Dispositivos Eléctricos Administração de Medicamentos via Transdérmica por Iontoforese Alexandre Ribeiro - 69886 André Pinheiro - 69866 Pedro Parreira - 70111 Palavras Chave Iontoforese Electromotive Drug Administration (EDA) 1 Introdução Hoje em dia, um dos principais desafios da engenharia aplicada à medicina, nomeadamente da engenharia biomédica, é o desenvolvimento de dispositivos eléctricos que permitam métodos de diagnóstico e tratamento dos pacientes de uma forma mais fácil, rápida, prática e barata. Deste modo, torna-se essencial a aposta na investigação dedicada ao desenvolvimento destes dispositivos e de novas técnicas, para que os cuidados de saúde possam ser disponibilizados à população de forma mais abrangente e acessível. Actualmente, uma das formas mais utilizadas para o tratamento é a administração de fármacos por via oral ou intravenosa. No entanto, surgiram há já alguns anos diferentes métodos que permitem que estas substâncias possam ser aplicadas de forma não invasiva e de um modo muito mais localizado, evitando assim alguns problemas como o desperdício de seringas, que não podem ser reutilizadas por motivos de higiene e requerendo uma menor quantidade de fármaco utilizado. A maior parte desses métodos recorrem ao processo de iontoforese. A Iontoforese é o processo de passagem de uma corrente eléctrica de baixa intensidade através de uma membrana biológica ou artificial para que se dê o transporte de moléculas com ou sem carga. 2 Descrição Características do dispositivo Um dos circuitos utilizados para se dar o processo de iontoforese, que foi tido como referência para o trabalho (e pode ser visto no artigo 3. Da bibliografia), é até algo simples do ponto de vista electrónico, sendo constituído por: Componentes do circuito: Transformador o Previne que existam picos de valores mais elevados na corrente (picos de corrente) Fonte de corrente constante Gerador de ondas de corrente Voltímetro e amperímetro o Medição da tensão aos terminais da bateria, informando quando será necessária a sua troca. Medição da intensidade de corrente administrada Todos estes constituintes irão servir para aplicar a tensão que levará a que se dê o processo de iontoforese, como será explicado ao longo do trabalho, bem como para monitorizar os próprios componentes do aparelho, garantindo que este não provocará qualquer dano ao utilizador. Mecanismos envolvidos na administração transdérmica Pele A pele apresenta-se como uma barreira física e química que possui funções como a protecção do organismo contra a perda de líquidos e contra a invasão indesejada de microrganismos e outras substâncias exteriores, inclusive a água. Desta forma, a pele (especificamente a parte superior da mesma, que se encontra queratinizada) é um dos maiores obstáculos à administração de fármacos de forma transdérmica. No entanto estes são capazes de penetrar na mesma no organismo graças a três caminhos principais: Folículos pilosos e glândulas sebáceas; Ductos sudoríferos; Através da própria pele (caminho intersticial). Uma vez no organismo, as substâncias passam para a circulação através dos capilares sanguíneos que irrigam as glândulas e a pele. Repulsão eléctrica A repulsão eléctrica caracteriza-se como sendo o fenómeno de afastamento de duas cargas eléctricas de mesmo sinal. Ou seja, iões de valência positiva serão repelidos pelos ânodos e os iões de valência negativa serão repelidos pelos cátodos, afastando-se da superfície da pele e aproximando-se do local pretendido. 3 Fluxo Electro-osmótico Durante a aplicação da corrente eléctrica verifica-se um fluxo de água do ânodo para o cátodo. Isto permite um transporte de fármacos ionizados dissolvidos na solução doadora. Nas condições normais da pele o pH tende a ser entre os 3 e 4 (ou seja, uma maior presença de iões H3o+), o que facilita a penetração de iões negativos e dificulta a penetração de iões positivos. Penetração Transdérmica por Iontoferese Uma estimativa da quantidade de iões que são introduzidos através da pele, por unidade de tempo, pode ser dada pela equação: Q T×I = t Z×F Em que T é o tempo de aplicação (em segundos); Z é o número de valência do ião; I é a intensidade da corrente (em amperes); e F é a constante de Faraday. [1] A partir desta equação é fácil tirar a conclusão de que a quantidade de iões que atravessa a pele aumenta com o aumento da amplitude da corrente e do tempo que esta está a ser aplicada. Por outro lado também concluímos que quanto maior for o número de valência do ião, menor será a quantidade transferida. Tendo isso em conta, não podemos aumentar a amplitude da corrente indiscriminadamente, visto que isso tem consequências graves. Por isso temos de