PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MARCOS RENATO SCHAHIN AS RAZÕES DA INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICAS BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A LUZ DO CULTURALISMO FILOSÓFICO MESTRADO EM DIREITO NA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO FILOSOFIA DO DIREITO São Paulo 2007 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MARCOS RENATO SCHAHIN AS RAZÕES DA INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICAS BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A LUZ DO CULTURALISMO FILOSÓFICO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em direito na área de concentração de filosofia do direito, sob a orientação do Professor Doutor Cláudio de Cicco. MESTRADO EM DIREITO NA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO DE FILOSOFIA DO DIREITO São Paulo 2007 MARCOS RENATO SCHAHIN AS RAZÕES DA INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICAS BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A LUZ DO CULTURALISMO FILOSÓFICO Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de mestre em direito e aprovada em sua forma final pela coordenação do curso de pósgraduação em direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na área de filosofia do direito. Banca examinadora: _______________________________________________________________ PRESIDENTE: PROFESSOR DOUTOR CLÁUDIO DE CICCO; PUC/SP _______________________________________________________________ MEMBRO: PROFESSOR DOUTOR _______________________________________________________________ MEMBRO: PROFESSOR DOUTOR AUTORIZO, EXCLUSIVAMENTE PARA FINS ACADÊMICOS E CIENTÍFICOS, A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO POR PROCESSOS DE FOTOCOPIADORAS OU ELETRÔNICOS. _______________________________________________________________ MARCOS RENATO SCHAHIN _______________________________________________________________ LOCAL E DATA Dedico este trabalho ao meu pai e a sua dedicação incondicional aos seus filhos. Agradeço ao meu orientador do mestrado, professor Cláudio de Cicco; ao meu orientador da graduação, professor Eduardo Carlos Bianca Bittar; e a minha professora de História da escola, Mônica Salomão D’avila. "O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem caráter, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons!" (Martin Luther King) RESUMO O presente trabalho tem como objetivo demonstrar os movimentos filosóficos que nortearam a criação do ordenamento jurídico brasileiro desde a colônia até os dias atuais através da história do direito. A necessidade deste estudo nasceu da existência contraditória entre as leis e a sociedade brasileira. Dessa forma, a pesquisa busca encontrar algumas razões para a ineficácia do ordenamento jurídico brasileiro na formação histórica e jurídica do país. A pesquisa parte da análise da corrente filosófica do culturalismo, a partir do pensamento de Tobias Barreto. No segundo capítulo a história do Brasil é confrontada com a história dos ordenamentos, elucidando as doutrinas que serviram de base para a construção das leis. No terceiro capítulo será apresentada a repercussão da importação dos ordenamentos jurídicos, a ineficácia da maioria das leis pátrias, o que levou a falda impressão de um desenvolvimento jurídico no país. Por fim, o último capítulo apresenta o projeto educacional de Paulo Freire como meio de legitimar algumas conquistas nacionais, como a democracia, transformando a massa brasileira em um povo capaz de tornar real a República Federativa do Brasil. ABSTRACT The present work has the objective to demonstrate the philosophical movements that have guided the creation of a Brazilian legal system since colonial times up until the present day through the history of law. This study becomes necessary due to the fact that the laws have become outdated with regard to the demands of society. Consequently, the research tries to find some reasons for the inefficacy of the Brazilian legal system in the historical and legal cultural of the country The research begins with the analysis of the current cultural philosophy, starting with the thinking of Tobias Barreto. In the second chapter, the history of Brazil is confronted to a code of laws that elucidated the doctrines that have served as a basis for the construction of these some laws. In the third chapter it will be show that foreign influence with regard to these codes of laws had proved to be inefficient in their execution. Finally, the last chapter presents the educational project of Paulo Freire as a means of legitimizing some national conquests, such as democracy, transforming the Brazilian people into a nation capable of making viable the Federative Republic of Brazil. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1 1 CULTURALISMO ....................................................................................... 4 2 SOBRE HISTÓRIA ..................................................................................... 9 3 HISTÓRIA DO BRASIL ............................................................................ 12 3.1 O BRASIL COLÔNIA ........................................................................ 12 3.1.1 OS ÍNDIOS..................................................................................... 12 3.1.2 O PAU BRASIL E AS CAPITANIAS.............................................. 14 3.1.3 GOVERNO GERAL, CANA DE AÇÚCAR E O OURO .................. 15 3.2 O BRASIL REINO.............................................................................. 23 3.2.1 A FAMÍLIA REAL NO BRASIL ...................................................... 23 3.3 O BRASIL IMPÉRIO.......................................................................... 27 3.3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1824.......................................................... 27 3.3.2 ESCRAVOS ................................................................................... 39 3.4 BRASIL REPÚBLICA........................................................................ 50 3.4.1 GOVERNO PROVISÓRIO ............................................................. 50 3.4.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1891.......................................................... 53 3.4.3 O CÓDIGO PENAL DE 1890 ......................................................... 59 3.5 A AUSÊNCIA DE UM CÓDIGO CIVIL............................................... 62 3.6 A REPÚBLICA VELHA ..................................................................... 63 3.7 A ERA GETÚLIO VARGAS............................................................... 69 3.7.1 O GOVERNO PROVISÓRIO.......................................................... 69 3.7.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1934.......................................................... 71 3.7.3 O ESTADO NOVO ......................................................................... 80 3.7.4 O PLANO COHEN ......................................................................... 81 3.7.5 A CONSTITUIÇÃO DE 1937.......................................................... 81 3.7.6 A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E O FIM DO ESTADO NOVO........................................................................................ 88 3.7.7 A CONSTITUIÇÃO DE 1946.......................................................... 91 3.8 A DITADURA MILITAR ..................................................................... 97 3.8.1 3.7.1. O ATO INSTITUCIONAL...................................................... 98 3.8.2 3.7.2. O ATO INSTITUCIONAL Nº2............................................. 101 3.8.3 3.7.3. O ATO INSTITUCIONAL Nº3............................................. 107 3.8.4 3.7.4. O ATO INSTITUCIONAL Nº4 E A CONSTITUIÇÃO DE 1967 109 3.8.5 3.7.5. O ATO INSTITUCIONAL Nº5............................................. 111 3.9 A REDEMOCRATIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DE 1988................ 115 4 A VALIDADE DO DIREITO NACIONAL E A AUSÊNCIA DE EFICÁCIA 118 5 EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO ............................................................ 121 6 BALANÇO CRÍTICO REFLEXIVO ......................................................... 127 CONCLUSÕES .............................................................................................. 130 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 133 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho trata de uma pesquisa sobre a filosofia do direito com base na história do Brasil, analisando as leis brasileiras e as circunstâncias de sua criação. Para o desenvolvimento do tema central do trabalho foram utilizadas experimentações metodológicas que pudessem vir a contribuir da melhor maneira possível para o desenvolvimento das questões propostas. Portanto, a presente pesquisa não possui fidelidade referente a um método investigativo específico. A pesquisa tem início com a análise do culturalismo, corrente filosófica que surgiu na Alemanha e foi desenvolvida no Brasil por Tobias Barreto e por Miguel Reale. O culturalismo visualiza a realidade como fruto das transformações culturais, ou seja, promovidas pelo ser humano, desta forma torna-se fonte primordial de todos os valores, inclusive os jurídicos. Após essa fase, o trabalho propõe-se a construir a história jurídica brasileira com o intuito de relativizar o pensamento jurídico atual, revelando um falso cientificismo formal que encobre os interesses econômicos norteadores do ordenamento pátrio. Deste modo, a história do direito desenvolve o criticismo, chamando o jurista a cumprir o seu papel de agente histórico, abandonado o papel de simples operador de um sistema pronto e acabado. O confronto entre a história do Brasil e a história do direito no Brasil demonstra a ausência de um paralelo entre as duas fontes, enquanto 2 a sociedade brasileira seguia rumos patriarcais e centralizadores, os institutos jurídicos brasileiros copiavam idéias das sociedades liberais, burguesas da Europa. Assim, no capítulo seguinte, a ausência desse elo entre a cultura brasileira e seus ordenamentos gerou uma crise de eficácia das leis e uma falsa impressão de desenvolvimento, pois o Brasil, carente de revoluções populares bem sucedidas, nunca foi preparado para utilizar as leis que importou das revoluções estrangeiras. Por fim, a presente pesquisa considera a teoria educacional de Paulo Freire, como meio para transformar a massa brasileira em povo, um povo capaz de participar dos rumos nacionais, capaz de tornar o sistema democrático legitimo. 4 1 CULTURALISMO Entende-se por cultura um conjunto de padrões de comportamento, das crenças, das instituições e dos outros valores morais e materiais de uma sociedade. A cultura está para um povo, assim como a memória está para um homem. O culturalismo analisa a formação e o processo de desenvolvimento de certo grupo, em decorrência de seus acontecimentos históricos e sociais. A cultura se desenvolve no espaço e no tempo, portanto, é necessário estudar a história da sociedade brasileira para compreender alguns aspectos da sua cultura. A cultura pode ser classificada em duas formas, a autêntica e a espúria. A cultura autêntica é integrada e cheia de significado para o indivíduo, nasce e cresce de dentro da sociedade, criando assim um vínculo entre as pessoas que nela convivem. A cultura espúria é atomizada e sem significado para a pessoa, ela vem de fora para dentro, despersonificando as pessoas do grupo, retirando assim o vínculo existente entre elas. 1 Um exemplo de cultura espúria encontra-se na doutrina que concebe o indivíduo como uma engrenagem de uma grande máquina, pois não o qualifica como ser pensante dotado de uma dignidade essencial ao seu desenvolvimento. 1 Cf. De Cicco, Cláudio. Hollywood na cultura brasileira. 1979, p. 21. 5 O direito é um fenômeno cultural, dessa forma precisa ser situado no espaço e no tempo da sociedade onde ele atua. O direito brasileiro foi importado, logo possui uma carga cultural diferente da nacional, o que gerou uma série de problemas que serão analisados ao longo do trabalho. Cabe à filosofia do direito o papel de resolver os problemas apresentados pelo transplante de institutos jurídicos inadequados à realidade brasileira, na busca de uma adequação dos institutos jurídicos presentes com a realidade nacional. 2 Essa adaptação consiste também na formação das pessoas que operam o direito. A formação do jurista deve desenvolver um espírito crítico de formação, e não apenas de informação. Uma formação humanista aberta aos valores da cultura e aos problemas fundamentais da sociedade brasileira. Dessa formação nasce à diferença entre o técnico em direito e o jurista. O técnico do direito é a pessoa que possui todas as ferramentas para operar o direito como uma máquina. Não tendo a noção do todo, faz do direito um instrumento de geração de renda, vende seu trabalho para satisfação de prazeres e necessidades, não trabalha pela justiça nem para o todo, já que, dificilmente possui algum conceito desenvolvido nesse sentido. Já o jurista é o profissional do direito que se utiliza de seu conhecimento técnico para realizar a justiça, possuindo a noção do todo, contribuindo para a formação e desenvolvimento da pessoa e do meio em 6 que ela vive, e não agindo como um parasita, que busca saciar seus anseios sem se preocupar se suas atitudes podem destruir o todo.3 Tobias Barreto (1839-1889), precursor do culturalismo jurídico na escola de Recife, defende o direito como produto da cultura humana, fonte comum de todas as conquistas e progressos da humanidade, em seu desenvolvimento histórico. Segundo ele, a principal fonte do direito é o costume, assim quando uma atitude se repete por diversas vezes ela se torna moral, e quando a sociedade viabiliza condições desse desenvolvimento cultural, ela vira lei. 4 Tobias Barreto superou o jusnaturalismo e o positivismo de sua época, desenvolvendo o culturalismo, uma teoria jurídica crítica da compreensão puramente normativista do positivismo, que servia ao liberalismo jurídico, e crítica ao direito natural de ordem divina pregado pela igreja e pela monarquia. Miguel Reale deu seqüência ao culturalismo colocando a experiência como elo entre a natureza e a cultura, chegando posteriormente à teoria tridimensional do direito, que se exprime pelas relações entre fato, valor e norma.5 No contexto do liberalismo econômico e do conservadorismo elitista, o Brasil Império desenvolveu uma ordem jurídica legalista formal que 2 Cf. Montoro, André Franco. Estudos de filosofia do direito. 1995, p.107. Cf. TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. Duas palavras. In O que é a filosofia do direito? São Paulo: Manole, 2004, Pp. 19,20. 4 Cf. Machado Neto. A. L. História das idéias jurídicas no Brasil, 1969, p.87. 5 Cf. Reale, Miguel. O Direito como experiência : introdução à epistemologia jurídica – 2ª edição – São Paulo: Saraiva 1992. 3 7 fundamentou nossa cultura jurídica, uma cultura conservadora que excluía o povo brasileiro de qualquer participação na construção da vida política e jurídica nacional. Nessa toada, foram criados os dois primeiros cursos jurídicos no país, São Paulo e Olinda que depois se transferiu para Recife, para a formação de bacharéis que desempenhariam funções burocráticas em favor do Estado oligárquico e conservador, esse movimento pode ser denominado por bacharelismo. Uma outra maneira de adaptação deve ser realizada através da superação do colonialismo cultural implantado no Brasil, através de um sistema educacional que será devidamente analisado mais profundamente no quinto capítulo do presente trabalho. O próximo capítulo busca montar a história do Brasil aliada às importações jurídicas e suas causas. 9 2 SOBRE HISTÓRIA A história narrativa apenas ordena os fatos cronologicamente sem carga valorativa, é focada no homem e não nas circunstâncias. 6 O presente trabalho abrange esse método da história narrativa em segundo plano, pois, tem base na interpretação econômica da história, que coloca o fator econômico como fator fundamental do qual dependem os demais. 7 Uma vez que, na história do Brasil, as mudanças jurídicas só ocorreram após algum interesse econômico da classe dominante. 8 As fontes históricas até o século XX são em sua maioria européias, 9 portanto, a subjetividade dos fatos narrados deve ser observada para uma análise crítica dos acontecimentos 10 . Aquilo que nos parece natural é historicamente relativo. Um exemplo disso é a corrente utilização do termo “descobrimento do Brasil”, que possui um caráter heróico, como se todo um continente já habitado por uma civilização de cultura riquíssima, os ameríndios, só passasse a existir e ter valor após a chegada dos europeus no século XV. Por isso, a necessidade dos questionamentos: Qual história é apresentada? Contada por quem? Quais os costumes e valores da época 6 Cf. Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 202. Cf. Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 159. 8 “Uma vez mais a tendência é tratar os movimentos econômicos como espinha dorsal de tal análise. As tensões às quais a sociedade está exposta no processo de mudança histórica e transformação permitem então que o historiador exponha, em primeiro lugar, o mecanismo geral pelo qual as estruturas da sociedade tendem simultaneamente a perder e restabelecer seus equilíbrios e, em segundo lugar, os fenômenos que tradicionalmente são o tema de historiadores sociais, como, por exemplo, consciência coletiva, movimentos sociais e a dimensão social da mudanças intelectuais e culturais. ” (Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 94). 9 “A partir do século XV, a história do mundo tornou-se indiscutivelmente eurocêntrica, e assim permaneceu até o século XX.” (Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 239). 7 10 dos acontecimentos? E principalmente, quais os valores do local e da época de quem está escrevendo a história? 11 10 “Todo historiador tem seu próprio tempo de vida, um poleiro particular a partir do qual sonda o mundo” (Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 244), 11 “O cientista, que é fruto de sua época, reflete os preconceitos ideológicos e outros de seu ambiente e experiências e interesses históricos e sociais específicos.” (Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 139). 12 3 HISTÓRIA DO BRASIL 3.1 O BRASIL COLÔNIA 3.1.1 OS ÍNDIOS Os índios que viviam no Brasil não conheciam a propriedade privada, apenas utensílios pessoais, como armas e colares, pertenciam a um indivíduo. O caráter comunitário também influenciava a economia, que produzia somente o necessário para o consumo, o excedente era no máximo trocado com outras tribos. Os portugueses estranharam a ausência de um poder central nas tribos, não existia um chefe local que ditava as leis, as decisões eram tomadas pelo grupo de homens adultos da tribo. A divisão do trabalho era feita através das diferenças sexuais e de idade, e a poligamia era permitida. A formação cultural brasileira teve como base a cultura indígena dos habitantes do continente, a cultura negra trazida pelos escravos da África, e a cultura européia trazida pelos portugueses. Contudo, a dominação da cultura européia sobre as outras, ocorreu devido ao maior poderio econômico e militar dos portugueses, e o caráter civilizador europeu, que buscava impor seus costumes e religião ao povo considerado por eles incivilizado. 12 12 “Caso do Brasil que se originou de operações comerciais. Com efeito, a formação do Brasil não teve como ponto de partida a confrontação dos invasores portugueses com as populações autóctones. Estas foram massacradas para abrir espaço a atividades empresariais ligadas à expansão de atividades econômicas européias.” (Furtado. Economia Colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII, 2001, p.5). 13 Assim, o Brasil tornou-se um apêndice da Europa no continente americano, as pessoas que aqui vivam consideravam-se portuguesas, o “novo país” nasceu sem a identidade de ter seu próprio povo. A colônia não propiciava um ambiente para o desenvolvimento intelectual, a empresa colonial funcionava com objetivos puramente comerciais, sem dar espaço ao desenvolvimento moral da nação. 13 No princípio o sistema jurídico brasileiro seguia as ordenações manuelinas, ditadas por Dom Manuel, interpretadas e aplicadas pelos jesuítas, pois eram os únicos capazes de ler tal conteúdo. Essas ordenações substituíram a concepção de propriedade comunitária dos índios pela noção de propriedade privada do direito romano, e o direito do pater família foi imposto. 