia mais que a Constituição, essa foi uma inovação
nem um pouco jurídica dos militares brasileiros a serviço do bloco
capitalista. Segue seu preâmbulo:
A primeira modificação do Ato Institucional nº2, visava tomar o
controle do Supremo Tribunal Federal, aumentando o número de Ministros
de 11 para 16, esses 5 novos Ministros foram escolhidos de acordo com os
interesses do Regime ditatorial.
102
"Art. 98 - O Supremo Tribunal Federal,
com sede na Capital da República e jurisdição em
todo o território nacional, compor-se-á de dezesseis
Ministros.
Parágrafo único - O Tribunal funcionará
em Plenário e dividido em três Turmas de cinco
Ministros cada uma."
O mesmo ocorreu com o Tribunal Federal de Recursos.
"Art.
103
-
O
Tribunal
Federal
de
Recursos, com sede na Capital Federal, compor-seá de treze Juízes nomeados pelo Presidente da
República, depois de aprovada a escolha pelo
Senado Federal, oito entre magistrados e cinco
entre advogados e membros do Ministério Público,
todos com os requisitos do art. 99.
Parágrafo único - O Tribunal poderá
dividir-se em Câmaras ou Turmas."
Os crimes contra a segurança nacional passaram a ser julgados
pelo Superior Tribunal Militar, ou seja, qualquer civil que atentasse contra a
ditadura poderia ser julgado por tal órgão.
“Art 8º - O § 1º do art. 108 da Constituição
passa a vigorar com a seguinte redação:
103
"§
1º
-
Esse
foro
especial
poderá
estender-se aos civis, nos casos expressos em lei
para repressão de crimes contra a segurança
nacional ou as instituições militares.
§ 1º - Competem à Justiça Militar, na
forma da legislação processual, o processo e
julgamento dos crimes previstos na Lei nº 1.802, de
5 de janeiro de 1963.
§ 2º - A competência da Justiça Militar nos
crimes referidos no parágrafo anterior com as penas
aos mesmos atribuídas, prevalecerá sobre qualquer
outra estabelecida em leis ordinárias, ainda que tais
crimes tenham igual definição nestas leis.
§
3º
-
Compete
originariamente
ao
Superior Tribunal Militar processar e julgar os
Governadores de Estado e seus Secretários, nos
crimes referido no § 1º, e aos Conselhos de Justiça
nos demais casos.”
O Poder Judiciário já não tinha mais poderes para julgar os atos
praticados em nome da revolução.
“Art 19 - Ficam excluídos da apreciação
judicial:
104
I - os atos praticados pelo Comando
Supremo da Revolução e pelo Governo federal, com
fundamento no Ato Institucional de 9 de abril de
1964, rio presente Ato Institucional e nos atos
complementares deste;
II - as resoluções das Assembléias
Legislativas e Câmara de Vereadores que hajam
cassado
mandatos
impedimento
de
eletivos
ou
Governadores,
declarado
o
Deputados,
Prefeitos ou Vereadores, a partir de 31 de março de
1964, até a promulgação deste Ato.”
As eleições para Presidente e Vice Presidente, seriam feitas de
forma indireta, pelo Congresso que já não possuía opositores ao regime
ditatorial.
Dessa forma, nasceram os dois únicos partidos da ditadura, o da
oposição, o MBD, Movimento Democrático Brasileiro, que era controlado
pela situação, e o Partido da situação, ARENA, Aliança Renovadora
Nacional.
“Art 18 - Ficam extintos os atuais Partidos
Políticos e cancelados os respectivos registros.
Parágrafo único - Para a organização dos
novos Partidos são mantidas as exigências da Lei nº
105
4.740,
de
15
de
julho
de
1965,
e
suas
modificações.”
Algumas das garantias constitucionais continuavam suspensas, e
o poder do Presidente para suspender direitos políticos e cassar mandatos
passou a ser ilimitado. E para os suplentes não gerarem confusão, eles
também não assumiriam o cargo do político cassado.
A cassação além do afastamento gerava outras conseqüências a
pessoa punida.
“Art 16 - A suspensão de direitos políticos,
com base neste Ato e no, art. 10 e seu parágrafo
único do Ato institucional, de 9 de abril de 1964,
além do disposto no art. 337 do Código Eleitoral e
no art. 6º da Lei Orgânica dos Partidos Políticos,
acarreta simultaneamente:
I - a cessação de privilégio de foro por
prerrogativa de função;
II - a suspensão do direito de votar e de
ser votado nas eleições sindicais;
III
-
a
proibição
de
atividade
manifestação sobre assunto de natureza política;
ou
106
IV - a aplicação, quando necessária à
preservação da ordem política e social, das
seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados
lugares;
c) domicílio determinado.”