ter em consideração a densidade de corrente que é aplicada. Segundo a literatura, as relações amplitude-tempo recomendadas variam entre os 20 e os 100 mA.min, sendo que a Food and Drugs Administration (FDA) sugere 80 mA.min para aplicações na iontoferese. Desta forma são previstas doses de 0,1 a 1 mA por unidade de área do eléctrodo, esta medida em centímetros quadrados (cm2), sendo os valores de 0,3 a 0,5 mA/cm2 é mais descrita em estudos humanos. Isto, por sua vez, levanta outro problema. Como o tamanho do eléctrodo tem de ser compatível com a área alvo, para que o tratamento será eficaz, a densidade de corrente pode tomar valores que causam irritabilidade ou mesmo queimaduras na pele do paciente. Logo, os cálculos devem ser feitos a começar pela densidade de corrente, considerando o valor de 0,5 mA/cm2. A amplitude não deve ultrapassar os 5 mA e o tempo de aplicação deve ter em conta o limite de 100 mA.min. Aplicações Terapêuticas A Iontoforese apresenta-se como uma forma eficiente de administrar compostos activos em zonas localizadas. Como anteriormente referenciado, a Iontoforese apresenta vantagens significativas em relação a outros tipos de administração de fármacos, tais como o reduzido risco de infecção por ser não invasivo, a possibilidade de minimizar efeitos secundários pela capacidade de administrar localmente e o processo ser indolor. Assim, não é de admirar que o uso da iontoforese tem vindo a aumentar nas áreas da Fisioterapia, Medicina Dentária e Dermatologia, onde é comum a administração de fármacos em pontos específicos do corpo [2]. 4 De seguida, ir-se-á referir as principais substâncias utilizadas em tratamentos médicos cuja administração por Iontoforese tem vindo a ser cada vez mais vulgar, bem como algumas doenças que podem ser tratadas por sessões periódicas de Iontoforese. Vasodilatação – Alguns compostos, como a histamina, aumentam o calibre dos vasos sanguíneos, sendo aplicados por este processo para combater algumas doenças como Hipertensão Arterial ou doença de Raynaud, que causa vasoespasmos [3]. Anestesia – A Lidocaína é um anestésico local bastante usado no tratamento da arritmia cardíaca, sendo usado muitas vezes em casos de Taquicardia e Fibrilhação Ventriculares. É usado também em pequenas cirurgias, como as dentárias. Como o seu efeito é local, a sua aplicação pode ser feita por iontoforese. Diagnóstico de Fibrose Cística – A Fibrose Cística é uma doença genética recessiva que afecta as secreções das glândulas exócrinas, levando a que o muco produzido no corpo seja muito viscoso, obstruindo a passagem de ar nas vias respiratórias ou comprometendo o funcionamento do aparelho digestivo. A doença é diagnosticada pelos elevados níveis de Cloro e Sódio no suor. A aplicação de pilocarpina por iontoforese no corpo leva a um aumento intenso da actividade das glândulas sudoríparas, permitindo a análise do suor e posterior diagnóstico da doença [3]. Tratamento de Hiperidrose – A Hiperidrose é uma doença que se caracteriza pela excessiva produção de suor. Desde os anos 50 que o tratamento da Hiperidrose palmar e plantar por Iontoforese é feito. É utilizada água mineralizada cujos iões bloqueiam as glândulas sudoríparas. Figura 1 e 2 – Iontoforese no tratamento de Hiperidrose Anti-inflamatórios – Os Corticoesteróides têm um potente efeito antiinflamatório. São os fármacos cuja administração por iontoforese é mais comum a nível de Fisioterapia, já que existem sob a forma de sais solúveis em água, sendo a molécula corticoesteróide electricamente negativa. Para além destes, destacam-se outros compostos administrados por iontoforese, tais como a epinefrina, que induz a vasoconstrição, e catiões de Prata, utilizados no tratamento de pacientes com Osteomielite, uma inflamação óssea [3]. Deve-se salientar também o facto de a Iontoforese constituir um tratamento experimental na Oftalmologia, levando à entrada de antibióticos no olho. 5 Caso Especial - A Iontoforese Reversa A título de curiosidade, faremos uma breve referência a um dispositivo utilizado na detecção de níveis de glicose elevados que utiliza o processo inverso ao relatado até este momento – a Iontoforese Reversa. Tal como o nome sugere, a Iontoforese Reversa consiste na remoção de moléculas do corpo por aplicação de uma corrente eléctrica. É utilizada no GlucoWatch®, que é um relógio de pulso constituído por um detector de níveis de Figura 3 - Dispositivo glicose. utilizado para a realização Ao aplicar uma de Iontoforese reversa baixa corrente eléctrica, este dispositivo leva a que se produza suor pelo fluxo de fluidos intersticiais em direcção à pele. A locomoção deste fluxo na presença de um campo eléctrico deve-se à existência