Alimentos naturais

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Texto de apoio ao curso de Especialização
Atividade física adaptada e saúde
Prof. Dr. Luzimar Teixeira
ALIMENTOS NATURAIS: CONCEITUAÇÃO E PERCEPÇÕES
Do ponto de vista do fabricante, ou do ponto de vista do consumidor, a conceituação do termo
NATURAL, em alimentos, tende a ser muito diferente. Vamos tentar construir um conceito do
ponto de vista do profissional de saúde pública, aqui, após identificar o conceito industrial e do
consumidor.
Para identificar o conceito do fabricante, opta-se por observar o que existe no mercado. Natural é
o sorvete que, em vez de ser todo artificial, contem uma parcela de fruta ou de sua polpa
industrializada. Isso não significa que esse sorvete não contenha diversos aditivos químicos,
inclusive para "reforçar" o sabor, a cor ou o aroma da fruta ali colocada insuficientemente.
Natural, ali, é também o suco que, ao contrário dos pós artificiais para refresco (caso do Tang),
são feitos com a fruta e não contém, então, nem corante, nem aromatizante, adicionados. É o
caso do suco Maguary e similares, em garrafa. Mas estes contém conservantes químicos, para
inibir o crescimento microbiano. Ao contrário, os da marca Superbom, são pasteurizados, para
destruir a flora microbiana, dispensando inclusive o conservante. Um seria mais natural que o
outro?
Natural, para o fabricante, é ainda o iogurte sem adição de polpa de fruta ou cereais. Quer dizer,
qualquer produto sem outra adição, é natural. Assim, o leite não achocolatado é leite natural, o
pão sem manteiga seria natural, e a água mineral é natural. Para alguns consumidores e
copeiros, a água se divide em natural e torneiral. Ou ainda em gelada ou natural (sem gelo). O
mate leão, em copinhos, embora conservado quimicamente, é vendido e anunciado como natural,
para diferenciar do outro tipo, que tem sabor limão e, portanto, não tem o sabor natural de mate.
Mesmo o Tang, que é açúcar colorido e aromatizado, opta por colocar aromas extraídos da
laranja e, então, anunciar, no rótulo, como "contém aroma natural de laranja", induzindo a erro os
consumidores.
Natural também é o conjunto de derivados da soja, como queijo de soja, leite de soja, farinhas de
soja... e alimentos alternativos, como feijão azuki e mesmo grão de bico e trigo moído. A carne
vegetal, feita de soja ou de glúten, é também apregoada e aceita como natural. E mesmo aditivos
químicos hoje são desenvolvidos pela biotecnologia, buscando caracterizá-los como naturais. Ou
seja, legalmente, alguns aditivos passam a ser naturais, propiciando rótulos com o termo natural,
mesmo nos países com legislação mais rígida e consumidores mais exigentes.
A questão não está limitada ao campo da saúde pública. Nos EEUU, por exemplo, a
regulamentação do emprego desse termo, em rótulos, é preocupação principalmente do
Ministério do Comércio, mais que da FDA ou do Ministério da Saúde. Por que? Ora, porque
propicia práticas comerciais lesivas, prejudicando a concorrência empresarial, antes de prejudicar
a saúde ou o bolso do consumidor.
O CONCEITO EM QUESTÃO
O que seria natural? Fica difícil estabelecer uma definição geral. Na verdade, uma alface é tão
natural quanto um bife. E se aquela for cultivada com agrotóxicos, adubos químicos, água poluída
na irrigação... enquanto o bife resultar de um boi alimentado com grãos produzidos
organicamente (sem adubação química ou agrotóxicos), criado em ambiente e pastos saudáveis
em vez de confinado, sem emprego de anabolizantes, abatido sem dor ou crueldade, tendo
depois sua carne conservada sem aditivos e, até mesmo, sem congelamento (consumo imediato,
após breve resfriamento), então é até possível considerar que esta carne devesse ser
considerada mais natural que a alface...
Existe, contudo, uma percepção que associa produtos vegetais ao natural. E o próprio naturismo
estaria associado ao vegetarianismo.
Para o consumidor, poucas coisas parecem menos naturais que os enlatados e os refrigerantes.
Mas é possível - como vemos no mercado europeu - produzir refrigerantes sem conservantes
(em vez disso, USA-SE a pasteurização), sem corantes e com suco natural da fruta, além de
água e gás carbônico. Não seria esta a fórmula básica para um refrigerante natural?
Dentro de suas peças publicitárias, a CICA vem, ainda que tímida e discretamente, informar que
suas conservas vegetais são produzidas apenas com "vegetal, água e sal" e, portanto, sem
nenhum aditivo químico. Ou algo como... natureza, água e sal. No entanto, mesmo neste caso, o
natural pode ser questionado em suas infinitas graduações: se, em vez de embalagem metálica que permite migração de chumbo ou estanho para o alimento - se optasse por uma embalagem
de vidro, não teria um produto final ainda mais natural?