A aprovação do Congresso já não poderia mais gerar prejuízo a
intervenção federal nos Estados.
“Art 17 - Além dos casos previstos na
Constituição federal, o Presidente da República
poderá decretar e fazer cumprir a intervenção
federal nos Estados, por prazo determinado:
I - para assegurar a execução da lei
federal;
II - para prevenir ou reprimir a subversão
da ordem.
Parágrafo único - A intervenção decretada
nos termos deste artigo será, sem prejuízo da sua
execução, submetida à aprovação do Congresso
Nacional,”
107
Os
Poderes
Judiciário
e
Legislativo
estavam
novamente
subordinados ao chefe da Nação.
“Art 30 - O Presidente da República
poderá baixar atos complementares do presente,
bem como decretos-leis sobre matéria de segurança
nacional.
Art 31 - A decretação do recesso do
Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas
e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de
ato complementar do Presidente da República, em
estado de sítio ou fora dele.
Parágrafo único - Decretado o recesso
parlamentar, o Poder Executivo correspondente, fica
autorizado a legislar mediante decretos-leis em
todas as matérias previstas na Constituição e na Lei
Orgânica.”
3.8.3 3.7.3. O ATO INSTITUCIONAL Nº3
Com a aproximação das eleições de 1966, os opositores
ganhavam cada vez mais simpatizantes, e por mais que as eleições não
passassem de uma farsa, não seria interessante para os militares verem
sua não aceitação, assim foi decretado o Ato Institucional nº3 com o intuito
de dirigir as eleições.
108
“Art 1º - A eleição de Governador e ViceGovernador dos Estados far-se-á pela maioria
absoluta dos membros da Assembléia Legislativa,
em sessão pública e votação nominal.”
A eleição do Vice Presidente e do Vice Governador estaria
vinculada à eleição do Presidente e do Governador respectivamente.
“Art 2º - O Vice-Presidente da República e
o Vice-Governador de Estado considerar-se-ão
eleitos em virtude da eleição do Presidente e do
Governador com os quais forem inscritos como
candidatos.”
Os prefeitos das capitais seriam indicados pelos governadores.
“Art 4º - Respeitados os mandatos em
vigor, serão nomeados pelos Governadores de
Estado, os Prefeitos dos Municípios das Capitais
mediante
prévio
assentimento
da
Assembléia
Legislativa ao nome proposto.”
E mais uma vez o Ato Institucional estava acima da apreciação do
Judiciário.
“Art 6º - Ficam excluídos de apreciação
judicial os atos praticados com fundamento no
presente
Ato
institucional
complementares dele.”
e
nos
atos
109
3.8.4 3.7.4. O ATO INSTITUCIONAL Nº4 E A CONSTITUIÇÃO
DE 1967
O Ato Institucional nº4, serviu para convocar uma o Congresso
Nacional, que estava fechado, para votar a Constituição de 1967. A equipe
de convocada pelo Presidente preparou um projeto de Constituição que foi
aprovado sem qualquer alteração pelo Congresso. Não que o projeto não
precisasse de mudanças, é que o Congresso fazia papel meramente
ilustrativo neste momento brasileiro.
A Constituição de 1967 era o conjunto da Constituição de 1964
subtraídos os pontos democráticos e somados os Atos Institucionais. O
Poder Executivo sobrepunha-se aos demais, inclusive para apurar crimes
contra a ordem nacional, e a ordem política.
“Art 8º - Compete à União:
(...)
c) a apuração de infrações penais contra
a segurança nacional, a ordem política e social, ou
em detrimento de bens, serviços e interesses da
União, assim como de outras infrações cuja prática
tenha repercussão interestadual e exija repressão
uniforme, segundo se dispuser em lei;
d) a censura de diversões públicas.”
A questão legislativa também era competência do Presidente.
110
“Art 58 - O Presidente da República, em
casos de urgência ou de interesse público relevante,
e desde que não resulte aumento de despesa,
poderá expedir decretos com força de lei sobre as
seguintes matérias:
I - segurança nacional;
II - finanças públicas.
Parágrafo único - Publicado, o texto, que
terá vigência imediata, o Congresso Nacional o
aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não
podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver
deliberação o texto será tido como aprovado.”
Alguns artigos desta Constituição demonstravam o pouco
prestígio que a Lei possuía, pois era no mínimo desrespeitoso escrever
esses artigos na atual situação.