14 O poder econômico e a ausência de um poder centralizador proporcionaram o autoritarismo local, que se tornou tradição no Brasil. A dificuldade de comunicação entre as capitanias e a metrópole, e o imenso território brasileiro, concedia ao chefe local o papel do patriarca que governava com poderes absolutos. Desse modo, o Estado brasileiro caminhava no sentido oposto das nações européias, enquanto os Estados europeus, de governos fortes e centralizadores, influenciavam todos os setores dos seus países em benefício da Coroa e da ampliação do seu poderio, no Brasil a força 13 14 Cf. Machado Neto. A. L. História das idéias jurídicas no Brasil, 1969, p.15. Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 67. 14 regional patriarcal, descentralizava o poder em favor de interesses particulares da elite. 3.1.2 O PAU BRASIL E AS CAPITANIAS Com a invasão da América, o eixo econômico europeu deixou de ser o Oriente e o norte da África e passou a ser a exploração do “novo continente” do Ocidente. Esse novo foco econômico passou a ditar as regras de direito no território brasileiro. O pau-brasil foi a primeira riqueza explorada pelos portugueses em terras brasileiras. A coroa portuguesa declarou monopólio sobre a extração do pau-brasil, cobrando impostos de quem explorasse a madeira. O medo de perder a colônia para outros povos europeus, fez Portugal iniciar o processo de ocupação e colonização do Brasil. Cinco navios com 400 pessoas, vieram ocupar a terra para a exploração econômica. Em 22-011532 foi fundada a primeira vila do Brasil, São Vicente. A colônia servia para dar lucro à metrópole, portanto, a primeira atividade econômica, a extração do Pau-Brasil, foi regulada por um documento com valor jurídico vindo de Portugal que concedia o direito de extrair a madeira por um determinado período de tempo mediante pagamento à coroa. 15 Outra emanação jurídica vinda de Portugal fazia referência às capitanias hereditárias, onde os donatários recebiam terras através das cartas de doação da coroa portuguesa, junto com os forais, que indicavam os direitos e deveres dos donatários. 3.1.3 GOVERNO GERAL, CANA DE AÇÚCAR E O OURO O governo português não queria gastar dinheiro na colonização brasileira. Portanto, dividiu o território em grandes lotes de terra, as capitanias hereditárias, divisão esta que Portugal já tinha feito em Açores e Madeira, e entregou-os aos nobres para explorá-las. O capitão era a autoridade máxima dentro da capitania. Sua morte transferia o comando da capitania a um descendente ou herdeiro, o capitão podia distribuir terras, escravizar índios, e aplicar a pena de morte, em contrapartida era obrigado a repassar parte de seus lucros à coroa portuguesa. O sistema das capitanias não gerou o efeito esperado pelos portugueses, os capitães não tinham recursos suficientes para investir, a ocupação foi apenas litorânea, os grupos indígenas resistiam à invasão portuguesa, as viagens da capitania até Portugal eram caras e duravam dois meses, e Portugal não supria as necessidades em relação à defesa do território. Dessa experiência, nasceram os primeiros núcleos de povoamento, como São Vicente, Porto Seguro, Ilhéus, Olinda e Santos. 15 O insucesso do sistema de capitanias levou à implantação de um governo geral português no Brasil, que teve como sede a Bahia, Salvador 15 “Não era e não podia o pequeno reino lusitano ser uma potência colonizadora à feição da antiga Grécia. O surto marítimo que enche sua história do século XV não resultara do extravasamento de nenhum excesso de população, mas fora apenas provocado por uma burguesia comercial sedenta de lucros, e que 16 que foi a primeira capital do Brasil. O governo criou três cargos: o ouvidormor, encarregado dos negócios da justiça; o provedor-mor, encarregado dos assuntos da fazenda; e o capitão mor, encarregado da defesa do litoral. Com o fracasso das capitanias, o modelo de administração local da metrópole foi implantado na colônia. Foi criado o Governo Geral em 1548, os governadores estavam subordinados a metrópole, e a um regimento que buscava a defesa do território e o desenvolvimento de engenhos de cana. Os portugueses passaram a explorar o plantio da cana-de-açúcar por ser rentável, por conhecerem o plantio, e o bom clima e as terras favoráveis levaram os portugueses a ocupar o território brasileiro com imensos engenhos. Os senhores de engenho possuíam uma autoridade que ultrapassava o limite de suas terras, vilas e povoados vizinhos, que viviam sob o comando do senhor de engenho16. A mão-de-obra escrava que era indígena foi trocada pela negra, pois o tráfico negreiro era uma atividade rentável para Portugal e para Europa, pois adquiriam os negros na África e os vendiam nas suas colônias. Ao longo do século XVI, chegou a dar mais lucro para os portugueses o tráfico negreiro do que a produção de cana. Começava a produção do açúcar para a exportação. Onde o governo português cedia terras à lucratividade do negócio. A aculturação não encontrava no reduzido território pátrio satisfação à sua desmedida ambição. (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p. 11). 16 “Protegiam-se os proprietários de engenho com uma legislação especial que impedia a sua execução judicial e a perda de instrumentos de produção. Foi criada uma honraria especial, que valia por um título – o de senhor de engenho – concedida especialmente por Sua Majestade. (Furtado. Economia Colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII, 2001, p.96). 17 dos índios, a proteção religiosa, e a lucratividade do tráfico, fez o português investir na mão-de-obra africana. Os Jesuítas foram enviados ao Brasil para catequizar os índios, isto é, convertê-los à religião católica, e fundaram o colégio de São Paulo, onde surgiu a vila que deu origem à cidade de São Paulo. Junto com a formação das primeiras vilas, foram surgindo as Câmaras Municipais, controladas pela elite financeira do local, denominados “homens bons”. Essas Câmaras eram órgãos da administração colonial, que ditavam as leis impostas pela metrópole. 17 A igreja católica fez parte do processo de colonização do Brasil, isso porque Portugal e a Igreja estavam ligados pelo regime do padroado, onde o rei obrigava seus súditos serem católicos, implantava o catolicismo em todas as terras conquistadas, construía e conservava as igrejas. Em contrapartida, o rei nomeava bispos, e recolhia o dízimo. O Brasil teve a sua formação prejudicada pelos portugueses, que sempre exploraram as riquezas naturais do país em favor da metrópole. Tudo que se produzia aqui era vendido ao exterior e os lucros ficavam com os portugueses, e tudo que era consumido aqui era na maioria comprado dos portugueses. 18 17 “O poder das câmaras é pois o dos proprietários. E seu raio de ação é grande, muito maior que o estabelecido nas leis... Apresenta-se assim o Estado Colonial, até meados do século XVII, como instrumento de classes desses proprietários. É por intermédio deles, contrariando as próprias leis da metrópole, que se suprem dos índios de que carecem para suas lavouras, intervindo nas aldeias, instituições públicas que deveriam gozar da proteção oficial, ou então fazendo declarar a torto e a direito guerra ao gentio, para traze-lo das florestas ao tronco da escravidão. É com a organização política de que dispõem que conseguem manter na sujeição, explorando o seu trabalho, a grande massa da população, escravos e semi-escravos. (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.31). 18 “Para o Brasil, esse sistema econômico será de conseqüências igualmente nefastas. O centro de gravidade da economia do país estará fora dele. Os interesses da terra não contarão para nada: o bem – 18 As atribuições da metrópole não tiveram muita eficácia, pois o modelo importado para a colônia não foi adaptado à enorme diferença territorial entre metrópole e colônia, o poder estava centralizado apenas nas capitais, deixando o resto do território sem a presença do poder português. 19 O sistema das ordenações Filipinas, que não conseguia abranger todo território, era composto da seguinte forma: “Ouvidor - além das funções administrativas cabia-lhe conhecer e julgar por ação nova ou por avocação a seu juízo, os processos cíveis e criminais interessadas juízes em que alcaides, fossem partes procuradores, tabeliães, fidalgos, abades, priores ou pessoas gradas; suspeições de juízes e as causas da competência dos juízes de fora, das cidades e vilas situadas a duas léguas ou menos da sede da comarca; agravos dos juízes ordinários e de fora e as apelações dos juízes ordinários nas causas que não excedessem sua alçada. estar de sua população jamais será tido em conta. O país terá assim, um papel passivo no processo de sua formação. Ademais, o grosso dos benefícios do trabalho realizado na terra se desviará para o bolso dos intermediários metropolitanos.” (Furtado. Economia Colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII, 2001, p.142). 19 “Ele é por isso necessariamente disperso. Em cada região, é a câmara respectiva que exerce o poder. Formam-se assim sistemas praticamente soberanos, regidos cada qual por uma organização política autônoma. O Brasil colônia forma uma unidade somente no nome. Na realidade é um aglomerado de órgãos independentes, ligados entre si apenas pelo domínio comum, porém, muito mais teórico que real, da mesma metrópole. (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.32). 19 Juiz ordinário ou da terra – eleito entre os homens bons, tinha como função: processar e julgar processos cíveis e criminais; onde não houvesse juiz de órfão deveria exercer também as atribuições deste; processar e julgar, sem recurso, juntamente com os vereadores as injúrias verbais ou, singularmente mas com recurso quando o caso tratasse de fidalgo ou cavaleiro; julgar as apelações e agravos das decisões dos almotáceis. Juiz de Vintena – eleito anualmente pela câmara de vereadores na base de um juiz para cada 20 habitantes, distante uma légua pelo menos da sede, cabia-lhe julgar em processo verbal, sem apelação nem agravo as questões de pequena monte, excluindo-se as relativas a bens imóveis e infrações e posturas municipais. Almotacéis – em número de dois para cada município competia-lhes: questões sobre servidões urbanas e nuciações de obras novas. Juiz de fora – era nomeado pelo poder central e substituía o juiz ordinário nas causas cíveis cujo o valor não ultrapassasse mil réis nos bens móveis e na localidade de até 200 casas, bem como tinha a competência para causas de bens móveis 20 com valor de até 600 réis e bens imóveis até 400 réis. Juiz de órfãos – eleitos ou nomeados se o município possuísse mais de 400 vizinhos e cabialhe processar e julgar inventários, partilhas, causas decorrentes deles ou em que fosse parte deles menores ou incapazes, assim como as causas envolvendo a tutela e a curatela. Para o segundo e terceiro graus de jurisdição o órgão máximo era a casa de Suplicação, com sede em Lisboa. Outros eram o Desembargo do Paço, a Casa do Porto, A Mesa de Consciência e Ordens, o Conselho Ultramarino, a Junta do Comércio, o Conselho do Almirantado, o Tribunal da Junta dos Três Estados, o Régio Tribunal ou Fazenda e o Tribunal do Santo Ofício.”20 O secretário de Estado do Reino, Marques de Pombal, na tarefa de centralizar o poder do Estado brasileiro, passou a negar qualquer premissa do direito divino e religioso do ordenamento jurídico, utilizado pelos chefes regionais, e adotou a base positivista e racionalista do ordenamento jurídico, provenientes das reformas iluministas da Europa para centralizar o poder em suas mãos. Assim, na teoria positivista, o direito só 20 Apud Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, ps.310- 311. 21 poderia surgir e ser aplicado pelo Estado, e não mais pelos chefes locais baseados na divindade do jusnaturalismo. Os processos dessa época eram julgados, pelos poderes locais, favoráveis a não intervenção do Estado nas questões familiares, baseados no pátrio poder e nas antigas ordenações, porém a suprema corte reformava as decisões, tornando legítima a interferência do Estado em qualquer questão que considerasse injusta ou ilegal. 21 Assim, foi criado o cargo dos “juízes de fora” para aplicar a lei de acordo com os interesses do Estado, e acabar com os julgamentos feitos pelos grandes proprietários, muitas revoltas surgiram, pois além da perda da autonomia dos chefes locais, os impostos para sustentar uma máquina estatal mais atuante eram mais altos. 22 Essa discrepância de interesses entre a metrópole e os pequenos núcleos de poder regionais deu origem a movimentos de independência, a lei imposta pela coroa não interessava mais a elite nacional, que buscava legitimidade para impor seu próprio sistema de regras. Foi somente no final do século XVII que os bandeirantes encontravam o ouro de Aluvião nas margens dos rios, sendo que a notícia da descoberta provocou uma corrida de diferentes pessoas em direção a Minas Gerais, em poucos anos nasceram vilas e cidades em função do ouro. 21 22 Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 106. Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 75. 22 Todas as minas passaram a pertencer ao governo português, que concedia lotes aos mineradores que exploravam o ouro. O trabalho era realizado por escravos, em locais denominados lavras. O ouro em pó e em pedra facilitava o contrabando, por isso, em 1702, Portugal criou a intendência das minas órgão responsável pela distribuição das terras para exploração do ouro, pela fiscalização da mineração pelo julgamento das questões referentes à mineração pela cobrança de impostos dos mineradores, um quinto de qualquer metal extraído. As casas de fundição surgiram para facilitar a cobrança do quinto, o ouro só podia circular após ser fundido e transformado em barras, medida que inibia o contrabando. A população só tinha como renda a exploração das minas e a pobreza se agravou com a escassez do ouro. O governo continuava cobrando impostos, mesmo sem dar condições de produção. Logo, as elites mineiras planejaram um movimento rebelde, chamado inconfidência mineira pelos portugueses, e conjuração mineira para os brasileiros. Eles pretendiam desenvolver indústrias e criar uma universidade na região, mas não tinham como ideal acabar com a escravidão. O Coronel Joaquim Silvério dos Reis denunciou o movimento em troca do perdão das suas dívidas tributárias. Tropas prenderam os principais líderes do movimento, foram condenados á pena de morte os menos abastados, incluindo Tiradentes, os mais abastados foram exilados ou praticaram trabalhos forçados. A Conjuração Baiana surgiu dez anos após a conjuração mineira, foi promovida por pobres, brancos e negros. Por ser formada principalmente por trabalhadores também ficou conhecida por Revolta dos Alfaiates. O 23 movimento queria a libertação do Brasil de Portugal, a Proclamação da República, a abolição da Escravatura, e a abertura dos portos a todas as nações, a Repressão deu penas mais severas aos líderes pobres. Para regular a nova atividade econômica no Brasil a Coroa expediu algumas normas. “Com a descoberta do ouro e o desenvolvimento das Minas Gerais, foi criado o código mineiro de 1603 e 1618 e o regimento de 1702. O código mineiro estabelecia que todos os súditos do rei podiam extrair livremente o ouro, desde que reservassem para a Real Fazenda a quinta parte do produto. Autorizava a criação de casas de fundição para onde deveria ser levado todo material extraído para ser fundido em barras, depois de deduzida a parte do imposto. Demarcava as terras chamadas minerais. Criava o cargo de provedor específico para a região aurífera, ele seria o responsável pela fiscalização das jazidas e a cobrança do quinto (o regimento de 1618 ampliou os poderes deste provedor no tocante a cobrança de impostos).”23 O regimento de 1702 aperfeiçoou o sistema de cobrança de impostos. 3.2 O BRASIL REINO 3.2.1 A FAMÍLIA REAL NO BRASIL A família real veio à colônia devido ao movimento expansionista da França de Napoleão na Europa. Apenas a Inglaterra tinha forças para resistir aos franceses, logo a França tentou vencê-la pela força econômica, e decretou o bloqueio continental. Portugal tentava se manter indiferente no conflito, pois temia a França e tinha boa relação comercial com a Inglaterra. 23 Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.315. 24 Assim, D. João e as tropas fugiram para o Brasil, sob proteção Inglesa. A Inglaterra queria o fim do monopólio de Portugal sobre o Brasil, dessa forma foi decretada a abertura dos portos, e o Brasil começava a se libertar de Portugal. O governo de D.João no Brasil garantiu a liberação da atividade industrial no Brasil, e a Inglaterra passou a dominar as atividades comerciais. O Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido e adquiriu autonomia administrativa. Com a chegada da família real ao Brasil, foi feito o documento que continha a liberação do comércio no país. O tratado de 1810, através deste, o imposto pago pela Inglaterra seria de 16%, de Portugal 15% e dos demais países 24%. Em 1785, foi expedido um alvará no qual constava que o Brasil estava proibido de produzir manufaturados, pois abriria concorrência com os produtos vindos de Portugal, porém com a transferência da corte, novas necessidades e uma nova mentalidade estavam presentes. D. João revogou o alvará de 1785 através do alvará de 1808, que autorizava a produção de produtos manufaturados. Em 1808 foram trazidos para o Brasil todos os órgãos do Estado Português: os ministérios do Reino, da Guerra e Estrangeiros, da Marinha e Ultramar, o Real Erário, o Conselho de Estado, Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e Ordens, e o Conselho Supremo Militar. Esse aparelho estatal estava fora da realidade social do país, e além do mais todos os gastos com esses órgãos passaram a ser financiados pelo povo brasileiro. 25 Então, com o intuito de cobrir os gastos crescentes com a emissão de moeda, foi criado o Banco do Brasil através de alvará. Estes gastos e preferências econômicas aos europeus geraram movimentos que expressavam sua insatisfação. A Revolução Pernambucana teve como motivos de insatisfação os altos impostos gerados pela instalação da corte portuguesa no Brasil, os preços do açúcar e do algodão estavam caindo no mercado internacional devido à concorrência externa. Tinham o objetivo de proclamar uma república inspirada nos ideais da revolução francesa. Os rebeldes tomaram o poder, acabaram com alguns impostos, permitiram liberdade de imprensa e religiosa. A libertação dos escravos não ocorreu, pois não interessava aos senhores de engenho perder a sua mão-de-obra. Os rebeldes permaneceram no poder por 75 dias. O governo de D.João VI condenou os líderes do movimento à pena de morte. As ideologias liberais começavam a entrar em conflito com o monopolismo mercantilista, Portugal precisava manter o antigo regime político no Brasil para manter sua dominação, porém a influência inglesa e o despertar dos colonos para as facilidades trazidas pelas idéias liberais colocaram frente a frente os interesses opostos. Através do alvará de 1808 foi criado o cargo de Juiz Conservador da Nação Britânica, sendo que esse juiz era escolhido pelos ingleses residentes e somente ele poderia julgá-los. 24 24 Cf. Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.339. 26 O Brasil não mais vivia como uma simples colônia portuguesa, e os efeitos dessas mudanças foram ratificados pela carta de lei de 16 de dezembro de 1815 que elevou o Brasil à condição de Reino Unido, medida esta que colaborou para a Independência do Brasil. 25 Em agosto de 1820, comerciantes da cidade portuguesa lideravam um movimento conhecido como Revolução Liberal, os revoltosos dominaram o poder em Portugal e limitando as ações de D.João VI que estava no Brasil. Dom João VI voltou para Portugal, deixando D.Pedro no poder, como príncipe regente. A corte portuguesa queria recolonizar o Brasil e passou a exigir a volta de D.Pedro para Portugal, a elite brasileira queria manter a liberdade de comércio e deram apoio para manter D.Pedro no Brasil. Reuniram um documento com cerca de oito mil assinaturas pedindo que D.Pedro ficasse. D.Pedro ficou, e disse que as ordens vindas de Portugal só seriam cumpridas mediante sua autorização. A corte Portuguesa continuava a mandar ordens e, dessa forma D.Pedro resolveu romper com Portugal e proclamou a independência em 7 de setembro de 1822, que só foi reconhecida por Portugal após o pagamento de uma alta indenização. A Independência tinha como objetivo preservar a liberdade de comércio e autonomia administrativa. Ou seja, manteve intactos os interesses da elite. O povo continuou na mesma 25 “Mas, também é certo que nossa condição de sede provisória da monarquia foi a causa última e imediata da Independência, substituindo, talvez sem vantagem alguma, o processo final da luta armada que foi feito nas demais colônias americanas.” (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.46). 