BUSCANDO RESPOSTAS
A construção de uma definição, para fins legislativos, parece demandar a segmentação dos
produtos alimentares. Ou seja, produzir uma definição para sucos naturais, outra para sorvetes
naturais, outra para conservas vegetais naturais etc. Ou simplesmente proibir o uso da palavra
natural nos rótulos e nas propagandas, o que talvez fosse mais lógico, justo e inteligente, além
de, claro, mais prático.
Alimento produzido organicamente, esta é outra definição que terá que ser estabelecida,
regulamentada e praticada a curto prazo. Exercer esse controle talvez traga dificuldades
operacionais; mas poderia haver uma contrapartida empresarial, a exemplo do que a ABIC vem
fazendo com o café. Ou seja, uma associação que fiscalizasse seus membros e a eles
concedesse um selo de garantia.
Vale observar que, para a viabilização de linhas ou dietas como vegetarianas, macrobióticas etc.
não é preciso a existência, no mercado, de alimentos ditos naturais, uma vez que nenhuma delas
exige o consumo dessa categoria de alimento. Ademais, inexiste, salvo engano, uma linha dita
naturista de consumo alimentar, fundada no consumo de alimentos industrializados. Portanto,
não é por essa via que se poderia identificar e explicar a crescente adoção desse termo natural
nos rótulos e anúncios publicitários no Brasil.
O termo natural, como vemos, é de natureza diversa de termos como, por exemplo, kosher,
produzido segundo as normas judaicas, para esse tipo de consumidor. E também não é da
mesma categoria do termo vegetal, pois se não existe uma bem definida dieta naturista, não há
dúvida que pode existir uma dieta estritamente vegetariana, onde não se incluiriam alimentos de
origem animal. Note-se, dentre outros exemplos possíveis, o caso dos preparos em pó para
produção de gelatinas. Estes tantos podem ser produzidos a partir do colágeno bovino, como a
partir de algas. Tanto pode ser uma gelatina de origem vegetal quanto animal. E isso,
certamente, deveria estar bem claro na rotulagem.
PERCEPÇÕES E MERCADOS
Não se pode acreditar que exista uma efetiva tentativa de mentir para o consumidor. Este,
certamente, não pode se dizer enganado, pois compreende como risível o anúncio, nas praias,
de sanduíches naturais de peito de peru ou ricota, dentre outros ingredientes igualmente
industrializados, ou mesmo enlatados, se não inclusive artificiais ou contendo aditivos químicos
variados. São fatos que violam, com certeza, as fronteiras do que a percepção pública assume
como natural.
Poderia ser questionado que o consumidor não está rigidamente ancorado no significado
bromatológico do natural, e sim no significado semiológico, consumindo mais símbolos que,
verdadeiramente, substâncias. E poderia ser levantado que, nesse sentido, as normas de
identidade e qualidade, em particular aquelas que tratam de rotulagem e propaganda, deveriam
cuidar não apenas do substantivo, mas também do simbólico. Nesses casos, o consumidor,
embora não exatamente enganado, estaria, pelo menos, sendo induzido a erros.
Nesse amplo, complexo e variado contexto, torna-se muito dificultoso delimitar, tecnicamente, os
limites do alcance de uma norma de rotulagem. Inclusive porque é dificultoso delimitar o
significado do termo natural. Um aspecto, porém, parece óbvio. Não estamos aqui tratando, em
geral, de novos produtos, estranhos ao mercado e ao consumidor. E´ apenas o agregar de uma
nova denominação, uma maquiagem semântica, sobre alimentos que já estavam há anos no
mercado, sendo de consumo tradicional. A introdução do termo natural pode, então, oferecer
mais atração para uma determinada marca, em relação à outra que, talvez, tenha apenas
retardado o passo de sua, digamos, naturalização. O Lanjal, por exemplo, deixou de ser
conservado quimicamente e, agora, se apresenta como Natural, o que, teoricamente, poderia
colocá-lo em vantagem contra outras marcas de sucos congelados. Ou, pelo menos, estimular o
seu consumo junto a segmentos que, antes, o evitavam, devido aos conservantes adicionados.
Assim, um refrigerante natural ampliaria o volume de vendas não apenas tomando consumidores
de outra marca, como atraindo novos consumidores para esse tipo de produto. A Diet Coke
parece ser um exemplo disso, na medida que vem captar consumidores que antes não ingeriam
o produto açucarado.
Para pensar, com mais profundidade, o significado do termo natural em rótulos de alimentos,
parece conveniente pensar que alimento natural é aquilo que a natureza criou para ser
naturalmente comido. E, salvo engano, apenas duas substâncias estariam incluídas nessa
categoria: o leite e o mel. Mas, o leite, exclusivamente para os filhotes da mesma espécie, claro.
Da mesma forma, o mel seria para a colméia. E não para o homem industrializar e comer.
Da mesma forma, um grão de trigo, ou de milho, está na natureza para dar origem a outra planta,
de trigo ou milho, e não para virar pão ou pipoca. Da mesma forma que um ovo existe não para
virar omelete, e sim para gerar outra ave.
