UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - ProPPEC GERÊNCIA DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO PARA FORMAÇÃO PARA O MAGISTÉRIO SUPERIOR GUILHERME SIMÕES DE BARROS APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR AO COMÉRCIO ELETRÔNICO BRASILEIRO Itajaí, SC 2008 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - ProPPEC GERÊNCIA DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO PARA FORMAÇÃO PARA O MAGISTÉRIO SUPERIOR GUILHERME SIMÕES DE BARROS APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR AO COMÉRCIO ELETRÔNICO BRASILEIRO Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), como requisito parcial à obtenção do título de especialista no magistério superior. Orientador: Prof. Dr. Diego Richard Ronconi. Itajaí, SC 2008 Dedicatória Dedico este trabalho à Sherlana, minha companheira e incentivadora de todas as horas; ao meu filho, Guilherme Augusto; aos meus pais, José Augusto e Maria do Carmo e a minha irmã, Marcela. Agradecimentos Agradeço ao meu orientador, Prof. Diego Richard Ronconi, por sua paciência e dedicação durante a execução deste trabalho. Agradeço, também, à Profª. Ana Cláudia Reiser de Melo, pela criteriosa e dedicada correção. GUILHERME SIMÕES DE BARROS APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR AO COMÉRCIO ELETRÔNICO BRASILEIRO Esta monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Especialista no Magistério Superior e aprovada pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de Itajaí. Área de Concentração: Direito Empresarial Prof. Dr. Diego Richard Ronconi UNIVALI – CE Itajaí Orientador DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, a Coordenação do Curso de Direito e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí (SC), maio de 2008. Guilherme Simões de Barros Pós-Graduando RESUMO Esta monografia discorre especialmente sobre a aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor ao comércio eletrônico brasileiro e sobre os aspectos mais relevantes dos contratos eletrônicos e sua validade jurídica. O tema é relativamente recente, e no que tange ao contrato eletrônico ainda não existe legislação específica nacional que regulamente sua formalização. Em razão desta falta de legislação específica, a doutrina e a jurisprudência têm acolhido a aplicação de normas internacionais na solução dos conflitos oriundos desta forma de contração, todavia, quanto à validade jurídica dos contratos eletrônicos, não há dúvida que, quando a lei não exige forma especial, o contrato eletrônico é perfeitamente aplicável, desde que observados os princípios gerais da teoria contratual tradicional. A matéria é relevante e desperta grande atenção em função do significativo aumento das vendas de produtos, serviços e informações através dos meios eletrônicos. ABSTRACT This monograph talks specially about the application of the Code of Protection and Defense of the Consumer to the electronic Brazilian commerce and about the most relevant aspects of the electronic contracts and his legal validity. The subject is relatively recent, and as regards the electronic contract there is still not specific national legislation that regularizes his formalization. On account of this lack of specific legislation, the doctrine and the jurisprudence they have been welcoming the application of international standards in the solution of the originating conflicts in this way of contraction, however, as for the legal validity of the electronic contracts, there is no doubt of which, when the law does not demand special form, the electronic contract is perfectly applicable, when since the general beginnings of the contractual traditional theory were observed. The matter is a relevant and awake great attention in function of the significant increase of the sales of products, services and informations through the electronic ways. SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................10 1 PRINCÍPIOS DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS ....................................12 1.1 Objetivo e conceito de contrato ...................................................................12 1.2 Elementos subjetivos, objetivos e formais da validade dos contratos .........13 1.3 Princípios fundamentais do direito contratual ..............................................19 1.3.1 Princípio da autonomia da vontade....................................................20 1.3.2 Princípio da função social do contrato ...............................................21 1.3.3 Princípio da boa-fé contratual ............................................................22 1.3.4 Princípio do equilíbrio contratual ........................................................23 1.4. Proteção contratual no Código de Proteção e Defesa do Consumidor.......24 1.4.1 Força vinculante da oferta e da publicidade.......................................25 1.4.2 Consentimento informado ..................................................................26 1.4.3 Interpretação favorável ao consumidor ..............................................28 1.4.4 Onerosidade excessiva......................................................................28 1.4.5 Nulidade contratual ............................................................................30 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA INTERNET E O COMÉRCIO ELETRÔNICO ....................................................................................................31 2.1 Breve histórico sobre a Internet e o comércio eletrônico .............................31 2.2 Conceito e funcionamento da Internet .........................................................36 2.3 Sistemas de comunicação na Internet.........................................................38 2.3.1 Correio eletrônico ou e-mail ...............................................................39 2.3.2 Lista de correio eletrônico ..................................................................41 2.3.3 Comunicação em tempo real ou chat.................................................42 2.3.4 Obtenção remota de informações ......................................................43 2.4 O contrato no comércio eletrônico ...............................................................44 3 GENERALIDADES ACERCA DO CONTRATO ELETRÔNICO........................48 3.1 Conceito de contrato eletrônico ...................................................................48 3.2 Classificação dos contratos eletrônicos.......................................................50 3.2.1 Contratos eletrônicos intersistêmicos.................................................50 3.2.2 Contratos eletrônicos interpessoais ...................................................52 3.2.3 Contratos eletrônicos interativos ........................................................53 3.3 Formação dos contratos eletrônicos............................................................55 3.3.1 Tratativas ou negociações preliminares.............................................56 3.3.2 Oferta ou policitação ..........................................................................57 3.3.3 Aceitação ou oblação.........................................................................59 3.4 Validade dos contratos eletrônicos ..............................................................63 4 APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS ELETRÔNICOS .................................................................67 4.1 Relação jurídica de consumo na Internet ....................................................67 4.1.1 Os contratos eletrônicos como contratos de adesão .........................70 4.1.2 Equiparação dos contratos eletrônicos aos contratos a distância, realizados fora estabelecimento comercial........................................73 4.1.3 Aplicação aos contratos eletrônicos do prazo de arrependimento em benefício do consumidor....................................................................75 4.1.4 A responsabilidade dos participantes da cadeia de fornecimento .....79 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................86 REFERÊNCIAS ....................................................................................................89 10 INTRODUÇÃO O crescente desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação tem aumentado em muito a realização de negócios através da Internet. Esta nova maneira de contratar revolucionou o comércio, que se convencionou chamar de comércio eletrônico. Dentre as várias formas de comércio eletrônico, neste trabalho optou-se por dar maior atenção ao contrato eletrônico nas relações de consumo, em razão do grande aumento de volume na aquisição de bens, serviços e informações através dos meios virtuais. Neste trabalho monográfico, foi realizado um estudo que buscou verificar a possibilidade de aplicação dos institutos do direito contratual e do direito do consumidor nas lides decorrentes de contratos eletrônicos de consumo. Cabe, antes de se apresentar o trabalho, fazer uma observação preliminar acerca de delimitação do tema proposto. A análise se restringe à aplicação dos institutos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor ao comércio eletrônico brasileiro, todavia serão citados, no decorrer do trabalho, alguns dispositivos legais internacionais que orientam o comércio eletrônico mundial, em especial as Diretivas da Comunidade Européia. São objetivos específicos deste trabalho: a) verificar as características dos contratos eletrônicos; b) analisar a validade jurídica destes contratos; c) verificar a possibilidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Contratos Eletrônicos firmados nas transações do comércio eletrônico no âmbito nacional. Esta monografia contém quatro capítulos. O primeiro capítulo serve como revisão da teoria geral dos contratos sob a ótica do direito civil e a proteção 11 contratual garantida pelo direito do consumidor, com fundamento na legislação pátria e o entendimento dos doutrinadores. No segundo capítulo, abordam-se noções gerais acerca da Internet, como uma breve evolução histórica e seu funcionamento, e ainda uma análise do comércio eletrônico, suas formas e tipos mais usuais. O terceiro capítulo trata do contrato eletrônico, analisando sua classificação, formação e validade. No último capítulo, faz-se uma análise especial sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos Contratos Eletrônicos, com ênfase na possibilidade, ou não: da equiparação dos contratos eletrônicos aos contratos a distância; aplicação aos contratos eletrônicos do prazo de arrependimento em benefício do consumidor; e, por fim, na responsabilidade dos participantes da cadeia de fornecimento através dos meios virtuais. Pretende-se analisar, com ênfase, se os contratos eletrônicos obedecem aos princípios gerais do direito contratual brasileiro, e ainda, por serem, na maioria das vezes, firmado na forma de contratos de adesão, se podem sofrer a aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Nas considerações finais, destacam-se os pontos mais relevantes analisando os resultados obtidos. O método1 utilizado na fase de investigação é o indutivo; na fase de tratamento dos dados o cartesiano, utilizando-se a técnica da pesquisa bibliográfica e eletrônica. 