27 situação de miséria, e os escravos não se beneficiaram dos avanços liberais. 26 D. Pedro fica no Brasil após a volta da família real para Portugal, e, com o apoio da elite nacional, declara o Brasil independente de Portugal. Instaura um governo centralizador, instituindo governos municipais com presidentes indicados por ele, neutralizando a ação dos chefes locais. Com a constituição de 1824 abre-se espaço para a criação do código penal em 1830, do código de processo penal em 1832, e do código comercial em 1850, para unificar o direito que seria aplicado no Brasil e para libertar-se das antigas e ultrapassadas ordenações do reino. O código civil demorou a sair porque importaria uma igualdade iluminista entre todos, e uma série de conceitos liberais, de modo que as elites agrárias que se beneficiavam dos privilégios das antigas ordenações não queriam alterar tal situação, dificultando a aprovação de um novo código. 3.3 27 O BRASIL IMPÉRIO 3.3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1824 A idéia de que a independência brasileira veio através de um ato de coragem de D. Pedro sobre o seu cavalo não passa de uma invenção romântica. As elites brasileiras proclamaram a independência do Brasil através de um processo político que manteve o sistema de monarquia, 26 “E na falta de movimentos populares, na falta de participação direta das massas neste processo, o poder é todo absorvido pelas classes superiores da ex-colônia, naturalmente as únicas em contato direto com o regente e sua política. Fez-se a Independência praticamente à revelia do povo; e se isto lhe poupou sacrifícios, também afastou por completo sua participação na nova ordem política. A Independência brasileira é fruto mais de uma classe que da nação tomada em conjunto.” (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.52). 27 Cf. De Cicco,. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 240. 28 mantendo toda estrutura necessária para um país latifundiário, monocultor, exportador, e escravocrata. 28 Em junho de 1822, foi convocada a assembléia para elaborar a primeira Constituição brasileira, os membros da assembléia constituinte eram os grandes proprietários. O projeto de Constituição previa a proibição de estrangeiros para ocupar cargos públicos de representação nacional, limitava os poderes do imperador e ampliava os poderes do legislativo, restringia o poder político aos grandes proprietários rurais. D.Pedro І recusou tal projeto em 1823 e dissolveu a assembléia. Após conflitos entre o Partido Português e o Partido Brasileiro, D.Pedro nomeou uma nova comissão. Assim, surgiu a Constituição de 1824, outorgada, que dividia o poder em quatro: Judiciário, Legislativo, Executivo e Moderador. Ao dar-se início aos trabalhos da constituinte, ocorreu o extermínio de possibilidades da oposição, restringindo o direito de voto a um pequeno grupo, pessoas de ideais democratas foram degredadas do país, e, por decreto, foi instituída a censura à imprensa no Brasil. O anteprojeto de 1823 foi formado para obedecer aos interesses do Partido Brasileiro, fiel ao sistema monárquico. Foram designados seis deputados para elaboração do anteprojeto, muitos artigos foram inspirados nos ideais iluministas no tocante ao liberalismo econômico, mas não quanto à democracia e as liberdades. O projeto de Constituição tinha uma tendência classista, afastava a maioria da população, as eleições seriam feitas em dois turnos condicionando a capacidade eleitoral à quantidade de 28 Cf. Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.346. 29 farinha de mandioca. “Os eleitores de primeiro grau deveriam ter renda mínima equivalente a cento e cinqüenta alqueires de farinha de mandioca, eles elegeriam os eleitores de segundo grau que para sê-lo deveriam ter uma renda mínima de duzentos e cinqüenta alqueires de farinha de mandioca. Estes últimos elegeriam deputados e senadores que, para candidatarem-se a tais cargos deveriam ter renda correspondente a quinhentos mil alqueires.” 29. Porém, o anteprojeto estabeleceu a indissolubilidade da Câmara, o veto do imperador aos projetos de lei seria apenas de caráter suspensivo, e as forças armadas sujeitar-se-iam ao parlamento e não ao imperador. Assim, a assembléia foi fechada e D. Pedro convoca uma nova comissão para dar continuidade nos trabalhos. Assim, a Constituição de 1824 foi outorgada, ou seja, imposta por D. Pedro, que desejava centralizar o poder em suas mãos, porém não era mais sustentável ao monarca alegar a representação divina para ser o dono do Estado, por isso D. Pedro elaborou uma Constituição que transvertia seus interesses na forma da lei30. A análise de alguns de seus artigos mostra a centralização do poder contida em seu bojo. A separação de poderes foi elaborada nos moldes iluministas, porém só nos moldes, pois na prática, a Constituição de 1824 além dos poderes executivo, legislativo e judiciário, também continha o poder 29 Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.352. “Uma constituição é sempre a tradução do equilíbrio político de uma sociedade em normas jurídicas fundamentais. Ela reflete as condições políticas reinantes, isto é, os interesses da classe que domina e a forma pela qual exerce o seu domínio” (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.53). 30 30 moderador que capacitava D. Pedro a interferir nesses poderes. Como se pode ler no artigo 98: “Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegada privativamente ao Imperador, como chefe supremo da Nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos.” A monarquia parlamentarista também não era viável, pois os ministros de Estado eram nomeados pelo Imperador, logo assinariam todos os atos do Imperador sem questionamento. “Art. 101. O Imperador exerce o Poder moderador (...) 6º) Nomeando e demitindo livremente os ministros de Estado. Art. 132. Os ministros de Estado referendarão ou assinarão, todos os atos do Poder executivo, sem o que não poderão ter execução.” O poder legislativo também dependia da sanção do Imperador para aprovação das leis. 31 “Art. 13. O Poder Legislativo é delegado à Assembléia Geral, com a sanção do Imperador.” Um terço da composição do senado era indicada pelo Imperador, e para ocupar o cargo de senador ou deputado era necessário ter muito dinheiro. Porém, os príncipes não precisavam preencher requisito algum. “Art. 46. Os príncipes da Casa Imperial são senadores por direito e terão assento no Senado, logo que chegarem à idade de vinte e cinco anos.” O sistema de eleição dos deputados dava o direito de voto apenas para quem tivesse atingido certa renda líquida anual. “Art. 92. São excluídos de votar nas assembléias paroquiais: 1º) Os menores de vinte e cinco anos, nos quais não se compreendem os casados e oficiais militares, que forem maiores de vinte e um anos, os bacharéis formados e clérigos de ordens sacras. 2º) Os filhos-família que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem ofícios públicos. 3º)Os criados de servir, em cuja classe não entram os guarda-livros e primeiros caixeiros 32 das casas de comércio, os criados da Casa Imperial que não forem de galão branco e os administradores das fazendas rurais e fábricas. 4º) Os religiosos e quaisquer que vivam em comunidade clausural. 5º) Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos”. O Imperador ainda podia fechar a câmara dos deputados para convocar novas eleições para salvar o Estado “Art. 101. O Imperador exerce o Poder moderador (...) 5º) Prorrogando ou adiando a Assembléia Geral e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos em que o exigir a salvação do Estado, convocando imediatamente outra, que a substitua.” Ele também exercia o poder legislativo através da expedição de decretos, instruções e regulamentos. Mesmo assim, qualquer lei vinda das casas do legislativo só teria validade após a sanção do Imperador. Art. 102. O Imperador é o chefe do poder Executivo e o exercita pelos seus ministros de Estado. São suas principais atribuições: (...) 33 12º) Expedir os decretos, instruções e regulamentos adequados à boa execução das leis.” O poder judiciário também sofria interferência do Imperador, pois os magistrados eram nomeados, e podiam ser suspensos por ele. “Art. 102. O Imperador é o chefe do poder Executivo e o exercita pelos seus ministros de Estado. São suas principais atribuições: (...) 3º) Nomear Magistrados. Art. 154. O Imperador poderá suspendêlos por queixas contra eles feitas....” Os funcionários públicos seriam responsabilizados por crimes cometidos no tocante as suas funções, porém a figura do Imperador possuía imunidade total. “Art. 156. Todos os juízes de direito e os oficiais de justiça são responsáveis pelos abusos de poder e prevaricações que cometerem no exercício de seus empregos; esta responsabilidade se fará efetiva por lei regulamentar. Art. 99. A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada; ele não está sujeito à responsabilidade alguma.” 34 Outras partes da Constituição apenas copiavam idéias da revolução francesa sem a mínima preocupação de eficácia dessas leis, o sistema econômico brasileiro baseado na mão de obra escrava impossibilitava a aplicação dos direitos humanos, que figuravam na Constituição com papel meramente ilustrativo. Atitudes autoritárias de D.Pedro provocaram revoltas entre os partidos liberais. A reação explodiu no Nordeste, liderada por Pernambuco, onde ocorreu a Confederação do Equador. A queda do açúcar deixou o nordeste na miséria, os grupos queriam a descentralização do poder, com autonomia para as províncias. Frei Caneca, um dos líderes do movimento, defendia a constituição de uma Federação brasileira, era contra o poder moderador, e contra a outorga da Constituição. Eles queriam formar a confederação do Equador, e eram contra a escravidão, por isso perderam o apoio dos proprietários de terra, e foram derrotados pelas tropas de D.Pedro. A queda da popularidade do Imperador se deu pelo fechamento da assembléia constituinte, a imposição da Constituição de 1824, a violência contra rebeldes, a falência do Banco do Brasil, o pagamento pela independência, e o fato de D.Pedro poder voltar ao trono português, culminado com o assassinato de um líder de imprensa, Libero Badaró, que criticava o governo. Os mineiros protestaram contra estas atitudes, porém o Partido Português organizou uma festa para recepcionar D.Pedro após os fatos. 35 Militantes do Partido Liberal entraram em conflito com o Partido Português. Esse episódio ficou conhecido como a noite das garrafadas. Dom Pedro tentou agradar o povo organizando um ministério só de brasileiros. Porém, como o ministério não obedecia às suas ordens, ele trocou pelo ministério dos marqueses, formado por portugueses. A nomeação do novo ministério fez estourar uma grande revolta. D.Pedro abdicou o trono em favor de seu filho de cinco anos, e partiu para Portugal para tentar reconquistar o trono português. Até D.Pedro ІІ completar 18 anos, dizia a Constituição do império que o Brasil seria governado por um conselho de três regentes. Três grupos principais disputavam o poder: restauradores, liberais exaltados e liberais moderados. Os restauradores queriam a volta de D.Pedro І, o regime absolutista e centralizador, era formado por comerciantes portugueses, militares de alta patente e altos funcionários públicos. Os liberais exaltados queriam a descentralização do poder, o federalismo, o fim da monarquia e início da República, era formado por profissionais liberais, pequenos comerciantes, funcionários públicos modestos e militares de baixa patente. Os liberais moderados queriam a monarquia não absolutista, a ampliação do poder dos governantes das províncias, e a manutenção da escravidão, era formado por donos de terra e grandes comerciantes. Em 1.834, D.Pedro І morreu em Portugal aos 36 anos, diluindo os restauradores. Desse modo, os liberais exaltados perderam sua influência política, e os liberais moderados dividiram-se em progressistas e regressistas. 36 A Regência Trina Provisória de 1831 readmitiu o Ministério dos Brasileiros, deu anistia aos presos políticos, decretou a suspensão parcial do poder moderador, criou a Guarda Nacional, que concedia aos fazendeiros o título de coronel da guarda nacional, fez o ato adicional à Constituição que transformou a Regência Trina em Una, e criou assembléias legislativas nas províncias. A Regência Una de Feijó enfrentou rebeliões como a Cabanagem e a Farroupilha, os grandes fazendeiros estavam preocupados com as constantes revoltas e pressionaram Feijó a renunciar, elegendo Pedro Araújo Lima, um regressista. Na Regência de Araújo Lima formou-se o Ministério de políticos conservadores, e fez-se a lei interpretativa do ato adicional, que reduzia o poder das províncias. No Pará, ocorria a cabanagem em 1.835, que foi uma revolta popular de negros, índios e mestiços, que trabalhavam na extração de produtos na floresta e moravam em casas semelhantes a cabanas. A revolta se deu contra a situação de miséria, e foram apoiados por fazendeiros que queriam autonomia para exportar sem as barreiras do governo, porém os fazendeiros se afastaram do movimento devido ás idéias abolicionistas e da divisão de terras. Em janeiro de 1.835 os cabanos conquistaram Belém e mataram o presidente da província, o Rio de Janeiro enviou tropas, matando 30 mil cabanos, acabando com o movimento. No Rio Grande do Sul, se dava a Farroupilha, que foi a mais longa revolta, de 1.835 a 1.845. Deu-se devido aos problemas econômicos dos produtores rurais, pois os produtos do gado concorriam no mercado interno 37 com a Argentina e o Uruguai. As baixas tarifas dos produtos importados e a falta de autonomia da província geravam insatisfação. Bento Gonçalves comandou as tropas farroupilhas que dominaram Porto Alegre, o movimento expandiu-se e, em 1836 os rebeldes fundaram a república Rio Grandense. Em 1839 o movimento expandiu-se com a conquista de Santa Catarina, onde foi fundada a república Juliana. A revolta foi combatida pelas tropas imperiais sem sucesso, dessa forma o movimento só foi abafado quando o império negociou com os fazendeiros melhores condições financeiras, assim eles venderam a revolta. Esse movimento não sustentou seu cunho popular ou abolicionista, pois quando os interesses dos ricos foram atendidos, o movimento acabou. Em Salvador, por sua vez, se dava a revolta dos malês, em 1835. Foi um movimento dos escravos, uma denúncia antecipou o início do movimento, eles não se entregaram, muitos morreram e outros foram presos. A Sabinada em 1837 também ocorreu na Bahia, foi liderada pelo médico Francisco Sabino. Queriam instituir uma república na província, tomaram o poder em Salvador, porém, os fazendeiros com medo da abolição mudaram de lado e ajudaram a acabar com o movimento em 1838. No Maranhão ocorreu a Balaiada de1835 a 1841, devido à crise agrária, vaqueiros, sertanejos e escravos uniram-se para lutar contra a miséria, a fome, a escravidão e os maus tratos. Conquistaram a cidade de Caxias, porém conflitos internos ajudaram as tropas do governo que 38 acabaram com o movimento matando 12 mil pessoas entre sertanejos e escravos. Em todas as revoltas brasileiras, o povo serviu apenas de massa de manobra, assim que os interesses da classe revoltosa foram atendidos, os rebeldes passavam a opressores, pois temiam uma verdadeira tomada de poder pelo povo. 31 O segundo reinado foi de 1840 a 1889, iniciado com a emancipação de Dom Pedro ІІ para tornar-se imperador após um jogo político. Dois partidos dominaram o cenário político do segundo reinado: o conservador, formado por grandes proprietários, burocratas do serviço público e os grandes comerciantes, queriam um governo imperial forte e centralizado; o liberal, formado por profissionais liberais urbanos, proprietários rurais voltados ao abastecimento interno, que queriam um governo descentralizado. A disputa pelo poder não mudava muito a forma de governo, os políticos que assumiam o poder trabalhavam apenas para obter vantagens próprias. Com a produção do café, o centro econômico brasileiro passou do Nordeste para o Sudeste. Os imigrantes começaram a substituir o trabalho escravo pelo assalariado e a renda do café impulsionou a industrialização, os cafeicultores tornaram-se o grupo mais influente do Brasil. Em 1850, foi 31 “Toda essa agitação, todos estes movimentos, embora desconexos, que ora aqui, ora acolá abalam o país, têm contudo entre si um traço comum de evolução. A pressão revolucionária começa nas camadas logo abaixo da classe dominante. Daí se generaliza por toda massa, descendo sucessivamente de uma para outra camada inferior. Isto provoca uma contramarcha das próprias classes iniciadoras do movimento, e que de revolucionárias, sob a pressão que as arrasta para onde não querem ir, passam a reacionárias, ou pelo menos abandonam o movimento. Deixam assim à sorte os últimos a entrarem na luta, que por esta forma enfraquecidos, são esmagados pela reação do poder central.” (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.66). 39 extinto o comércio internacional de escravos para o Brasil, pela lei Eusébio de Queiroz. O dinheiro gasto na compra e manutenção dos escravos foi aplicado em outros setores da economia. O método de adquirir propriedades passou da posse para a compra. Após a independência do Paraguai em 1811, o país voltou sua economia para o povo, distribuiu terras aos camponeses, combateu donos de terras improdutivas, construiu muitas escolas, desenvolveu o artesanato absorvendo a mão de obra indígena, desenvolveu a indústria de pólvora, o país era auto sustentável. O desenvolvimento paraguaio não interessava aos objetivos industriais ingleses. Assim, a Inglaterra financiou o Brasil, a Argentina e o Uruguai para lutar contra o Paraguai. A guerra do Paraguai teve início em 1865 e durou até 1870, morreram 100.000 brasileiros e 200.000 paraguaios, após a guerra à economia sul americana estava abalada, o que aumentou a dívida externa com os ingleses. 3.3.2 ESCRAVOS A questão dos escravos era de difícil encaixe nas leis brasileiras, pois eram inspiradas na sociedade européia pós-revolução industrial, onde a mão-de-obra era assalariada. O Brasil ainda tinha como base econômica a agricultura latifundiária voltada à exportação com mão-de-obra escrava, de modo que os estudiosos brasileiros formados nas universidades européias tinham dificuldade em adaptar as leis de sociedades que viviam momentos econômicos distintos. 40 As inspirações humanistas do iluminismo encontravam incongruências nos ordenamentos brasileiros. As ordenações Filipinas não puniam o estupro cometido contra escravas. “Todo homem, de qualquer stado e condição que seja, que forçosamente dormir com qualquer mulher (...), morra por ello. Porém, quando for com mulher que ganhe dinheiro per seu corpo, ou com scrava, não se fará execução, até nol-o fazerem saber e per nosso mandado”32 Os filhos dos senhores com as escravas geravam anomalias jurídicas, pois um acórdão proibia a venda dessas crianças como escravas, e, quando essas chegavam a assumir a herança do pai tinham como escrava a própria mãe. Algumas tendências jurisprudenciais da época ainda proibiam a libertação da mãe escrava pelo filho herdeiro. “O jornal A Província de São Paulo, de 16 de janeiro de 1875, transcreve um parecer do procurador geral da coroa sobre a apelação cível nº67, de Amparo, que indagava se deveria ser considerada liberta a escrava, mãe daquele que o respectivo senhor em seu testamento reconheceu por seu filho e institui herdeiro. A escrava Luísa, considerada escrava do menor Martinho, requereu nomeação de curador, que em juízo promovesse 32 Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.391. 41 sua liberdade alegando que sendo mãe do réu, herdeiro dos bens do senhor não podia ser escrava do mesmo. Juntou documentos, certidões de nascimento improcedente etc. O a ação Juiz por de direito considerar julgou que o ajuntamento ilícito do senhor com a escrava não era razão suficiente para impetrar a liberdade desta, e para fundamentar seu parecer apoio-se na jurisprudência.”33 A lei definia o escravo como propriedade, porém na lei penal, ele assumia papel de pessoa como agente de algum crime e de coisa na condição de vítima, assim o escravo seria punido se cometesse algum delito, porém se fosse vítima de algum, quem receberia o ressarcimento seria o seu senhor. O modelo econômico adotado após o iluminismo não era compatível com a escravidão, primeiro porque para as indústrias era mais caro manter um escravo do que pagar um salário, depois porque o sistema de mão-de-obra escrava emperraria o desenvolvimento econômico, pois a criação de uma nova classe de operários assalariados estaria apta a consumir os produtos industrializados, coisa que os escravos não tinham condições de fazer, por último, questões filosóficas e humanitárias que 33 Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.392. 