Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 ÍNDICE I.FÍSICA DOS ULTRA-SONS E ARTEFACTOS 3 II.FÍGADO 19 III.VESICULA E VIAS BILIARES 29 IV.PÂNCREAS 37 V.BAÇO 45 VI.PAREDE DIGESTIVA 51 VII.APARELHO URINÁRIO E GENITAL 63 CORTES ECOGRÁFICOS FUNDAMENTAIS 70 PLANOS ABDOMINAIS E VALORES DE REFERÊNCIA 78 REFERÊNCIAS DE ESTUDO 80 1 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 AUTORES: ANA NUNES Interna de Gastrenterologia ANA REBELO Interna de Gastrenterologia BRUNO ROSA Interno de Gastrenterologia FERNANDO CASTRO POÇAS Assistente Hospitalar Graduado de Gastrenterologia MARGARIDA FERREIRA Assistente Hospitalar de Gastrenterologia MIGUEL BISPO Assistente Hospitalar de Gastrenterologia PEDRO BARREIRO Interno de Gastrenterologia PEDRO BASTOS Assistente Hospitalar de Gastrenterologia ROSA FERREIRA Interna de Gastrenterologia SÍLVIA LEITE Assistente Hospitalar de Gastrenterologia SÓNIA FERNANDES Assistente Hospitalar de Gastrenterologia TERESA MOREIRA Assistente Hospitalar de Gastrenterologia TERESA PAIS Interna de Gastrenterologia 2 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 I. FÍSICA DOS ULTRA-SONS E ARTEFACTOS Teresa Pais e Sónia Fernandes* A correcta interpretação das imagens ultra-sonográficas baseiase no conhecimento das propriedades das ondas de som. As ondas de som consistem num distúrbio mecânico de um meio, seja um gás, um sólido ou um líquido, sob a forma de pressão que alterna áreas de compressão e rarefacção. Os ultra-sons são ondas de igual natureza, mas cuja frequência é superior ao limite detectável pelo ouvido humano (> 20 kHz.) As alterações de pressão, registadas ao longo do tempo, formam as unidades básicas de medição do som (Figura 1.1): Figura 1.1 – Esquema de onda acústica *Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia 3 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Ciclo: É o conjunto de uma onda de compressão e uma onda de rarefacção. A distância entre uma onda de compressão e a onda de rarefacção seguinte denomina-se comprimento de onda. Período: É o tempo necessário para completar um ciclo. Amplitude: É a diferença máxima de separação de um ponto no ciclo em relação à posição de equilíbrio, ou seja, a altura máxima da onda. Em toda a onda material, a intensidade num ponto depende da amplitude de vibração naquele ponto. Assim, a amplitude da onda é a intensidade relativa de energia acústica. A amplitude diminui à medida que o som se propaga através do corpo. A intensidade da energia acústica pode ser expressa em decibéis (dB), calculado como a razão de intensidades: dB = 10 log (I/Io) onde I é a intensidade do feixe em qualquer ponto e Io a intensidade inicial Frequência: É o número de ciclos por unidade de tempo. A unidade de frequência é o Hertz (Hz), equivalente a um ciclo por segundo. O período (T) e frequência (f) são inversamente proporcionais (f = 1/T) Velocidade: É a distância percorrida pela onda por unidade de tempo. Como mencionado previamente, a onda sonora é uma série de compressões e rarefacções transmitidas num meio. Assim, o meio é necessário para que se propaguem as ondas, determinando a sua velocidade. A velocidade nos diferentes meios é distinta, definindo4 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 se para os tecidos moles uma velocidade média de 1.540 m/s (Tabela 1.1). Ar 331 m/s Parênquima hepático 1.549 m/s Parênquima esplénico 1.566 m / s Músculo 1.568 m / s Média dos tecidos moles humanos 1540 m / s Osso 3.360 m/s Tabela 1.1 - Velocidade de propagação do som nos tecidos humanos. A Impedância define-se como a medida de oposição de um meio à propagação das ondas e resulta do produto entre a densidade do meio e a velocidade do som no mesmo. Expressa-se pela seguinte fórmula: Z = v d ×(Z = impedância, d = v, densidade = velocidade da onda sonora). FORMAÇÃO DO ECO Todos conhecemos o fenómeno que ocorre quando emitimos um som forte à beira de um desfiladeiro e, após alguns segundos, começamos a receber o som em menor intensidade. Os sons que percebemos são os ecos do som emitido. Isto ocorre quando os sons emitidos atingem perpendicularmente o outro lado do desfiladeiro, 5 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 encontram um meio diferente do ar, e são reflectidos de volta ao ponto de partida. O som é transmitido em todas as direcções através do ar. Ao colidir com uma superfície de densidade diferente, uma parte segue esse novo meio mas outra é reflectida. Este segundo som é o eco do som inicialmente emitido e será recebido por um ponto emissor como um som do mesmo tom e timbre, mas menos intenso e atrasado no tempo. O mesmo se aplica à ultra-sonografia. Durante a progressão do ultra-som através de um meio, uma parte é reflectida quando encontra, no seu percurso, um meio diferente, produzindo ecos. A fronteira ou zona de contacto entre os dois meios é chamada de "interface" e é a este nível, dependendo das diferenças de capacidade para conduzir o som, que se produzem os ecos. (Figura 1.2). Figura 1.2a. - Propagação das ondas sonoras através de três tecidos diferentes com suas interfaces correspondentes. Em cada interface apenas uma pequena parte da onda sonora original (→) é reflectida como um eco (←). 1.2b. - Maior diferença de interfaces. Como resultado, a onda reflectida será maior que em “a”. Se a reflexão é total, o som não progride, criando uma sombra chamada "sombra acústica" 6 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 A diferença na capacidade de conduzir o som (tabela de velocidade), entre os diferentes tipos de tecido, é muito pequena. No entanto, as suas densidades são suficientemente diferentes para criar interfaces capazes de os diferenciar na imagem. Apenas o ar e o osso diferem acentuadamente dos outros tecidos humanos em termos da velocidade de condução das ondas sonoras. Quando a onda se encontra com estes dois meios, o resultado é uma reflexão total, não restando nenhum som atrás capaz de gerar uma imagem. Portanto, um dos objectivos durante a observação é evitar o ar intestinal ou a presença de uma costela, através da manipulação do transdutor. Neste aspecto, a pressão do transdutor sobre a parede abdominal e a aplicação do gel de contacto sobre a pele/superfície a explorar, desempenham um papel decisivo. Como já mencionado, a imagem de ultra-som é gerada pela reflexão nas interfaces. Os sons reflectidos que se recebem são geralmente aqueles que incidem perpendicularmente. Portanto, nas imagens em escala de cinzento, é importante explorar perpendicularmente ao objecto de interesse para adquirir a melhor reflexão. O som que não é reflectido é refractado, ou muda de direcção, ao atravessar a interface (Figura 1.3). 7 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 1.3 - Reflexão e refracção de uma onda ATENUAÇÃO DO ECO A onda de som perde, gradualmente, intensidade ao longo do seu percurso, sendo este fenómeno designado de amortecimento ou atenuação. Esta perda depende das características da onda emitida e das propriedades do meio no qual ela se propaga. Em geral, para tecidos moles, significa que um feixe de ultra-som com uma frequência de 1 MHz, perde 1dB de amplitude por cada cm que percorre. A propagação do som é, portanto, finita. A atenuação do ultra-som ao propagar-se através de um meio é diferente consoante a sua frequência. Um ultra-som de baixa frequência é capaz de alcançar uma profundidade maior que um ultra-som de alta frequência (Figura 1.4). 8 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 1.4 - Variação da atenuação do eco em diferentes frequências de US. A atenuação da intensidade do ultra-som de 3.5 MHz é menor, em comparação com a do ultra-som com frequência de 10 MHz. COMPENSAÇÃO DA PERDA DE INTENSIDADE DO ECO: O GANHO Os ecógrafos têm um mecanismo para compensar a perda de intensidade do ultra-som quando progride num meio físico. Como o ecógrafo mede tempos, amplifica os ecos em função do tempo a que eles vão chegando à sonda. Ou seja, acrescenta um ganho artificial aos ecos mais profundos. Este ganho ou amplificação é denominado compensação do ganho no tempo (Time Gain Compensation). Nem todos os órgãos atenuam o som na mesma proporção. Assim, é possível modificar os ganhos em função da profundidade (tempo), através de elementos de regulação, modificável para cada nível de profundidade. Esta manobra é chamada de ajuste da curva de ganho, um factor fundamental para obter uma imagem de qualidade. 