ELETROCARDIOGRAMA AS BASES FISIOLÓGICAS DA ELETROCARDIOGRAFIA Grupo de Fisiologia Geral da Fundação Universidade de Caxias do Sul Grupo de Fisiologia Geral da Universidade de Caxias do Sul AS BASES FISIOLÓGICAS DA ELETROCARDIOGRAFIA Monitoria da disciplina Unidade de Ensino Médico Biofisiológica, ministrada pelo professor Rafael Colombo, coordenador do Laboratório de Fisiologia Geral da Universidade de Caxias do Sul, e pelos monitores Samuel da Silva Rosario e Lucas Radaelli. Caxias do Sul - 2013 www.fisiologiaucs.webnode.com OBJETIVOS Compreender a teoria vetorial da atividade elétrica cardíaca e a sua implicação no eletrocardiograma normal. A eletrocardiografia representa um valioso registro de como ocorre a variação da voltagem entre dois pontos na superfície corporal, decorrente dos eventos elétricos envolvidos no ciclo cardíaco. A qualquer momento do ciclo cardíaco, o eletrocardiograma indica o campo elétrico resultante da estimulação elétrica cardíaca, que é a soma de muitos campos elétricos de fraca intensidade que estão sendo produzidos pelas mudanças de voltagem que ocorrem nas células cardíacas. Quando se fala em fenômeno elétrico, ou seja, os eventos elétricos que circundam o coração conforme uma oscilação programada, deve-se levar em consideração que exista um ponto de origem e um ponto de chegada para a corrente elétrica - ou seja, dois pontos (dois polos, isto é, um dipolo). Um sistema formado por duas cargas elétricas de valores absolutos iguais e de sinais opostos, separadas por uma determinada distância, gera um dipolo elétrico - este é o princípio básico das derivações eletrocardiográficas. O sistema dipolo pode ser representado, portanto, por um vetor que apresenta um tamanho (infinitamente pequeno e proporcional à intensidade do campo elétrico), uma direção (representada pelo eixo que une os dois polos), uma origem que se localiza em um ponto a meia distância dos dois polos e, um sentido (graficamente é representado por uma seta, que é indicada a partir da origem em direção à carga positiva). Aplicar o conhecimento dos potenciais elétricos e da mecânica cardíaca ao entendimento do eletrocardiograma normal. ROTEIRO 1. Conhecer as principais aplicações do eletrocardiograma na prática clínica e o seu valor diagnóstico nas cardiopatias mais prevalentes; 2. rever os aspectos gerais sobre o sistema de condução elétrica do coração; 3. familiarizar-se com os elementos que compõem um eletrocardiograma; 4. discutir as derivações eletrocardiográficas e suas aplicações na realização do eletrocardiograma; 5. entender a formação dos vetores resultantes da atividade elétrica cardíaca e adquirir noções básicas sobre o vetorcardiograma. Os avanços ocorridos no entendimento da fisiologia humana e no campo tecnológico tornaram possível a criação do eletrocardiograma no início do século XX. Willem Einthoven (foto acima) é considerado o pai da eletrocardiografia. Após anos de muito trabalho e muito estudo, Einthoven elaborou em 1903 um aparelho que poderia ser utilizado para a pesquisa médica. O galvanômetro de corda permitiu o estudo da atividade elétrica do coração, captada nas superfícies do corpo humano. Essa incrível pesquisa valeu a Willem Einthoven o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1924. O galvanômetro desenvolvido por Einthoven ocupava duas salas, tinha um peso aproximado de 270 quilos e necessitava de, no mínimo, cinco pessoas para ser operado. O paciente estudado deveria permanecer com os dois braços e a perna esquerda mergulhados em baldes metálicos com solução hidroelétrica. O aparelho era formado por um filamento muito fino de quartzo recoberto por prata, situado sobre um campo magnético de grande intensidade. A discreta corrente elétrica gerada pelo coração era captada e era capaz de mover o fino filamento, provocando uma oscilação que dependia da intensidade e da direção do potencial gerado pelos cardiomiócitos e captado pelos eletrodos - na época, representados pelos baldes com solução salina. As sombras provocadas pela oscilação da corda eram projetadas em um filme fotográfico a uma velocidade de 25 milímetros por segundo. Foi através deste galvanômetro que Einthoven estabeleceu os princípios básicos da eletrocardiografia e obteve as