42 sozinhas não teriam força suficiente para ecoar em uma sociedade vazia de valores que caminhava em direção ao brilho do dinheiro. 34 Assim, a Inglaterra, país de interesses capitalistas que acumulou capital necessário para seu desenvolvimento através da mão de obra escrava, agora começava a pressionar a elite agrária do Brasil a acabar com a escravidão para dar seqüência ao desenvolvimento do seu sistema econômico. O tratado de 1810, firmado entre D. João e a Inglaterra, obrigava o príncipe regente a proibir o tráfico negreiro, sendo que em 1815 foi assinado um novo tratado onde a Inglaterra conseguiu que D. João proibisse o comércio de escravos ao norte do Equador, a convenção de 1817 permitia a inspeção em navios mercantes suspeitos de traficar escravos. Para reconhecer a autonomia do Brasil como país independente, a Inglaterra passou a influenciar as leis brasileiras para acabar com a escravidão. Então, em 1827, foi assinado com o Brasil um tratado que extinguiria o tráfico de escravos ao país no período de três anos. O código penal de 1830 penalizava os traficantes da seguinte forma: 34 “Se intentamos captar a essência do processo histórico que engendrou a civilização moderna, vemos que o importante não foram as ideologias e nem mesmo as tecnologias. Esses foram ingredientes utilizados por forças sociais em confrontação, pelas lutas de classes, se ficamos com a linguagem dos heréticos do século passado. Os grupos sociais que comandaram o fantástico processo de acumulação de riqueza conformam o modelo de organização societária, mas dentro de limites ditados pelas classes assalariadas. Estas adquiriram importância crescente como mercados absorvedores do fluxo da produção. (Furtado. O capitalismo global, 1998, p. 21). 43 “Art. 179. Reduzir à escravidão a pessoa livre, que se achar em posse de sua liberdade. Pena de prisão por três a nove annos, e de multa correspondente à terça parte do tempo, nunca porém o tempo de prisão será menor, do que o do captiveiro injusto, e mais uma terça parte.” Porém, como na maioria das vezes, essa lei não teve a mínima eficácia, pois 85% dos escravos que vieram ao Brasil, chegaram após a promulgação dessa lei. Chegou-se ao ponto de pedir a revogação da lei pelo constante desrespeito da mesma. “Interpretando o pensamento dos interesses agrários e do tráfico, Bernardo Pereira de Vasconcelos proporá em 24 de junho de 1835 uma emenda revogando a lei de 7 de novembro de 1831. Não faltaram representações de câmaras municipais dirigidas ao parlamento no mesmo sentido. A Câmara de Barbacena representava em 26 de junho de 1835, a de Barra Mansa e de Paraíba do Sul redigiam, em agosto, ofícios do mesmo teor. A Assembléia provincial de Minas Gerais solicitou a revogação como media higienizadora, uma vez que o dispositivo legal era reiteradamente violado, sob as vistas das autoridades.”35 35 Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.397. 44 No Brasil, muitos estudiosos que vinham da Europa começaram a defender a causa abolicionista, assim começaram a surgir às leis abolicionistas no país. Mediante diversas pressões, os fazendeiros começaram a ceder, contudo achavam que estavam bem abastecidos de escravos, assim a Lei Eusébio de Queiroz reprimia o tráfico negreiro. “Art.1º. As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriais do Brasil tendo a bordo escravos, cuja importação eh prohibida por lei de 7 de novembro desembarcando, de 1831, serão ou havendo-os aprehendidas pellas autoridades, ou pellos navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos. Aquellas que não tiverem escravos a bordo nem os houverem nas proximidades desembarcado, porém que se encontram com sinais de se empregarem no tráfico de escravos, serão igualmente aprehendidas, e consideradas em tentativa de importação de escravos.” Contudo, o artigo 6º dessa lei desviava seu caráter humanitário, pois dizia que os escravos apreendidos seriam enviados de volta à África com o custeio do Estado, e, quando isso não fosse possível, seriam 45 empregados sob a tutela do Estado. Esses escravos acabavam sendo entregues aos fazendeiros que os libertavam após quatorze anos de trabalho, essa lei teve eficácia parcial, pois acabou atendendo aos interesses da elite nacional. 36 Com o fim do tráfico negreiro, o Brasil passaria por mudanças econômicas e sociais, pois com o declínio dos fazendeiros do nordeste e o início da industrialização no sudeste, ia se formando uma nova elite. A pressão abolicionista continuava e no período do segundo reinado, o Brasil era o único país independente a manter a escravidão, os fazendeiros alegavam que a abolição dos escravos arruinaria a economia nacional e geraria conflitos sociais terríveis, além de dizer que a abolição dos escravos feriria o princípio constitucional de propriedade. Por outro lado a corrente abolicionista afirmava que a propriedade de escravos era uma violação ao direito natural. Mediante a pressão, o parlamento aprovou a lei do ventre livre onde os filhos da mulher escrava nasceriam livres, porém essa lei teve a intenção apenas de acalmar os movimentos abolicionistas, porque na prática não representava nenhum avanço em direção a abolição, já que não apresentava condições de vida livre para a criança. “Art. 1º. Os filhos da mulher escrava que nascerem no Império desde a data dessa lei, serão considerados de condição livre. 36 Cf. Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, P.p. 397, 398. 46 § 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratálos até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso o governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade com a presente lei. A indenização pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%, os quais se considerarão extintos no fim de trinta anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias, a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor. Art. 2º. O governo poderá entregar a associações por ele autorizadas os filhos das escravas, nascidos desde a data dessa lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas, ou tirados do poder destes em virtude do Art. 1º, § 6º. 47 § 1º As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores até a idade de 21 anos completos e poderão alugar esses serviços...” Essa lei acabou não trazendo benefícios aos filhos de escravos, tendo em vista que ou continuavam a trabalhar para o senhor, ou seriam forçados a trabalhar para o Estado. Mais uma vez os interesses econômicos acabavam sobrepondo-se aos ideais humanitários na lei. A lei dos sexagenários seguia a mesma trilha da lei do ventre livre, feita para diminuir a pressão dos abolicionistas, porém sem grandes vantagens para o negro, que quase nunca chegava aos sessenta anos de idade, e quando o fazia era mais um custo que um benefício para o senhor, pois já não tinha força suficiente para o trabalho. “Art.3º. § 10º São libertos os escravos de 60 anos de idade, completos antes e depois da data em que entrar em execução essa lei, ficando, porém, obrigados a título de indenização pela sua alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de três anos.” Além de abusar e escravizar uma pessoa por um longo tempo, o escravo ainda tinha de pagar uma indenização ao senhor, em dinheiro ou com trabalho. “§ 12º É permitida a remissão dos mesmos serviços, mediante o valor não excedente à 48 metade do valor arbitrado para os escravos de classe de 55 a 60 anos de idade.” Mesmo assim, os que conseguissem sua liberdade, não poderiam mover-se livremente. “§14º É domicílio obrigado por tempo de cinco anos, contados da data da libertação do liberto pelo fundo de emancipação, o município onde tiver sido alforriado, exceto o das capitais. §15º O que se ausentar de seu domicílio será considerado vagabundo e apreendido pela polícia para ser empregado em trabalhos públicos ou colônias agrícolas.” Contudo, essas leis paliativas acabaram por fim aproximando a opinião pública da abolição dos escravos, assim a elite começou a perder o controle da situação e foi promulgada a lei Áurea. A Princesa Imperial Regente em nome de sua Majestade o Imperador o Senhor D. Pedro II faz saber a todos os seus súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a Lei seguinte: “Art.1º É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil. Art.2º Revogam-se as disposições em contrário. Manda, portanto a todas as autoridades 49 que o conhecimento e execução da referida Lei pertencer que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.” A libertação dos escravos continuou a não melhorar muito a situação dos negros no Brasil, pois os libertos não tinham espaço na sociedade, muitos continuavam a trabalhar para o senhor, já que não tinham pra onde ir. A Inglaterra também apoiava a abolição da escravidão, pois necessitava abrir seu leque de consumidores para trabalhadores imigrantes assalariados, pois escravo não recebia salário, logo não eram consumidores em potencial. Em 1871 a Lei do Ventre Livre garantiu que os filhos dos escravos nascessem livres. Em 1885 a Lei dos Sexagenários garantiu a liberdade aos escravos com mais de 65 anos. Em1888 a Lei Áurea extinguiu a escravidão no Brasil. Mesmo após a libertação, os negros continuaram sendo marginalizados pela sociedade, pois as leis abolicionistas não se preocuparam com a integração dos negros no país, pois essas leis nasceram com natureza econômica e não social. As leis abolicionistas fizeram com que a monarquia perdesse o apoio dos grandes proprietários rurais, que passaram a apoiar a causa republicana. Fazendeiros do café de São Paulo fundaram o partido republicano paulista. Vale lembrar que, enquanto os movimentos republicanos foram feitos pelo povo, eles não tiveram sucesso. D.Pedro ІІ começou a apoiar a maçonaria, contrariando a igreja católica. Após a guerra do Paraguai, os militares passaram a ser mais influentes no governo. A oposição de tantos 50 setores facilitou o golpe político que instalou a república no Brasil, e em 15 de novembro de 1889 Marechal Deodoro da Fonseca constitui o governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil. 3.4 BRASIL REPÚBLICA 3.4.1 GOVERNO PROVISÓRIO A etimologia da palavra República remete a coisa pública. Porém, a República do Brasil não foi proclamada pelo povo, mas sim por um movimento oligárquico. O governo republicano foi organizado pelos militares, cafeicultores e profissionais liberais, ou seja, foi nula a participação popular na instituição da república. O governo provisório defendeu a ordem pública já existente, a segurança e o direito dos proprietários brasileiros e estrangeiros. Foi instituído o federalismo pelo qual as províncias foram transformadas em estados membros, surgiu o estado laico, a certidão de nascimento e o casamento civil. Os processos de industrialização e de abolição da escravatura tiveram influência inglesa, fazendo D. Pedro II perder o apoio dos fazendeiros. Assim, foi declarada a república em 1889 e o poder foi dividido entre os militares, os grandes proprietários rurais, e os industriais liberais ingleses. Os militares defendiam o positivismo jurídico para legitimar seu poder, os grandes proprietários defendiam a interferência do Estado nas realizações econômicas do país para usar a máquina estatal para conseguir melhores condições de atuação no mercado externo, e os industriais liberais 51 ingleses que não queriam interferência estatal para instalar seus negócios no Brasil. 37 Com a predominância dos interesses da Inglaterra no país, o Brasil adotou o modelo capitalista liberal, contrário ao conservadorismo e protecionismo dos grandes proprietários, que perderam suas fortunas e os lugares privilegiados na sociedade, assim fazendo uso de sua influência para tomar conta do funcionalismo público. 38 Após a proclamação da República, o Brasil vivia com o positivismo militar que era necessário ao liberalismo inglês,39 pois a crescente classe operária precisava ser dominada pela burguesia através da força militar do Estado. Nesse contexto, Clóvis Bevilaqua elabora um código civil liberal e individualista, que não ia de encontro com a realidade das pessoas que moravam no país, acostumadas com as tradicionais famílias patriarcais de formação católicas do país. O Estado intensificou a burocracia e passou a impor seus métodos de dominação através do legalismo jurídico, essa racionalização do direito era indispensável à dominação burocrática. A sociedade brasileira não tinha no direito um instrumento que busca a justiça como fim, mas sim um sistema que buscava valer-se da legitimidade estatal para colocar a lei como sinônimo de direito e de justiça. 40 37 Cf. De Cicco, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 241. Cf. De Cicco, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 242. 39 Cf. De Cicco, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 245. 40 Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 120, 122. 38 52 O governo lançou o Encilhamento, o plano econômico que permitia aos bancos emitir moedas para implantar indústrias e pagar operários. Mas, a grande quantidade de moeda que passou a circular não correspondia à produção real da economia. O resultado foi uma grande inflação. Várias empresas “fantasmas” surgiram para obter o crédito junto aos bancos, a bolsa de valores produzia lucro sem produzir um real valor e isso desarrumou a economia nacional. A idéia de uma República brasileira não nasceu do povo, e, após a abolição, as elites latifundiárias sentiram-se traídas pelo governo monárquico e deram início aos movimentos políticos rumo à República. Assim, sem a manifestação popular, a República nasceu de um golpe militar que instituiu um governo provisório, que tinha como maior preocupação a não criação de brechas no poder para evitar que grupos populares iniciassem uma revolução de fato. O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil decreta: “Art. 1º - Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da nação brazileira a República Federativa.” Esse decreto instaurava uma ditadura militar, tendo em vista o fechamento de todos os órgãos do legislativo e a revogação da Constituição de 1824. O Governo Provisório apoiado pelos militares impôs a censura, o banimento da família Real, e diversas prisões cautelares. 53 Foi criada a Comissão Militar de Sindicâncias e julgamentos, um tribunal de exceção que podia decretar a pena de morte. O artigo primeiro da comissão dizia o seguinte: “Os indivíduos que conspirarem contra a República e o seu governo; que aconselharem ou promoverem por palavras escritas ou atos, a revolta civil e a indisciplina militar; que tentarem o suborno ou a aliciação de qualquer gênero sobre soldados e oficiais, contra seus deveres para com os superiores e a forma republicana; que divulgarem nas fileiras do exército subversivas, República; insubordinar e da armada tendentes a noções falsas e indispô-los com a que usarem de embriaguez para os ânimos dos soldados; serão julgados militarmente por uma comissão militar nomeada pelo ministro da guerra e punidos com as penas de sedição.” Essa redação calou a imprensa e qualquer outro setor da sociedade, mesmo assim muitas pessoas foram condenadas à pena de morte. 3.4.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1891 Em 1890, Deodoro da Fonseca convocou eleições para a assembléia constituinte, porém não tinham direito a voto, as mulheres, os analfabetos, os mendigos, militares de baixa patente, e os religiosos. Assim, 54 como a maioria do povo era analfabeta, as eleições tomaram o rumo dos grandes latifundiários, o que contrariava os interesses militares de Deodoro. Enquanto a Constituição de 1824 seguia os moldes franceses, a Constituição republicana de 1891 seguia os moldes dos Estados Unidos da América. “Art. 1º A Nação brasileira adota como forma de governo, sob o regime representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil.” República significa coisa pública, porém a República brasileira não teve a participação popular. A tripartição dos poderes foi feita com a exclusão do poder moderador. “Art. 15. São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si.” O sistema judiciário adotou a forma dualista, ou seja, houve a separação entre Justiça Federal e Justiça Estadual, a Constituição indicava os casos de interferência entre elas. 55 A Justiça Federal tem como órgão superior o Supremo Tribunal Federal, com a quantidade de Tribunas Federais espelhados pelo território de acordo com o que o congresso achar necessário. “Art. 55. O Poder Judiciário da União terá por órgão um Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República, e tantos juízes e tribunais federais, distribuídos pelo país, quantos o Congresso criar.” A jurisdição do Supremo Tribunal Federal era ordinária, de recurso e de revisão. Ordinária, pois seria o único órgão a julgar um processo, de recurso, pois seria o órgão competente para julgar e reformar decisões de outros tribunais, e de revisão, pois poderia rever sentenças de ultima instância. A jurisprudência também foi incluída no texto da Constituição de 1891. “Art. 59... § 2º Nos casos em que houver de aplicar leis dos Estados, a justiça federal consultará a jurisprudência dos tribunais locais e, vice-versa, as justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos tribunais federais, interpretar leis da União.” quando houverem de 56 O poder Legislativo era composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, com a sanção do Presidente. “Art. 16. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República. § 1º O Congresso Nacional compõe-se de dois ramos: a Câmara dos Deputados e o Senado.” Os membros do poder legislativo gozavam de imunidade parlamentar ampla, ou seja, além dos limites das suas atribuições como parlamentares, o processo para condenar um parlamentar precisaria passar pela aprovação da casa onde ele trabalhasse. “Art. 20. Os Deputados e Senadores, desde que tiverem recebido diploma até a nova eleição, não poderão ser presos nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Câmara, salvo caso de flagrância em crime inafiançável. Neste caso, levando o processo até pronuncia exclusive, a autoridade processante remeterá os autos à Câmara respectiva, para resolver sobre a procedência da acusação, se o acusado não optar pelo julgamento imediato.” O processo das eleições não continha mais requisitos financeiros. 57 “Art. 26. São condições de elegibilidade para o Congresso Nacional: 1) estar na posse dos direitos de cidadão brasileiro e ser alistável como eleitor; 2) para a Câmara, ter mais de quatro anos de cidadão brasileiro, e para o senado mais de seis. (...) Art. 30. O Senado compõe-se de cidadãos elegíveis nos termos do art. 26 e maiores de 35 anos, em número de três Senadores por Estado e três pelo Distrito Federal, eleito pelo mesmo modo por que forem os Deputados...” O voto não era obrigatório, não era necessária renda mínima para votar e os analfabetos estavam excluídos das votações, porém bastava saber rabiscar o nome para não ser considerado analfabeto. Mendigos, religiosos, menores de vinte e um anos, e militares de baixo escalão eram proibidos de votar. “Art. 70. São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos, que se alistarem na forma da lei. § 1º Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais, ou para as dos Estados: 58 1) os mendigos; 2) os analfabetos; 3) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior; 4) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações, ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra, ou estatuto, que importe a renúncia da liberdade individual. § 2º São inelegíveis cidadãos não alistáveis.” A Constituição permitia que os Estados organizassem as eleições municipais de forma livre. “Art. 68. Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.” Assim, as elites locais ainda conseguiam guiar as eleições municipais para atender seus interesses. Essa Constituição previa a transferência da Capital do Brasil do Rio de Janeiro para o Distrito Federal, para afastar a administração pública dos movimentos populares. 59 “Art. 3º Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal.” O controle da vida civil que antes pertencia a igreja católica, agora com a Constituição de 1891 passou para o Estado, casamentos, certidões de nascimento, não estavam mais sob o controle da igreja, e sim sob a tutela do Estado. “Art. 72, § 4º A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.” O princípio da ampla defesa e o Hábeas Corpus também foram consagrados nessa Constituição, e as penas de banimento, galés, e de morte também foram abolidas. 