1 “Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev.atual.amp. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p.104. 12 1 PRINCÍPIOS DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS 1.1 Objetivo e conceito de contrato Ao longo da história, o homem tem agido de forma a relacionar-se com os demais, tendo trocado, vendido e emprestado bens, e ainda, prestado serviços. Estes atos, que na grande maioria das vezes são de caráter oneroso, geram obrigações entre as partes. Estas obrigações se formalizam através dos contratos, mas antes de adentrar-se ao estudo mais especifico acerca do conceito e da teoria geral dos contratos, é importante, como ponto de partida, indicar a base legal dos atos e negócios jurídicos. O Código Civil Brasileiro de 2002 dispõe sobre os negócios jurídicos em seus artigos 104 e seguintes, e segundo a citada codificação, a validade do negócio jurídico requer: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e c) forma prescrita ou não defesa em lei. E o contrato, categoria dos negócios jurídicos, além do plano da validade, para figurar no mundo jurídico deve ainda situar-se sob os planos da existência e eficácia, que serão estudados no decorrer deste trabalho. O contrato é um instituto jurídico muito complexo, é não admite um conceito definitivo e de abrangência absoluta, entretanto, para delimitar melhor este estudo, é imprescindível a apresentação de alguns conceitos legais e doutrinários. O Código Civil de 1916 conceituava o ato jurídico com sendo: “Todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou 13 extinguir direitos, se denomina ato jurídico”, este conceito não foi reproduzido no Código Civil vigente. A partir do conceito de ato jurídico foram elaborados os conceitos de negócio jurídico e de contrato. Os primeiros conceitos de contrato surgiram na época do Estado Liberal e por isso apresentavam um cunho voluntarista, no qual o ponto mais importante era a vontade das partes. Hoje, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa jurídica e na função social do contrato, o conceito mais atual de contrato difere um pouco da antiga conceituação. Para Gomes,2 “contrato é uma espécie de negocio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral”. Rodrigues3 define contrato como “uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para sua formação, do encontro da vontade das partes”. Já a conceituação por Diniz4 trata o contrato de forma mais ampla: [...] contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar o extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial. 1.2 Elementos subjetivos, objetivos e formais da validade dos contratos Não há um consenso na doutrina nacional, todavia a maior parte dos autores admite que, no que se refere à validade dos contratos em geral, existem alguns elementos essenciais, divididos em: subjetivos, objetivos e formais. Os 2 GOMES, Orlando. Contratos. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 4. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p 9. 4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 14. 3 14 elementos subjetivos de validade dos contratos são relativos: ao consentimento válido ou declaração hábil de vontade das partes, à capacidade das partes e à legitimação para a prática do ato. A declaração de vontade é todo comportamento da pessoa, através do qual ela exterioriza um conteúdo de vontade negocial. O acordo de vontades, para exprimir a formação bilateral do negócio jurídico contratual depende do consentimento, que nas lições de Gomes5, representa “a integração das vontades distintas”. Diniz,6 esclarece a respeito do consentimento das partes: Visto que o contrato é originário do acordo de duas ou mais vontades isentas de vícios (erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo, simulação e fraude) sobre a existência e natureza do contrato, o seu objeto e as cláusulas que o compõem. Deve haver coincidência de vontades, porque cada contraente tem determinado interesse e porque o acordo volitivo é a força propulsora do contrato: é ele que cria a relação jurídica que vincula os contraentes sobre determinado objeto. Segundo Leal,7 nos contratos “a manifestação da vontade leva ao consentimento, isto é, ao encontro de duas ou mais declarações de vontade”. Completando este raciocínio, Gomes8 assevera: “Para que o consenso se forme, proposta e aceitação devem coincidir no conteúdo. Cada qual precisa ser limitada em relação a outra. Necessita, em síntese, a correspondência entre as duas”. Estará o contrato formado, quando houver a integração entre a declaração de vontade do solicitante ou proponente e a declaração de vontade do aceitante ou oblato. 5 GOMES, Orlando. Contratos. p. 48. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume. p. 17. 7 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos: validade jurídica dos contratos via internet. São Paulo: Altlas, 2007. p. 48. 8 GOMES, Orlando. Contratos. p. 49. 6 15 Quanto ao segundo elemento subjetivo, a capacidade das partes, deve-se lembrar que o contrato, como negócio jurídico bilateral, deve ser realizado por agente capaz, para ser considerado válido. Agente capaz é o sujeito apto a praticar sozinho os atos da vida civil. O Código Civil Brasileiro vigente trata da capacidade civil em seus primeiros artigos e dispõe de forma expressa no artigo 3º o rol dos que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, são eles: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; e III os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. A representação supre a incapacidade absoluta das pessoas arroladas nos incisos do artigo 3º do Código Civil Brasileiro, podendo, por exemplo, os filhos menores serem representados pelo pai, mãe ou tutor. A falta de representação de ato praticado por absolutamente capaz torna o ato nulo, não sendo possível, nem mesmo, a sua convalidação. Já o artigo 4º do Código Civil Brasileiro arrola os relativamente incapazes, que são impedidos de praticar certos atos ou têm restrições quanto à maneira de praticá-los, são eles: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Quanto aos índios, dispõe o parágrafo único, que a sua capacidade será regulada por legislação especial. A incapacidade relativa é suprida com a assistência dos pais, do tutor ou do curador, conforme o caso. Os institutos da representação e da assistência são diferentes, na representação não há manifestação da vontade do absolutamente incapaz, já na assistência, a pessoa relativamente incapaz pode pratica o negócio jurídico, mas sua declaração de vontade só será válida se presente o assistente. 16 Por este motivo, o ato praticado por relativamente incapaz não assistido é anulável, podendo ser validado pela confirmação do assistente, diferentemente do instituto da representação, que não admite validação, por ser nulo. Com relação à maioridade, dispõe o artigo 5º do Código Civil vigente que, ao completar 18 anos, a pessoa torna-se capaz, ou seja, apta para praticar todos os atos da vida civil. Além dos dezoito anos completos, existem outros meios de adquirir a capacidade genérica, estas formas estão descritas no parágrafo único do mesmo artigo, são eles: I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II - pelo casamento; III - pelo exercício de emprego público efetivo; IV - pela colação de grau em curso de ensino superior; V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. A aptidão específica para contratar ou legitimação para a prática do ato é também um elemento subjetivo de validade, e diferencia-se da capacidade, pois em alguns casos pode haver capacidade genérica, mas faltar legitimação. Segundo Diniz:9 a ordem jurídica impõe certas limitações à liberdade de celebrar determinados contratos; p. ex.: o art. 496 do Código Civil proíbe, sob pena de anulabilidade, contrato de compra e venda entre ascendente e descendente, sem que haja consentimento expresso dos demais descendente e do cônjuge do alienante; o art. 497 do Código Civil veda, sob pena de nulidade, a compra e venda entre tutor e tutelado etc. Os contratantes devem ter, portanto, legitimação para efetuar o negócio jurídico; Gomes10 lembra que a distinção entre capacidade e legitimação tem origem no Direito Processual, pois “para exercer o direito de ação, não basta ao 9 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume. p. 18 GOMES, Orlando. Contratos. p. 47. 10 17 titular ser capaz. Requer-se ainda que seja parte legítima, isto é, idônea, para movimentar a relação processual, por ter interesse a ser protegido”. Além dos elementos subjetivos já vistos, e ainda relacionados à validade dos contratos, têm-se os elementos objetivos, que por sua vez, dizem respeito ao objeto do contrato e de sua licitude, possibilidade e determinabilidade. Por licitude do objeto, entende-se que este último não pode ser contrário à lei, à moral, aos bons costumes e aos princípios da ordem pública. Desta forma, contratos que versem, por exemplo, sobre contrabando ou outros ato criminosos, são ilícitos e nulos. O reconhecido doutrinador em Direito contratual Rizzardo,11 esclarece, “em primeiro lugar, deve o objeto revelar-se licito como pressuposto para a validade do contrato. Para ser lícita a operação, é necessário que seja conforme a moral, a ordem pública e os bons costumes” O objeto do contrato necessita ainda ser possível, esta possibilidade se refere ao campo físico e jurídico. Venosa12 usa como exemplo de impossibilidade física ou material, quando se contrata uma pessoa muda para cantar, ou seja “a impossibilidade é física quando o contratante não tem as condições de realiza-la”, já a impossibilidade jurídica dá-se quando a própria norma impede a realização do ato, como um contrato sobre herança de pessoa viva. Com relação aos elementos objetivos de validade, tem-se necessidade de determinação do objeto, e neste particular, Rizzardo13 esclarece: O contrato envolverá objeto determinado ou determinável, isto é, que possa ser identificado, localizado, percebido, medido, aferido. Inviável a aquisição de um bem que se confunde com outros, ou se torne impossível a sua descrição e individualização. 