“Art 84 - São crimes de responsabilidade
os atos do Presidente que atentarem contra a
Constituição federal e, especialmente:
(...)
II - o livre exercício do Poder Legislativo,
do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais
dos Estados;
111
III - o exercício dos direitos políticos,
individuais e sociais;”
Isso fica mais evidente na parte que versa sobre direitos e
garantias individuais, que eram praticamente inexistentes de fato.
A oposição crescia cada vez mais, a insatisfação com o Governo
era enorme, e a forte repressão passou a unir quem antes era inimigo, para
lutar contra a ditadura. A resposta aos rebeldes veio com a criação de
movimentos como o CCC, Comando de Caça aos Comunistas, e o
Movimento Anticomunista.
3.8.5 3.7.5. O ATO INSTITUCIONAL Nº5
Assim
sendo,
diante
a
crescente
oposição,
os
militares
decretaram o Ato Institucional nº5, alegando que a lei vigente não era
suficiente para manter a ordem no País, como se os militares utilizassem as
mesmas para governar.
Agora a figura do Presidente tinha mais poderes que o Imperador,
a dominação do Brasil sob os movimentos do bloco capitalistas prendiam a
política nacional de maneira parecida à época da colonização.
“Art 2º - O Presidente da República
poderá decretar o recesso do Congresso Nacional,
das Assembléias Legislativas e das Câmaras de
Vereadores, por Ato Complementar, em estado de
sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a
112
funcionar quando convocados pelo Presidente da
República.
§ 1º - Decretado o recesso parlamentar, o
Poder Executivo correspondente fica autorizado a
legislar em todas as matérias e exercer as
atribuições previstas nas Constituições ou na Lei
Orgânica dos Municípios.”
O pacto federativo já não tinha mais valor, pois a intervenção
presidencial era total.
“Art 3º - O Presidente da República, no
interesse nacional, poderá decretar a intervenção
nos Estados e Municípios, sem as limitações
previstas na Constituição.
Parágrafo único - Os interventores nos
Estados
e
Municípios
serão
nomeados
pelo
Presidente da República e exercerão todas as
funções e atribuições que caibam, respectivamente,
aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das
prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em
lei.”
A cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos
geravam conseqüências cada vez mais fortes.
113
O
Estado
de
Sítio
que
suspendia
todas
as
garantias
constitucionais também ficava a cargo do Presidente.
O Habeas Coprpus foi suspenso para os crimes políticos.
“Art 10 - Fica suspensa a garantia de
habeas corpus , nos casos de crimes políticos,
contra a segurança nacional, a ordem econômica e
social e a economia popular.”
O regime militar foi ditatorial, os membros do governo não se
mostravam dispostos a dialogar com os diversos setores da sociedade, as
decisões eram tomadas de cima pra baixo por meio de decretos (atos
institucionais), assim o regime militar foi restringido as instituições
democráticas. A ditadura reduziu o número de partidos políticos á dois,
controlando ainda o partido de oposição, cassou o direito de voto para o
executivo, impôs censura aos meios de comunicação, perseguiu, exilou e
matou opositores.
O novo modelo econômico concentrava a renda nas classes altas
e médias, e marginalizava a classe baixa.
Castelo branco assumiu o poder em 1964, apoiado pelos Estados
Unidos, por multinacionais e por grandes empresários, acabou com a lei de
remessa dos lucros, acabou com os direitos trabalhistas, combateu o
socialismo e criou a lei de segurança nacional, que perseguia opositores.
Costa e Silva assumiu o poder sobre fortes manifestações
populares, os parlamentares responsabilizavam o regime militar pela
114
violência. Diante essa situação o governo decretou o AI5, fechando o
congresso, dando amplos poderes ao presidente, seus atos não seriam
mais submetidos ao judiciário.
O general Médici assumiu o poder em 1969, aumentou a
repressão e suspendeu os direitos fundamentais do cidadão. O governo
passou a investir na propaganda para dominar o povo, financiou a Rede
Globo para difundir os ideais da ditadura. O governo Médici teve o período
curto do “milagre brasileiro”, o desenvolvimento econômico baseado em um
empréstimo do exterior, gerou a longo prazo o aumento da dívida externa e
o início de uma longa crise econômica.
Com o fracasso econômico, o general Ernesto Geisel dizia-se
disposto a devolução gradual do poder aos civis, foram abertas as eleições
livres para o legislativo em 1974, e o partido da oposição teve vitória
esmagadora. Com medo de perder o poder o governo decretou que um
terço dos senadores seriam escolhidos pelo presidente (senadores
biônicos), e a economia internacional já não estava mais disposta a
emprestar dinheiro ao Brasil.