3.4.3 O CÓDIGO PENAL DE 1890 Com a proclamação da República e o processo de abolição da escravatura, o código criminal de 1830 estava desatualizado, portanto em 1890 foi implantado um novo código penal. Esse código trouxe consigo o Princípio da Legalidade e o Princípio da Territorialidade, eliminando interpretações extensivas. Ficou proibido o uso de penas infamantes e a prisão perpétua. 60 “Art. 44. Não há penas infamantes. As penas restritivas da liberdade individual são temporárias e não excederão de 30 annos.” O código penal de 1890 também punia quem impedisse o livre culto de qualquer religião. “Art. 185. Ultrajar qualquer confissão religiosa, vilipendiando acto ou objecto de seu culto, desacatando ou profanando seus symbolos publicamente. Pena: de prisão cellular por um a seis mezes. Art. 186. Impedir, por qualquer modo, a celebração de cerimônias religiosas, solemnidades e ritos de qualquer confissão religiosa, ou perturbala no exercício de seu culto. Pena: prisão cellular por dous mezes a um anno.” Contudo, o espiritismo não era considerada religião, e a sua prática era considerada crime. “Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar talismans e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, 61 inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, emfim, para fascinar e subjulgar a credibilidade pública. Pena: de prisão celular por um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.” Um artigo que não teve a mínima eficácia foi o que tratava como crime o voto de cabresto, pois essa prática do coronelismo era considerada como forma de fazer política na velha República. “Art. 166. Solicitar, usando promessas ou ameaças, votos para certa e determinada pessoa, ou para esse fim comprar votos, qualquer que seja a eleição a que se proceda. Penas: de prisão cellular por três mezes a um anno, e de privação dos direitos políticos por dois annos.” O estupro ainda era diferenciado entre mulheres honestas e prostitutas. “Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta: Pena – de prisão cellular por um a seis annos. § 1º Si a estuprada for mulher pública ou prostituta: 62 Pena – de prisão cellular por seis mezes a dous anos. Art. 269. Chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa, com violência, de uma mulher, seja virgem ou não. Por violência entende-se não só o emprego de força physica, como o de meios que privarem a mulher de suas faculdades psychicas, e assim da possibilidade de resistir e defender-se como sejam o hypnotismo, o chloroformio, o ether, e, em geral, os anesthésicos e narcóticos.” 3.5 A AUSÊNCIA DE UM CÓDIGO CIVIL Desde a Constituição de 1824, previa-se a criação de um Código Civil para o Brasil, porém um Código Civil que falasse sobre direitos dos cidadãos, igualando todas as pessoas, não seria bem aceito em uma sociedade onde a maioria da população era formada por escravos controlados pela elite. Um Código Civil excludente demais não seria aceito pelos juristas nacionais, e um Código Civil abrangente não seria aceito pelos políticos influenciados pela elite econômica, por isso o primeiro código civil brasileiro só foi promulgado em 1916 após muitas controvérsias. José de Alencar criticava a imposição dos costumes ingleses sobre a cultura brasileira, e com base na escola histórica de Savigny 63 condenava a imposição de um único código civil para um país de enorme diversidade cultural como o Brasil, pois este não teria base nos usos e costumes das diferentes culturas que residiam no país, ele também era contra a abolição dos escravos, pois eram à base da economia agrária do país. Ele defendia que um código civil deveria ser baseado nos usos e costumes do povo brasileiro, e não poderia importar o conceito de propriedade trazido pela revolução industrial. 41 O jurista Pereira Barreto dizia que as constituições políticas não se impõem, as leis não se impõem, os costumes não se impõem a um povo que para eles não esteja preparado, visão que os legisladores da época não observaram, ele também fazia crítica a igualdade meramente formal do liberalismo, que não se aplicaria em um país com a cultura que tinha o Brasil da época. 42 3.6 A REPÚBLICA VELHA A República Velha foi um instrumento de controle da elite do café com leite, que revezava presidentes para organizar a economia do país a seu favor. Após a primeira Guerra Mundial o mercado brasileiro sofreu um grande abalo, pois era dependente da exportação do café, assim a elite cafeeira utilizou-se do governo para escoar sua produção, fazendo com que o Brasil comprasse e estocasse as sacas de café mesmo sem ter mercado para o produto. O processo de industrialização nacional criou duas novas classes sociais opostas, a dos operários e dos burgueses. Esses trabalhadores 41 Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 95. 64 urbanos começaram a desenvolver ideais socialistas, comunistas e anarquistas, eles começaram a organizar-se em torno de sindicatos, assim uma articulação popular começava a se formar. Foi o futebol, o samba e o carnaval que deram ao Rio de Janeiro, a sensação de existência de uma comunidade, por cima e além das grandes diferenças sociais que sobreviveram e ainda sobrevivem. Negros livres, imigrantes, proletários e classe média encontraram aos poucos um terreno comum de auto-reconhecimento que não lhes era propiciado pela política. Deodoro da Fonseca, já não tinha mais suporte dos cafeicultores após o insucesso do Encilhamento. Por isso, fechou o Congresso Nacional e prendeu seus principais líderes. A oposição fez a greve dos trabalhadores da estrada de ferro central, enquanto isso, membros da marinha ameaçavam bombardear o Rio de Janeiro. Deodoro renunciou e o vice Floriano Peixoto assumiu, reabrindo o Congresso Nacional. Na revolução federalista participaram o partido republicano gaúcho presidencialista e o partido federalista parlamentarista. A Republica Velha compreende o período do domínio da oligarquia dos políticos paulistas (café) e mineiros (leite). Na republica do “café com leite” o número de eleitores passou de 1% para 10%. Contudo, os coronéis continuavam direcionando o rumo das eleições, pois a economia no Brasil era essencialmente agrícola e os coronéis tinham em suas fazendas grande número de trabalhadores, que dependiam do coronel para 42 Cf. Machado Neto. A. L. História das idéias jurídicas no Brasil, 1969, p.50. 65 sobrevivência essa grande influência exercida pelos coronéis sobre a sociedade marcou o período do coronelismo. Os coronéis obrigavam as pessoas que trabalhavam para ele a votarem nos candidatos por ele indicados. Esse candidato quando eleito direcionava sua política em favor do coronel. Esse voto aberto e prédeterminado ficou conhecido como “voto de cabresto”, uma vez que o cavalo é obrigado a seguir para onde o condutor deseja. A política dos governadores desempenhava o mesmo papel de corrupção dos coronéis, pois os governadores ajudavam a eleger deputados e senadores favoráveis ao presidente em troca da verba federal. O café representava mais de 50% das exportações nacionais, e o enorme poder dos cafeicultores no Brasil fez com que sua produção superasse qualquer barreira interna e crescesse além da necessidade do mercado externo, assim causando a baixa do valor do produto. Para resolver esse problema foi realizado o Convênio de Taubaté, onde os fazendeiros fizeram com que o governo comprasse o excedente da produção, com dinheiro emprestado de outros países, para a venda do produto quando o valor normalizasse. Porém, os cafeicultores continuavam a crescer não permitindo que o estoque do governo fosse vendido, e assim impossibilitando o pagamento da dívida. Muitos imigrantes vieram ao Brasil nessa época para trabalhar nas lavouras de café, 33% de italianos, 29% portugueses, 12% espanhóis e outros países em menor número. O estado que recebeu a maioria dos imigrantes foi São Paulo. O excesso de mão-de-obra, o lucro dos 66 cafeicultores e a 1ª guerra mundial ajudaram na formação das indústrias nacionais de calçados, roupas e materiais de construção. Os operários eram esmagados pela grande carga de trabalho, e pelas péssimas condições que os industriais ofereciam. Essa opressão deu origem ao movimento operário, com influências socialistas e anarquistas. Em 1917 foi realizada a primeira greve da classe operária, os conflitos e a paralisação obrigaram a elite a negociar com os trabalhadores. Porém, após a volta ao trabalho as negociações não foram cumpridas e os movimentos comunistas foram reprimidos com violência. A palavra messianismo deriva de messias, o salvador enviado por Deus, na história do Brasil o termo messianismo é usado para denominar os movimentos sociais sertanejos comandados por um líder religioso. Antônio Conselheiro liderou o povoado de Canudos por volta de 1893, no sertão baiano, mudaram para lá pessoas que não possuíam terras, vaqueiros, ex-escravos, perseguidos, e pobres em geral. Eles viviam sob o lema “a terra não tem dono, a terra é de todos”. O povoado de Canudos crescia com uma economia de subsistência, sem a cobrança de impostos e quase sem a propriedade privada. Sua população alcançou 30 mil habitantes, e começou a preocupar o governo que não recolhia imposto sobre o povoado. O governo federal enviou mais de sete mil homens para destruir o povoado, as pessoas foram mortas defendendo suas casas em 1897. Outro movimento messiânico ocorreu na fronteira entre o Paraná e Santa Catarina, numa região contestada pelos dois estados. Nessa área 67 moravam sertanejos, sem-terras, e trabalhadores que recebiam péssimos salários para trabalhar em duas empresas norte-americanas. As empresas trouxeram mais de oito mil trabalhadores de outros estados para a construção de uma linha de trem. Após o término do serviço, foram todos dispensados, sem dinheiro e sem emprego, organizaram uma nova sociedade. Os sertanejos do contestado organizaram-se sob a liderança do monge João Maria e José Maria. Assim como o povoado de canudos, eles viviam com economia de subsistência, independentes do estado e não pagavam impostos. Em 1916, o governo junto com as empresas norteamericanas atacou o povoado até com aviões de bombardeio, destruindo a civilização. No nordeste, grupos atacavam fazendas baseados na desigualdade social, eram os cangaceiros comandados por lampião. Em 1938 a polícia massacrou o movimento. O Rio de Janeiro, capital da república, enfrentava graves problemas: pobreza, mosquitos transmissores de doenças, desemprego, lixo amontoado nas ruas e ratos. O governo queria fazer do Rio de janeiro à cidade do progresso. Destruíram os casebres, ampliaram a rede de esgotos e fizeram o programa para controlar epidemias. O presidente decretou a lei da vacinação obrigatória, várias pessoas não entendiam que as injeções que continham o vírus seriam saudáveis, assim, não aceitavam a obrigatoriedade da vacinação, dando início a revolta das vacinas, patrocinada pelos opositores do governo. A revolta foi reprimida contando 30 mortos e 100 feridos. 68 Os marujos em 1910 se rebelaram contra as fortes punições do código de disciplina da marinha. Punições como a chibata, os baixos soldos e a má condição da marinha levaram João cândido, apoiado por 2000 marujos a apontar os canhões dos barcos da marinha contra a cidade do Rio de Janeiro, e disseram que se em 12 horas medidas não fossem tomadas os canhões seriam disparados. Assim, o governo prometeu acatar os pedidos dos marujos. Porém, quando os marujos baixaram as armas, foram presos e expulsos da marinha. O tenentismo foi um movimento político militar, que pretendia fazer reformas na República Velha. Queriam a moralização, o fim da corrupção eleitoral, o voto secreto, era contrário à exploração feita por empresas estrangeiras, queriam o ensino gratuito e obrigatório. Em 1922, trezentos homens reuniram-se no forte de Copacabana para impedir a posse do presidente Artur Bernardes, o forte foi cercado por tropas do governo, os rebeldes se entregaram menos 18 homens, que partiram para uma luta suicida. Paulistas e sulistas formaram a coluna Prestes, percorrendo o país divulgando idéias comunistas. Eram contrários aos impostos exorbitantes, a incompetência administrativa, a falta de justiça, a mentira do voto, o amordaçamento da imprensa, a falta de autonomia dos estados, a falta de legislação social, e o permanente estado de sítio. O ano de 1929 foi difícil para os cafeicultores, a quebra da bolsa nos Estados Unidos teve impacto em toda economia mundial, as exportações e o preço do café diminuíram drasticamente, levando muitos 69 cafeicultores a falência. O enfraquecimento econômico dos cafeicultores contribui para desmontar as bases políticas que sustentavam a República Velha, os paulistas romperam com o acordo da política do café-com-leite, assim os mineiros passaram a apoiar a candidatura de um sulista, Getúlio Vargas. 3.7 A ERA GETÚLIO VARGAS 3.7.1 O GOVERNO PROVISÓRIO Washington Luis foi deposto e Getúlio Vargas assumiu o cargo de chefe do governo provisório. A aliança liberal de Vargas defendia o voto secreto, as leis trabalhistas e o incentivo a produção industrial. Os operários lançaram a candidatura do operário marmorista Minervino de Oliveira, seu partido defendia o combate á plutocracia, impostos somente para os ricos, habitação operária, extensão e obrigatoriedade do ensino primário, voto secreto e obrigatório inclusive para mulheres, restabelecimento das relações com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Júlio prestes saiu vitorioso nas eleições, os líderes da aliança liberal afirmavam fraude nas eleições e aproveitaram a insatisfação popular para fazer uma revolução que derrubou Washington Luís e entregou o poder a Getúlio Vargas, que ficou no poder de 1930 até 1945, a Era Vargas que foi dividida em três períodos. O governo provisório de 1930 a 1934, o governo constitucional de 1934 a 1937 e o governo ditatorial 1937 a 1945. 70 No governo provisório, Getúlio suspendeu a Constituição de 1891, fechou o legislativo e indicou interventores militares para chefiar os governos estaduais, os cafeicultores de São Paulo estavam insatisfeitos com o governo de Getúlio, pois perderam seus privilégios. Eles organizaram a Revolução Constitucionalista de 1932, que queria a convocação da assembléia constituinte para colocar entre os legisladores “gente sua”. Após três meses de luta, os soldados paulistas foram derrotados, porém o objetivo político foi alcançado, foram convocadas eleições para a assembléia nacional constituinte. A Constituição foi promulgada em 1934 e trouxe consigo o voto secreto, direitos trabalhistas, e o nacionalismo econômico. Daí, nasceram dois grupos políticos: os integralistas que defendiam o combate ao comunismo, pregavam o nacionalismo extremado, a existência de um estado poderoso, disciplina e hierarquia dentro da sociedade, entrega do poder a um único chefe integralista, eram baseados no nazismo e no fascismo; e os aliancistas de Luis Carlos prestes que pregavam nacionalização das empresas estrangeiras, o não pagamento da dívida externa a realização da reforma agrária e a garantia das liberdades individuais. “Decreto 19.398. O Governo Provisório exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo até que eleita a Assembléia Constituinte estabeleça esta reorganização constitucional do país.” 71 No Governo Provisório foi criada a corte de apelações do Distrito Federal, e seis câmaras compostas por vinte e dois desembargadores. Neste mesmo decreto foi criada a Ordem dos Advogados do Brasil. “Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados dos Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo instituto da Ordem dos colaboração Advogados dos Brasileiros, Institutos dos com a Estados, e aprovados pelo Governo.” O código eleitoral de 1932 institui o voto secreto e possibilitou o voto feminino. Possibilitou também o voto a partir dos dezoito anos e a representação classista nos órgãos legislativos. 3.7.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1934 A Constituição foi publicada em 16 de julho de 1934 e preservava o federalismo, o presidencialismo, e o regime representativo. “Art. 1º A Nação brasileira, constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil, mantém como forma de governo, sob o regime representativo, a República proclamada em 15 de novembro de 1889. Federativa 72 Porém a autonomia estadual não foi respeitada nessa Constituição. “Art. 176. O mandato dos atuais governadores dos Estados, uma vez confirmado pelo presidente da República dentro de trinta dias da data desta Constituição, se entende prorrogado para o primeiro período de governo a ser fixado nas Constituições estaduais. Esse período se contará da data desta Constituição, não podendo em caso algum exceder o aqui fixado ao Presidente da República. Parágrafo único. O Presidente da República decretará a intervenção nos Estados cujos governadores não tiveram o seu mandato confirmado. A intervenção durará até a posse dos governadores eleitos, que terminarão o primeiro período de governo fixado nas Constituições estaduais.” Na Constituição de 1891 os Estados poderiam ter seus próprios códigos de processo, já a Constituição de 1934 não permitia tal situação. A autonomia dos municípios também sofre com a Constituição de 1934 quando ela autoriza a intervenção estatal no caso de não pagamento das dívidas para com o Estado. Além da nomeação de prefeitos em alguns municípios. 73 “Art. 13. Os municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e especialmente: I – a eletividade do prefeito e dos vereadores da Câmara Municipal, podendo aquele ser eleito por esta; II – a decretação dos seus impostos e taxas, e a arrecadação e aplicação das suas rendas; III – a organização dos serviços de sua competência. §1º O prefeito poderá ser de nomeação do governo do Estado no município da Capital e nas estâncias hidrominerais. §3º É facultado ao Estado a criação de um órgão de assistência técnica à administração municipal e fiscalização de suas finanças. §4º Também lhe é permitido intervir nos municípios, a fim de lhes regularizar as finanças, quando se verificar impontualidade nos serviços de empréstimos garantidos pelo Estado, ou falta de pagamento da sua dívida fundada por dois anos 74 consecutivos, observadas, naquilo em que forem aplicáveis, as normas do art. 12.” Uma das diferenças dessa Constituição referente ao poder executivo é a ausência do vice-presidente. “Art. 51. O poder executivo é exercido pelo Presidente da República.” Após a promulgação da Constituição de 1934, coube a Assembléia Nacional Constituinte eleger o Presidente da República. Getúlio Vargas assumiu a Presidência da República sob a seguinte manifestação da Assembléia. “A Assembléia Nacional Constituinte, sufragando o nome do Sr. Getúlio Vargas, para o exercício da suprema magistratura da República, no primeiro período presidencial (...), não fez mais do que obedecer à lógica (...). A prática de quaisquer instituições políticas, mesmo quando elaboradas com a preocupação de tornar seu funcionamento o mais independente possível do fator pessoal, representado pela mentalidade e pelo caráter dos estadistas colocados nos postos de suprema direção, fica sempre adstrita a esses elementos imponderáveis que decorrem da personalidade dos homens de governo...” 75 A escolha do próximo presidente seria feita de acordo com o artigo 51, §1º. “§1º A eleição presidencial far-se-á em todo o território da República, por sufrágio universal, direto, secreto e maioria de votos, cento e vinte dias antes do término do quadriênio, ou sessenta dias depois de aberta a vaga, se esta ocorrer dentro dos dois primeiros anos.” O legislativo continuava a cargo da Câmara dos Deputados e do Senado, porém a Constituição agora garantia a representação classista na Câmara. A imunidade parlamentar estendeu-se até ao flagrante, dependendo da autorização da sua casa para a formação da culpa. “Art. 31. Os Deputados são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício das funções do mandato. Art. 32. Os Deputados, desde que tiverem recebido diploma até a expedição dos diplomas para a legislatura processados subseqüente, não poderão ser criminalmente, nem presos, sem licença da Câmara, salvo caso de flagrância em crime inafiançável. Esta imunidade é extensiva ao suplente imediato do Deputado em exercício. 76 §1º A prisão em flagrante de crime inafiançável será logo comunicada ao Presidente da Câmara dos Deputados, com a remessa do auto e dos depoimentos tomados, para que ela resolva sobre a sua legitimidade de conveniência, e autorize, ou não, a formação de culpa.” Ao Senado cabia zelar pela Constituição e coordenar os três poderes. A ação direta de inconstitucionalidade foi uma inovação da Constituição de 1934. “Art. 79. É criado um tribunal, cuja denominação e organização a lei estabelecerá, composto de juízes, nomeados pelo Presidente da República na forma e com os requisitos determinados no artigo 74. Parágrafo único. Competirá a esse tribunal, nos termos que a lei estabelecer, julgar privativa e definitivamente, salvo recurso voluntário para a Corte Suprema nas espécies que envolverem matéria constitucional. Art. 96. Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental o Procurador-Geral da República 77 comunicará a decisão ao Senado Federal, para os fins do art. 91, nº IV, e bem assim à autoridade legislativa ou executiva, de que tenha emanado a lei ou o ato.” O controle de constitucionalidade também poderia ser exercido pelo Presidente da República. “Art. 45. Quando o Presidente da República julgar um projeto de lei, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário aos interesses nacionais, o vetará, total ou parcialmente, dentro de dez dias úteis, a contar daquele em que o receber, devolvendo nesse prazo, e com os motivos do veto, o projeto, ou a parte vetada, à Câmara dos Deputados.” A Constituição de 1934 criou conselhos técnicos para ajudar os políticos em problemas mais específicos, tornando as decisões menos políticas. “Art. 103. Cada ministério será assistido por um ou mais conselhos técnicos, coordenados, segundo a natureza dos seus trabalhos, em conselhos gerais, como órgãos consultivos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.” 78 O rol dos direitos e garantias individuais continuavam a crescer, porém sem eficácia, pois com as diferenças financeiras e com o domínio da máquina estatal para atender os interesses da elite, essas garantias não saíam do papel. “Art.113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos seguintes termos: (...)” A mudança social que o processo de industrialização trouxe, criando uma massa de operários, fez com que o direito do trabalho constasse na Constituição de 1934. Um aspecto interessante dessa Constituição era o enquadramento da justiça do trabalho fora do capítulo que tratava do judiciário, a maneira de resolver os conflitos entre empregados e empregadores até então era feita por comissões mistas de conciliação e juntas de conciliação e julgamento, que tinham por finalidade evitar conflitos que fossem perigosos para a política. Assim, a justiça do trabalho foi consagrada na Constituição de 1934 da seguinte forma: “Art.122. Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do 79 Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I. Parágrafo Tribunais do único. Trabalho e A das constituição dos Comissões de Conciliação obedecerá sempre ao princípio da eleição de seus membros, metade pelas associações representativas dos empregados, e metade pelas associações representações dos empregadores, sendo o presidente de livre nomeação do Governo, escolhido dentre pessoas de experiência e notória capacidade moral e intelectual.” O período entre as duas grandes guerras foi marcado pelo nacionalismo praticamente em todos os países, assim a Constituição de 1934 restringiu a política de imigrações, preconizou a estatização de empresas estrangeiras e nacionais, e fez algumas restrições aos estrangeiros no país. A educação passou a ganhar espaço na Constituição de 1934, pois a mão-de-obra operária necessitava de mais conhecimentos técnicos do que a mão-de-obra rural, e responsabilidade pela educação foi transferida à família e aos poderes públicos. Essa responsabilidade de diminuir o analfabetismo foi dividida com as empresas. 80 “Art 139 - Toda empresa industrial ou agrícola, fora dos centros escolares, e onde trabalharem mais de cinqüenta pessoas, perfazendo estas e os seus filhos, pelo menos, dez analfabetos, será obrigada a lhes proporcionar ensino primário gratuito.” O assistencialismo foi contemplado nessa Constituição, o Estado agora tinha a obrigação de cuidar dos seus cidadãos, reflexo da nascente cultura européia de um Estado de Bem Estar Social. 3.7.3 O ESTADO NOVO O governo Vargas começou a se preocupar com os ideais comunistas dos aliancistas e ordenou a prisão de seus líderes. Diante da repressão nasceu a intentona comunista, que foi rapidamente dominada pelas tropas do governo. O presidente fechou o congresso em 1937, e criou o Estado Novo, onde foi utilizado o estado de emergência, que permitia a ação do executivo sem a apreciação do judiciário. Os estados brasileiros perderam sua autonomia, o sistema federativo foi suprimido, partidos políticos foram extintos e as eleições democráticas suspensas, greves e manifestações foram proibidas, foi criado o poder parlamentar e o controle de imprensa e opinião popular, a educação recebia a ideologia governista. O governo Vargas procurou agir em defesa da cafeicultura, proibindo o plantio de novas mudas e queimando milhões de sacas estocadas do governo. O objetivo era evitar a superprodução e recuperar o preço do produto, além de incentivar a produção de algodão, cana-de-açúcar, óleos 81 vegetais e frutas tropicais, o governo preocupou-se em estimular o desenvolvimento industrial, aumentando os impostos de importação e diminuindo os custos da produção nacional. Com o crescimento industrial do sudeste, muitos desempregados do nordeste vieram em busca de emprego. A grande classe operária que se formava poderia apresentar problemas ao governo, assim Getúlio aproximou-se dos sindicatos, atendendo alguns pedidos, para evitar revoluções, em 1943 às leis trabalhistas foram reunidas na consolidação das leis do trabalho. Vargas, temendo revoltas dos grupos liberais, liderou a abertura democrática, concedeu anistia aos presos políticos e aos exilados, e com medo de um novo golpe, forças do exército obrigaram Vargas a renunciar. 3.7.4 O PLANO COHEN Na Europa pós-guerra, o fascismo e o comunismo ganhavam força após o conflito capitalista, assim, no Brasil, esses movimentos começavam a se organizar, porém sem força suficiente para tomar o poder. Getúlio Vargas percebendo que seu mandato estava chegando ao fim, aproveitou-se desses movimentos comunistas para permanecer no poder. Assim, forjou um documento chamado plano Cohen, de ação agressiva dos comunistas. 3.7.5 A CONSTITUIÇÃO DE 1937 Com o pretexto de salvar o Brasil dessa falsa ameaça, Getúlio decretou o fechamento do congresso e anunciou uma nova Constituição. 82 Apesar da Constituição de 1937 oferecer meios suficientes para o governo ditatorial de Getúlio Vargas, ela não fora respeitada, e a lei continuava com papel meramente ilustrativo nas mãos dos governantes. Essa Constituição nunca deixou de ser provisória, pois o plebiscito necessário a sua aprovação jamais ocorreu. “Art 187 - Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República.” Nessa Constituição não existe a tripartição dos poderes, o presidente da República era autoridade suprema da nação, o que gerou o retrocesso da lei brasileira a época do Império, porém sem a hipocrisia do poder moderador de D.Pedro. “Art 73 - o Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional, e superintende a administração do País.” Getúlio Vargas ficaria no poder apenas até o plebiscito supracitado, que nunca ocorreu. “Art 175 - O primeiro período presidencial começará na data desta Constituição. O atual 83 Presidente da República tem renovado o seu mandato até a realização do plebiscito a que se refere o art. 187, terminando o período presidencial fixado no art. 80, se o resultado do plebiscito for favorável à Constituição.” A independência dos Estados perante o governo federal não existia. Caso existisse um poder legislativo ele seria submetido aos interesses do Presidente. Contudo, o Poder Legislativo não chegou a existir na ditadura Vargas, pois o plebiscito encarregado de organizar tal Poder, não aconteceu. “Art 178 - São dissolvidos nesta data a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, as Assembléias Legislativas dos Estados e as Câmaras Municipais. As eleições ao Parlamento nacional serão marcadas pelo Presidente da República, depois de realizado o plebiscito a que se refere o art. 187.” Mesmo se chegasse a existir, o Poder Legislativo seria composto pela Câmara dos Deputados e um Conselho Federal, ou seja, não existiria um Senado, e este Conselho Federal estaria diretamente ligado ao Presidente. 84 O Poder Legislativo não teria independência, tendo em vista que seria também exercido pelo Chefe do Executivo. Os municípios também estavam subordinados ao Presidente, tendo em vista que os prefeitos seriam nomeados pelos governadores, e estes últimos nomeados pelo Presidente. “Art 27 - O Prefeito será de livre nomeação do Governador do Estado.” Sob a influência do fascismo italiano, a Constituição de 1937 criou o Conselho de Economia Nacional. Tendo como base o corporativismo, o Conselho era composto por representantes indicados por associações profissionais e sindicatos. A função do Conselho era a de oferecer acessória técnica e aproximar as classes produtoras junto ao Governo. O órgão máximo do Poder Judiciário voltou a ser chamado de Supremo Tribunal Federal, seus integrantes seriam escolhidos pelo presidente, e teriam muita dificuldade em declarar uma lei vinda deste inconstitucional. A parte da Constituição dirigida aos direitos e garantias individuais novamente teve caráter meramente ilustrativo, pois em uma ditadura o Estado de Direito fica subordinado a vontade do Presidente. A pena de morte estava prevista neste capítulo, e o rol de situações que ela poderia ser aplicada foi aumentado. No mesmo artigo foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda, com o intuito de controlar a imprensa e direcionar jornais e rádios a enaltecer o governo. 85 Mesmo com todos os direitos e garantias, o uso dos mesmos tinha como limite o bem público, as necessidades de defesa do bem estar, da paz e ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação. “Art 123 - A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e direitos, resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição. O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição.” A educação era de obrigação direta da família com assistência do Estado, o modelo populista de governo manteve o assistencialismo. “Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular. Art 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas 86 destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades.” A novidade ficou por conta da igualdade entre os filhos legítimos e naturais, pois o código civil de 1916 os tratava de forma diferenciada. “Art 126 - Aos filhos naturais, facilitandolhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a estes incumbem aos pais.” Foi incluída no currículo escolar a obrigatoriedade da educação física, educação moral e cívica e do trabalho, características estas provenientes do fascismo. “Art 131 - A educação física, o ensino cívico e o de trabalhos manuais serão obrigatórios em todas as escolas primárias, normais e secundárias, não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que satisfaça aquela exigência.” Todas as leis relativas ao direito do trabalho foram mantidas, pois Getúlio sustentava seu populismo com o apoio à classe operária através dos sindicatos. O imposto sindical era cobrado por cada trabalhador filiado 87 ao sindicato, portanto quanto maior o sindicato maior a renda que ele fornecia ao governo, e mais influente o sindicato se tornava. “Art 138 - A associação profissional ou sindical é livre. Somente, porém, o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participarem da categoria de produção para que foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles funções delegadas de Poder Público.” A Justiça do Trabalho continuava a ser mais um órgão de conciliação, pois não estava contida no capítulo que tratava do Poder Judiciário. “Art 139 - Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.” 88 3.7.6 A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E O FIM DO ESTADO NOVO A consolidação das leis do trabalho de 1943 foi resultado da luta operária que começou em meados de 1920 e ganhou força no governo Vargas, pois a inviabilidade do liberalismo clássico, onde o Estado jamais deveria intervir em questões privadas, era evidente. Com o aumento da massa operária passou a ser interessante para o governo e para os empresários negociar com um sindicato para evitar greves e revoltas que colocassem em perigo a organização econômica do país. Assim, Getúlio Vargas fez dos sindicatos as extensões do seu governo, e o corporativismo era o instrumento que dava a sensação de nacionalidade a massa operária. O código penal de 1940 teve como base o projeto elaborado por Alcântara Machado, que foi modificado por uma comissão para ser transformado em lei. Esse código apresentou-se com o pensamento neoclássico e o positivismo. O código de processo penal foi elaborado em 1941, também no período ditatorial de Vargas. Durante o período ditatorial, o direito era impraticável, num Estado onde a centralização de poder nas mãos do Poder Executivo, que utilizava o poder de polícia para atingir seus fins, através da tortura, censura extradição e mortes sem julgamentos. Esse retrocesso jurídico demonstra que o ser humano não evoluiu de fato com os ordenamentos jurídicos, estes últimos desenvolveram-se após constantes tragédias no curso da história, porém o ser humano não acompanhou esse desenvolvimento, e ainda dirigido pela lei do mais forte, arrumava uma maneira de sobrepor-se à lei para atingir seus objetivos. 89 Em 1942, o Brasil passou a apoiar as potências liberais na II Guerra Mundial, o que era uma contradição com o modelo político utilizado por Getúlio. As tropas que voltaram da guerra fizeram aumentar a movimentação rumo à redemocratização. Cedendo as pressões Getúlio permitiu a abertura de partidos políticos, e concedeu anistia política. A aceitação popular ainda era grande, e foi necessário um golpe dos opositores para tirar Getúlio Vargas do poder, portanto em 29 de outubro de 1945 ele foi obrigado a abandonar o poder, deste modo dando fim ao Estado Novo. Com o fim do Estado Novo, o general Dutra foi eleito para presidente, foi também eleita uma assembléia constituinte. A constituição de 1946 era liberal, atendia os interesses dos grandes empresários e não do povo, nela ficou estabelecida à República Federativa presidencialista, o voto secreto e universal (menos para analfabetos e militares de baixo escalão). O governo Dutra uniu-se ao bloco capitalista liderados pelos Estados unidos, rompendo relações com a União Soviética e acabando com o PC Do B, caçando seus parlamentares. Fez a estrada Rio São Paulo (Dutra) direcionou a economia do país aos interesses das empresas estrangeiras, o que destruiu a economia nacional. Nas eleições de 1950, Getúlio Vargas foi eleito, e retomou a economia nacionalista, criou a Petrobrás, e aumentou o salário mínimo em 100%. Os patrões, e o grupo internacionalista, começaram a fazer forte oposição ao governo popular de Getúlio, e os militares exigiam sua 90 renúncia. Getúlio recusou-se a deixar o cargo, escreveu uma cartatestamento ao povo brasileiro e cometeu suicídio. Juscelino Kubitscheck foi eleito na eleição posterior, era do partido de Getúlio, o que gerou a revolta dos opositores udenistas. Entre as metas do seu governo estavam a construção de usinas hidrelétricas, a implantação da indústria automobilística, a ampliação da produção de petróleo, a construção de estradas e a construção de Brasília. Suas obras foram feitas com empréstimos estrangeiros, multinacionais vieram ao Brasil controlando diversos setores, a economia internacionalizou, e a inflação aumentou. Ao final de seu mandato foi eleito Jânio Quadros candidato da oposição. Jânio era contrário ao comunismo, queria manter o país aberto ao capital estrangeiro, abriu relações com os países socialistas. Assim, sofreu ataque dos udenistas, acusado de abrir as portas do Brasil ao comunismo, renunciou em 1961. O vice João Goulart era do partido de Getúlio, reforçou a linha de governo nacionalista, anunciou a reforma agrária, educacional, eleitoral e tributária. Fez a lei de remessa de lucros, que limitava o envio de dólares das multinacionais ao exterior. Porém, em 31/3/1964 explodiu a rebelião das forças armadas contra o governo João Goulart, o presidente deixou Brasília rumo ao exílio político no Uruguai, era o início do Regime Militar. 91 3.7.7 A CONSTITUIÇÃO DE 1946 Em dezembro de 1945 foram convocadas eleições para Assembléia Constituinte, assim em setembro de 1946 foi aprovada a Constituição de 1946, que tinha como base a Constituição de 1934 e um alinhamento fortíssimo com os interesses dos Estados Unidos, líder do bloco capitalista pós-guerra. O Poder Executivo seria exercido pelo Presidente que teria um Vice como substituto, as eleições para os dois cargos era feita de maneira independente, pois o Vice Presidente seria eleito pelos próprios constituintes no primeiro mandato. O Vice Presidente seria também o Presidente do Senado, porém dessa vez essa mistura entre Legislativo e Executivo favorecia o Legislativo, pois o modelo econômico neoliberal temia um novo Executivo cheio de poderes. Dessa forma, os ministros por mais que fossem nomeados pelo Presidente da República, tinham o compromisso de prestar esclarecimento no Congresso. A força do legislativo era evidente, pois agora cabia aos Senadores aprovar membros indicados ao judiciário, suspender decretos, e instaurar comissões parlamentares de inquérito. “Art 63 - Também compete privativamente ao Senado Federal: I - aprovar, mediante voto secreto, a escolha de magistrados, nos casos estabelecidos 92 por esta Constituição, do Procurador-Geral da República, dos Ministros do Tribunal de Contas, do Prefeito do Distrito Federal, dos membros do Conselho Nacional de Economia e dos chefes de missão diplomática de caráter permanente; II - autorizar os empréstimos externos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Art 64 - incumbe ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Art 53 - A Câmara dos Deputados e o Senado Federal criarão Comissões de inquérito sobre fato determinado, sempre que o requerer um terço dos seus membros.” Como sempre, o novo poder dominante além de reprimir as injustiças do antigo modelo, passa a cometer novos abusos. “Art 47 - Os Deputados e Senadores vencerão anualmente subsídio igual e terão igual ajuda de custo. § 1º - O subsídio será dividido em duas partes: uma fixa, que se pagará no decurso do ano, 93 e outra variável, correspondente ao comparecimento. § 2º - A ajuda de custo e o subsídio serão fixados no fim de cada Legislatura. Art 51 - O Deputado ou Senador investido na função de Ministro de Estado, interventor federal ou Secretário de Estado não perde o mandato.” A autonomia do Poder Judiciário foi restaurada, e as garantias clássicas dos magistrados também. A eleição dos seus membros de direção não seriam mais ocupadas por pessoas indicadas pelo chefe do Executivo. A estrutura do Poder Judiciário era a seguinte, agora com a inclusão da Justiça do Trabalho no Poder Judiciário. “Art 94 - O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: I - Supremo Tribunal Federal; II - Tribunal Federal de Recursos; III - Juízes e Tribunais militares; IV - Juízes e Tribunais eleitorais; V - Juízes e Tribunais do trabalho.” 94 O Supremo Tribunal Federal seria composto por onze ministros indicados pelo Presidente e referendados pelo Senado. Foi criado o Tribunal Federal de Recursos, pois o Supremo Tribunal Federal estava sobrecarregado. “Art 103 - O Tribunal Federal de Recursos, com sede na Capital federal compor-se-á de nove Juízes, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, magistrados e um sendo dois terços entre terço entre advogados e membros do Ministério Público, com os requisitos do art. 99.” O controle de constitucionalidade era feito pelo Poder Judiciário, e cabia ao Senado apenas executar a decisão dos Tribunais. A Justiça do Trabalho deixou de ser um órgão de conciliação e passou a integrar o Poder Judiciário. “Art 123 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações, do trabalho regidas por legislação especial.” 