11 RIZZARDO, Arnaldo, Contratos. – Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.11. VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7. ed. – São Paulo: Atlas, 2007. v. 2. p. 408. 13 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. p. 12. 12 18 Nesta linha, a venda de um certo número de hectares de terra, ou de animais, ou de outros bens, sendo impossível chegar a uma definição. Os elementos formais de validade dizem respeito à forma e à prova dos atos negociais. Em que pese nos negócios jurídicos em geral exigir-se forma para serem realizados, como requisito essencial de validade, nos contratos, segundo o que dispõe o Código Civil, vigora o princípio da forma livre14. Acerca da forma livre dos contratos, Diniz ensina que atualmente: Não há rigorismo de forma, pois a simples declaração volitiva tem o condão de estabelecer o liame obrigacional entre os contraentes, gerando efeitos jurídicos independentemente da forma de que se revista, seja ela oral ou escrita (por meio de instrumento particular ou público), de tal sorte que o elemento formal, na seara contratual, constitui uma exceção nos casos em que a lei exige, para a validade do negócio, a observância de certa forma. O princípio da forma livre é, segundo as lições de Venosa15, uma adequação aos tempos atuais, pois “á medida que se expandem as relações mercantis, seu dinamismo não mais permite prisão à forma”. Ainda a respeito da forma e da prova dos contratos, Gomes16 aduz: Embora não exigida para a maioria dos contratos, a forma escrita é preferida. Sua superioridade sobre a forma verbal é manifesta, principalmente no que diz respeito a prova do contrato. Ordinariamente, os contratos celebram-se por instrumento particular. Para valer, é preciso que seja assinado por pessoa que esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo necessário ainda, que seja subscrito por duas testemunhas. 14 GOMES, Orlando. Contratos. p. 53. VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7. ed. São Paulo : Atlas, 2007. v. 2. p. 409. 16 GOMES, Orlando. Contratos. p. 53. 15 19 Apesar de existir certa proximidade, forma e prova não se confundem nos atos jurídicos em geral, a forma “é o envoltório que reveste a manifestação de vontade”, enquanto que a “prova é o meio de que o interessado se vale para demonstrar legalmente a existência de um negócio jurídico”.17 Mas a estreita proximidade entre forma e prova existe em razão dos dispositivos do Código de Processo Civil, por exemplo, caso exigir-se a forma pública para o contrato, o instrumento público será o único meio de prova, mas se tratar-se de negócio jurídico não-formal, qualquer meio de prova será permitido pela ordem jurídica, desde que não seja por ela proibido ou restringido, segundo o que ensina Diniz.18 1.3 Princípios fundamentais do direito contratual Os negócios jurídicos, assim como os contratos, sofreram significativas mudanças em sua forma e finalidade ao longo da história da humanidade, assim como o direito contratual. De acordo com o que ensina Leal,19 no panorama contratual dos séculos XVIII e XIX, o dogma da vontade desfrutava de posição inviolável, considerando-se válido e, portanto, justo o contrato em que a vontade das partes fosse manifestada de forma consciente, livre de vícios. Imperava a máxima: “o contrato faz lei entre as partes”, em razão da forte influência do Estado liberal. Hoje, dada a importância do contrato na sociedade brasileira, e a proliferação dos contratos de massa e dos contratos de adesão, bem como a grande ocorrência de abusos cometidos, tornou-se imprescindível a intervenção do Estado para garantir a tão desejada justiça social. 17 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. V. 2. p. 410. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume. p. 21. 19 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos. p. 57 18 20 1.3.1 Princípio da autonomia da vontade O princípio da autonomia da vontade tem fundamento na liberdade contratual dos contratantes e consiste no poder de estipular livremente, mediante acordo de vontades. A respeito da liberdade contratual, as lições de Venosa20 assim descrevem: Essa liberdade de contratar pode ser vista sob dois aspectos. Pelo prisma da liberdade propriamente dita de contratar o não, estabelecendo-se o conteúdo do contrato, ou pelo prisma da escolha da modalidade do contrato. A liberdade contratual permite que as partes se valham dos modelos contratuais constantes do ordenamento jurídico (contratos típicos), ou criem uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidades (contratos atípicos). A liberdade contratual nunca foi ilimitada, mas como já dito, atualmente as limitações impostas pelo Estado são mais evidentes. Venosa adverte que “na contemporaneidade, a autonomia da vontade clássica é substituída pela autonomia privada, sob a égide do interesse social. Nesse sentido o Código Civil de 2002 aponta para a liberdade de contratar, sob o freio da função social”.21 No sentido de conter os excessos do individualismo e impor limites à autonomia da vontade, o Código Civil vigente, no artigo 421, estabelece que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. 20 21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. V. 2. p. 343. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. V. 2. p. 349. 21 Diniz22 sintetiza de forma moderna e atualizada, dizendo: “o principio da autonomia privada é o poder conferido aos contratantes de estabelecer vínculo obrigacional, desde que se submetam às normas jurídicas e seus fins não contrariem o interesse geral, de tal sorte que a ordem pública e os bons costumes constituem limites à liberdade contratual”. Como se vê, o princípio da autonomia da vontade na atualidade não é mais absoluto e está sujeito a outros princípios, como ao da função social do contrato, e ainda, ao princípio constitucional da função social da propriedade, norteador da ordem econômica. E, segundo Venosa,23 as limitações impostas a liberdade de contratar têm como objetivo maior, resguardar o equilíbrio econômico-contratual e facilitar o reajuste das prestações, que por ventura sejam declaradas desproporcionais, mediante provocação da parte interessada. 1.3.2 Princípio da função social do contrato Essa questão já foi citada no item anterior, pois, como se destacou, a autonomia de vontade sofre limitações em razão do princípio da função social do contrato. O artigo 421 do Código Civil, que determina que o contrato deve cumprir uma função social, indica uma norma aberta ou genérica, a ser preenchida pelo julgador no caso concreto. Assim, conforme as lições de Venosa:24 Cabe ao interessado apontar e ao juiz decidir sobre a adequação social de um contrato ou de uma ou algumas de suas cláusulas. Em determinado momento histórico do País, por exemplo, pode não atender ao interesse social o contrato de leasing de veículos a pessoas naturais, como já ocorreu no passado. Eis uma das importantes razões pelas quais se exigem uma sentença afinada 22 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume. p. 27. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. V. 2. p. 344. 24 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. V. 2. p. 349. 23 22 com o momento histórico e um juiz antenado perante os fatos sociais e com os princípios interpretativos constitucionais. Por serem amplos e imprecisos os conceitos de função social do contrato, esta será sempre avaliada na forma concreta, mas com muita cautela, de modo que não coloque em risco a segurança jurídica. 1.3.3 Princípio da boa-fé contratual O princípio da boa-fé não está apenas relacionado à interpretação do contrato, mas com todo o Direito Civil. O Código Civil de 1916 previa de forma expressa apenas a boa-fé subjetiva, que se resumia a convicção de se guardar um comportamento de acordo com o direito, como resultado da intenção de não prejudicar ou da ignorância de vícios. Já o artigo 422 do Código Civil vigente traz de forma expressa “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” Segundo Diniz,25 a boa-fé contratual descrita no artigo 422 do Código Civil de 2002 se refere à boa-fé objetiva, “consistindo no dever das partes de agir com lealdade, honestidade, honradez, probidade, confiança recíprocas”, além de “esclarecer os fatos e os conteúdos das cláusulas, procurar o equilíbrio nas prestações, respeitando o outro contratante, não traindo a confiança depositada, procurando cooperar, etc.” Venosa26 esclarece que o artigo 422 do Código Civil é uma norma genérica, “cujo conteúdo é dirigido ao juiz, para que este tenha um sentido norteador no trabalho de hermenêutica”. 25 26 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume. p. 34. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. v. 2. p. 347. 23 1.3.4 Princípio do equilíbrio contratual O pacta sunt servanda, ou princípio da força obrigatória dos contratos, pelo qual o contrato é tido como lei entre as partes, não é mais absoluto. Na atualidade, o princípio do equilíbrio contratual, previsto de forma explícita em alguns artigos do Código Civil, fez com que o antigo princípio não possa mais ser tomado de forma peremptória. O princípio do equilíbrio das prestações está contemplado no Código Civil vigente, por exemplo, nos seguintes artigos: Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. [...] Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. [...] Art. 620. Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mãode-obra superior a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra, para que se lhe assegure a diferença apurada. 24 Com se vê, o legislador atual demonstra grande preocupação com o equilíbrio contratual, autorizando o juiz, mediante provocação da parte, a corrigir e adequar prestações excessivamente onerosas ou desproporcionais. Acerca da aplicação destes modernos princípios, Leal27 arremata: O novo paradigma de segurança das relações contratuais é justamente o de saber que a aplicação dos princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do equilíbrio das prestações contratuais, independentemente da categoria jurídica estar ou não disciplinada em lei, garantirá a correção dos excessos, a desconsideração das cláusulas abusivas e o equilíbrio do contrato com vistas à realização da justiça contratual. Segundo Rizzardo28, “o direito tende a uma constante socialização de suas normas. Os estipulantes assumem cada vez mais uma posição de igualdade legal, o que importa, com freqüência, na intervenção do Estado para refrear a excessiva autonomia de vontade”. Fica evidente, nas normas editadas nos últimos anos, a intenção do legislador em autorizar o judiciário a intervir nas relações contratuais, quando provocado, para restaurar o equilíbrio, garantindo assim, a necessária justiça contratual. 1.4 Proteção contratual no Código de Proteção e Defesa do Consumidor Com a intenção de atenuar as disparidades que ocorrem em função do desequilíbrio social, foi aprovado o Código de Defesas do Consumidor, Lei 8.078/90, marcado pela concretização da interferência do Estado nas relações contratuais de consumo. Suas normas, com forte influência dos princípios 27 28 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos. p. 68. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. p. 33. 25 constitucionais da atividade econômica, são de natureza cogente, de ordem pública e de interesse social.29 As partes não podem renunciar ou afastar a aplicação das normas ditadas pelo Código de Defesa do Consumidor, porque elas extrapolam o interesse individual dos envolvidos na relação jurídica e alcançam toda a coletividade, no intuito de garantir o equilíbrio das relações de consumo. Marques30 ressalta que o Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre a proteção contratual em dois momentos distintos: na fase pré-contratual e durante a execução do contrato: O método escolhido pelo Código de Defesa do Consumidor para harmonizar ou dar maior transparência às relações de consumo tem dois momentos. No primeiro, cria o Código novos direitos para os consumidores e novos deveres para os fornecedores de bens, visando a assegurar a sua proteção na fase pré-contratual e no momento da formação do vinculo. No segundo momento, cria o Código normas proibindo expressamente as cláusulas abusivas nestes contratos, assegurando, assim, uma proteção a posteriori do consumidor, através de um efetivo controle judicial do conteúdo do contrato de consumo. Como se vê, o Código de Defesa do Consumidor protege a parte mais fraca da relação de consumo, não só na fase da oferta e da publicidade, e pré-contratual, mas também dá cobertura ao momento que se segue a vigência do contrato. 1.4.1 Força vinculante da oferta e da publicidade Segundo Gomes,31 oferta ou proposta “é a firme declaração receptícia de vontade dirigida à pessoa com a qual pretende alguém celebrar um contrato, ou ao público”, é ainda, a fase que dá início à formação do contrato. 29 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo : RT, 2005. p. 281-282. 30 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. p. 289. 31 GOMES, Orlando. Contratos. p. 62. 26 Nas relações de consumo, a oferta é vinculatória e irretratável, obrigando o fornecedor a cumprir o seu conteúdo para não frustrar a expectativa do consumidor de vir a concluir o negócio. Venosa32 complementa: Com a simples oferta ao público o fornecedor vincula-se aos termos da proposta [...]. Isso ocorre independentemente da presença do consumidor no estabelecimento comercial. Desde a proposta, e enquanto ela tiver validade, o fornecedor deve garantir suas condições: não pode revogar a proposta nem alterar o preço. Existe aqui, sem dúvida, evolução de posição com relação às teorias expostas no passado. Deve o fornecedor atender aos adquirentes no limite do estoque anunciado, sob pena de responsabilidade. Esta responsabilidade, a qual se refere o doutrinador, está prevista no artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor, que, caso o fornecedor se recuse ao cumprimento da oferta, autoriza o consumidor: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. Mais uma vez, pode perceber-se a grande preocupação do legislador, em proteger o consumidor contra a propaganda enganosa e outras práticas repudiadas nas relações de consumo. 1.4.2 Consentimento informado No âmbito do direito do consumidor, uma importante conquista dos consumidores é o direito a informação. O Código de Defesa do Consumidor possui diversos artigos que garantem aos consumidores o direito à informação, quanto aos riscos e características dos produtos. 32 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. V. 2. p. 482-483. 27 A informação ao consumidor abrange dois momentos importantes: o pré-contratual e o contratual, ou seja, o dever à informação não está apenas vinculado à fase da publicidade, a informação prestada pelo fornecedor é também obrigatória na fase contratual.33 Não basta tão somente dar conhecimento dos termos do contrato ao consumidor, mas o fornecedor tem a obrigação de explicar detalhadamente o que prevê o contrato, em especial as cláusulas restritivas de direitos, cláusulas estas que o Código determina, sejam redigidas em destaque. Desta forma, para que a relação de consumo seja considerada válida, segundo Leal:34 [...] não basta declaração de vontade livre de vícios, uma vez que o contrato só obriga os contratantes se for assegurado ao consumidor conhecimento prévio e esclarecido do seu conteúdo. A necessidade do consentimento informado ganha especial destaque diante da proliferação dos chamados contratos de adesão, nos quais as cláusulas contratuais são pré-redigidas unilateralmente pelo fornecedor, sem qualquer participação do consumidor, quanto ao estabelecimento do conteúdo do contrato e das condições de seu cumprimento. Tais cláusulas, não raro, são de difícil compreensão para o consumidor, justificando perfeitamente a inclusão deste dispositivo no Código de Defesa do Consumidor. Em razão da hipossuficiência presumida do consumidor nas relações de consumo, é imprescindível que o fornecedor de bens ou serviços não só dê conhecimento do contrato ao consumidor, como ainda, esclarece e explique detalhadamente as disposições contidas nos contratos, para que a avença tenha plena validade. 33 CANUT, Letícia. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. Curitiba: Juruá, 2007. p. 106. 34 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos. p. 72. 28 1.4.3 Interpretação favorável ao consumidor O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor enumera alguns princípios do direito do consumidor, ao tratar da Política nacional das relações de consumo, entre estes princípios, prevê no inciso I a vulnerabilidade do consumidor. Em respeito a este princípio, o Código estabelece no artigo 47 que “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Esta estipulação é muito importante, não só porque o consumidor é evidentemente a parte mais fraca na relação de consumo, mas também, em razão da freqüente aplicação dos contratos de adesão nas relações, nas quais não é possível discutir ou alterar as cláusulas pré-estabelecidas. Assim, a interpretação dos contratos à luz do Direito do Consumidor adota, ainda, o princípio da Conservação, segundo o qual as cláusulas válidas devem ser interpretadas de modo a que tenham aplicação, delas se extraindo o máximo de utilidade. 1.4.4 Onerosidade excessiva O Direito do Consumidor ainda oferece proteção aos consumidores que por ventura se sujeitem à onerosidade excessiva. O artigo 6º, inciso V, do Código, possibilita a modificação das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais e a revisão dos contratos por onerosidade excessiva. 29 Diferentemente do que ocorre no Direito Civil, no Direito do Consumidor se dispensa a Teoria da Imprevisão35, para autorizar a revisão das cláusulas contratuais, conforme explica Leal36, o disposto no artigo 6º, inciso V do Código de Defesa do Consumidor: [...] não exige, como ocorre com a Teoria da Imprevisão do Direito Civil (fundada na cláusula rebus sic statibus), a imprevisibilidade do evento ao tempo da avença, nem tampouco a sua irresistibilidade, bastando a quebra do equilíbrio das prestações contratuais que autoriza a revisão na busca do restabelecimento das prestações conforme inicialmente estabelecido, ou seja, o restabelecimento da comutatividade contratual. Basta que esteja presente a vantagem manifestamente excessiva, para que se declare a nulidade, conforme disposto no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; O parágrafo primeiro do mesmo artigo trata de conceituar vantagem exagerada: § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. 35 Código Civil Brasileiro de 2002: “Artigo 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.” 36 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos. p. 74. 30 Como se percebe, o dispositivo legal enumerou, de forma exemplificativa, algumas situações em que há onerosidade excessiva, mas deixando aberta a norma, ao fazer constar expressamente o termo “entre outros casos”. 1.4.5 Nulidade contratual O Código de Defesa do Consumidor adota o princípio da conservação, ao lidar com a nulidade nos contratos, desconsiderando as cláusulas que atentam aos interesses dos consumidores e mantendo vigentes as demais. Este sistema é adotado, pois a desconsideração total do contrato não serviria como remédio adequado à tutela do consumidor, o qual acabaria sendo privado dos bens ou serviços que por meio do contrato havia procurado e necessitava alcançar, conforme dispõe o artigo 51, § 2º: § 2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. A declaração de nulidade no direito do consumidor dependerá da iniciativa do consumidor ou da entidade, que eventualmente o represente. Cabe lembrar que a harmonia, a transparência nas relações de consumo e o equilíbrio entre os contratantes, assim como a desconsideração das cláusulas abusivas são conseqüências da aplicação do Princípio da Boa-fé, expresso nos artigos 4º, inciso III, e 54, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor. Feita a breve revista aos princípios gerais da teoria dos contratos e os fundamentos do direito do consumidor aplicáveis aos contratos, no próximo capítulo se fará uma análise acerca da Internet e seus reflexos sobre o comércio eletrônico. 