Mediante muitas críticas, João Batista Figueiredo assumiu o poder
com compromisso de realizar a abertura política e reinstalar a democracia
no Brasil. Os movimentos sindicalistas cresceram, muitas greves foram
organizadas, Luís Inácio Lula da Silva, presidente do sindicato dos
metalúrgicos do ABC ganhava destaque. A redemocratização começou a
aparecer, foi dada anistia a perseguidos políticos, o fim do bipartidarismo,
novos partidos surgiam para disputar as eleições diretas para governador,
115
contudo, á dívida externa já prendia a economia nacional aos interesses do
FMI (fundo monetário internacional), a inflação chegava a 100% ao ano, e a
falta de investimentos gerou alto índice de desemprego. A má distribuição
de renda continuava com a política do economista. Delfim Neto: “é preciso
fazer o bolo crescer para depois reparti-lo”.
3.9
A REDEMOCRATIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DE 1988
O governo militar colaborou com a defasagem da economia do
Brasil, diversos setores da sociedade queriam o fim da ditadura militar e a
democratização do país. Foi proposta uma emenda constitucional que
instituía as eleições diretas, porém a maioria dos parlamentares estava
ligada ao governo militar e a emenda não foi aprovada. Ocorreram as
eleições diretas, Tancredo Neves foi eleito, mas faleceu antes de assumir o
cargo e o vice José Sarney assumiu.
Sarney ficou no poder de 1985 a 1990, tinha ligações com o
partido que apreciava a ditadura militar, o PDS, que colocou Paulo Maluf
para concorrer com Tancredo, o mesmo partido que votou contra a emenda
das eleições diretas. José Sarney precisava melhorar sua imagem, lançou o
plano cruzado para conter a inflação, trocando a moeda cruzeiro pelo
cruzado, fez o congelamento dos preços das mercadorias, e o reajuste
automático dos salários sempre que a inflação atingisse 10%. Produtores e
comerciantes retiravam os produtos de circulação aguardando o remarque
do preço, impossibilitando o sucesso do plano cruzado.
O congresso reuniu-se em 1987 para formar a assembléia
constituinte que promulgou a constituição federal de 1988, vigente até hoje.
116
A constituição trouxe a liberdade de expressão, de locomoção, o voto nas
eleições públicas, a liberdade dos partidos políticos, a educação, a
previdência social, o lazer, a segurança pública, a igualdade de todos
perante a lei, dessa forma a nova constituição veio com a intenção de
garantir a todos a cidadania.
Após três anos sem eleições diretas para presidente, os
brasileiros foram às urnas em 1989, elegendo Fernando Collor de Mello
para o cargo. Collor lançou um plano econômico que confiscou 80% do
dinheiro que circulava no país, acabou com o cruzado e restabeleceu o
antigo cruzeiro, sem conseguir conter a inflação, e com o surgimento de
várias denúncias de corrupção, foi aberta uma CPI para investigar seu
governo. Estudantes saíram ás ruas de cara pintada, aclamando o
impeachment de Collor, e pedindo ética e dignidade na política. O
impeachment foi aprovado pela câmara federal em 1992, e Collor foi
afastado.
O sucesso do plano real ajudou eleger Fernando Henrique
Cardoso em 1994, seu governo privatizou muitas empresas públicas, criou a
reeleição, assim sendo reeleito em 1998.
O Brasil é um dos campeões mundiais da Desigualdade Social, a
democracia é aparente, ineficaz, só existe no corpo da lei. O desafio do
momento é a redistribuição de renda e a democratização do poder.
Esse breve relato da História do Brasil demonstra que desde o
início, o Direito possui papel secundário no país, criado e direcionado pelas
117
elites econômicas que se utilizam do poder público como instrumento para
atingir fins particulares.
118
4
A VALIDADE DO DIREITO NACIONAL E A AUSÊNCIA
DE EFICÁCIA
A idéia de ordem e justiça foi traduzida no Brasil, dos séculos XIX
e XX, através do positivismo de Hans Kelsen e sua Teoria Pura do Direito.
Nesse sistema, o quesito da validade é de extrema importância,
pois a norma emanada pela autoridade competente, dentro da hierarquia do
sistema vigente, cumpre os requisitos para estar vigente.
Assim, muitos problemas brasileiros foram resolvidos apenas na
letra fria da lei, uma vez que a criação dessas leis não modificou a
realidade43, tendo em vista a inexistência de preparação do Estado e da
sociedade para recepcionar a nova norma, gerando uma falsa impressão de
desenvolvimento.