95 A autonomia dos Estados voltou nesta Constituição, porém, os municípios não atingiram tal situação, tendo em vista a nomeação de prefeitos em algumas cidades. “Art 28 - A autonomia dos Municípios será assegurada: I - pela eleição do Prefeito e dos Vereadores; II - pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse e, especialmente, a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação das suas rendas; b) à organização dos serviços públicos locais. § 1º - Poderão ser nomeados pelos Governadores dos Estados ou dos Territórios os Prefeitos das Capitais, bem como os dos Municípios onde houver estâncias hidrominerais naturais, quando beneficiadas pelo Estado ou pela União. § 2º - Serão nomeados pelos Governadores dos Estados ou dos Territórios os 96 Prefeitos dos Municípios que a lei federal, mediante parecer do Conselho de Segurança Nacional, declarar bases ou portos militares de excepcional importância para a defesa externa do País.” O direito de voto era garantido aos alfabetizados maiores de dezoito anos, homens e mulheres, que tinham a obrigação de alistamento e de voto. A aliança do Brasil ao bloco capitalista na guerra fria, gerou uma grande discordância na Constituição de 1946, que pregava a liberdade e a democracia, porém proibia a abertura de certos partidos políticos de ideologia comunista. Ou seja, essa liberdade pregada pelos liberais possuía suas restrições quando seu interesse entrava em jogo. “Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 13 - É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer Partido Político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos 97 Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem.” 3.8 A DITADURA MILITAR Nos primeiros anos após a queda da ditadura de Vargas, ocorreram muitas greves, e o Presidente Dutra respondia de forma violenta, e colocou 143 sob intervenção. Um decreto passou a restringir o direito de greve garantido na Constituição, uma anomalia jurídica, pois nunca um decreto pode sobrepor-se a Carta Magna. Os liberais que criticavam fortemente à repressão do governo anterior, passaram a fazer uso dos mesmos meios violentos para manter a política econômica de acordo com os interesses do bloco capitalista, em detrimento dos interesses populares. Os Estados Unidos financiavam a economia brasileira para passar a impressão que todos os países que apoiavam seu bloco estavam prosperando, porém essa falsa prosperidade que o país atravessava e o constante aumento da massa operária urbana e seu descontentamento dirigia o Brasil para mais um período ditatorial. Esse falso período democrático estava insustentável, pois as grandes cidades acumulavam recursos de empresas estrangeiras, logo muitas pessoas vieram da área rural em decadência procurar seu sustento nas grandes cidades, assim teve início a formação das favelas. A economia do país estava longe de ser focada aos interesses do povo, a falsa República atendia apenas aos interesses da elite e do 98 mercado externo. Numa situação extrema, cabia apenas aos investidores estrangeiros financiar o exército para comandar o Brasil a força, tendo em vista a tamanha insatisfação popular gerada por esse modelo econômico capitalista. Mediante esse cenário, em 1964, as forças armadas articularam um golpe para tomar o poder de João Goulart, e instaurar novamente a ditadura no Brasil. João Goulart foi deposto por uma revolta militar, e a Constituição determinava que uma nova eleição fosse convocada em trinta dias. Enquanto isso, os militares ‘limpavam’ o legislativo para torná-lo um órgão que trabalhasse a seu favor. 3.8.1 3.7.1. O ATO INSTITUCIONAL Deste modo, após o golpe, os ministros militares publicaram um Ato Institucional para instalar uma nova ordem no país. O Ato Institucional estava acima do Poder Legislador e da Constituição, o culpado pela sua existência era o movimento comunista bolchevique. O Ato Institucional manteve a legislação vigente, porém manteve para si a capacidade de alterar qualquer dispositivo que achasse necessário. “Art 1º - São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respectivas Emendas, com as modificações constantes deste Ato.” 99 A eleição do Presidente e do Vice ficaria a cargo do Congresso, já ‘limpo’ pelos militares. “Art 2º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos terminarão em 31 (trinta e um) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dentro de 2 (dois) dias, a contar deste Ato, em sessão pública e votação nominal.” A capacidade de legislar do Presidente era quase plena, necessitava apenas da aprovação de um órgão submetido ao golpe. “Art 4º - O Presidente da República poderá enviar ao Congresso Nacional projetos de lei sobre qualquer matéria, os quais deverão ser apreciados dentro de 30 (trinta) dias, a contar do seu recebimento na Câmara dos Deputados, e de igual prazo no Senado Federal; caso contrário, serão tidos como aprovados. Parágrafo único - O Presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá solicitar que a apreciação do projeto se faça, em 30 (trinta) dias, em sessão conjunta do Congresso Nacional, na forma prevista neste artigo.” 100 Algumas garantias Constitucionais referentes ao Poder Judiciário foram suspensas, e o Poder Executivo agora poderia abrir inquéritos contra opositores e cassar mandatos. “Art 8º - Os inquéritos e processos visando à apuração da responsabilidade pela prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de atos de guerra revolucionária poderão ser instaurados individual ou coletivamente. Art 10 - No interesse da paz e da honra nacional, e Constituição, sem os as limitações previstas Comandantes-em-Chefe, na que editam o presente Ato, poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos.” Com o Ato Institucional em vigor cinco mil pessoas foram presas, dois mil funcionários público demitidos e trezentas e oitenta e seis pessoas tiveram seus mandatos cassados e seus direitos políticos cassados. Quatrocentos e vinte um oficiais foram punidos com a “morte civil”, a maioria das diretorias dos sindicatos dos trabalhadores foram depostas e mais de duzentas pessoas morreram no golpe de 1964. 101 A ditadura continuava a aumentar a repressão contra as pessoas consideradas ‘inimigas’ do Estado, e por incrível que pareça ainda pregavam a democracia para ir contra os comunistas. Duas medidas foram aprovadas, a Lei de Inelegibilidade, que barrava a candidatura de quaisquer ex ministro de João Goulart; e o Estatuto dos Partidos Políticos, para organizar a atividade política no Brasil. No fundo essas foram medidas de repressão destinadas a guiar os resultados das eleições para governador em 1965. Contudo, a oposição obteve vitória na maioria dos Estados, e pressões começaram a surgir para anular as eleições, e que os vencedores fossem investigados pelo Tribunal Militar. 3.8.2 3.7.2. O ATO INSTITUCIONAL Nº2 Essas pressões resultaram no Ato Institucional nº2, que sob o pretexto de dar continuidade à revolução, continuava a sobrepor-se ao sistema jurídico, fazendo o que bem entendesse com País, ele passou a ser um documento que valia mais que a Constituição, essa foi uma inovação nem um pouco jurídica dos militares brasileiros a serviço do bloco capitalista. Segue seu preâmbulo: A primeira modificação do Ato Institucional nº2, visava tomar o controle do Supremo Tribunal Federal, aumentando o número de Ministros de 11 para 16, esses 5 novos Ministros foram escolhidos de acordo com os interesses do Regime ditatorial. 102 "Art. 98 - O Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República e jurisdição em todo o território nacional, compor-se-á de dezesseis Ministros. Parágrafo único - O Tribunal funcionará em Plenário e dividido em três Turmas de cinco Ministros cada uma." O mesmo ocorreu com o Tribunal Federal de Recursos. "Art. 103 - O Tribunal Federal de Recursos, com sede na Capital Federal, compor-seá de treze Juízes nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, oito entre magistrados e cinco entre advogados e membros do Ministério Público, todos com os requisitos do art. 99. Parágrafo único - O Tribunal poderá dividir-se em Câmaras ou Turmas." Os crimes contra a segurança nacional passaram a ser julgados pelo Superior Tribunal Militar, ou seja, qualquer civil que atentasse contra a ditadura poderia ser julgado por tal órgão. “Art 8º - O § 1º do art. 108 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação: 103 "§ 1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares. § 1º - Competem à Justiça Militar, na forma da legislação processual, o processo e julgamento dos crimes previstos na Lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1963. § 2º - A competência da Justiça Militar nos crimes referidos no parágrafo anterior com as penas aos mesmos atribuídas, prevalecerá sobre qualquer outra estabelecida em leis ordinárias, ainda que tais crimes tenham igual definição nestas leis. § 3º - Compete originariamente ao Superior Tribunal Militar processar e julgar os Governadores de Estado e seus Secretários, nos crimes referido no § 1º, e aos Conselhos de Justiça nos demais casos.” O Poder Judiciário já não tinha mais poderes para julgar os atos praticados em nome da revolução. “Art 19 - Ficam excluídos da apreciação judicial: 104 I - os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo federal, com fundamento no Ato Institucional de 9 de abril de 1964, rio presente Ato Institucional e nos atos complementares deste; II - as resoluções das Assembléias Legislativas e Câmara de Vereadores que hajam cassado mandatos impedimento de eletivos ou Governadores, declarado o Deputados, Prefeitos ou Vereadores, a partir de 31 de março de 1964, até a promulgação deste Ato.” As eleições para Presidente e Vice Presidente, seriam feitas de forma indireta, pelo Congresso que já não possuía opositores ao regime ditatorial. Dessa forma, nasceram os dois únicos partidos da ditadura, o da oposição, o MBD, Movimento Democrático Brasileiro, que era controlado pela situação, e o Partido da situação, ARENA, Aliança Renovadora Nacional. “Art 18 - Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros. Parágrafo único - Para a organização dos novos Partidos são mantidas as exigências da Lei nº 105 4.740, de 15 de julho de 1965, e suas modificações.” Algumas das garantias constitucionais continuavam suspensas, e o poder do Presidente para suspender direitos políticos e cassar mandatos passou a ser ilimitado. E para os suplentes não gerarem confusão, eles também não assumiriam o cargo do político cassado. A cassação além do afastamento gerava outras conseqüências a pessoa punida. “Art 16 - A suspensão de direitos políticos, com base neste Ato e no, art. 10 e seu parágrafo único do Ato institucional, de 9 de abril de 1964, além do disposto no art. 337 do Código Eleitoral e no art. 6º da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, acarreta simultaneamente: I - a cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II - a suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; III - a proibição de atividade manifestação sobre assunto de natureza política; ou 106 IV - a aplicação, quando necessária à preservação da ordem política e social, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio determinado.” A aprovação do Congresso já não poderia mais gerar prejuízo a intervenção federal nos Estados. “Art 17 - Além dos casos previstos na Constituição federal, o Presidente da República poderá decretar e fazer cumprir a intervenção federal nos Estados, por prazo determinado: I - para assegurar a execução da lei federal; II - para prevenir ou reprimir a subversão da ordem. Parágrafo único - A intervenção decretada nos termos deste artigo será, sem prejuízo da sua execução, submetida à aprovação do Congresso Nacional,” 107 Os Poderes Judiciário e Legislativo estavam novamente subordinados ao chefe da Nação. “Art 30 - O Presidente da República poderá baixar atos complementares do presente, bem como decretos-leis sobre matéria de segurança nacional. Art 31 - A decretação do recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar do Presidente da República, em estado de sítio ou fora dele. Parágrafo único - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente, fica autorizado a legislar mediante decretos-leis em todas as matérias previstas na Constituição e na Lei Orgânica.” 3.8.3 3.7.3. O ATO INSTITUCIONAL Nº3 Com a aproximação das eleições de 1966, os opositores ganhavam cada vez mais simpatizantes, e por mais que as eleições não passassem de uma farsa, não seria interessante para os militares verem sua não aceitação, assim foi decretado o Ato Institucional nº3 com o intuito de dirigir as eleições. 108 “Art 1º - A eleição de Governador e ViceGovernador dos Estados far-se-á pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa, em sessão pública e votação nominal.” A eleição do Vice Presidente e do Vice Governador estaria vinculada à eleição do Presidente e do Governador respectivamente. “Art 2º - O Vice-Presidente da República e o Vice-Governador de Estado considerar-se-ão eleitos em virtude da eleição do Presidente e do Governador com os quais forem inscritos como candidatos.” Os prefeitos das capitais seriam indicados pelos governadores. “Art 4º - Respeitados os mandatos em vigor, serão nomeados pelos Governadores de Estado, os Prefeitos dos Municípios das Capitais mediante prévio assentimento da Assembléia Legislativa ao nome proposto.” E mais uma vez o Ato Institucional estava acima da apreciação do Judiciário. “Art 6º - Ficam excluídos de apreciação judicial os atos praticados com fundamento no presente Ato institucional complementares dele.” e nos atos 109 3.8.4 3.7.4. O ATO INSTITUCIONAL Nº4 E A CONSTITUIÇÃO DE 1967 O Ato Institucional nº4, serviu para convocar uma o Congresso Nacional, que estava fechado, para votar a Constituição de 1967. A equipe de convocada pelo Presidente preparou um projeto de Constituição que foi aprovado sem qualquer alteração pelo Congresso. Não que o projeto não precisasse de mudanças, é que o Congresso fazia papel meramente ilustrativo neste momento brasileiro. A Constituição de 1967 era o conjunto da Constituição de 1964 subtraídos os pontos democráticos e somados os Atos Institucionais. O Poder Executivo sobrepunha-se aos demais, inclusive para apurar crimes contra a ordem nacional, e a ordem política. “Art 8º - Compete à União: (...) c) a apuração de infrações penais contra a segurança nacional, a ordem política e social, ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União, assim como de outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; d) a censura de diversões públicas.” A questão legislativa também era competência do Presidente. 110 “Art 58 - O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não resulte aumento de despesa, poderá expedir decretos com força de lei sobre as seguintes matérias: I - segurança nacional; II - finanças públicas. Parágrafo único - Publicado, o texto, que terá vigência imediata, o Congresso Nacional o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação o texto será tido como aprovado.” Alguns artigos desta Constituição demonstravam o pouco prestígio que a Lei possuía, pois era no mínimo desrespeitoso escrever esses artigos na atual situação. “Art 84 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente: (...) II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados; 111 III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;” Isso fica mais evidente na parte que versa sobre direitos e garantias individuais, que eram praticamente inexistentes de fato. A oposição crescia cada vez mais, a insatisfação com o Governo era enorme, e a forte repressão passou a unir quem antes era inimigo, para lutar contra a ditadura. A resposta aos rebeldes veio com a criação de movimentos como o CCC, Comando de Caça aos Comunistas, e o Movimento Anticomunista. 3.8.5 3.7.5. O ATO INSTITUCIONAL Nº5 Assim sendo, diante a crescente oposição, os militares decretaram o Ato Institucional nº5, alegando que a lei vigente não era suficiente para manter a ordem no País, como se os militares utilizassem as mesmas para governar. Agora a figura do Presidente tinha mais poderes que o Imperador, a dominação do Brasil sob os movimentos do bloco capitalistas prendiam a política nacional de maneira parecida à época da colonização. “Art 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a 112 funcionar quando convocados pelo Presidente da República. § 1º - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.” O pacto federativo já não tinha mais valor, pois a intervenção presidencial era total. “Art 3º - O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição. Parágrafo único - Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.” A cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos geravam conseqüências cada vez mais fortes. 113 O Estado de Sítio que suspendia todas as garantias constitucionais também ficava a cargo do Presidente. O Habeas Coprpus foi suspenso para os crimes políticos. “Art 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus , nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.” O regime militar foi ditatorial, os membros do governo não se mostravam dispostos a dialogar com os diversos setores da sociedade, as decisões eram tomadas de cima pra baixo por meio de decretos (atos institucionais), assim o regime militar foi restringido as instituições democráticas. A ditadura reduziu o número de partidos políticos á dois, controlando ainda o partido de oposição, cassou o direito de voto para o executivo, impôs censura aos meios de comunicação, perseguiu, exilou e matou opositores. O novo modelo econômico concentrava a renda nas classes altas e médias, e marginalizava a classe baixa. Castelo branco assumiu o poder em 1964, apoiado pelos Estados Unidos, por multinacionais e por grandes empresários, acabou com a lei de remessa dos lucros, acabou com os direitos trabalhistas, combateu o socialismo e criou a lei de segurança nacional, que perseguia opositores. Costa e Silva assumiu o poder sobre fortes manifestações populares, os parlamentares responsabilizavam o regime militar pela 114 violência. Diante essa situação o governo decretou o AI5, fechando o congresso, dando amplos poderes ao presidente, seus atos não seriam mais submetidos ao judiciário. O general Médici assumiu o poder em 1969, aumentou a repressão e suspendeu os direitos fundamentais do cidadão. O governo passou a investir na propaganda para dominar o povo, financiou a Rede Globo para difundir os ideais da ditadura. O governo Médici teve o período curto do “milagre brasileiro”, o desenvolvimento econômico baseado em um empréstimo do exterior, gerou a longo prazo o aumento da dívida externa e o início de uma longa crise econômica. Com o fracasso econômico, o general Ernesto Geisel dizia-se disposto a devolução gradual do poder aos civis, foram abertas as eleições livres para o legislativo em 1974, e o partido da oposição teve vitória esmagadora. Com medo de perder o poder o governo decretou que um terço dos senadores seriam escolhidos pelo presidente (senadores biônicos), e a economia internacional já não estava mais disposta a emprestar dinheiro ao Brasil. Mediante muitas críticas, João Batista Figueiredo assumiu o poder com compromisso de realizar a abertura política e reinstalar a democracia no Brasil. Os movimentos sindicalistas cresceram, muitas greves foram organizadas, Luís Inácio Lula da Silva, presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC ganhava destaque. A redemocratização começou a aparecer, foi dada anistia a perseguidos políticos, o fim do bipartidarismo, novos partidos surgiam para disputar as eleições diretas para governador, 115 contudo, á dívida externa já prendia a economia nacional aos interesses do FMI (fundo monetário internacional), a inflação chegava a 100% ao ano, e a falta de investimentos gerou alto índice de desemprego. A má distribuição de renda continuava com a política do economista. Delfim Neto: “é preciso fazer o bolo crescer para depois reparti-lo”. 3.9 A REDEMOCRATIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DE 1988 O governo militar colaborou com a defasagem da economia do Brasil, diversos setores da sociedade queriam o fim da ditadura militar e a democratização do país. Foi proposta uma emenda constitucional que instituía as eleições diretas, porém a maioria dos parlamentares estava ligada ao governo militar e a emenda não foi aprovada. Ocorreram as eleições diretas, Tancredo Neves foi eleito, mas faleceu antes de assumir o cargo e o vice José Sarney assumiu. Sarney ficou no poder de 1985 a 1990, tinha ligações com o partido que apreciava a ditadura militar, o PDS, que colocou Paulo Maluf para concorrer com Tancredo, o mesmo partido que votou contra a emenda das eleições diretas. José Sarney precisava melhorar sua imagem, lançou o plano cruzado para conter a inflação, trocando a moeda cruzeiro pelo cruzado, fez o congelamento dos preços das mercadorias, e o reajuste automático dos salários sempre que a inflação atingisse 10%. Produtores e comerciantes retiravam os produtos de circulação aguardando o remarque do preço, impossibilitando o sucesso do plano cruzado. O congresso reuniu-se em 1987 para formar a assembléia constituinte que promulgou a constituição federal de 1988, vigente até hoje. 116 A constituição trouxe a liberdade de expressão, de locomoção, o voto nas eleições públicas, a liberdade dos partidos políticos, a educação, a previdência social, o lazer, a segurança pública, a igualdade de todos perante a lei, dessa forma a nova constituição veio com a intenção de garantir a todos a cidadania. Após três anos sem eleições diretas para presidente, os brasileiros foram às urnas em 1989, elegendo Fernando Collor de Mello para o cargo. Collor lançou um plano econômico que confiscou 80% do dinheiro que circulava no país, acabou com o cruzado e restabeleceu o antigo cruzeiro, sem conseguir conter a inflação, e com o surgimento de várias denúncias de corrupção, foi aberta uma CPI para investigar seu governo. Estudantes saíram ás ruas de cara pintada, aclamando o impeachment de Collor, e pedindo ética e dignidade na política. O impeachment foi aprovado pela câmara federal em 1992, e Collor foi afastado. O sucesso do plano real ajudou eleger Fernando Henrique Cardoso em 1994, seu governo privatizou muitas empresas públicas, criou a reeleição, assim sendo reeleito em 1998. O Brasil é um dos campeões mundiais da Desigualdade Social, a democracia é aparente, ineficaz, só existe no corpo da lei. O desafio do momento é a redistribuição de renda e a democratização do poder. Esse breve relato da História do Brasil demonstra que desde o início, o Direito possui papel secundário no país, criado e direcionado pelas 117 elites econômicas que se utilizam do poder público como instrumento para atingir fins particulares. 