31 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA INTERNET E O COMÉRCIO ELETRÔNICO 2.1 Breve histórico sobre a Internet e o comércio eletrônico A origem da Internet remonta aos anos 60, no auge da Guerra Fria, época em que os militares americanos, receando sofrer um ataque nuclear que pudesse obstruir ou interromper suas comunicações e o tráfego de sinais eletrônicos, criaram um sistema descentralizado que permitiu a comunicação e a interação de vários computadores ao mesmo tempo. Este projeto foi denominado ARPANET37 e a rede, ativada em 1969 com fins militares, conectava apenas quatro Universidades para pesquisas com este fim. O aumento das comunicações entre os cientistas, tanto para fins científicos quanto para fins pessoais, acabou provocando a abertura para mais Universidades.38 Na década de 80, a National Science Foundation expandiu os métodos de comunicação da ARPANET, integrando à ‘rede das redes’, além de várias Universidades, agências governamentais e institutos de pesquisa, mas ainda restrito ao território dos Estados Unidos da América. A rede que se conhece atualmente é composta pela interligação internacional de várias redes, a International Net39 (Internet), teve início em 1983, quando foi estabelecido o protocolo TCP/IP. Este protocolo padrão permite a conexão de todos os usuários em abrangência mundial.40 37 Advanced Research Projects Agency (ARPA) – Agência de Projetos de Pesquisa Avançada, do Departamento de Defesa dos EUA. 38 CANUT, Letícia. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. p. 57. 39 Em português: Rede Internacional 40 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico no novo Código Civil e no Código do Consumior. Barueri, SP: Manole, 2004. p. 11. 32 Mas, observa-se com Martins41 que a saída da rede dos restritos círculos acadêmicos se deu apenas em 1989, com a criação de um protótipo da World Wide Web42 (WWW): [...] pelo cientista Tim Berners-Lee e sua equipe, junto ao CERN (European Particle Physics Laboratory), em Genebra, objetivando encontrar um método mais simples e fácil de dividir informações entre os pesquisadores, chegando-se então ao padrão HTML, consistente no armazenamento de informações, de modo que os dados em várias formas (texto, imagem, som ou vídeo) fossem visualizados em um único arquivo conjuntamente, sob os padrões de hipertexto. Nos dizeres de Correa,43 a World Wide Web é: Uma convergência de concepções relativas à Grande Rede, a utilização de um padrão universal, um protocolo, que permite ao acesso de qualquer computador ligado à rede ao hipertexto, procurando relacionar toda a informação despesa nela. Após a criação da World Wide Web, surgiram os navegadores ou browsers, ou seja, programas de computador utilizados para se ter acesso a Internet, por exemplo, Internet Explorer, Netscape, etc. Com a invenção destes programas, em apenas um ano, o tráfego de comunicações na rede elevou-se de forma muito significativa.44 No Brasil, a Internet deu seus primeiros passos em 1988, com a iniciativa de Oscar Sala, professor da Universidade de São Paulo (USP) e conselheiro da Fundação de Amparo a Pesquisa no Estado da São Paulo (Fapesp). Em 1992, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) firmou convênio com a Associação para o Progresso das Comunicações 41 MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 34. 42 Em português: Teia de Alcance Mundial 43 CORREA, Gustavo Testa. Aspectos jurídicos da internet. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 11. 44 CORREA, Gustavo Testa. Aspectos jurídicos da internet. p. 13. 33 (APC) liberando o uso da Internet para Organizações Não Governamentais (ONGs). No mesmo ano, o Ministério da Ciência e Tecnologia inaugurou a Rede Nacional de Pesquisa (RNP) e organizou o acesso à rede por meio de um backbone45, operado pela Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel).46 Até então, o acesso a Internet no Brasil se limitava a órgãos governamentais, universidades e ONGs, mas, a partir de 1995, surgiram os provedores de aceso à Internet, popularizando a rede e intensificando a sua utilização para fins pessoais e comerciais. Ainda em 1995, com o objetivo de efetivar a participação da sociedade nas decisões sobre a implantação, administração e uso da Internet, o Ministério das Comunicações e o Ministério da Ciência e Tecnologia, em nota conjunta, constituíram um comitê gestor, com a participação de entidades operadoras e gestoras de backbones, de representantes de provedores de acesso ou de informações, de representantes dos usuários e da comunidade acadêmica.47 O comitê gestor da Internet no Brasil, atualmente, tem como principais atribuições: a) fomentar o desenvolvimento de serviços ligados à Internet no Brasil; b) recomendar padrões e procedimentos técnicos e operacionais para a Internet no país; c) coordenar a atribuição de endereços na Internet, o registro de nomes e domínios e a interconexão de backbones; d) coletar, organizar e disseminar informações sobre serviços ligados à Internet. No início da Internet no país, os serviços oferecidos pelos provedores de acesso à Internet, eram obrigatoriamente pagos, todavia, atualmente existem alguns serviços de acesso gratuito, fato que, na visão de 45 Estrutura física de internet tipo espinha dorsal com capacidade para manipular grandes volumes de informação mediante roteadores de tráfego interligados por circuitos de alta velocidade. 46 Anos 90: o desenvolvimento da internet no Brasil. Tecnologia – Internet 10 anos, Redação Terra, disponível em: <http://tecnologia.terra.com.br/internet10anos/interna/0,,OI541825EI5026,00.html> Acesso em 16 fev. 2008. 47 CORREA, Gustavo Testa. Aspectos jurídicos da internet. p. 17. 34 Andrade,48 “contribuiu sensivelmente para a ampliação do número de pessoas e de computadores interligados à Internet, tornando o computador um meio de comunicação tão essencial quanto o telefone [...]”. No que tange ao comércio eletrônico, ou contratação eletrônica, tem-se que as primeiras formas surgiram nos anos 80 e eram baseadas no Electronic Data Interchange (EDI), que segundo Martins,49 consiste: [...] na realização de transações, mormente comerciais, de forma automatizada, através da troca de ordens normalizadas de compra e venda e pagamento de computador a computador, dentro de comunidades setoriais e geralmente através de redes fechadas, tais quais a VAN (Value-Added Networks), cujo uso, previamente pago, é proporcionado pelos correspondentes provedores de serviços. Ou seja, duas empresas formalizam um contrato prévio, que permitia a troca de ordens comercias entre elas através de computadores programados para este fim, automatizando seus sistemas de fornecimento e vendas. Com a popularização da Internet os contratos eletrônicos deixaram de ser apenas firmados através das redes fechadas e passaram a ser firmados em ambiente virtual através das várias formas de comunicação possíveis na Internet. Na visão de Andrade:50 O barateamento do custo dos computadores e a expansão da internet, que se tornou acessível a milhões de pessoas, são fatos que não passaram despercebidos pelo empresário, que, lançando maio de sua aguçada intuição para colocar seu produto ou serviço no mercado de consumo de forma a aumentar seu lucro, viu na internet um forte veículo para exercer sua atividade empresarial a um custo mais baixo que o do sistema tradicional, 48 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato Eletrônico no novo Código Civil e no Código do Consumior. p. 13. 49 MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. p. 35 50 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico no novo Código Civil e no Código do Consumior. p. 14. 35 uma vez que poderia utilizar a grande rede de computadores para fazer negócios sem a necessidade de aumentar sua estrutura física e, principalmente, seu custo operacional. No inicio, a rede interessou somente a pequenos empresários, passando eles a usar este poderoso instrumento de comunicação que, pouco a pouco, avolumou-se e passou a chamar a atenção dos grandes conglomerados econômicos. Atualmente, o comércio tem sido a atividade mais atrativa e visada do ciberespaço, segundo Canut:51 O comercio eletrônico, por possibilitar que ofertas, informações e até produtos (digitais) estejam disponíveis em qualquer parte do globo, instantaneamente, vinte e quatro horas por dia, durante todos os dias do ano, tem crescido de forma rápida e avassaladora. Além do comércio de mercadorias tangíveis através da Internet, merece atenção uma nova forma de transação, a de bens intangíveis. É certo de que não há maiores problemas na aplicação da analogia e da jurisprudência aos contratos eletrônicos que dispõem sobre a compra e venda de livros, CDs e até automóveis. Todavia, o maior desafio dos operadores do Direito está na resolução de conflitos e definição do regime tributário, quando o objeto da transação é um bem intangível, tais como: bancos de dados, livros virtuais ou programas de computador, que são transferidos de computador para computador, em forma muito diversa, do comércio tradicional. Em razão do surgimento desta nova modalidade de comércio, Correa52 afirma ser necessária: [...] a criação de uma nova lei comercial objetivando a modificação, transferência e distribuição de softwares, produtos multimídia interativos, bens materiais, dados e base de dados de computadores, através da internet ou outro meio semelhante contribuindo para a facilitação da realização do comercio eletrônico, em todo o seu potencial, e para a uniformização legal brasileira. 51 52 CANUT, Letícia. Proteção do Consumidor no comércio eletrônico. p. 133. CORREA, Gustavo Testa. Aspectos jurídicos da internet. p. 41. 