Exemplos claros desta situação podem ser apontados na
Constituição Federal de 1988.
Pobreza, marginalização, e desigualdades não foram erradicadas.
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil:
III
-
erradicar
a
pobreza
e
a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;”
43
“O núcleo da Constituição (direitos fundamentais, democracia, etc) é atingido. Os órgãos estatais não a
cumprem, pelo contrário, a ignoram e a violam incessantemente. Os seus dispositivos são utilizados
apenas de maneira retórica, visando manter a legitimação política dos governantes”(Bercovici.
Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 312)
119
As cadeias desvirtuam mais ainda os presos, não existe a
garantia de integridade moral e física constante na lei.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
XLIX - é assegurado aos presos o
respeito à integridade física e moral;”
Os direitos a educação, lazer, moradia, saúde entre outros que
tornam esta a Constituição cidadã, não existem para a maioria da
população.
“Art. 6o São direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.”
Outros exemplos já foram citados ao longo do trabalho em outros
períodos históricos, como a inexistência de liberdade para os escravos
mesmo após as leis abolicionistas, a questão dos direitos e garantias
fundamentais na época do Regime Militar, entre outros.
120
Esse distanciamento entre a lei e a realidade ocorreu devido à
inexistência de eficácia as normas jurídicas, eficácia que não faz parte dos
requisitos da análise positivista do direito.
Esse positivismo atendeu a necessidade de justificação dos atos
da elite burguesa, que não podia controlar o Estado como os monarcas
faziam, e precisavam de respaldo jurídico para validar sua opressão.
44
Em
outros períodos o povo e os burgueses enfrentavam o absolutismo dos
Reis, hoje os burgueses passaram a opressores e deram ao povo leis bem
elaboradas como pretexto de igualdade, como se elas fossem as armas
suficientes para sobreviver em meio à política capitalista do mercado, porém
leis sem eficácia, são como armas sem munição. Dessa forma, o
absolutismo monárquico e a falsa democracia de mercado não se
diferenciam em nada. 45
A crise da eficácia não pode ser superada no interior do
positivismo jurídico, que isola o direito de outras questões. Desta forma, a
ligação entre o direito e outras áreas de atuação social se faz necessária
para dotar a lei de eficácia para o perfazimento da justiça. 46
44
“Não podemos escapar à evidência de que a civilização iniciada pela Revolução Industrial aponta de
forma inexorável para grandes calamidades. Ela concentra riqueza em benefício de uma minoria cujo
estilo de vida requer um dispêndio crescente de recursos não renováveis e que somente se mantém porque
a grande maioria da humanidade se submete a diversas formas de penúria, inclusive a fome. Uma minoria
dispõe dos recursos não renováveis do planeta sem preocupar-se com as conseqüências para as gerações
futuras do desperdício que hoje ela realiza.”(Furtado. O Capitalismo Global. 1998, p.65).
45
“a sua efetividade contraria setores política e economicamente poderosos. A Constituição só é
concretizada no que interessa a estes grupos privilegiados.”(Bercovici. Desigualdades Regionais, Estado
e Constituição. 2003, p. 312)
121
5
EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
O planejamento educacional de qualquer sociedade deve
responder às marcas e valores dessa sociedade, desenvolvendo a
consciência crítica do homem no contexto que ele possa intervir. Assim, a
democracia brasileira só será efetiva após um processo educacional que
prepare o povo para mudar a cultura paternalista e assistencialista,
suprimindo a inexperiência democrática do país.
A
antidemocracia
representada
pela
irresponsabilidade
do
brasileiro, sem voz e sem ação.
As pessoas residentes no Brasil não chegam a constituir um povo,
mas sim uma grande massa. Entende-se por povo um conjunto de pessoas
ligadas por laços culturais e territoriais, que questionam e participam
conscientemente das escolhas e dos caminhos seguidos pela sua
comunidade. Entende-se por massa um agrupamento de pessoas carente
de vínculos ideológicos, um grupo sem identidade própria, que se move por
inércia reflexa das atividades de um agente exterior a sua vontade.
O Brasil ficará sempre à mercê de grupos controladores enquanto
a massa não adquirir consciência coletiva para tornar-se um povo. Fica
difícil falar de política, ética e moral em um país criado e manipulado para
servir interesses externos. Essa mudança messiânica, de fora pra dentro
nunca vai ocorrer. É necessário que a população brasileira se emancipe
46
Cf. Bittar. O Direto na Pós- Modernidade, 2005, p. 181.