9 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Na avaliação de um indivíduo magro, com pouco tecido adiposo, o ultra-som perde muito menos energia para atravessar as suas estruturas do que num indivíduo obeso. Para compensar esta perda global de energia acústica, o ecógrafo tem a capacidade de adicionar uma amplificação artificial a todos os ecos recebidos independentemente da profundidade. Esta ampliação é denominada ganho global e também pode ser modificada pelo examinador. Ao amplificar dos ecos, aumentamos também os ecos de fundo (artefactos, ruído), e a imagem perde parte da sua nitidez. Por isso, é conveniente trabalhar com o ganho global mínimo possível para obter uma imagem adequada. RESOLUÇÃO A resolução refere-se à nitidez e ao detalhe da imagem, dividindo-se em dois tipos: • A resolução axial (em profundidade) é a distância mínima entre dois pontos reflectores situados no trajecto longitudinal do feixe, necessária para produzir reflexões distintas (Figura 1.5a). Esta melhora com frequências do feixe mais altas. Portanto, mais MHz, maior a resolução. Mas tem uma contrapartida: o aumento da frequência diminui a penetração, porque aumenta a atenuação (perda de energia de ondas acústicas ao atravessar o meio). 10 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 • A resolução lateral é definida como a distância mínima entre dois pontos perpendiculares à trajectória do feixe também necessária para produzir reflexões distintas (Figura 1.5b). A resolução lateral nunca é tão boa como a axial e depende principalmente do diâmetro do material piezoeléctrico. Figura 1.5 - Resolução axial ou em profundidade (a) e resolução lateral (b). O feixe de ultra-som tem duas áreas principais: campo proximal (zona de Fresnel) e o campo distal (zona de Fraunhofer) (Figura 1.6). Para a aplicação clínica, a área de interesse deve situarse na região proximal entre o transdutor e o foco. O feixe começa a divergir no campo distal, o que tende a prejudicar a qualidade da imagem. Nos ecógrafos modernos, com múltiplos emissoresreceptores no transdutor, podem realizar-se focalizações electrónicas dinâmicas, o que melhora significativamente a resolução lateral em profundidades diferentes. 11 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 1.6 - Campo proximal, foco, e campo distal ECOGENICIDADE Na ultra-sonografia, conseguimos distinguir os diferentes tecidos ou órgãos, graças às suas diferenças na capacidade de conduzir a onda de ultra-som. Tecidos com muitas diferenças ou saltos na impedância acústica produzem muitos ecos aparecendo na imagem como "claros" ou hiperecogénicos. Pelo contrário, os órgãos com poucos saltos de impedância aparecem "escuros" ou hipoecogénicos. Os líquidos homogéneos (bile, sangue, cistos, ascite) conduzem a onda de ultra-som sem causar nenhum salto na impedância, aparecendo "negra" ou anecogénicos. A quantidade de diferenças de impedância que um tecido condiciona na onda de ultra-som é independente da sua densidade. As densidades físicas não são representadas na imagem do ultra-som. Um exemplo é a esteatose hepática, que aparece na TC com menor densidade, mas hiperecogénico em relação ao parênquima normal na 12 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 ecografia. Isto é devido à infiltração gordurosa que condiciona um aumento nas alterações de impedância, apesar da diminuição da densidade. O feixe de ultra-som é produzido no transdutor, que utiliza o efeito piezoeléctrico de certos cristais naturais como o quartzo (ou, na actualidade, de porcelana sintética). Este efeito converte energia eléctrica em energia mecânica. Inicialmente uma estimulação de alta voltagem faz vibrar o cristal na sua frequência de ressonância gerando assim o ultra-som. O material piezeléctrico pode também converter a energia mecânica em eléctrica, que permite que o transdutor possa enviar e receber ondas acústicas. TRANSDUTORES Na ecografia abdominal são utilizados principalmente três tipos de transdutores: - Transdutor sectorial: Gera uma imagem em forma de leque que é mais estreita na proximidade do transdutor e que é cada vez mais ampla à medida que aumenta a profundidade de penetração. Uma vantagem deste tipo de transdutor é permitir a obtenção de imagem através dos espaços intercostais (Figura 1.7a). 13 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 1.7a – Transdutor sectorial - Transdutor Linear: Envia ondas de ultra-som paralelas entre si, produzindo uma imagem rectangular. Uma vantagem é a boa resolução espacial na proximidade do transdutor (usando, preferencialmente, frequências altas próximas a 10 MHz). São úteis para o diagnóstico das doenças dos tecidos moles (como parede abdominal) (Figura 1.7b). Figura 1.7b – Transdutor linear - Transdutor convexo: É um tipo misto entre os dois tipos de transdutores descritos acima. É aquele que se utiliza maioritariamente na ultra-sonografia abdominal, com frequências entre 2,5 e 6 MHz. (Figura 1.7c). Existem, actualmente, transdutores multifrequência que permitem aumentar a frequência central ou média em crianças e doentes magros ou diminuir em pacientes obesos. Recorda-se que quanto maior for a frequência, melhor será o 14 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 poder de resolução, mas que a penetração será mais baixa, de modo que a escolha do transdutor em função da estrutura a estudar é fundamental. Figura 1.7c – Transdutor convexo ARTEFACTOS Os artefactos são imagens exibidas no ecrã do monitor e que não correspondem a ecos reais. Podem provocar erros de interpretação, mas em outras ocasiões podem ajudar-nos a compreender melhor a imagem (gás, pedras, cistos). Alguns dos artefactos mais comuns são: Reverberação - Os ecos reflectidos, no seu regresso, encontram de novo interfaces ou saltos de impedância que os enviam de novo para a profundidade. Aqui são novamente reflectidos para retornar ao transdutor com algum tempo de atraso. Este é codificado pelo transdutor, erradamente, como profundo. Na imagem aparecem como linhas transversais ao feixe e cobrem o campo proximal (Figura 1.8). Este artefacto pode ser diminuído ao reduzir o ganho. 15 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Fig 1.8 Reverberação Reforço Acústico Posterior - Ocorre quando o ultra-som atravessa um meio sem interfaces no seu interior, normalmente líquido. A porção do som que atravessa este meio vai sofrer menos atenuação do que porções vizinhas que atravessam estruturas sólidas. Consequentemente, as estruturas situadas atrás dele terão uma maior riqueza de ecos, mas esta não é a sua verdadeira natureza (Figura 1.9). Fig 1.9 Reforço Acústico Posterior Sombra acústica - Ocorre quando a onda sonora atinge uma interface entre duas estruturas com elevada diferença de impedâncias. A onda de ultra-som é totalmente reflectida, deixando 16 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 uma sombra posterior (Figura 1.10). As estruturas que condicionam reflexão total são calcificações (litíase, granulomas), ossos (costelas) ou ar (gás intestinal). Este último, além de produzir sombras acústicas pobres em ecos, pode produzir artefactos por vibração ou reflexão múltipla, que são ricos em ecos (em cauda do cometa). Fig 1.10 Sombra acústica Refracção - quando um feixe que incide tangencialmente a uma superfície curva, como um quisto, sofre fenómenos de refracção e dispersão condicionando uma sombra marginal (Figura 1.11). Fig 1.11 Refracção Imagem em espelho - O equipamento de ultra-som assume que o som é transmitido numa linha recta, e interpreta todos os ecos 17 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 provenientes do eixo central do feixe. Quando as ondas de ultra-som não seguem uma linha recta podem formar falsas imagens. Geralmente, esses ecos são perdidos, não retornando ao transdutor e não produzindo imagens. A imagem em espelho ocorre quando as ondas de ultra-som são desviadas ao colidir com uma superfície côncava, como o diafragma. Quando essas ondas reflectidas posteriormente, de volta para o diafragma, são novamente desviadas na direcção oposta, retornando ao transdutor. O equipamento processa estas ondas como estando localizadas atrás do diafragma, gerando uma dupla imagem