de catiões que são atraídos pela carga negativa do ânodo do dispositivo (fenómeno de Electroosmose). Existindo um fluxo deste fluido, as moléculas neutras, como a glicose, são transportadas em direcção à Figura 4- Processo da Iontoforese pele, podendo ser detectadas pelo aparelho. Factores que influenciam a transferência por iontoforese Propriedades do fármaco Concentração – Tal como em outros tipos de administração, regra geral, um aumento da concentração do fármaco aumenta o fluxo de transferência. Valência e massa do ião – Catiões (ou aniões) monovalentes e pequenos, como o caso do sódio (Na+, massa molar de 23 gr/mol), possuem uma maior permeabilidade que iões polivalentes e grandes, como por exemplo o Zinco (Za2+, massa molar de 65 gr/mol). Este facto é evidenciado pela equação apresentada anteriormente sobre a penetrabilidade dos iões. pH – Mudanças no pH da solução pode resultar na diminuição de iões do fármaco, sendo que isso levará a uma menor transferência do mesmo. Propriedades de corrente eléctrica Como verificado anteriormente, é possível aplicar correntes de amplitude diferente em intervalos diferentes de tempo para transferir a mesma quantidade de fármacos. Estes valores também podem ser conjugados para obter uma eficácia máxima, média, ou mínima, dentro dos mesmos limites impostos. Também há relatos de aplicação de correntes alternadas com o objectivo de evitar a polarização da pele e diminuir o risco de lesão para o paciente, embora ainda não tenha sido confirmado. 6 Variáveis biológicas pH – O pH da pele é um factor importante na penetração iónica da pele, devido à mudança da carga eléctrica dos poros. Se a pele possuir um pH entre os 3 e 4 não conduz iões devido ao facto de se tornar isoeléctrica. Para um pH superior a 4, os poros tornam-se negativos e, consequentemente, mais permeáveis a iões positivos, sendo que quando o pH é abaixo dos 3, ocorre o contrário: os poros tornam-se positivos e aumenta a permeabilidade a iões negativos. Fluxo sanguíneo – Uma experiência levada a cabo por Cross e Roberts permitenos tirar a conclusão de que, segundo uma experiência levada a cabo com ratos, o fluxo sanguíneo tem um importante contributo para a absorção de iões. A pele - A impedância da pele depende de sua espessura, do grau de hidratação celular e do número de glândulas sudoríparas e folículos pilosos, que são vias de baixa impedância em relação ao estrato córneo, estrutura que confere à pele a maior parte da resistência à passagem de corrente eléctrica. Idade – Em geral, as crianças possuem a pele mais permeável do que os idosos. No entanto não foi possível averiguar se a idade é de facto um factor decisivo em humanos. 7 Conclusão A iontoforese constitui uma alternativa para potencializar a transferência de substâncias ionizáveis, garantindo níveis de concentração superiores à difusão passiva não facilitada pela corrente eléctrica, suficientes para desencadear os efeitos terapêuticos desejados. Como é uma tecnologia que oferece uma administração de fármacos segura, não invasiva e localizada, é natural que a sua popularidade e utilização tenha vindo a aumentar. A evolução dos dispositivos tem sido feita no sentido de tornar portáteis, uma vez que alguns destes aparelhos se destinam à administração de fármacos de forma periódica. Apesar de ser esperado um aumento da utilização de dispositivos de administração de fármacos por iontoforese, é necessário que se continue a realizar, por um lado, estudos que demonstrem a capacidade de penetração de vários fármacos até aos tecidos-alvo, levando a que haja aumento do espectro de fármacos cuja administração por iontoforese é mais favorável, por outro, estudos que permitam saber para cada fármaco quais os custos de administração por iontoforese, comparando com outros métodos. 8 Bibliografia 1. Makoto KANEBAKO ; Toshio INAGI ; Kozo TAKAYAMA ; Transdermal Delivery of Indomethacin by Iontophoresis; Biol. Pharm. Bull. 25; 779—782; 2. Oliveira, A. S. ; Guaratini, M. I. ; Castro, C. E. S. ; FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA PARA IONTOFORESE 3. P.Connolly; I.Camilleri; C.T.S. Ching; A Portable and Programmable lontophoresis Device for Transdermal Drug Delivery and Transdermal Extraction http://www.iontoforese.com/ http://pelenow.blogspot.com/ http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/artigos_revistas/143.pdf [1] - Remington: the science and practice of pharmacy. Lippincott Williams & Wilkins, 2005. 44; 883; [2] BISSCHOP. G.E; BISSCHOP F. COMANDRÉ.; Eletrofisioterapia.; São Paulo: Santos, 2001. [3] COSTELO, C.T; JESEKE, A H.; Iontophoresis: Aplications in Transdermal medication delivery. [S. l.: s.n.], 2000. p. 554-63. 9