122
através de um sistema educacional como o desenvolvido por Paulo Freire
para que o país comece a ter uma identidade própria. 47
A história do Brasil demonstra a urgência dessa conscientização
das massas, pois somente um povo educado e preparado para ser livre
pode alcançar efetivamente as conquistas apresentadas pela democracia.
A educação como prática de liberdade prega uma educação para
a decisão, para a responsabilidade social e política. Diferente dos moldes
educacionais atuais que buscam apenas a qualificação da mão de obra
através de conteúdos puramente técnicos. 48 Dessa forma, a educação deve
implicar num trabalho com o povo e nunca sobre o povo.
As elites acostumadas aos privilégios nunca se interessaram na
educação como alavanca para o progresso. A questão se apresenta da
seguinte forma, as classes populares sempre foram domesticadas ao gosto
das classes dominantes, como não é mais possível contar com a
dominação física, torna-se indispensável manipulá-las de modo que não
extrapolem certos limites e continuem a atender aos interesses da classe
dominante.
Uma demonstração clara da opressão fantasiada de democracia
está na questão do voto. Anteriormente somente para os alfabetizados,
como a maioria da população brasileira era analfabeta o poder estava
concentrado nas mãos de poucos. Após a lei estender o voto a toda
população, a manipulação das massas através do marketing, jingles, e
47
“O que se precisa afirmar e até reforçar, porém, é que o povo não passa de um estágio para o outro, sem
compromissos ou disposições mentais.” (Freire. Educação e Atualidade Brasileira. 3ª Edição, p.71).
123
outros artifícios, permitiu a classe dominante continuar isolada no comando
dos rumos do país, pois a falta de educação para a liberdade impede o voto
consciente. 49
O homem de hoje deixou de ser sujeito para ser objeto, dominado
pela força dos mitos e da publicidade, renuncia a sua capacidade de decidir.
E quando julga e questiona, cai no anonimato nivelador da massificação.
Dessa forma, o homem questionador, que no passado sofria coação estatal,
hoje é diluído junto à massa, impossibilitado da convivência autêntica, perde
sua fé e desiste de sua luta. 50
Quando uma classe popular vislumbra o jogo político das elites e
tende a agir, é suprimida e domesticada por meio de uma solução
paternalista, que atende a interesses momentâneos sem excluir a relação
de dependência entre eles.
As preocupações da massa não ultrapassam as questões
biológicas, o homem não consegue estabelecer um vínculo com sua
existência, tem um plano de vida quase vegetativo, já que sua consciência é
regulada pelos meios de manipulação da massa. 51
Não há de se falar de ética quando não existe opção, o
comportamento ético tem como condição a escolha entre dois caminhos, a
48
Cf. Freire, Paulo. Educação e Atualidade Brasileira. 3ª Edição, p.20.
“E ai está todo o problema pois do ponto de vista desta pedagogia da liberdade, preparar a democracia
não pode significar apenas preparar para a conversão do analfabeto em eleitor, isto é, para uma opção
limitada pelas alternativas estabelecidas por um esquema preexistente. Se esta educação só é possível
enquanto compromete o educando como homem concreto, ao mesmo tempo o prepara para a crítica das
alternativas apresentadas pelas elites e da-lhe a possibilidade de escolher seu próprio caminho” (Freie.
Educação como prática da liberdade.29º ed. p.30).
50
“Daí a crítica permanentemente presente em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia
fatalista e sua recusa inflexível ao sonho de utopia.” (Freire. Pedagogia da autonomia. 34º ed, p.14).
49
124
partir do momento que a capacidade de discernimento foi retirada do
homem, a ética também esvaece.
52
O homem segue uma direção como se
esta fosse opção sua, porém sem perceber é conduzido, e ajuda a construir
os alicerces da sua própria dominação, quem antes era um espectador sem
compromisso passou a ser um participe ingênuo.
O
movimento
histórico
brasileiro
demonstra
a
falta
de
experiências democráticas em seu curso. O paternalismo gerado pela
exploração econômica da colônia impossibilitava o diálogo entre a massa
produtora e os comandantes, tudo vinha de cima para baixo, através de
uma hierarquia que produzia na sua parte inferior uma classe de mudos.
Mesmo quando boas atitudes eram tomadas, elas vinham como
uma graça cedida pelo Senhor, e nunca como um direito, ou uma conquista
popular, o Brasil oscilou entre o poder dos Senhores e do Governo Geral.
Esses benefícios cedidos à massa brasileira, constituem a base
do assistencialismo, que deforma e domestica o homem, que se torna cada
vez mais inapto a resolver seus próprios problemas, e acaba se sujeitando a
realidade para usufruir de tais benefícios. 53
Qualquer ação que pretenda conservar o brasileiro de braços
cruzados, como um espectador do processo histórico nacional, compromete
o desenvolvimento democrático do país.