em espelho em relação à área que as desviou. Fig 1.12 Imagens em espelho da bexiga (à esquerda) e de quisto hepático simples (à direita) 18 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 II. FÍGADO Teresa Moreira e F. Castro Poças* A Ecografia constitui um método de imagem extremamente útil para o estudo do abdómen superior, sendo de fácil execução, indolor, sem radiação e amplamente disponível. É, assim, o exame de imagem de primeira escolha para estudo da patologia hepática. As desvantagens são a elevada dependência do operador, a necessidade de estabelecer os achados durante o exame e a documentação de imagem não-estandardizada. O uso do Doppler e de numerosas técnicas diagnósticas e terapêuticas guiadas por ecografia acrescentam inúmeras possibilidades a esta técnica. ANATOMIA O fígado é um órgão muito acessível ao exame ecográfico devido à sua localização, estrutura e dimensões. Trata-se de um órgão toraco-abdominal, que apenas ultrapassa o bordo costal na região epigástrica, ocupando a região subfnica direita, prolongandose para a região epigástrica e, por vezes, para a região subfrénica esquerda. *Hospital Santo António – Porto 19 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 O fígado é envolvido por uma cápsula fina e hiperecóica, que é dificilmente identificada em ecografia a não ser que esteja rodeada por líquido ascítico. O parênquima hepático, homogéneo, é atravessado por estruturas vasculares e ligamentos. O próprio fígado constitui uma excelente janela acústica para visualização de outros órgãos e grandes vasos do abdómen superior. Os ligamentos hepáticos são estruturas lineares, hiperecóicas. O ligamento falciforme, separa os lobos direito e esquerdo e está situado na margem superior do fígado, sendo melhor visualizado quando rodeado de líquido ascítico. Envolve o ramo esquerdo da veia porta sendo conhecido como ligamento redondo à medida que desce na direcção infero-anterior do fígado. O ligamento venoso separa o lobo caudado do resto do fígado. As dimensões do fígado são difíceis de quantificar, havendo uma grande variação inter-individual. O tamanho deverá ser avaliado subjectivamente, olhando particularmente para a margem inferior do lobo hepático direito, que não deverá ultrapassar o pólo inferior do rim direito. Uma variante do normal, o lobo de Riedel, representa um prolongamento inferior do segmento VI abaixo do pólo inferior do rim direito. Anatomicamente o fígado é dividido em 2 lobos: o lobo hepático direito e o esquerdo, pelo ligamento falciforme. O lobo caudado (segmento I) é considerado uma estrutura à parte dos 2 20 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 lobos, localizando-se entre a veia cava inferior, posteriormente, e o ligamento venoso, anteriormente. A distribuição da veia porta e a drenagem pelas veias hepáticas tem relevância na distribuição por segmentos do parênquima hepático (segmentação hepática segundo Couinaud – Figura 2.1). Figura 2. 1 – Segmentação hepática (segundo Couinaud). A veia porta é formada pela confluência da veia esplénica e da veia mesentérica superior. No hilo a veia porta divide-se em 2 ramos num ângulo de aproximadamente 90°. O ramo esquerdo é longo; tem incialmente uma direcção oblíqua, cranialmente e para a esquerda, fazendo depois um ângulo recto e dispondo-se num plano praticamente sagital. O trajecto na sua porção terminal é posteroanterior, descrevendo uma curva de concavidade inferior. Termina 21 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 em fundo de saco (recesso de Rex). O ramo direito é curto; oblíquo em direcção cranial e direita, prolongando a direcção do tronco da veia porta; divide-se rapidamente em 2 ramos, anterior e posterior. A veia porta e seus ramos estão envolvidas numa bainha de tecido conjuntivo, hiperecogénica, que as faz sobressair facilmente do resto do parênquima. Também nos espaços porta, corre um ramo da artéria hepática e canalículo biliar, que habitualmente são demasiado pequenos para serem detectados na ecografia nas zonas mais periféricas, mas podem ser identificados nas zonas mais centrais. A nível do hilo hepático, a artéria hepática cruza anteriormente a veia porta, e o ducto biliar principal situa-se em posição anterior a estes (Figura 2.2). Figura 2.2 – Hilo hepático. Existem três veias supra-hepáticas, esquerda, média e direita. São responsáveis pela drenagem venosa do fígado, dirigindo-se à veia cava inferior (VCI). A drenagem venosa do lobo caudado não 22 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 depende das veias hepáticas, mas de vénulas que drenam directamente para a face anterior da VCI. O curso das veias hepáticas é aproximadamente perpendicular aos ramos da veia porta. Ao contrário dos ramos porta, as veias hepáticas não estão envolvidas por uma bainha fibrosa, sendo por isso menos ecogénicas. AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA DO FÍGADO É usada uma sonda convexa, com frequências permutáveis (2 a 5 MHz). O exame é realizado habitualmente com frequência de 3,5 MHz, embora em indivíduos magros o uso de frequências de 5 MHz possa ser útil. Tanto a profundidade de penetração como a resolução podem ser melhoradas, assim como a supressão de artefactos, por ajustes técnicos, como o uso das “harmónicas”. A avaliação ecográfica adequada requer um jejum de 6 a 8 horas. O exame realiza-se com o doente em decúbito dorsal, podendo a posição para decúbito lateral esquerdo melhorar a visualização do fígado e em especial do hilo hepático. Recomenda-se a realização de uma breve anamnese e exame físico do abdómen antes do início do exame. De forma a obter uma janela acústica adequada, é necessário que o doente realize uma inspiração profunda e a mantenha durante alguns segundos. 23 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 O fígado deve ser avaliado duma forma sistemática, em diferentes planos. Devem ser realizados cortes sagitais, transversais, oblíquos e intercostais (Figura 2.3). Figura 2.3 – Principais cortes a realizar na avaliação ecográfica do fígado. Lembramos que todas as posições da sonda são utilizáveis para o exame do parênquima hepático e que é fundamental, perante uma imagem anómala ou duvidosa, o estudo em pelo menos dois planos perpendiculares. Em cada exame realizado deverão ser avaliados os seguintes parâmetros: tamanho do fígado (habitualmente na linha médioclavicular ou ao nível do plano mediano do fígado, sendo os limites propostos de 12 a 13 cm e 15 a 16 cm, respectivamente), homogeneidade e textura do parênquima, a superfície do fígado, a presença ou ausência de lesões focais, a patência dos vasos (veia porta e veias supra-hepáticas) e os ductos biliares intra e extra24 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 hepáticos. A ecogenecidade do parênquima hepático é descrita em comparação com o córtex renal. A área em torno do fígado é avaliada para a presença de adenopatias, ascite e veias colaterais. Devemos ter a certeza que observamos a totalidade do parênquima hepático. Temos que procurar identificar as estruturas que nos servem como ponto de referência: hilo hepático (veia porta, via biliar principal, artéria hepática), ramos da veia porta e veias supra-hepáticas. Iniciamos o exame com corte sagital, à esquerda do apêndice xifóide; o transdutor é depois movimentado para a direita paralelamente ao eixo longitudinal do corpo. No corte sagital ao nível do epigastro podemos observar o lobo hepático esquerdo, e o lobo caudado posicionado em frente à veia cava inferior (Figura 2.4). A medição do lobo caudado tem interesse nos casos de cirrose hepática, e na síndrome de Budd-Chiari (normal <35 mm ou relação segmento I / espessura do fígado esquerdo, num corte ao nível dos segmentos I e IV, <0,30). 25 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 2. 4 – Corte sagital no epigastro: lobo hepático esquerdo, lobo caudado e VCI. A figura 2.5 mostra um corte sagital, subcostal ao nível da linha médio-clavicular direita, onde se observa o lobo hepático direito e o rim direito, onde se pode avaliar as dimensões do fígado, bem como a sua ecogenicidade comparando com o córtex renal. Figura 2. 5 – Corte sagital, subcostal, ao nível da linha médio-clavicular direita. 