36 Este novo modelo de contratação fornece, diante de suas diversas novidades, vantagens tanto para o consumidor quanto para o fornecedor. Estas vantagens levaram ao grande aumento dos negócios feitos através da Internet. No Brasil, segundo dados da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, as vendas, pela internet, de CDs, DVDs, livros e outros bens de consumo, somadas à aquisição de automóveis e serviços ligados ao turismo, alcançaram 4,4 bilhões de reais, somente no primeiro semestre de 2007.53 2.2 Conceito e funcionamento da Internet A Internet tem características marcantes, entre elas: a estrutura aberta, que impede que ela tenha um dono; o caráter transfronteiriço, que permite a integração entre vários usuários de distintos países; o caráter ‘universal’ que viabiliza seu uso geral e assim, uma multiplicidade de operadores; e, por fim, a interatividade, permitindo a comunicação em tempo real, em mão-dupla e entre todos os usuários conectados.54 A partir destas características, pode-se formular o conceito de Internet, que nas palavras de Correa55 significa: [...] um sistema global de rede de computadores que possibilita a comunicação e a transferência de arquivos de uma máquina a qualquer outra máquina conectada a rede, possibilitando, assim, um intercâmbio de informações sem precedentes na história, de maneira rápida, eficiente e sem limitação de fronteiras, culminando na criação de novos mecanismos de relacionamento. Peck56, ao tempo que conceitua Internet, faz uma breve análise do funcionamento da rede: 53 Estudo da E-Consulting e da Câmara-e.net aponta um crescimento de 57% no faturamento do comércio eletrônico. Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico: disponível em: <http://www.camara-e.net/interna.asp?tipo=1&valor=4114> Acesso em: 16 fev. 2008. 54 CANUT, Letícia. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. p. 58. 55 CORREA, Gustavo Testa. Aspectos jurídicos da internet. p. 8. 37 A internet consiste na interligação de milhares de redes de computadores do mundo inteiro, através de protocolos (IP – abreviação de Internet Protocol). Ou seja, essa interligação é possível porque utiliza um mesmo padrão de transmissão de dados. A ligação física é feita por meio de linhas telefônicas, fibra óptica, satélite ou rádio. A conexão do computador com a rede pode ser direta ou por outro computador, conhecido como servidor. Esse servidor pode ser próprio ou, no caso dos provedores de acesso, de terceiros. A Internet é uma rede complexa, formada por subredes, servidores e provedores, a esse respeito, a mesma autora57 esclarece: Os servidores e provedores de acesso utilizam a estrutura do serviço de telecomunicação existente, para viabilizar o acesso, o armazenamento, a movimentação e a recuperação de informações do usuário à rede. O endereço IP é dado ao computador que se conecta à rede, e os subendereços são dados aos computadores conectados com os provedores. A tradução dos endereços IP, numéricos, para os seus correspondentes em palavras é feita pelo protocolo DNS (Domain Name System). As terminações do endereço são feitas de acordo com os TLDs (Top Level Domains), o primeiro grupo de caracteres após o último ponto de nome de domínio propriamente dito. Exemplos são o ‘.com’, ‘.gov’, ‘.net’, ‘.org’, ‘.tv’. Outros TLDs indicam o país de origem do usuário. Os registros são feitos em órgãos especializados. No caso brasileiro, a responsável pelos registros é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), através do website www.registro.br. Essa interligação física, uniformizadora do sistema de transmissão de dados, permitiu que a Internet fosse colocada à disposição de vários usuários, bastando conectarem-se à rede. O avanço da Internet tem modificado o cotidiano das pessoas, influenciado no comportamento, e revolucionado o meio comercial. Correa58 afirma que: [...] a internet é importante, porque muda nossas vidas, disponibilizando uma vasta gama de ‘comunicações eletrônicas bidirecionais’, expandindo a interatividade entre homem e máquina. Na medida em que a quantidade de usuários da 56 PECK, Patrícia. Direito Digital. – São Paulo: Saraiva, 2002. p. 14. PECK, Patrícia. Direito Digital. p. 14. 58 CORREA, Gustavo Testa. Aspectos jurídicos da internet. p. 9. 57 38 internet cresce, um grande número de companhias explorará os potenciais de propaganda, publicidade de venda de mercadorias através da Rede, sendo assim, responsáveis pela identificação das necessidades desses usuários e, também, pela mudança da concepção de comércio, fazendo do ciberespaço um ambiente mais confiável e seguro. A forma de conexão mais comum, atualmente, é realizada através de provedores de acesso. Peck59 resume, em poucas palavras, o que é um provedor de acesso: É uma empresa prestadora de serviços de conexão à internet e de serviços de valor adicionado como hospedagem, que detém ou utiliza uma determinada tecnologia, linhas de telefone e troncos de telecomunicação próprios ou de terceiros. Estes provedores, além de conectarem o usuário à rede, disponibilizam os serviços de: correio eletrônico (e-mail); comunicação instantânea ou bate-papo (chat); hospedagem de páginas da Internet (home pages); transferência de arquivos diversos (download). Estas diversas formas de comunicação serão tratadas nos próximos itens. 2.3 Sistemas de comunicação na Internet Vive-se, atualmente, na era da tecnologia da informação. O fenômeno da Internet, em um curto espaço de tempo, originou uma série de alterações sociais que contribuíram em muito para o avanço da globalização e a formação desta nova cultura. A Internet possibilita, aos seus usuários, o acesso a uma enorme quantidade de informação. E essa informação é trazida quase em tempo real. Atualmente, por exemplo, o mundo todo tem acesso a notícias em apenas um instante após a ocorrência dos fatos. Estas notícias, graças ao hipertexto, podem conter, além de texto, sons e imagens. 59 PECK, Patrícia. Direito Digital. p. 52 39 Mas não só notícias estão disponíveis na rede mundial, uma infinidade de dados está disponível na Internet, para a consulta e a interação dos seus usuários. A Internet revolucionou, ainda, a comunicação, entregando aos usuários, diversas formas de interação, entre elas: o correio eletrônico, as listas de correio eletrônico, os chats, etc. Nos próximos itens, far-se-á uma breve análise dos meios mais comuns de interação na Internet. 2.3.1 Correio eletrônico ou e-mail O correio eletrônico é uma importante ferramenta da Internet que possibilita o envio e o recebimento de mensagens. Estas mensagens percorrem diversos caminhos até chegarem a um ou a vários destinatários. Atualmente, além de textos, todos os tipos de arquivos de computador podem ser enviados, através do anexo do e-mail. Martins60 conceitua o correio eletrônico, asseverando: “consiste o email num arquivo de texto contendo signos alfabéticos divididos em duas partes: a primeira refere-se à identificação do destinatário e do emitente, e a segunda diz respeito à mensagem em si.” Para a troca de mensagens pelo correio eletrônico, não é necessário que os usuários estejam simultaneamente conectados. A mensagem, ao sair do computador do autor, segue até o servidor de e-mails deste, e de lá é encaminhada para o servidor do destinatário, no qual ficará armazenada até que 60 MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. p. 41. 40 o destinatário se conecte à rede, e faça o download da mensagem para o seu computador. Apesar de muito semelhante ao correio convencional, existem diferenças importantes. Entre eles, no correio virtual, as mensagens não encriptadas61 podem ser acessadas pelos ordenadores intermediários que as transmitem, não se revestindo do sigilo das cartas envidadas pelos correios, as quais chegam fechadas ao destinatário. No entendimento de Peck62, em razão da falta de sigilo do correio eletrônico, não se pode simplesmente aplicar a legislação sobre sigilo de correspondência e a sua proteção constitucional. É importante ainda destacar a diferença entre o e-mail pessoal e o corporativo. Enquanto o primeiro é criado e utilizado exclusivamente pelo usuário com finalidades pessoais, este último é criado e mantido pela empresa, e posto à disposição de seus funcionários para fins profissionais. No caso do e-mail corporativo, a empresa deve cientificar o usuário, de forma inequívoca, quanto à forma e os limites de sua utilização, e ainda, se o conteúdo será ou não monitorado pela empresa. Além disso, Martins63 alerta para a falta de certeza da entrega da mensagem enviada por correio eletrônico, afirmando: Evidentemente, não se trata de um meio de comunicação instantâneo e totalmente confiável, não podendo o emitente se certificar a cerca de quando e se o destinatário recebe ou lê a mensagem, ainda que, devido a tal problema, alguns sistemas permitem que o emitente solicite um aviso de recebimento do destinatário, no momento em que este tenha em seu poder e disposição o e-mail. Porem, tal recibo é normalmente enviado sob forma de outro e-mail. 61 Escritas em código, que permitem apenas a leitura dos que possuem a chave para decodificação. 62 PECK, Patrícia. Direito Digital. p. 68. 63 MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. p. 42. 41 Cabe ainda ressaltar que a solicitação de aviso de recebimento, pode ainda ser negada, pelo destinatário do e-mail, ficando o emitente, se a esperada confirmação. Mesmo com todas estas restrições, o correio eletrônico significa um grande avanço e constitui-se de uma importante ferramenta de comunicação pessoal e empresarial. 2.3.2 Lista de correio eletrônico Derivadas do correio eletrônico, as listas de correio, nas palavras de 64 Leal, são serviços que: [...] permitem a um grupo de pessoas com interesses comuns comunicar-se entre si. Qualquer dos inscritos pode enviar mensagens pelo correio eletrônico relativas à matéria própria da listas, diretamente, ou através de moderador, que controla a lista, distribuindo as respostas a todos os subscritores. Por exemplo, um usuário da rede cria uma lista de correio, também conhecida por lista de discussão, voltada a assuntos relacionados a um determinado assunto, outras pessoas interessadas, aderem à lista, cadastrando seus endereços de correio eletrônico. De forma que, cada mensagem enviada por um integrante da lista, de forma automatizada, será encaminhada aos endereços dos demais integrantes da lista, assim como suas respostas. Em alguns grupos, pode haver um moderador, que pode exercer certo controle, permitindo ou bloqueando a circulação de algumas mensagens. 