Olhando menos filosoficamente, com mais tolerância, natural seria aquela cereja vegetal, in
natura ou mesmo em conserva, mesmo em lata, fazendo contraponto com a cereja artificial,
aquela feita de jujuba, colorida quimicamente, para enfeitar coquetéis. Também natural seria
aquele iogurte com morango que, em vez de corantes e aromatizantes artificiais, teve adição
unicamente de polpa da fruta. Mas continuaria sendo natural se a sua cor, em vez de advir do
vermelho do morango, adviesse do vermelho do corante natural extraído da beterraba ou da
casca da uva ?
TENTANDO REGULAMENTAR
Pesquisa realizada na Inglaterra apontou que 79% dos anúncios de alimentos naturais eram
inaceitáveis (num total de 670 produtos). E apenas 9% da rotulagem e 6% da propaganda
poderiam ser considerados como legítimos. Além disso, considerava que terminologias como full
of natural goodness, naturally better ou natural choice não tinham sentido e serviam, apenas,
para induzir o consumidor a erro.
O Comitê Assessor de Alimentos, do Ministério da Agricultura do Reino Unido, entende que
natural pode ser usado apenas para alimentos simples (não para formulações e misturas),
tradicionais, aos quais nada tenha sido adicionado, e que tenham sido processados apenas até
torná-los adequados para o consumo. Isto incluiria, por exemplo, congelamento, concentração,
fermentação, pasteurização, esterilização, defumação (natural, sem aromas artificialmente
adicionados) e processos tradicionais de cozimento: panificação, tostagem e branqueamento.
Já o descoramento, oxidação, defumação (artificial, mediante aditivos aromatizantes) e
hidrogenação (caso da margarina, por exemplo), seriam processos não aceitáveis para o termo
natural.
Não é diferente a complexidade para o uso do termo organicamente cultivado. Nos EEUU, por
exemplo, o IFT-Instituto de Tecnologistas de Alimentos, e de uma perspectiva científica, entende
que todo alimento, seja de fonte animal ou vegetal, é um alimento orgânico, pois deriva sempre
de um organismo vivo, contendo carbono em sua estrutura química. Portanto, em vez de usar
estritamente o termo orgânico, propõe que este esteja sempre ligado a outra palavra, como
organicamente produzido ou organicamente cultivado.
CONCLUSÃO
Quando uma empresa anuncia ou rotula como natural , ela não está, supostamente, pretendendo
vender apenas um produto, mas sim um estilo de vida. Dietéticos, naturais, orgânicos,
alternativos, todos ficam na mesma prateleira do supermercado, e se destinam aos mesmos
consumidores. Ali eles se encontram, ainda que como no caso típico dos restaurantes naturais,
para comer frituras!
Materializamos o produto, em vez de controlar a conduta. Em vez de adotarmos uma relação
natural com a comida e com o ato de comer, em vez de autoconstruirmos essa renaturalidade,
optamos por tentar adquiri-la no mercado, transformadas em produtos. Em vez de adotarmos
uma dieta natural, acentuamos, dia a dia, uma conduta dietética afastada da natureza, mas
pretensamente composta de itens ditos naturais. Em vez de comer em horários convencionais,
regularmente, com tranquilidade, em volumes apropriados, optamos por comer apressados, de
pé, sem mastigar direito, em meio a fumantes, estressadamente.
Uma coisa é querer circunscrever o objeto em observação, esse termo alimento natural e, então,
analisá-lo pelo prisma estritamente químico-bromatológico, fazendo uso de indicadores de
nutrição e toxicologia. O problema é que tais indicadores são muito bons para estudos
circunscritos ao espaço do laboratório analítico, também bromatológico. E quando o termo natural
emerge para surgir no rótulo, não é mais unicamente de bromatologia que estamos falando, não
é já unicamente pelo mundo da química que estamos sendo abraçados, mas sim pelo mundo dos
símbolos e representações sociais. Nesse contexto, a regulamentação do uso desse, digamos,
natural claim, deve transcender os fenômenos circunscritos aos tubos de ensaio, se preocupando
com o espaço que a comida ocupa nas mentes e corações. Ou, em termos práticos, objetivos e
operacionais, se o Estado pretende regulamentar alguma coisa nesse campo, fundado em
compromissos com a proteção do consumidor e com a saúde pública, então, melhor seria coibir o
uso desregrado e indiscriminado dessa terminologia - na maior parte das vezes visando induzir o
consumidor a erro - e apoiar campanhas que evidenciem que uma dieta natural não é o
somatório de alimentos ditos naturais dentro do cardápio. Mas, em vez disso, um relacionamento
mais natural com a comida, a bebida, considerando horários, quantidades, variedades e, mais
que tudo, uma ingestão serena e uma digestão tranquila. Uma alimentação natural pode, em
suma, ser perfeitamente alcançada, ao menos no primeiro estágio, sem o consumo de alimentos
ditos naturais.
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