26 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 A figura 2.6 mostra um corte transversal ao nível do eixo da veia porta e seu ramo direito, que habitualmente segue uma direcção horizontal. É possível observar neste corte vários segmentos do parênquima hepático: IV, V e VI. É possível ainda observar o ligamento redondo (*), sob a forma de uma imagem arredondada, hiperecogénica. Figura 2. 6 – Corte transversal, ao nível do eixo da veia porta e seu ramo direito. A figura 2.7 mostra um corte oblíquo, subcostal, em inspiração profunda, com a habitual morfologia “estrelada” das veias suprahepáticas, observando-se a sua parede caracteristicamente pouco ecogénica. O seu diâmetro junto à VCI é habitualmente inferior a 1 cm. 27 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 2. 7 – Corte oblíquo, subcostal, em inspiração profunda. Finalmente, a figura 2.8 mostra um corte ligeiramente oblíquo, com um corte longitudinal da vesícula biliar, podendo observar-se a veia porta na região do hilo (calibre <13 mm), e a sua extensão até a bifurcação nos ramos direito e esquerdo. Figura 2. 8 – Corte “ligeiramente” oblíquo, com veia porta e sua ramificação. 28 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 III. VESÍCULA E VIAS BILIARES Pedro Bastos* A patologia do sistema biliar é muito frequente na prática clínica. A avaliação de doentes com dor no hipocôndrio direito ou outros sintomas em que a patologia biliar deve ser procurada/excluída faz parte do nosso dia-a-dia. A ultra-sonografia deve ser o primeiro exame na suspeita de doença vesicular e dá indicações valiosas ou fornece o diagnóstico na maior parte dos casos. No estudo da colestase e das doenças das vias biliares deve também ser o primeiro exame pela sua inocuidade e por indicar o segmento de obstrução. Necessita, neste último caso, frequentemente de ser complementada por ultra-sonografia endoscópica e/ou CPRM e/ou CPRE, dependendo do caso clínico, experiência local e necessidade de abordagem terapêutica. A ecografia trata-se de um exame simples, seguro, barato e facilmente acessível, com elevada sensibilidade e especificidade na detecção de litiase e obstrução biliar. A visualização do sistema biliar é excelente ao nível da vesícula, das vias biliares intra-hepáticas e dos 2/3 proximais da via biliar principal (VBP). No entanto é difícil ao nível do ducto cístico e na porção distal do colédoco. Este aspecto *Hospital de Braga 29 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 diminui a capacidade diagnóstica do exame quando o problema (cálculo, tumor, etc…) reside nestes segmentos. As principais limitações desta técnica de imagem residem sobretudo no facto de ser um exame operador-dependente, e na avaliação de doentes obesos ou com interposição de gás intestinal. ANATOMIA A vesicula biliar é uma estrutura sacular, com a forma de “pêra” ou “lágrima”, situada na fossa vesicular, na parte posterior do lobo hepático direito. Divide-se em fundo, corpo, infundíbulo (“bolsa de Hartmann”, a porção do corpo que se une ao colo) e colo. Localiza-se lateralmente à 2ª porção duodenal e anteriormente ao rim direito e cólon transverso. Quando totalmente distendida, mede cerca de 10 cm de comprimento e 3 cm de diâmetro, contendo aproximadamente 50 ml de bile (valores médios). AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA DA VESÍCULA BILIAR Para o estudo ecográfico é utilizada geralmente uma sonda convexa, com frequências permutáveis entre os 2 e os 5 MHz. Idealmente, a avaliação da vesicula deve ser realizada com o doente em jejum (6 a 8 horas), uma vez que a vesicula é assim melhor visualizada, apresentando-se totalmente distendida. Além do 30 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 mais, o jejum reduz o ar intestinal melhorando as condições do exame. Em situações de urgência, o exame deve ser realizado, obviamente, mesmo com a vesícula parcialmente contraída. Recomenda-se a realização de uma breve anamnese e exame físico do abdómen antes do início do exame. O exame inicia-se com o doente em decúbito dorsal, alterando depois a posição para decúbito lateral esquerdo (um conteúdo “livre” no interior da vesícula irá mobilizar-se com a mudança de posição). Por vezes, para demonstrar a mobilidade do conteúdo pode também ser pedido ao doente que se sente ou mesmo que assuma a posição vertical. Para visualizar melhor a vesícula é conveniente pedir ao doente que inspire profundamente e sustenha a respiração de forma a fazer descer o fígado e vesícula abaixo da grelha costal (melhor janela ecográfica). Deverão ser usados vários cortes para o estudo da vesícula e vias biliares (sagitais, transversais e oblíquos) (Figura 3.1). 31 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 3.1 – Corte sagital (a) e transversal (b) da Vesicula Biliar Como referências úteis para a localização da vesícula são uteis o bordo do lobo hepático direito e o hilo hepático. No corte subcostal oblíquo direito, a estrutura a usar como referencia é a fissura interlobar e a vesícula poderá ser encontrada alinhando a sonda com a fissura e depois inclinando-a ligeiramente (Figura 3.2). Figura 3.2 – Vesicula Biliar no corte subcostal obliquo direito A vesícula encontra-se inferior ou lateralmente à fissura (entre os segmentos IV e V). A vesícula normal possui paredes finas (1-3 mm) e conteúdo anecóico. Se o doente não tiver o jejum adequado a vesícula estará parcialmente contraída e as paredes parecerão mais 32 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 espessas. Caso ocorram dificuldades na exploração da vesícula por abordagem sub-costal, como por exemplo no caso de interposição gasosa, a mesma pode ser realizada de forma eficaz por abordagem intercostal. O canal cístico pode ser ocasionalmente visualizado partindo do infundíbulo da vesícula, e é mais fácil com o doente em inspiração profunda e em decúbito dorsal ou lateral esquerdo. Existem alguns parâmetros que podem ser optimizados de forma a obterem-se imagens de maior qualidade da vesícula e da sua patologia: usar a frequência máxima: 5 MHz ou superior pode ser útil em vesículas de localização muito anterior. colocar o foco na parede posterior da vesícula. alterar o ganho parcial de forma a diminuir ou eliminar artefactos anteriores ou ecos de reverberação. utilizar a 2ª harmónica para reduzir artefactos e aumentar a nitidez da parede vesicular. Há ainda algumas variantes anatómicas e morfológicas que convém enumerar: Barrete frígio – É a mais frequente variação anatómica, consistindo numa vesícula alongada e com múltiplas angulações, por vezes mesmo com um divertículo no fundo. 33 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Duplicação da vesícula – entidade rara, em que a vesícula é dividida por um septo. Pode ser confundida com liquido pericolecístico. Ausência congénita da vesícula biliar (frequência=0,03) Vesícula “ectópica” com ligamento mesentérico longo, podendo estar localizada inclusivamente na cavidade pélvica. Pode ocorrer o oposto, em que a vesícula se encontra como que embutida no parênquima hepático. Espessamento da parede vesicular - A espessura da parede vesicular normal é de 2 mm. Quando acima de 3 mm considera-se alterada, frequentemente devido a alterações inflamatórias. Convém não esquecer que o espessamento pode não ser devido a doença primária da vesícula, como são os casos observados na ausência de jejum e em doentes com ascite, hipoproteinémia ou hepatite aguda. AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA DAS VIAS BILIARES O próximo passo na avaliação do sistema biliar é a visualização da VBP. Esta pode ser explorada com o doente em decúbito dorsal ou lateral esquerdo usando um corte perpendicular ao rebordo costal direito. A via biliar principal surge como uma estrutura canalicular em posição anterior à veia porta. Neste mesmo corte, a artéria hepática surgirá como uma estrutura arredondada entre a VBP e a veia porta (Figura 3.3). Por vezes, quando há uma boa janela 34 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 ecográfica, a VBP pode ser seguida até à sua porção retropancreática. Figura 3.3a e b – Hilo hepático em corte longitudinal Em cortes transversais à veia porta no hilo hepático pode ver-se o aspecto chamado de “rato Mickey” (cabeça e orelhas). A veia porta encontra-se em baixo, com maior calibre, e as orelhas são, à esquerda a VBP, e à direita a artéria hepática (Figura 3.4). Figura 3.4 – Hilo hepático em corte transversal – imagem “rato Mickey” 35 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 O segmento extra-hepático da VBP é de mais dificil exploração, uma vez que é frequentemente obscurecido pelo ar duodenal. A sua avaliação exige alguma perseverância por parte do operador, mas deve ser sempre tentado, particularmente em doentes ictéricos. Algumas manobras úteis para a visualização do segmento exra-hepático da VBP são a rotação obliqua do doente para esquerda, exercer alguma pressão com a sonda contra a parede abdominal e o enchimento da cavidade gástrica com água. A VBP deve ser avaliada quanto ao seu diâmetro (normal até 6 mm), espessura da parede e conteúdo. Em doentes colescistectomizados a VBP pode ter calibre aumentado, aumentando também o calibre com a idade. Habitualmente os canais biliares intra-hepáticos não são observados (tornam-se visíveis quando se encontram dilatados). Ocasionalmente, em situações fisiológicas, podem ser visualizados no lobo hepático esquerdo, acompanhando os ramos porta, podendo ser diferenciados destes pela avaliação de fluxo através do modo doppler a cores. 