51
Cf. Freire. Paulo. Educação como prática da liberdade. Paz e Terra. Ed.29. P.67.
“Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que
faço no mover-me no mundo e se careço de responsabilidade não posso falar em ética.” (Freire.
Pedagogia da autonomia. 34ºed.P.19)
53
“O assistencialismo, ao contrário, é uma forma de ação que rouba ao homem condições à consecução
de uma das necessidades fundamentais da alma humana – a responsabilidade.” (Freire. Educação e
Atualidade Brasileira. 3ºed. P.16)
52
125
Essa ausência de relação política entre as diferentes classes,
favoreceu a preponderância de interesses particulares sobre o público.
Tudo girava em volta do poder exacerbado, assim pessoas almejam
aproximar-se dos poderosos ao invés de buscar direitos. Essa aproximação
é motivada pela máxima “aos amigos tudo – aos inimigos a lei.”
Assim, a sociedade brasileira não caminhou rumo à democracia, o
sistema democrático foi implantado de fora para dentro, o que impossibilitou
a eficácia desse sistema. Dessa forma, o Brasil é uma sociedade
formalmente democrática, que ainda vive a mercê de interesses externos
das elites sábias sobre a massa ignorante.
A sociedade não estava e ainda não está preparada para viver
nos moldes democráticos. Pois um regime democrático só pode ser
construído pelo povo, é impossível fazer a democracia sem o povo, o que
aconteceu no Brasil, foi que o povo assistiu à Proclamação da República
Democrática. 54
Não estava preparada, pois não existe uma consciência popular
democrática, e sim uma massa acostumada ao messianismo, que ao invés
de traçar os próprios caminhos por meio de uma consciência coletiva,
caminha cada vez mais rumo ao individualismo, como se não fizesse parte
de um todo, as pessoas esperam que as melhorias públicas sejam dadas
por um messias.
54
Cf. Freire. Paulo. Educação como prática da liberdade. Paz e Terra. Ed.29. P.87.
126
Portanto, deve-se equiparar a população brasileira as conquistas
jurídicas formalmente consagradas na lei, através da emancipação pela
educação.
127
6
BALANÇO CRÍTICO REFLEXIVO
O surgimento do Brasil para o cenário mundial foi vinculado as
necessidades européias de expansão econômica do século XV. Os
portugueses restringiram a colonização brasileira a uma mera exploração
econômica, não se importando com os reflexos sociais, que estavam
totalmente subordinados a acontecimentos financeiros.
Esses reflexos, carentes de base humanista, deram origem a
grande parte da cultura nacional. 55
O processo de ocupação territorial das capitanias hereditárias
revestiu os capitães com o papel de reis, absolutos em seus territórios, suas
vontades eram sinônimos do direito, característica centralizadora e
verticalizadora, presente até os dias atuais.
A comunicação entre comandantes e comandados inexistia, a
suposição européia de superioridade cultural, misturada com a necessidade
de mão de obra gratuita, deram origem a escravidão e ao paternalismo.
A hierarquia e a desconsideração da massa trabalhadora como
grupo de pessoas capazes de direitos56, iam se solidificando através das
mudanças econômicas que o mercado externo impunha ao Brasil.
55
“estrutura hierárquica do espaço social que determina a forma de uma sociedade fortemente
verticalizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas
como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece.” (Chauí. Brasil, mito fundador e
sociedade autoritária, p. 89).
56
“O outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido como
subjetividade nem como alteridade.” (Chauí. Brasil, mito fundador e sociedade autoritária, p. 89).
128
Dessa forma, o Pau Brasil, o açúcar, o ouro, a borracha, e o café
entre outros, sempre foram explorados por meio de um modelo
centralizador, voltado aos interesses de mercado, em detrimento da massa
trabalhadora.
Nesses moldes a maioria da população brasileira viveu sem
pátria, distante e com receio das organizações estatais, sem o
reconhecimento da sua cultura. Do outro lado, o país formou-se sem povo,
já que país sempre esteve nas mãos das oligarquias e seus interesses
econômicos, gerando uma indiferença entre o público e o privado.
Assim cresceu o Brasil, das relações de subordinação entre os
portugueses e os índios, dos senhores de engenho e os escravos, dos
coronéis e seus comandados, dos industriais e os operários. Nota-se que
trocam os atores, porém sem mudar o enredo.