64 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos. p. 19. 42 2.3.3 Comunicação em tempo real ou chat Outro recurso disponível na Internet é o de diálogo em tempo real, no qual podem estar duas ou mais pessoas conectadas à rede. Entre os mais utilizados, destaca-se o programa Internet Relay Chat (IRC), que funciona da seguinte forma: um usuário digita suas mensagens, que são lidas, quase que ao mesmo tempo, pelos demais usuários que naquele momento estão conectados na mesma sala de ‘bate-papo’. Martins65 define o funcionamento do IRC como sendo: Programa afeto a um servidor, permitindo um diálogo simultâneo entre vários usuários ligados a outros servidores do mesmo tipo, a partir da troca de mensagens digitadas pelos integrantes, que podem ser dirigidas a todos os que se encontram num dada canal ou sala de conversação. Estas conversas diferem das conversas telefônicas, pois não ocorrem de forma oral, mas sim digitadas por usuários, e do outro lado, lidas na tela pelos demais. As trocas de mensagens em tempo real, geralmente ocorrem em salas, que podem ser livremente criadas por qualquer usuário, e são, na grande maioria, temáticas, dividindo-se os interessados por assuntos. O emitente da mensagem, pode ainda, encaminhar sua mensagem de forma privada, de forma que a respectiva mensagem seja lida apenas por um dos usuários presentes na sala virtual. Alguns sistemas diferem, e as conversas não ocorrem em “salas abertas ao público”, mas somente entre pessoas previamente autorizadas, como é o caso dos programas Icq e Messenger. 65 MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. p. 44. 43 Algumas empresas têm adotado o chat66 como um dos canais de comunicação oferecidos ao atendimento de seus consumidores. 2.3.4 Obtenção remota de informações A Internet é, também, um importante meio de acesso e obtenção de informações, para isso, existem basicamente três métodos para localizá-las ou obtê-las: Primeiro, o File Transfer Protocol (FTP), ou Protocolo de Transferência de Arquivo. Este método lista os arquivos disponíveis em um determinado computador e permite a transferência de um ou vários desses arquivos ao computador do usuário. Segundo, o Gopher, que se utiliza de um programa informativo que guia as buscas através dos recursos disponíveis de um ordenador remoto. E o terceiro, e mais popular, World Wide Web (WWW), é o sistema utilizado em larga escala, sendo responsável pela maioria das contratações eletrônicas interativas e interpessoais realizadas na rede. A WWW utiliza um protocolo com padrão universal, que permite acesso a qualquer computador ligado à rede a um sistema de hipertexto. Segundo Correa67, esse protocolo de transferência de hipertexto, conhecido como http, desenvolve-se em quatro fases, a saber: 66 67 Em português: conversa, bate-papo. CORREA, Gustavo Testa. Aspectos jurídicos da internet. p. 14. 44 a) conexão: nesta fase, o navegador68 tenta relacionar-se com o servidor endereçado; b) requerimento: o navegador define o protocolo, determinando o tipo de servidor selecionado; c) resposta: equivale ao momento no qual se efetiva a troca de informações entre o navegador e o servidor; d) fechamento: fase em que é fechada a conexão com o servidor. O hipertexto, presente nas páginas da WWW, tornou a Internet mais interativa, permitindo a criação de páginas em três dimensões, mostrando imagens, sons, animação ou vídeo, mas ainda de forma limitada. O nível de interação da Internet aumenta, na medida em que outros programas vêm se adequando à rede, por exemplo, o desenvolvimento das tecnologias Shockwave, Java e Flash, permitem que a Internet fique ainda mais atrativa ao usuário. 2.4 O contrato no comércio eletrônico Com seus incontáveis recursos e inovações, a Internet atraiu cada vez mais a atenção das empresas e se expandiu, principalmente no meio comercial, criando novas formas de fazer negócios e dando surgimento ao ecommerce, ou comércio eletrônico. Cabe esclarecer que o comércio por via eletrônica não é novo e nem exclusividade da Internet. Segundo o entendimento de Peck69, o comércio 68 Sistema ou programa de computador utilizado para acessar páginas na WWW. Exemplos: Netscape, Internet Explorer, etc. 45 eletrônico já ocorria através de aparelhos de fax, machine-machine, etc. Todavia, neste trabalho, a expressão ‘comércio eletrônico’ será utilizada apenas para tratar das relações firmadas em ambiente virtual, ou seja, entre computadores ligados à rede. Nesse sentido, Andrade70 alerta que o contrato eletrônico: [...] não desponta como nova figura contratual e tampouco configura contrato inominado como são os de leasing, de provimento de acesso, de scroll ou de engeneering. Trata-se [...] de nova forma de realizar um contrato. Assim, o contrato eletrônico pode encerrar desde uma prosaica locação até um intrincado contrato de fusão entre duas empresas, todavia tratase de meio especial de formação de contrato, que por isso merece tratamento especial. Quanto à forma do comércio eletrônico, Leal71 cita duas modalidades: Direto e indireto. No primeiro, o direto, dá-se a encomenda, pagamento e entrega direta (on line), de bens incorpóreos e serviços, como programas de computador, sistemas de segurança eletrônica, conteúdo de diversão, serviços de informação e outros. No segundo – comércio indireto –, opera-se a encomenda de bens a serem entregues fisicamente pelos meios tradicionais de postagem e transporte. Quanto aos partícipes da relação, a mesma autora faz a seguinte distinção: O e-commerce pode ser classificado em B2B – business to business, quando realizado entre empresas que comercializam entre si, mantendo links (conexões) com seus fornecedores e distribuidores, e B2C – bussines to consumer – quando se reflete nas relações jurídicas de consumo na internet, por meio das quais as empresas ofertam bens e serviços, na Rede, para aquisição direta pelo consumidor, sem intemediários. Na primeira modalidade, negócio-a-negócio (B2B), em geral, as empresas mantêm grandes volumes de negócios, em contratos de fornecimentos 69 PECK, Patrícia. Direito Digital. p. 89. ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico no novo Código Civil e no Código do Consumior. p. 17. 71 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos. p. 34. 70 46 de matérias-primas e outros bens para a linha de produção ou ainda distribuição e comercialização de produtos em grande escala. Por outro lado, a segunda modalidade de comércio, negócio-a-cliente (B2C), é responsável pelas relações de varejo, ocorre na compra e venda de mercadorias e serviços, físicos ou não, por meio eletrônico, entre lojas virtuais e o consumidor final. Neste trabalho monográfico, dar-se-á maior ênfase às relações contratuais mantidas entre empresas e consumidores (B2C). Além das formas já consagradas B2B e B2C, surgiu recentemente uma nova modalidade de comércio eletrônico, denominada M-commerce (móbile commerce), ou comércio móvel, esta nova forma de comércio eletrônico é operacionalizada através de telefones celulares e automóveis, permitindo ao usuário realizar negócios em qualquer lugar, sem que esteja conectado a fios, dando total mobilidade ao consumidor. Atualmente, não se pode conceber o comércio eletrônico, tanto nas formas negócio-a-negócio, como na negócio-a-cliente, sem o tradicional instrumento jurídico de manifestação vontade: o contrato. Mas o contrato tradicional vem sofrendo alterações para se adequar aos novos tempos. A mais significante alteração foi quanto à forma de contratação, pois com a Internet, o instrumento deixou de ser formalizado apenas por escrito, por telefone, por fax ou oralmente, e passou a ser feito também por computador, o que permitiu dar maior segurança às transações através da criptografia ou sistema de chaves públicas, e mais, possibilitou a transferência em tempo real de imagens, sons, textos, documentos, etc, tornando o comércio eletrônico uma importante forma negocial. O contrato eletrônico ainda não está previsto no ordenamento jurídico pátrio, todavia, a Comissão Especial de Informática Jurídica da OAB/SP elaborou e apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei, que tomou o número 1.589/99, o qual objetiva a regulamentação do comércio eletrônico, assinatura digital e certificações eletrônicas. 47 Segundo Dr. Marcos Costa – presidente da Comissão Especial de Informática Jurídica da OAB paulista –, o referido projeto tem a finalidade de fazer com que a venda eletrônica torne-se mais segura, e os documentos e assinaturas digitais tenham a mesma validade jurídica dos documentos e assinaturas tradicionais.72 No próximo capítulo, far-se-á o estudo mais detalhado dos tipos e das peculiaridades dos contratos eletrônicos. 72 CORREA, Gustavo Testa. Aspectos jurídicos da internet. p. 42. 48 3 GENERALIDADES ACERCA DO CONTRATO ELETRÔNICO 3.1 Conceito de contrato eletrônico Trata-se de assunto relativamente novo, e perante a doutrina nacional ainda não há consenso quanto à denominação dos contratos realizados entre computadores. Pelos estudiosos do assunto são usadas várias nomenclaturas, entre elas: contratos cibernéticos, contratos digitais, contratos por computador, contratos informáticos ou contratos eletrônicos. Neste trabalho, optase por utilizar a última denominação, por ser a de maior consenso entre os doutrinadores, e ainda por ser a designação utilizada nos projetos de lei brasileiros sobre comércio eletrônico, em trâmite no Congresso Nacional.73 Conforme comentado no capítulo anterior, o comércio por via eletrônica também pode se operar através de outros equipamentos, entretanto os conceitos a seguir se referem exclusivamente às formas contratuais celebradas através de computadores conectados à rede. Nos dizeres de Diniz,74 o contrato eletrônico “é uma modalidade de negócio à distância ou entre ausentes, efetivando-se via Internet por meio de instrumento eletrônico, no qual está consignado o consenso da partes contratantes”. Leal75 foca na forma de manifestação da vontade, que é a característica diferencial deste tipo de contrato para conceituá-lo, dizendo: “é aquele em que o computador é utilizado como meio de manifestação e de instrumentalização da vontade das partes”. 