derivações bipolares dos membros: DI, DII e DIII. O valor do eletrocardiograma no diagnóstico das seguintes cardiopatias: Infarto agudo do miocárdio ++++ Bloqueios cardíacos ++++ Arritmias cardíacas ++++ Isquemia miocárdica ++ Hipertensão arterial / Insuficiência cardíaca + O Sistema de Condução Elétrica do Coração Os elementos que compõem um eletrocardiograma Observe atentamente a imagem abaixo, pois nela trabalharemos os principais conceitos e noções sobre os elementos que constituem um eletrocardiograma normal. Eletrocardiograma normal. Tratado de Fisiologia Médica/John E. Hall. - 12.ed. - Rio de Janeiro: Elsevier; 2011. Considerações sobre a folha de impressão do eletrocardiograma: considere o valor zero como a linha de base dos traçados do eletrocardiograma (ECG). A imagem acima pode ser interpretada como um gráfico, onde o eixo vertical representa a voltagem, em milivolts, e o eixo horizontal representa o tempo, em segundos. A partir do tempo zero, cada linha representa um período de tempo de 0,04 segundo (isto está pré-definido, lembre-se que a velocidade padrão de impressão é de 25 mm/s!). Mas por que é preciso estar atento ao tempo? Os eventos cardíacos acontecem em intervalos de tempo relativamente comuns a todas as pessoas; alterações patológicas nesses eventos podem retardar ou acelerar a atividade cardíaca, modificando os intervalos de tempo impressos no traçado do ECG. Agora observe o valor zero, no eixo vertical do papel milimetrado. Ele representa a linha de base do ECG; cada linha vertical para cima do valor zero representa uma voltagem positiva de 0,1 milivolts; cada linha vertical abaixo de zero representa uma voltagem negativa de 0,1 milivolts. Note que a voltagem aproximada da onda P é de aproximadamente 0,2 milivolts, e a voltagem da onda S é de cerca de 0,3 milivolts. Considerações sobre os traçados do eletrocardiograma: o eletrocardiógrafo, assim como o voltímetro utilizado para registrar a corrente elétrica nas células isoladas, registra apenas as variações na voltagem. Ou seja, quando a atividade elétrica não proporciona uma diferença de potencial que possa ser captada pelos eletrodos na superfície do corpo, o traçado do ECG tende a permanecer em sua linha de base (valor zero), pela ausência do registro das variações nas voltagens que ocorrem no tecido cardíaco. Acompanhando a figura acima, perceba que o traçado do ECG inicia na linha de base, ou seja, neste momento não há variação de voltagem nas células cardíacas. Então surge uma deflexão positiva (para cima), designada como onda P, a qual reflete a despolarização dos átrios. Logo após o fim da onda P, um segmento curto, conhecimento como segmento PQ ou PR (representa o atraso na condução elétrica no nodo atrioventricular - lembre-se de revisar o motivo deste atraso!) surge antes do complexo QRS formado por uma onda Q, uma onda R e uma onda S. O complexo QRS representa a despolarização dos ventrículos e possui essa configuração de ondas devido aos inúmeros vetores e à intensa atividade elétrica que ocorre nessas câmaras (na figura acima o complexo QRS é predominantemente positivo). O segmento ST* aparece após o complexo QRS. Por fim, a onda T, representa a repolarização ventricular. Eventualmente pode-se observar uma pequena onda U, a qual representa a repolarização dos músculos papilares e das cordoalhas tendíneas. A onda de repolarização atrial (onda T atrial) não é visível no traçado normal de ECG, visto que este registro é encoberto pelo complexo QRS (atividade ventricular de grande intensidade). *Segmento ST: ainda há certa dificuldade em encontrar uma definição clara para o significado fisiológico do segmento ST. O mais aceito é que ele representa a diástole ventricular, ou seja, a atividade das artérias coronárias. Ele deve ser isoelétrico ao segmento PR, isto é, estar situado sobre a linha de base. As Derivações Eletrocardiográficas As derivações do ECG foram desenvolvidas com o objetivo de analisar a atividade elétrica cardíaca por diferentes ângulos. Em outras palavras, as derivações têm a finalidade de observar o coração por diferentes olhos, cada um analisando uma parte específica do coração. Derivações periféricas Derivações bipolares dos membros (de Einthoven): DI, DII e DIII Derivações