36 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 IV. PÂNCREAS Miguel Bispo e Pedro Barreiro* A avaliação ecográfica do pâncreas constitui um desafio, contudo o recurso a determinadas manobras que facilitam a observação deste órgão retroperitoneal e a experiência do operador possibilitam uma avaliação criteriosa do pâncreas numa proporção significativa dos doentes. É fundamental que o exame seja realizado em jejum, uma vez que a presença de alimentos no estômago pode impedir a visualização do órgão e aumentar os artefactos de reverberação. ANATOMIA O pâncreas tem localização retroperitoneal, posterior ao estômago e lobo hepático esquerdo e anterior à coluna vertebral e grandes vasos abdominais. Tem limites ecográficos mal definidos, confundindo-se com a gordura peri-pancreática. As referências anatómicas que mais ajudam na abordagem ecográfica do pâncreas são os vasos, particularmente a veia esplénica e o confluente espleno-portal. *Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental - Hospital de Egas Moniz 37 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 RELAÇÕES ANATÓMICAS VASCULARES Veia esplénica O segmento retro-pancreático da veia esplénica constitui a referência principal na abordagem do pâncreas, limitando posteriormente o corpo e cauda (Figura 4.1). A origem da veia no hilo esplénico pode ser observada em corte intercostal esquerdo, caminhando inicialmente no bordo superior da cauda do pâncreas. O confluente espleno-portal é o ponto de referência do istmo pancreático (anterior ao confluente). Vasos mesentéricos superiores A veia e a artéria mesentéricas superiores localizam-se posteriormente ao istmo e corpo do pâncreas, respectivamente (Figuras 4.1 e 4.2). Em corte transversal, a artéria localiza-se à esquerda da veia, tem menor diâmetro e parede mais perceptível (mais espessa). Tronco celíaco Referencia o bordo superior do pâncreas (Figura 4.3). Após identificado o tronco celíaco em corte transversal (imagem em “gaivota”), a deflexão inferior da sonda intersecta o parênquima pancreático. 38 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 SEGMENTAÇÃO DO PÂNCREAS O pâncreas é dividido em 4 segmentos: - Cabeça, envolvida pelo arco duodenal, com um prolongamento posterior em relação ao pedículo mesentérico superior (processo unciforme); - Istmo, que une a cabeça ao corpo, anterior ao confluente espleno-portal; - Corpo, estendendo-se da direita para a esquerda e de baixo para cima, anterior à veia esplénica; - Cauda, que se dirige para o baço, anterior à veia esplénica. ECOESTRUTURA PANCREÁTICA A ecogenicidade do parênquima pancreático normal é habitualmente superior significativamente hipoecogénico na mais à do fígado hiperecogénico criança). Apesar (podendo no destas idoso tornar-se e variações mais na ecogenicidade, o parênquima normal é sempre fino e homogéneo, de limites mal definidos em relação à gordura mesentérica. As dimensões dos segmentos pancreáticos são variáveis, desvalorizando-se a sua medição por rotina. Salienta-se que o objectivo primordial da avaliação pancreática deve ser o despiste de alterações estruturais. A medição mais fácil de realizar é a do corpo (em corte transversal), com um diâmetro antero-posterior habitual de 39 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 15-20 mm. O diâmetro antero-posterior máximo da glândula (habitualmente atingido na cabeça pancreática) deve ser inferior a 40 mm. O canal de Wirsung pode ser visualizado, particularmente no jovem, devendo ser fino e regular, com um diâmetro inferior a 3 mm na cabeça, 2 mm no corpo e 1 mm na cauda (mnemónica – 3 : 2 : 1). No istmo inflecte-se para baixo e para trás (genu), atravessando a cabeça pancreática em direcção ao confluente bilio-pancreático. A avaliação da cabeça pancreática deve incluir a identificação da via biliar principal (VBP). São usados cortes recorrentes subcostais direitos para visualizar a VBP no hilo hepático e na extremidade distal (intra-pancreática). O posicionamento do doente em decúbito lateral esquerdo poderá facilitar a sua visualização. AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA DO PÂNCREAS Recomenda-se a utilização de uma sonda convexa, com uma frequência 3,5 MHz, podendo ser útil o ajuste da frequência para 5 MHz em doentes magros. A dificuldade da observação, determinada essencialmente pela interposição gasosa gástrica e intestinal, pode ser ultrapassada com certas manobras: 40 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 - A ingestão de água imediatamente antes do exame optimiza a janela acústica através da distensão líquida do estômago e duodeno; - A realização de manobra de Valsalva com protrusão abdominal; - A compressão extrínseca e angulação da sonda; - A posição sentada ou em ortostatismo, que condiciona a descida do cólon transverso; O sucesso da avaliação ecográfica dos diferentes segmentos pancreáticos (cabeça, istmo, corpo e cauda) depende da realização de cortes transversais e longitudinais no epigastro superior, bem como de cortes recorrentes (oblíquos) subcostais direitos (utilizando o fígado como janela acústica) e intercostais esquerdos (utilizando o baço como janela acústica) (Figuras 4.1 a 4.6). Os cortes recorrentes subcostais direitos e intercostais esquerdos são particularmente relevantes para visualização da cabeça e cauda, respectivamente. Os cortes transversais e recorrentes são muito informativos, permitindo acompanhar o grande eixo do órgão, tendo em conta que a cauda tem orientação superior e posterior relativamente à cabeça e corpo do pâncreas (Figuras 4.1 a 4.3). Os cortes transversais permitem estabelecer a relação do pâncreas com as principais estruturas vasculares, em particular com a veia esplénica, que constitui a referência principal do corpo e cauda do pâncreas (Figura 4.1). 41 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 4.1a e b - Corte transversal, ao nível da veia esplénica (referencia o limite posterior do corpo do pâncreas). Figura 4.2a e b - Corte transversal, intersectando o istmo e corpo do pâncreas. Salientam-se os grandes vasos abdominais, posteriores à veia esplénica: à direita, aorta e artéria mesentérica superior; à esquerda, veia cava inferior a receber a veia renal esquerda. 42 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 4.3a e-b Corte transversal, intersectando o tronco celíaco (referencia o bordo superior do pâncreas). Os cortes longitudinais são particularmente importantes a nível do eixo mesentérico, permitindo, em conjunto com os cortes oblíquos subcostais direitos, visualizar a cabeça pancreática e o processo uncinado, que se projectam posteriormente em relação aos vasos mesentéricos (Figuras 4.4 e 4.5). Os cortes intercostais esquerdos, utilizando o baço como janela acústica, permitem visualizar a extremidade distal da cauda do pâncreas e a origem da veia esplénica (muitas vezes de difícil visualização nos cortes transversais) (Figura 4.6). 