O enredo nunca mudou, pois o Brasil nunca passou por uma
revolução popular, os movimentos populares nacionais foram sempre
reprimidos, com violência para a massa e com a compra dos líderes, a
massa nacional nunca formou um corpo com solidez suficiente para romper
com essa cultura de parasitas e hospedeiros.
A cultura implantada impossibilita essa mudança, pois a maioria
das pessoas busca chegar ao poder para usufruir dos benefícios que ele
oferece, e não para lutar por direitos ou mudanças, logo são facilmente
compráveis, portanto para que o poder possa vir de baixo para cima, o
modelo preexistente não pode ser copiado por quem toma o poder.
129
A relação paternalista e assistencialista são partes de um modelo
de dominação, onde os dominados não fazem por merecer conquistas,
vivem na inércia, sendo manipulados, e recebendo “favores” da classe
dominante, que por sua vez, se mantém no poder domesticando a massa
de acordo com seus interesses.
Assim, a massa brasileira, inerte, desconexa, e sem identidade,
espera, em vão, a vinda de um Messias, enraizado na cultura senhoril de
hierarquia, para resolver todos os problemas da nação de cima para baixo.
57
Outra conseqüência reflexa da formação de um país voltado a
atender interesses econômicos externos é a falta de soberania. O Brasil já
foi comandado por interesses portugueses no período da colônia, a
“independência” foi conseqüência de uma série de acontecimentos
europeus ligados a revolução industrial inglesa e a França de Napoleão.
Desse modo a proclamação da república foi conseqüência das pressões
inglesas que determinaram o fim da escravidão no país. No período pósguerra marcado pela guerra fria, a ditadura brasileira foi financiada pelos
Estados Unidos para que o país atendesse aos interesses políticos do bloco
capitalista. Assim, com a globalização, e a superação das multinacionais
que se tornaram empresas meta estatais, o Brasil vive a mercê do jogo
econômico de investidores que romperam as barreiras nacionais.
57
“pois sempre me impressionou a conjunção de um povo tão achatado junto a um sistema de relações
pessoais tão preocupado com personalidades e sentimentos; uma multidão tão sem rosto e sem voz, junto
a uma elite tão rouca de gritar por suas prerrogativas e direitos; uma intelectualidade tão preocupada com
o coração do Brasil e, no entanto, tão voltada para o último livro francês; uma criadagem que passa tão
despercebida e patrões tão egocêntricos; uma sociedade, enfim, tão rica em leis e decretos racionais, mas
que espera pelo seu D. Sebastião, o velho e ibérico pai de todos os renunciadores e messias.” (Matta.
Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, p. 17).
130
CONCLUSÕES
O caminho da evolução histórica do direito no Brasil pode ser
dividido em duas faces. A primeira demonstra que as leis evoluíram em
favor da justiça, assim como a extinção da escravidão, a separação dos
poderes do Estado, a igualdade entre os sexos, religião, raça, liberdade de
imprensa, de ir e vir, voto universal, entre outros.
A segunda demonstra que todos esses avanços não ocorreram
pelo desenvolvimento moral do ser humano, e sim pela necessidade
econômica das classes dominantes em demonstrar defeitos numa
ordenação vigente para derrubar o sistema, assim, uma nova ordem seria
instaurada no Brasil, e passaria a oprimir tanto quanto a anterior,
distanciando-se da sua carga moral.
Dessa forma a evolução é apenas aparente, já que a lei não
possui eficácia, e a massa brasileira não consegue fazer uso dos benefícios
legais, permanecendo no satatus quo. Dessa forma, resta um espaço a ser
preenchido entre a lei e o povo.
O trabalho procurou elucidar o processo de elaboração das leis, o
universo paralelo inacessível a maioria da população. Deixando claro que o
universo cultural brasileiro deve ser estudado, pois é nesse espaço que se
consolidam os costumes, e o direito como fenômeno cultural deve nutrir-se
dos anseios sociais.
A aproximação entre a massa e a lei deve ser feita em dois
passos. Primeiro como já foi dito, desenvolvendo o ordenamento jurídico de
131
acordo com a cultura nacional. Segundo, transformando a massa brasileira
em um povo, capaz de legitimar o sistema democrático.
O presente estudo buscou trazer uma contribuição para a história
da cultura jurídica brasileira, tornando relativos alguns pontos absolutos da
história jurídica nacional, questionando a importação de ordenamentos
provenientes de revoluções estranhas ao cotidiano brasileiro.
Por fim, demonstra-se que essa importação jurídica serviu aos
interesses das elites econômicas, que sempre fizeram uso dessas
ordenações alienígenas com o intuito patrimonial, relegando aos brasileiros
um papel secundário na história nacional.
133
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