unipolares dos membros (de Goldberg): aVR, aVL e aVF Derivações precordiais V1, V2, V3, V4, V5 e V6 Existem ainda as derivações do lado direito do coração (designadas V1R a V6R) e as derivações posteriores (V7, V8 e V9) utilizadas em situações especiais. As derivações que examinam a mesma área do coração são referidas como derivações contíguas. Esses grupos de derivações contíguas são denominados conforme a área do coração que eles examinam. Derivações inferiores: II, III e aVF. Derivações anteriores: V1, V2 (ventrículo direito); V3, V4 (septo interventricular). Derivações laterais: I, aVL, V5 e V6. Em cada uma das derivações, as ondas do ECG adquirem uma morfologia característica, com amplitudes distintas. Os vetores resultantes da atividade elétrica cardíaca Para continuar entendendo como funcionam as derivações do eletrocardiograma, devemos agora compreender a teoria vetorial dos eventos eletrofisiológicos do coração. Tenha em mente que toda atividade elétrica que se aproxima de um eletrodo positivo na superfície do corpo, irá produzir uma deflexão positiva, ou deflexão para cima no traçado do ECG; ao passo que, a atividade elétrica que se afasta desse eletrodo positivo irá produzir uma deflexão negativa, ou deflexão para baixo. A atividade elétrica no coração produz inúmeros vetores de muito fraca intensidade e, quando somados, resultam em um vetor de intensidade maior que tem origem no centro do tórax, e tem sentido e direção para baixo e à esquerda com um ângulo de aproximadamente 60 graus, ou seja, estendendo-se da base ao ápice cardíaco. Para aplicar este conhecimento ao entendimento das derivações, analisemos agora o vetor suprarreferido na derivação I de Einthoven, para exemplificar a sua implicação nos traçados do ECG. A derivação I (DI) por convenção é configurada da seguinte maneira: o eletrodo positivo (também conhecido como eletrodo explorador - ou seja, aquele que explora, estuda a corrente elétrica) é fixado no braço esquerdo do paciente; e o eletrodo negativo (também conhecido como eletrodo indiferente) é colocado no braço direito. Dessa maneira, note que o eixo da derivação I (ou eixo zero) é horizontal e analisa as cargas elétricas da direita para a esquerda. Se projetarmos o vetor resultante dos eventos elétricos do coração no eixo da derivação I, à meia distância dos eletrodos fixados nos braços (no meio do eixo!), podemos calcular o vetor resultante na derivação I e, desse modo, podemos saber se a corrente elétrica se aproxima ou se afasta do eletrodo explorador. Agora se considerarmos a onda P, no coração normal, essa projeção irá resultar em um vetor que se direciona para o eletrodo explorador, consequentemente produzindo uma deflexão positiva no traçado - por isso a onda P é positiva na derivação I. Outro exemplo, ainda considerando um coração normal: analisemos o vetor da despolarização cardíaca no eixo da derivação aVR. O eixo da derivação aVR é um eixo que se estende de 30 graus a 210 graus na rosa dos ventos eletrocardiográfica (a derivação aVR consiste em um eletrodo positivo no braço direito e dois eletrodos negativos, um no braço esquerdo e outro na perna esquerda). Ao projetarmos o vetor referido acima nesta derivação, percebemos que o vetor cardíaco se afasta do eletrodo positivo. Como consequência, notamos uma deflexão negativa no ECG - por isso as ondas de despolarização e repolarização são negativas na derivação aVR. Quando o vetor cardíaco está praticamente perpendicular ao eixo de uma derivação, a intensidade do vetor resultante é muito baixa, e por isso o registro das ondas fica muito próximo da linha de base do eletrocardiograma (valor de voltagem zero), como o que ocorre nas derivações DIII e aVL. Referências Bibliográficas Guyton e Hall - Tratado de Fisiologia Médica / John E. Hall. - 12.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. Silverthorn, Dee Unglaub. Fisiologia Humana: uma abordagem integrada. São Paulo: Artmed, 2010. Dale Dubin, M.D. Interpretação Rápida do ECG - 3.ed. Rio de Janeiro, produzido pela equipe do Jornal Brasileiro de Medicina. 10ª impressão da 3.ed. Tairova, O.S. Eletrocardiografia. Aula da Unidade de Ensino Médico Biofisiológica da Universidade de Caxias do Sul. 2013. www.tracadosdeecg.blogspot.com.br