43 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 4.4a e b - Corte longitudinal, intersectando a veia cava inferior e a cabeça do pâncreas. Figura 4.5a e b - Corte longitudinal, intersectando a veia mesentérica superior. O processo uncinado é um prolongamento da cabeça pancreática, posterior ao eixo mesentérico. Figura 4.6a e b - Corte intercostal esquerdo, intersectando a cauda do pâncreas e a origem da veia esplénica. O baço é utilizado como janela acústica. 44 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 V. BAÇO Bruno Rosa, Ana Rebelo e Silvia Leite* ANATOMIA O baço é um órgão intraperitoneal localizado no hipocôndrio esquerdo, totalmente recoberto pela grelha costal, entre as linhas axilares média e posterior. O seu eixo principal é oblíquo para baixo, para a frente e lateralmente (Figura 5.1). Morfologicamente, o baço assemelha-se a um tetraedro irregular, em que se identificam: Figura 5.1 – Anatomia do baço *Centro Hospitalar do Alto Ave - Guimarães de Vila Nova de Gaia 45 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 1) Face póstero-lateral (diafragmática), convexa, em relação com o hemidiafragma esquerdo ao nível do 8º, 9º e 10º espaços intercostais. 2) Face póstero-medial (renal), côncava, em relação com o rim esquerdo e glândula supra-renal. 3) Face ântero-medial (gástrica), côncava, contém o hilo esplénico e relaciona-se com o estômago e a cauda do pâncreas. 4) Face ântero-inferior (cólica), côncava, em relação com o ângulo esplénico. Sob o ponto de vista prático da exploração ultra-sonográfica, a eco-anatomia do baço compreende duas faces (face diafragmática, convexa, dirigida superior, posterior e lateralmente e face medial , côncava, que contém o hilo esplénico e se dirige inferior, anterior e medialmente), dois bordos (superior e inferior) e duas extremidades (anterior e posterior). AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA DO BAÇO A exploração ecográfica do baço faz-se habitualmente com sondas convexas de 3,5 a 5MHz, com o doente em jejum, em decúbito dorsal, elevando o membro superior esquerdo acima da cabeça. Em alguns casos poderá ser útil posicionar o doente em decúbito lateral direito (Figura 5.2). 46 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 5.2 – Abordagem do baço em decúbito lateral direito A respiração suave é geralmente preferível à inspiração forçada, uma vez que esta faz descer as bases pulmonares prejudicando a observação. A abordagem preferencial é a obtenção de cortes intercostais, entre as linhas axilares média e posterior (habitualmente entre o 9º e o 11º espaços intercostais). Obtêm-se cortes longitudinais com diferentes graus de obliquidade (Figuras 5.3 e 5.4). A angulação da sonda entre as costelas permite evitar as sombras costais e definir: - Cortes longitudinais posteriores (interessam o rim esquerdo) - Cortes longitudinais médios (interessam a região hilar) - Cortes longitudinais anteriores (interessam o estômago) 47 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 5.3 – Corte longitudinal posterior do baço Figura 5.4 – Corte longitudinal anterior do baço Durante o exame muda-se a posição da sonda e rodando-a 90º, de modo a ficar perpendicular às costelas, obtêm-se cortes transversais do baço. 48 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 ECO-ESTRUTURA O parênquima esplénico normal apresenta uma ecoestrutura homogénea, com ecogenicidade idêntica ou ligeiramente inferior à do fígado saudável. DIMENSÕES Deve efectuar-se sistematicamente a medição de 2 dimensões do baço. Em corte longitudinal, mede-se, ao nível da região hilar (Figura 5.5): Figura 5.5 - Diâmetro longitudinal (também designado diâmetro crâneocaudal ou comprimento) <12cm Em indivíduos longilíneos, um diâmetro longitudinal do baço de 13cm pode ser considerado normal. 49 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 - Diâmetro transversal (também designado diâmetro perpendicular ou espessura) <5cm Em algumas situações poderá ser útil a determinação do diâmetro ântero-posterior (<10cm) e da área de superfície do baço, que no baço normal é <50 cm2. ASPECTOS PARTICULARES - Baço acessório: Encontrado em aproximadamente 10% da população, habitualmente em localização peri-hilar, com configuração nodular, contorno regular e parênquima homogéneo, raramente ultrapassando os 2cm de diâmetro (Figura 5.6). Figura 5.6 - Baço ectópico: Acessível ao exame ecográfico. Deve pensarse na sua possibilidade perante a ausência ecográfica do baço no local habitual. 50 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 VI. PAREDE DIGESTIVA Rosa Ferreira e Margarida Ferreira* ASPECTOS GERAIS A exploração ultra-sonográfica (US) abdominal permite a observação do tracto gastrointestinal em quase toda a sua extensão, tendo correntemente grande valor diagnóstico na investigação de patologia neoplásica e inflamatória, entre outras. Para a sua observação recomenda-se o início do exame utilizando uma sonda convexa de 3,5 MHz, que pode ser seguidamente substituída por sondas lineares de maior frequência (57,5-10MHz) para uma melhor visualização das várias estruturas, nomeadamente a parede. Podemos, ainda, socorrermo-nos de técnicas que permitem melhorar a qualidade das imagens, nomeadamente a utilização de líquido no interior das cavidades (ingestão de água ou sumos para observação do tubo digestivo superior ou realização de limpeza cólica e enema para melhor observação do cólon), assim como a utilização de Doppler. O exame US do tubo digestivo possui uma imagem mais ou menos arredondada em cortes transversais, na qual podemos distinguir o lúmen e a parede digestiva. O primeiro assume a parte *Centro Hospitalar de Coimbra 51 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 central na imagem e apresenta ecogenicidade variável de acordo com o material que contém (quando contém ar atinge a sua maior intensidade e quando contém água assume o aspecto mais anecogénico). A parede digestiva surge hipoecogénica e para a sua correta observação devem ser avaliados os seguintes parâmetros: 1 - Espessura geral: dependente do órgão e do grau de distensibilidade, é considerada normal quando <5mm e claramente patológica se >10mm (para obter correctamente esta medição o feixe de US deve incidir perpendicularmente ao centro do lúmen já que desvios em relação ao eixo originam falsas imagens de espessamento parietal); 2 – Camadas: podemos distinguir 5 diferentes camadas que, de acordo com correlação histológica, se traduzem da forma esquematizada na Figura 6.1: 1ª camada: Interna, hiperecogénica que corresponde ao limite entre a mucosa e o lúmen digestivo; 2ª camada: Hipoecogénica, que representa mucosa, lâmina própria e muscularis mucosa; 3ª camada: Hiperecogénica correspondendo à submucosa; 4ª camada: Hipoecogénica formada pela muscular própria; 5ª camada: Hiperecogécnia devida à interface entre a muscular e serosa com o meio extra-digestivo; 52 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 3 – Distensibilidade/rigidez; 4 – Mobilidade/peristaltismo; 5 – Vascularização. Figura 6.1 – Camadas da parede digestiva normal e sua correlação histológica. A: (esquema das 5 camadas observadas em US abdominal em que as áreas claras são hiperecogénicas e as escuras hipoecogénicas), B: Imagem US da parede digestiva com respectiva correlação histológica. AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA DO TUBO DIGESTIVO ESÓFAGO Pode ser reconhecido por US a nível cervical, através da janela acústica da tiroide, e nos últimos 3 cm do seu segmento distal (última porção torácica, passagem diafragmática e porção intra-abdominal a nível do cardia continuando pelo fornix) em cortes epigástricos médio-esquerdo, por detrás do lobo esquerdo do fígado e à frente da aorta (Figura 6.2). A sua imagem pode variar entre tubular, redonda ou oval dependendo dos diferentes cortes ecográficos realizados (Figura 6.2 e 6.3). Pedindo ao doente que ingira água enquanto está 53 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 sentado podemos observar a passagem desta através da sua porção distal. Figura 6.2a e b – Esquema US do esófago num corte longitudinal (a) e respectiva imagem ecográfica (b); ( * - esófago; 1 - Aorta , 6 – Artéria gástrica esquerda ; 22 – Lobo quadrado (Segmento IV) ; 96 – Diafragma) Figura 6.3a e b – Esquema US do esófago num corte transversal (a) e respectiva imagem ecográfica (b); (1 - Aorta ; 10 – Veia cava inferior ; 12- Veia hepática média ; 21 – Lobo hepático esquerdo ; 71 – Fundo gástrico ; 94 - Artefacto ; 96 Diafragma ) 54 