118 4 A VALIDADE DO DIREITO NACIONAL E A AUSÊNCIA DE EFICÁCIA A idéia de ordem e justiça foi traduzida no Brasil, dos séculos XIX e XX, através do positivismo de Hans Kelsen e sua Teoria Pura do Direito. Nesse sistema, o quesito da validade é de extrema importância, pois a norma emanada pela autoridade competente, dentro da hierarquia do sistema vigente, cumpre os requisitos para estar vigente. Assim, muitos problemas brasileiros foram resolvidos apenas na letra fria da lei, uma vez que a criação dessas leis não modificou a realidade43, tendo em vista a inexistência de preparação do Estado e da sociedade para recepcionar a nova norma, gerando uma falsa impressão de desenvolvimento. Exemplos claros desta situação podem ser apontados na Constituição Federal de 1988. Pobreza, marginalização, e desigualdades não foram erradicadas. “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;” 43 “O núcleo da Constituição (direitos fundamentais, democracia, etc) é atingido. Os órgãos estatais não a cumprem, pelo contrário, a ignoram e a violam incessantemente. Os seus dispositivos são utilizados apenas de maneira retórica, visando manter a legitimação política dos governantes”(Bercovici. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 312) 119 As cadeias desvirtuam mais ainda os presos, não existe a garantia de integridade moral e física constante na lei. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;” Os direitos a educação, lazer, moradia, saúde entre outros que tornam esta a Constituição cidadã, não existem para a maioria da população. “Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Outros exemplos já foram citados ao longo do trabalho em outros períodos históricos, como a inexistência de liberdade para os escravos mesmo após as leis abolicionistas, a questão dos direitos e garantias fundamentais na época do Regime Militar, entre outros. 120 Esse distanciamento entre a lei e a realidade ocorreu devido à inexistência de eficácia as normas jurídicas, eficácia que não faz parte dos requisitos da análise positivista do direito. Esse positivismo atendeu a necessidade de justificação dos atos da elite burguesa, que não podia controlar o Estado como os monarcas faziam, e precisavam de respaldo jurídico para validar sua opressão. 44 Em outros períodos o povo e os burgueses enfrentavam o absolutismo dos Reis, hoje os burgueses passaram a opressores e deram ao povo leis bem elaboradas como pretexto de igualdade, como se elas fossem as armas suficientes para sobreviver em meio à política capitalista do mercado, porém leis sem eficácia, são como armas sem munição. Dessa forma, o absolutismo monárquico e a falsa democracia de mercado não se diferenciam em nada. 45 A crise da eficácia não pode ser superada no interior do positivismo jurídico, que isola o direito de outras questões. Desta forma, a ligação entre o direito e outras áreas de atuação social se faz necessária para dotar a lei de eficácia para o perfazimento da justiça. 46 44 “Não podemos escapar à evidência de que a civilização iniciada pela Revolução Industrial aponta de forma inexorável para grandes calamidades. Ela concentra riqueza em benefício de uma minoria cujo estilo de vida requer um dispêndio crescente de recursos não renováveis e que somente se mantém porque a grande maioria da humanidade se submete a diversas formas de penúria, inclusive a fome. Uma minoria dispõe dos recursos não renováveis do planeta sem preocupar-se com as conseqüências para as gerações futuras do desperdício que hoje ela realiza.”(Furtado. O Capitalismo Global. 1998, p.65). 45 “a sua efetividade contraria setores política e economicamente poderosos. A Constituição só é concretizada no que interessa a estes grupos privilegiados.”(Bercovici. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 312) 121 5 EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO O planejamento educacional de qualquer sociedade deve responder às marcas e valores dessa sociedade, desenvolvendo a consciência crítica do homem no contexto que ele possa intervir. Assim, a democracia brasileira só será efetiva após um processo educacional que prepare o povo para mudar a cultura paternalista e assistencialista, suprimindo a inexperiência democrática do país. A antidemocracia representada pela irresponsabilidade do brasileiro, sem voz e sem ação. As pessoas residentes no Brasil não chegam a constituir um povo, mas sim uma grande massa. Entende-se por povo um conjunto de pessoas ligadas por laços culturais e territoriais, que questionam e participam conscientemente das escolhas e dos caminhos seguidos pela sua comunidade. Entende-se por massa um agrupamento de pessoas carente de vínculos ideológicos, um grupo sem identidade própria, que se move por inércia reflexa das atividades de um agente exterior a sua vontade. O Brasil ficará sempre à mercê de grupos controladores enquanto a massa não adquirir consciência coletiva para tornar-se um povo. Fica difícil falar de política, ética e moral em um país criado e manipulado para servir interesses externos. Essa mudança messiânica, de fora pra dentro nunca vai ocorrer. É necessário que a população brasileira se emancipe 46 Cf. Bittar. O Direto na Pós- Modernidade, 2005, p. 181. 122 através de um sistema educacional como o desenvolvido por Paulo Freire para que o país comece a ter uma identidade própria. 47 A história do Brasil demonstra a urgência dessa conscientização das massas, pois somente um povo educado e preparado para ser livre pode alcançar efetivamente as conquistas apresentadas pela democracia. A educação como prática de liberdade prega uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política. Diferente dos moldes educacionais atuais que buscam apenas a qualificação da mão de obra através de conteúdos puramente técnicos. 48 Dessa forma, a educação deve implicar num trabalho com o povo e nunca sobre o povo. As elites acostumadas aos privilégios nunca se interessaram na educação como alavanca para o progresso. A questão se apresenta da seguinte forma, as classes populares sempre foram domesticadas ao gosto das classes dominantes, como não é mais possível contar com a dominação física, torna-se indispensável manipulá-las de modo que não extrapolem certos limites e continuem a atender aos interesses da classe dominante. Uma demonstração clara da opressão fantasiada de democracia está na questão do voto. Anteriormente somente para os alfabetizados, como a maioria da população brasileira era analfabeta o poder estava concentrado nas mãos de poucos. Após a lei estender o voto a toda população, a manipulação das massas através do marketing, jingles, e 47 “O que se precisa afirmar e até reforçar, porém, é que o povo não passa de um estágio para o outro, sem compromissos ou disposições mentais.” (Freire. Educação e Atualidade Brasileira. 3ª Edição, p.71). 123 outros artifícios, permitiu a classe dominante continuar isolada no comando dos rumos do país, pois a falta de educação para a liberdade impede o voto consciente. 49 O homem de hoje deixou de ser sujeito para ser objeto, dominado pela força dos mitos e da publicidade, renuncia a sua capacidade de decidir. E quando julga e questiona, cai no anonimato nivelador da massificação. Dessa forma, o homem questionador, que no passado sofria coação estatal, hoje é diluído junto à massa, impossibilitado da convivência autêntica, perde sua fé e desiste de sua luta. 50 Quando uma classe popular vislumbra o jogo político das elites e tende a agir, é suprimida e domesticada por meio de uma solução paternalista, que atende a interesses momentâneos sem excluir a relação de dependência entre eles. As preocupações da massa não ultrapassam as questões biológicas, o homem não consegue estabelecer um vínculo com sua existência, tem um plano de vida quase vegetativo, já que sua consciência é regulada pelos meios de manipulação da massa. 51 Não há de se falar de ética quando não existe opção, o comportamento ético tem como condição a escolha entre dois caminhos, a 48 Cf. Freire, Paulo. Educação e Atualidade Brasileira. 3ª Edição, p.20. “E ai está todo o problema pois do ponto de vista desta pedagogia da liberdade, preparar a democracia não pode significar apenas preparar para a conversão do analfabeto em eleitor, isto é, para uma opção limitada pelas alternativas estabelecidas por um esquema preexistente. Se esta educação só é possível enquanto compromete o educando como homem concreto, ao mesmo tempo o prepara para a crítica das alternativas apresentadas pelas elites e da-lhe a possibilidade de escolher seu próprio caminho” (Freie. Educação como prática da liberdade.29º ed. p.30). 50 “Daí a crítica permanentemente presente em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e sua recusa inflexível ao sonho de utopia.” (Freire. Pedagogia da autonomia. 34º ed, p.14). 49 124 partir do momento que a capacidade de discernimento foi retirada do homem, a ética também esvaece. 52 O homem segue uma direção como se esta fosse opção sua, porém sem perceber é conduzido, e ajuda a construir os alicerces da sua própria dominação, quem antes era um espectador sem compromisso passou a ser um participe ingênuo. O movimento histórico brasileiro demonstra a falta de experiências democráticas em seu curso. O paternalismo gerado pela exploração econômica da colônia impossibilitava o diálogo entre a massa produtora e os comandantes, tudo vinha de cima para baixo, através de uma hierarquia que produzia na sua parte inferior uma classe de mudos. Mesmo quando boas atitudes eram tomadas, elas vinham como uma graça cedida pelo Senhor, e nunca como um direito, ou uma conquista popular, o Brasil oscilou entre o poder dos Senhores e do Governo Geral. Esses benefícios cedidos à massa brasileira, constituem a base do assistencialismo, que deforma e domestica o homem, que se torna cada vez mais inapto a resolver seus próprios problemas, e acaba se sujeitando a realidade para usufruir de tais benefícios. 53 Qualquer ação que pretenda conservar o brasileiro de braços cruzados, como um espectador do processo histórico nacional, compromete o desenvolvimento democrático do país. 51 Cf. Freire. Paulo. Educação como prática da liberdade. Paz e Terra. Ed.29. P.67. “Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo e se careço de responsabilidade não posso falar em ética.” (Freire. Pedagogia da autonomia. 34ºed.P.19) 53 “O assistencialismo, ao contrário, é uma forma de ação que rouba ao homem condições à consecução de uma das necessidades fundamentais da alma humana – a responsabilidade.” (Freire. Educação e Atualidade Brasileira. 3ºed. P.16) 52 125 Essa ausência de relação política entre as diferentes classes, favoreceu a preponderância de interesses particulares sobre o público. Tudo girava em volta do poder exacerbado, assim pessoas almejam aproximar-se dos poderosos ao invés de buscar direitos. Essa aproximação é motivada pela máxima “aos amigos tudo – aos inimigos a lei.” Assim, a sociedade brasileira não caminhou rumo à democracia, o sistema democrático foi implantado de fora para dentro, o que impossibilitou a eficácia desse sistema. Dessa forma, o Brasil é uma sociedade formalmente democrática, que ainda vive a mercê de interesses externos das elites sábias sobre a massa ignorante. A sociedade não estava e ainda não está preparada para viver nos moldes democráticos. Pois um regime democrático só pode ser construído pelo povo, é impossível fazer a democracia sem o povo, o que aconteceu no Brasil, foi que o povo assistiu à Proclamação da República Democrática. 54 Não estava preparada, pois não existe uma consciência popular democrática, e sim uma massa acostumada ao messianismo, que ao invés de traçar os próprios caminhos por meio de uma consciência coletiva, caminha cada vez mais rumo ao individualismo, como se não fizesse parte de um todo, as pessoas esperam que as melhorias públicas sejam dadas por um messias. 54 Cf. Freire. Paulo. Educação como prática da liberdade. Paz e Terra. Ed.29. P.87. 126 Portanto, deve-se equiparar a população brasileira as conquistas jurídicas formalmente consagradas na lei, através da emancipação pela educação. 127 6 BALANÇO CRÍTICO REFLEXIVO O surgimento do Brasil para o cenário mundial foi vinculado as necessidades européias de expansão econômica do século XV. Os portugueses restringiram a colonização brasileira a uma mera exploração econômica, não se importando com os reflexos sociais, que estavam totalmente subordinados a acontecimentos financeiros. Esses reflexos, carentes de base humanista, deram origem a grande parte da cultura nacional. 55 O processo de ocupação territorial das capitanias hereditárias revestiu os capitães com o papel de reis, absolutos em seus territórios, suas vontades eram sinônimos do direito, característica centralizadora e verticalizadora, presente até os dias atuais. A comunicação entre comandantes e comandados inexistia, a suposição européia de superioridade cultural, misturada com a necessidade de mão de obra gratuita, deram origem a escravidão e ao paternalismo. A hierarquia e a desconsideração da massa trabalhadora como grupo de pessoas capazes de direitos56, iam se solidificando através das mudanças econômicas que o mercado externo impunha ao Brasil. 55 “estrutura hierárquica do espaço social que determina a forma de uma sociedade fortemente verticalizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece.” (Chauí. Brasil, mito fundador e sociedade autoritária, p. 89). 56 “O outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido como subjetividade nem como alteridade.” (Chauí. Brasil, mito fundador e sociedade autoritária, p. 89). 128 Dessa forma, o Pau Brasil, o açúcar, o ouro, a borracha, e o café entre outros, sempre foram explorados por meio de um modelo centralizador, voltado aos interesses de mercado, em detrimento da massa trabalhadora. Nesses moldes a maioria da população brasileira viveu sem pátria, distante e com receio das organizações estatais, sem o reconhecimento da sua cultura. Do outro lado, o país formou-se sem povo, já que país sempre esteve nas mãos das oligarquias e seus interesses econômicos, gerando uma indiferença entre o público e o privado. Assim cresceu o Brasil, das relações de subordinação entre os portugueses e os índios, dos senhores de engenho e os escravos, dos coronéis e seus comandados, dos industriais e os operários. Nota-se que trocam os atores, porém sem mudar o enredo. O enredo nunca mudou, pois o Brasil nunca passou por uma revolução popular, os movimentos populares nacionais foram sempre reprimidos, com violência para a massa e com a compra dos líderes, a massa nacional nunca formou um corpo com solidez suficiente para romper com essa cultura de parasitas e hospedeiros. A cultura implantada impossibilita essa mudança, pois a maioria das pessoas busca chegar ao poder para usufruir dos benefícios que ele oferece, e não para lutar por direitos ou mudanças, logo são facilmente compráveis, portanto para que o poder possa vir de baixo para cima, o modelo preexistente não pode ser copiado por quem toma o poder. 129 A relação paternalista e assistencialista são partes de um modelo de dominação, onde os dominados não fazem por merecer conquistas, vivem na inércia, sendo manipulados, e recebendo “favores” da classe dominante, que por sua vez, se mantém no poder domesticando a massa de acordo com seus interesses. Assim, a massa brasileira, inerte, desconexa, e sem identidade, espera, em vão, a vinda de um Messias, enraizado na cultura senhoril de hierarquia, para resolver todos os problemas da nação de cima para baixo. 57 Outra conseqüência reflexa da formação de um país voltado a atender interesses econômicos externos é a falta de soberania. O Brasil já foi comandado por interesses portugueses no período da colônia, a “independência” foi conseqüência de uma série de acontecimentos europeus ligados a revolução industrial inglesa e a França de Napoleão. Desse modo a proclamação da república foi conseqüência das pressões inglesas que determinaram o fim da escravidão no país. No período pósguerra marcado pela guerra fria, a ditadura brasileira foi financiada pelos Estados Unidos para que o país atendesse aos interesses políticos do bloco capitalista. Assim, com a globalização, e a superação das multinacionais que se tornaram empresas meta estatais, o Brasil vive a mercê do jogo econômico de investidores que romperam as barreiras nacionais. 57 “pois sempre me impressionou a conjunção de um povo tão achatado junto a um sistema de relações pessoais tão preocupado com personalidades e sentimentos; uma multidão tão sem rosto e sem voz, junto a uma elite tão rouca de gritar por suas prerrogativas e direitos; uma intelectualidade tão preocupada com o coração do Brasil e, no entanto, tão voltada para o último livro francês; uma criadagem que passa tão despercebida e patrões tão egocêntricos; uma sociedade, enfim, tão rica em leis e decretos racionais, mas que espera pelo seu D. Sebastião, o velho e ibérico pai de todos os renunciadores e messias.” (Matta. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, p. 17). 130 CONCLUSÕES O caminho da evolução histórica do direito no Brasil pode ser dividido em duas faces. A primeira demonstra que as leis evoluíram em favor da justiça, assim como a extinção da escravidão, a separação dos poderes do Estado, a igualdade entre os sexos, religião, raça, liberdade de imprensa, de ir e vir, voto universal, entre outros. A segunda demonstra que todos esses avanços não ocorreram pelo desenvolvimento moral do ser humano, e sim pela necessidade econômica das classes dominantes em demonstrar defeitos numa ordenação vigente para derrubar o sistema, assim, uma nova ordem seria instaurada no Brasil, e passaria a oprimir tanto quanto a anterior, distanciando-se da sua carga moral. Dessa forma a evolução é apenas aparente, já que a lei não possui eficácia, e a massa brasileira não consegue fazer uso dos benefícios legais, permanecendo no satatus quo. Dessa forma, resta um espaço a ser preenchido entre a lei e o povo. O trabalho procurou elucidar o processo de elaboração das leis, o universo paralelo inacessível a maioria da população. Deixando claro que o universo cultural brasileiro deve ser estudado, pois é nesse espaço que se consolidam os costumes, e o direito como fenômeno cultural deve nutrir-se dos anseios sociais. A aproximação entre a massa e a lei deve ser feita em dois passos. Primeiro como já foi dito, desenvolvendo o ordenamento jurídico de 131 acordo com a cultura nacional. Segundo, transformando a massa brasileira em um povo, capaz de legitimar o sistema democrático. O presente estudo buscou trazer uma contribuição para a história da cultura jurídica brasileira, tornando relativos alguns pontos absolutos da história jurídica nacional, questionando a importação de ordenamentos provenientes de revoluções estranhas ao cotidiano brasileiro. Por fim, demonstra-se que essa importação jurídica serviu aos interesses das elites econômicas, que sempre fizeram uso dessas ordenações alienígenas com o intuito patrimonial, relegando aos brasileiros um papel secundário na história nacional. 133 BIBLIOGRAFIA BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2001. BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O Direito na Pós-Modernidade. São Paulo: Forense, 2005. BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003. CASTRO, Flavia Lages. História do Direito Geral e Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. DE CICCO, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2006. DE CICCO, Cláudio. Direito, Tradição e Modernidade. São Paulo: Ícone, 1995. DE CICCO, Cláudio. Hollywood na Cultura Brasileira. São Paulo: Convívio, 1979. 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