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 ESTÔMAGO Examina-se geralmente a região epigástrica em decúbito dorsal efectuando cortes longitudinais, transversais e subcostais sistemáticos. Para uma melhor observação da parede (espessura, distensibilidade e camadas) e de todas as regiões anatómicas da cavidade gástrica pode-se recorrer à técnica da repleção líquida, denominada US hidrogástrica, que consiste na ingestão de cerca de 500 a 800 cc de água ou sumo diluído sem gás, 10 a 15 minutos antes do exame. O fundo e corpo gástricos podem ser observados (habitualmente de forma parcial) em cortes epigástricos com o doente em decúbito lateral esquerdo ou em supinação localizando-se à esquerda do fígado e da aorta, à direita do baço e por cima do rim esquerdo (Figura 6.4). O antro é reconhecido no epigastro como uma estrutura arredondada ou oval a nível da linha média. Nos cortes longitudinais localiza-se imediatamente abaixo ou posterior à margem inferior do fígado e nos cortes transversais anterior ao corpo pancreático (Figura 6.5 e 6.6). Se existir conteúdo no lúmen a sua morfologia muda adquirindo uma forma mais alongada. A espessura da parede varia entre os 4 e 6 mm. O antro distal e região pilórica podem ter até 8 mm. A espessura da parede pode variar se houver fraca distensibilidade ou durante a peristalse de forma transitória. É 55 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 possível efectuar objectivando a estudos motilidade funcionais mediante gastrointestinal ecografia, nomeadamente o esvaziamento gástrico (Figura 6.7). Figura 6.4a e b – Aspecto US do corpo gástrico em corte longitudinal com respectiva imagem ecográfica (21- Lobo hepático esquerdo; 72 – Corpo gástrico , 96 - Diafragma) Figura 6.5a e b– Aspecto US do antro gástrico em corte longitudinal (5 – Artéria esplénica ; 21 – Lobo hepático esquerdo ; 42 – Corpo pancreático ; 45 – Ducto pancreático ; 73 – Antro gástrico ; 77 – Ansa do intestino delgado ) 56 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 6.6a e b – Aspecto US do antro gástrico em corte transversal (b) (1 - Aorta; 10 – Veia cava inferior; 19 – Veia mesentérica superior ; 20 – Lobo hepático direito , 21 – Lobo hepático esquerdo ; 24 – Ligamento redondo ; 30 – Vesícula biliar ; 41 – Cabeça pancreática ; 42 – Corpo pancreático ; 45 – Ducto pancreático ; 73 – Antro gástrico; 75 – Bulbo duodenal ) Figura 6.7 – Imagens US evidenciando as paredes gástricas 57 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 DUODENO Em condições normais o duodeno é de difícil visualização, salvo quando contem líquido no seu interior. O bulbo duodenal que continua o antro gástrico pode ser identificado em cortes transversais no epigastro, localizando-se medialmente à vesícula biliar e à frente da cabeça pancreática, aparecendo como uma área hiperecogénica mínima com sombra acústica posterior devido ao seu conteúdo aéreo, podendo, por vezes, ser confundido com litíase biliar (Figura 6.7). A segunda e terceira porção (DII e DIII) localizam-se à direita e inferiormente à cabeça pancreática rodeando-a. A espessura da parede duodenal geralmente não excede os 3 mm de espessura. Figura 6.7 – Aspecto US do bulbo duodenal em corte transversal INTESTINO DELGADO O intestino delgado não é facilmente acessível à exploração US devido ao seu conteúdo gasoso e reduzido em líquido. A identificação ecográfica das ansas intestinais só é possível quando a 58 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 quantidade de líquido intraluminal é suficiente para causar dilatação, ou quando existe liquido livre intraperitoneal. Habitualmente é necessário a utilização de sondas lineares de 5-7 MHz. O seu aspecto ecográfico é de estruturas tubulares anecogénicas ou ecogénicas com diâmetro transversal <3 cm, com uma espessura da parede <3-4 mm, da qual partem para o seu interior as válvulas coniventes (excepto no íleon), notando-se os movimentos peristálticos com a passagem da sonda (a falta de deformação sugere patologia tumoral ou inflamatória) (Figura 6.8). A exploração do íleon terminal (Figura 6.9) é de particular interesse podendo o doente ser instalado em decúbito dorsal ou lateral direito e a repleção vesical pode ser útil. Inicia-se a sua observação com cortes transversais baixos explorando desde a região vesical até ao cego. Figura 6.8 – Aspecto US normal de uma ansa jejunal notando-se as válvulas coniventes 59 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 6.9 – Aspecto US do íleon terminal APÊNDICE CECAL O apêndice normal é mais difícil de localizar (observado em 30-80% dos casos de acordo com a experiência do observador) do que o apêndice patológico podendo ser útil a utilização de sondas lineares de alta frequência. Poderá ser identificado através de cortes transversais, longitudinais e oblíquos na região lateral direita após localização do ascendente e cego seguindo para a válvula ileocecal (ecogénica) e procurando-o caudalmente a esta (Figura 6.10). Identifica-se uma estrutura digestiva tubular (ovóide em cortes transversais) com diâmetro inferior a 6 mm e parede estratificada com < 2-3 mm de espessura, depressível e sem persistaltismo. 60 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 6.10 – Aspecto US do apêndice normal em corte transversal (a) e longitudinal (b) CÓLON O estudo ecográfico do cólon não é fácil sob circunstâncias normais, pois o seu elevado conteúdo em gás prejudica a exploração do mesmo (Figura 6.11). Num corte sagital, o cólon descendente aparece como um tubo contendo ar e, em secção transversal, assume o aspecto de olho de búfalo (Figura 6.12). A técnica de US hidrocólica melhora a sua exploração, através da introdução de enema de 1500 cc de água. Para obtenção de bons resultados é imprescindível uma adequada limpeza prévia do cólon. Com esta técnica o cólon é visualizado como estrutura tubular livre de ecos com 4 a 5 cm de diâmetro e com bandas ecogénicas finas curtas que partem da parede para o lúmen correspondendo às haustras (Figura 6.13). A espessura da parede é geralmente considerada normal até 23 mm. 61 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 6.11a e b – Aspecto US normal do cólon em corte longitudinal Figura 6.12 – Aspecto US normal do cólon em corte transversal, visualizando-se um diverticulo (seta branca) Figura 6.13 – Aspecto US do cólon utilizando a técnica hidrocólica 62 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 VII. APARELHO URINÁRIO E GENITAL Ana Nunes* A ultra-sonografia do rim e aparelho urinário é um método importante na abordagem diagnóstica da patologia urológica, constituindo um exame de primeira linha. É um exame não invasivo, de baixo custo e sem necessidade de preparação prévia ou utilização de contraste. Para a exploração ecográfica urológica utiliza-se uma sonda convexa com baixas frequências (2,5 a 5 MHz) semelhante à utilizada para a exploração do restante abdómen. Poder-se-á utilizar o doppler a cores e o power-doppler para avaliação da vascularização. ANATOMIA Os rins apresentam dimensões variáveis, sendo considerado normal um diâmetro longitudinal de 10 a 12 cm e um diâmetro transversal de 4 a 6 cm. Os contornos renais são regulares e lisos, diferenciando-se da gordura peri-renal de aspecto hiperecogénico. A espessura do parênquima renal varia entre os 1,3 e 2,5 cm e diminui no indivíduo idoso, podendo apresentar apenas 1 cm. Em cerca de 10% dos doentes, o parênquima renal do bordo lateral esquerdo, *Hospital Garcia de Horta - Almada 63 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 próximo do pólo superior, pode atingir 3 cm de espessura originando um aspecto em “bossa de camelo”. O parênquima apresenta um aspecto homogéneo e uma ecogenecidade ligeiramente inferior à hepática e esplénica. É possível diferenciar o córtex das pirâmides medulares, que apresentam uma menor ecogenecidade e têm um aspecto triangular ou arredondado. O limite entre o parênquima renal e o seio renal está geralmente bem definido. O seio renal é constituído por tecido conjuntivo, pelos vasos renais, pelos vasos linfáticos e pelas vias excretoras proximais. É um estrutura hiperecogénica e apresenta uma configuração ovóide nos cortes longitudinais e arredondada nos cortes transversais. As vias excretoras proximais apresentam um conteúdo anecogénico devido à presença de urina, sendo o bacinete facilmente identificado com um diâmetro que varia entre 1 e 2,5 cm. A ultra-sonografia renal permite observar a relação dos rins com os vários órgãos adjacentes, nomeadamente o fígado, o baço, o cólon (ângulos hepático e esplénico) e o pâncreas, bem como com os planos musculares e os grandes vasos abdominais. AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA DOS RINS A identificação dos rins é realizada durante a exploração do abdómen com o doente em decúbito dorsal. O rim direito é facilmente observado colocando a sonda abaixo do rebordo costal direito e utilizando o parênquima hepático como janela acústica. É, 64 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 também, possível recorrer a cortes oblíquos no flanco direito com o doente em decúbito lateral esquerdo parcial. O rim esquerdo identifica-se colocando a sonda abaixo do rebordo costal esquerdo. A sua visualização pode ser dificultada pela presença de gás nos órgãos digestivos ou pela interposição da grelha costal, pelo que poderá ser necessário colocar o doente em decúbito lateral direito ou pedir ao doente para realizar inspirações forçadas. O estudo dos rins deve ser realizado com cortes longitudinais e transversais e devem ser tidos em conta os seguintes aspectos: forma, dimensões e regularidade dos contornos renais; espessura, homogenecidade e reflectividade do parênquima; forma e dimensões do sistema excretor e permeabilidade dos vasos (Figuras 7.1 e 7.2). Existem múltiplas variantes anatómicas do normal que não deverão ser confundidas com situações patológicas. Algumas das variantes incluem alteração da forma, nomeadamente: lobulação fetal persistente, hipertrofia das colunas de Bertin, impressão esplénica, hipertrofia de um lábio do hilo ou má rotação renal. A loca renal pode estar vazia por agenésia, aplasia, hipoplasia ou rim atrófico, sendo habitual uma hipertrofia do rim contra-lateral. Podem surgir ectopias e união anómala dos rins (p.ex. rim em ferradura). 65 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 Figura 7.1 e 7.2 – Corte longitudinal do rim esquerdo e rim direito AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA DOS URETERES Os ureteros habitualmente não são visíveis, excepto em situações de dilatação. A dilatação da árvore excretora pode surgir secundariamente a uma bexiga muito distendida ou na mulher grávida, não tendo significado patológico nestas situações. AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA DA BEXIGA O exame da bexiga deverá ser realizado com este órgão em replecção e com o doente em decúbito dorsal. A correcta observação deverá incluir cortes longitudinais e transversais supra-púbicos (Figuras 7.3 e 7.4). A bexiga apresenta-se como uma estrutura de aspecto rectangular nos cortes transversais e triangular nos cortes longitudinais, simétrica, com conteúdo anecogénico. Frequentemente observam-se artefactos de reverberação junto à parede anterior e 66 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 posterior. A parede é fina (1 a 3 mm), de contorno regular e ecogénica. É possível identificar o trígono (que mede 5 mm de espessura) e os orifícios uretrais que surgem como uma elevação hipoecogénica ao nível da base com cerca de 5 mm de espessura e 1 cm de comprimento. Por vezes, visualiza-se o jacto ureteral com aspecto de um trajecto ecogénico. A bexiga cheia funciona como janela acústica para a observação dos órgãos reprodutores, nomeadamente da próstata, glândulas seminais, útero e ovários. Figuras 7.3 e 7.4 – Cortes transversal e longitudinal da bexiga AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA DA PRÓSTATA E VESÍCULAS SEMINAIS A próstata encontra-se junto ao pavimento da bexiga e anteriormente ao recto. Tem uma forma ovóide ou semicónica, em forma de castanha, com ecoestrutura homogénea e fracamente ecogénica. No entanto, pode surgir alguma heterogenecidade no 67 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 parênquima ou calcificações, sem significado patológico. Os cortes transversais permitem medir o seu diâmetro antero-posterior que varia entre 2 e 3 cm e o transversal que varia entre 3 e 5 cm (Figuras 7.5 e 7.6). As vesículas seminais podem ser observadas nos cortes transversais da próstata como estruturas semilunares, de pequenas dimensões, hipoecogénicas, adjacentes à face posterior da próstata e ao colo vesical. Figuras 7.5 e 7.6 – Cortes transversal e longitudinal da próstata ÚTERO E OVÁRIOS O útero relaciona-se posteriormente com o recto e anteriormente com a bexiga. A sua posição é variável com o estado de replecção da bexiga e do recto, encontrando-se com maior frequência em anteroversoflexão. O seu tamanho e forma variam com a idade e paridade da mulher. Na mulher adulta, mede cerca de 7 cm longitudinalmente e 5 cm transversalmente. Na parede uterina distingue-se o miométrio e o endométrio. A ecoestrutura do 68 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 endométrio varia em função da fase do ciclo menstrual. A sua espessura varia entre 3 e 8 mm na fase proliferativa e entre 7 e 14 mm na fase secretora. Na fase menstrual surge como uma linha fina hiperecogénica, na fase proliferativa inicial torna-se isoecoide, na fase proliferativa tardia tem um aspecto trilaminar e na fase secretora é mais ecogénica. Na pós-menopausa, o endométrio é fino e regular. (Figuras 7.5 e 7.6) Figuras 7.5 – Cortes longitudinal e transversal do útero Figura 7.6 – Corte longitudinal do útero e vagina Os ovários localizam-se, na maioria dos casos, lateralmente ao útero. Têm uma forma ovóide, de contornos nítidos e ecogenicidade intermédia, semelhante à do miométrio. A sua morfologia varia com a idade e estado reprodutivo da mulher, apresentando uma estrutura homogénea antes da menarca e na pós-menopausa. Durante o ciclo ovulatório a sua estrutura é muito variável. 69 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 CORTES ECOGRÁFICOS FUNDAMENTAIS FIGADO CORTES SAGITAIS LOBO CAUDADO 70 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 CORTES SUBCOSTAIS - VEIAS SUPRA-HEPÁTICAS VEIA PORTA E HILO HEPÁTICO 71 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 VESICULA BILIAR VIA BILIAR 72 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 PÃNCREAS 73 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 TRONCO CELÍACO VEIA ESPLÉNICA 74 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 BAÇO 75 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 PAREDE DIGESTIVA (ESTÔMAGO, CÓLON) RINS 76 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 BEXIGA ÚTERO PRÓSTATA 77 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 PLANOS ABDOMINAIS MAIS IMPORTANTES Abdomen sup Quadrante inf esq Corte sagital Corte para-iliaco obliquo Quadrante sup dto Quadrante sup dto Corte oblíquo Corte obliquo Abdomen sup Abdómen sup Corte transversal Corte sagital na linha medioclavicular Flanco dto Quadrante sup esq Corte intercostal em Corte transversal decúbito lateral esq Flanco esq Abdómen inf Corte Corte intercostal em suprapúbico decúbito lateral dto Flanco esq Abdómen inf Corte alto em Corte transversal decúbito lateral dto suprapúbico 78 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 ESTRUTURA VALORES DE REFERÊNCIA FÍGADO - LINHA MEDIOCLAVICULAR 12-13cm FÍGADO - PLANO MEDIANO 15-16cm FÍGADO - LOBO CAUDADO <35mm VESÍCULA – ESPESSURA PAREDE <3mm VBP <6mm VBP (COLECISTECTOMIZADO) <9mm C.WIRSUNG (CABEÇA-CORPO-CAUDA) 3-2-1mm BAÇO – DIÂMETRO CRÂNEO-CAUDAL <13cm BAÇO - ESPESSURA <5cm BAÇO - ÁREA <50cm2 <5mm PAREDE DIGESTIVA RIM – DIÂMETRO LONGITUDINAL 10-12cm RIM – DIÂMETRO TRANSVERSAL 4-6cm RIM - PARÊNQUIMA RENAL 1.3-2.5cm <13mm VEIA PORTA <2cm VEIA CAVA INFERIOR <6mm na periferia hepática VEIAS SUPRAHEPÁTICAS >1cm junto à VCI ART AORTA (ACIMA DO RIM) <2,5cm ART AORTA – ECTASIA 2-5-3cm ART AORTA – ANEURISMA >3cm 79 Ecografia Clínica para Gastrenterologistas - Curso Prático 2011 REFERÊNCIAS DE ESTUDO - Abdominal Ultrasound, How, Why and When, Jane Bates, Second Edition, 2004 - Color Atlas of Ultrasound Anatomy, B. Block, 2004 - The Practice of Ultrasound – A step-by-step guide to abdominal scanning, B. Block, 2004 - Tratado de Ultrasonografia Abdominal, Asociación Española de Ecografía Digestiva, 2010 - http://www.efsumb.org/guidelines/guidelines01.asp - http://www.efsumb.org/ecb/ecb-01.asp 80