73 Projeto de Lei nº 1.589, de 1999. Dispõe sobre o comércio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico e a assinatura digital, e dá outras providências. Câmara dos Deputados. Brasília. Disponível em: < http://www2.camara.gov.br/proposicoes > Acesso em: 26 fev. 2008. 74 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume. p. 751. 75 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos. p. 79. 49 O conceito de contrato eletrônico formulado por Canut76 o define como: “o negócio jurídico entre duas ou mais pessoas para entre si criar, modificar ou extinguir um vínculo jurídico, de natureza patrimonial, diante de declarações de vontade manifestadas por meio de internet.” Quanto aos contratos eletrônicos, Andrade77 sintetiza: “é o negocio jurídico celebrado mediante a transferência de informações entre computadores, e cujo instrumento pode ser decalcado em mídia eletrônica”. Não se pode confundir os contratos eletrônicos com contratos que disponham sobre negócios relacionados à rede, tais como: a criação de web sites, o fornecimento de conteúdo para web sites, ou sobre contratos confeccionados em computador, etc., estes exemplos não se enquadram no tipo de contrato, objeto deste trabalho. O contrato eletrônico, como já dito, caracteriza-se por suportar a manifestação da vontade das partes através de computadores ligados à Internet. Cabe ainda destacar, por exemplo, a hipótese em que uma das partes tomou conhecimento de uma oferta através da Internet, mas concluiu a negociação através dos meios convencionais, ou seja, um contrato em suporte de papel, esta contratação não é eletrônica. Por outro lado, por exemplo, se a parte tomou conhecimento de uma oferta por um encarte, e em seguida contratou a compra do produto através de um computador conectado à Internet, esta modalidade de contratação é sim eletrônica, pois a manifestação da vontade se deu através dos meios eletrônicos. Ainda não há no Brasil legislação prevendo e dispondo sobre o comércio e o contrato eletrônico, todavia, não há qualquer vedação legal à formação do contrato via eletrônica. 76 77 CANUT, Letícia. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. p. 136. ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico. p. 31. 50 3.2 Classificação dos contratos eletrônicos Até o momento não existe legislação específica que regulamente e disponha sobre os contratos eletrônicos, todavia esta ausência não impede sua validade. Como já citado, os contratos eletrônicos não se constituem um novo tipo contratual, mas um novo meio de formalização contratual. A esse respeito e sobre a natureza jurídica dos contratos eletrônicos, Andrade78 complementa: O contrato eletrônico não tem um perfil ou natureza jurídica distinta da dos contratos em geral. Não se trata de nova espécie não tipificada de contratos, como são os de leasing, de franquia, de cartão de crédito etc. Em verdade, é tão-somente um novo e atual meio de se efetivar um contrato, cuja instrumentação pode ser aportada em mídia eletrônica. Isso significa, por exemplo, que negócios jurídicos como a compra e venda ou a locação podem ser perfeitamente instrumentados através de contratos eletrônicos. Quanto à classificação, neste trabalho opta-se por utilizar uma classificação sistemática, que é adotada por Barbagalo,79 levando em consideração o grau de interação entre o homem e a máquina, classificando os contratos eletrônicos em três modalidades: intersistêmicos, interpessoais e interativos. 3.2.1 Contratos eletrônicos intersistêmicos São assim caracterizados os contratos entre empresas, para relações comerciais de atacado, utilizando-se o computador como ponto 78 79 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico. p. 31. BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos: contratos formados por meio de redes de computadores. – São Paulo: Saraiva, 2001. p. 50. 51 convergente de vontades preexistentes, ou seja, as partes formalizam um contrato prévio de fornecimento de certo produto ou matéria-prima. Em havendo necessidade, o computador do cliente emite, de forma automatizada, a informação para o computador do fornecedor solicitando certa quantidade. Neste tipo de contrato, não há interferência humana no momento da comunicação entre os computadores, que normalmente ocorre através da utilização do Eletronic Data Interchange (EDI), que permite a comunicação entre os diferentes equipamentos de computação das empresas, mediante os quais serão processadas e enviadas as informações80. Segundo Barbagalo,81 neste tipo de contrato eletrônico: [...] as partes contratam as regras que regerão as comunicações e transações a se realizar eletronicamente, tratando-se aqui de uma comunicação intersistêmica, na qual os sistemas de computador dos contratantes se interligam para a comunicação. As partes previamente acordam um protocolo de comunicação e a instalação deste, e a interligação dos sistemas caracteriza já a aceitação dos termos dos negócios jurídicos que vierem a ser realizados por meio desta comunicação, que dispensa a atuação humana em cada negócio jurídico efetuado, existindo tal intervenção somente no momento da preparação dos sistemas computacionais para a comunicação. Essa figura de contrato firmado por computador, apesar de utilizar rede de computadores, distingue-se do contrato eletrônico que se procura estudar neste trabalho, por constituir-se negócio jurídico assessório de um contrato principal que, em geral, é antecedido por demoradas negociações entre as partes, com estipulações e declarações de vontades firmadas de forma tradicional. 80 MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. p. 35. 81 BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos: contratos formados por meio de redes de computadores. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 51, 52 3.2.2 Contratos eletrônicos interpessoais Os contratos eletrônicos interpessoais são aqueles nos quais existe um computador operado por uma pessoa em cada extremidade, manifestando cada qual a sua vontade. Segundo as lições de Leal,82 o contato eletrônico interpessoal ocorre entre: “pessoas físicas ou jurídicas” e “opera-se por meio do computador, tanto no momento da proposta, quanto no momento da aceitação e instrumentalização do acordo.” Canut83 assevera que os contratos interpessoais “são aqueles realizados com a interação humana através de sistemas de correspondência eletrônica.” Em geral, esta forma de contratação é feita através de correio eletrônico (e-mail), mas pode ainda se dar por videoconferência ou em salas de conversação (chats) e divide-se em duas categorias distintas, quanto ao tempo decorrido entre a declaração de uma parte e sua recepção pela outra, podendo ser: simultâneo ou não-simultâneo. De acordo com Barbagalo,84 são interpessoais simultâneos os: [...] celebrados em tempo real, on line, os contratos firmados por partes que estejam, ao mesmo tempo, conectadas à rede, contanto que possibilitando que a declaração de vontade de uma parte seja recebida pela outra no mesmo momento em que é declarada ou em curto espaço de tempo. Por simultâneos, podem ser considerados, por exemplo, os contratos firmados por meio de salas de conversação ou por videoconferência, pois estes sistemas permitem que o acordo de vontades ou consentimento se dê 82 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos. p. 85. CANUT, Letícia. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. p. 138. 84 BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos: contratos formados por meio de redes de computadores. – São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53-54. 83 53 de maneira imediata, ou em tempo real, não decorrendo muito tempo entre as manifestações de vontades das partes. Os contratos eletrônicos interpessoais simultâneos em muito se assemelham aos contratos firmados por telefone em que, embora não estando as partes fisicamente presentes, a declaração e a recepção da manifestação de vontade são feitas simultaneamente. Já os não simultâneos são os contratos nos quais a declaração e a recepção de vontade não ocorrem simultaneamente, havendo um lapso temporal entre a declaração de uma parte e a recepção desta pela outra parte. A esta última categoria, pertencem os contratos firmados através de correio eletrônico. Nos contratos eletrônicos interpessoais não simultâneos aplica-se o disposto no artigo 434 do Código Civil85 vigente, que dispõe sobre os “contratos entre ausentes”. 3.2.3 Contratos eletrônicos interativos Os contratos eletrônicos interativos são aqueles nos quais uma pessoa interage com um sistema de computador destinado ao processamento eletrônico de informações, previamente programado por outra parte que não necessariamente precisa estar acessando o sistema naquele momento.86 É o tipo mais comum de conclusão de contrato através de Internet, pela World Wide Web, do qual derivam as compras de produtos ou contração de serviços pela rede de computadores. A contratação eletrônica interativa é que 85 Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no prazo convencionado. 86 BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos: contratos formados por meio de redes de computadores. p. 55. 54 mais interessa a este trabalho por ser também a forma mais usual no mercado de consumo. Por exemplo, é interativo o contrato firmado entre uma pessoa que acessa um site de uma loja virtual na Internet, na qual encontra múltiplas funções, tais como: informações completas sobre o produto, imagens, sons, campos para preenchimento de seus dados pessoais e bancários, opções de pagamento, etc. No momento em que tais informações são disponibilizadas, considera-se feita a oferta ao público e, conseqüentemente, manifestada a vontade do fornecedor. Já a vontade do consumidor é manifestada no momento em que ele acessa o sistema e com ele interage. Ao preencher e confirmar seus dados e a forma de pagamento, o consumidor conclui a aceitação. Os contratos eletrônicos interativos são também denominados de clickwrap, contratos por um clique. Em geral, estes sistemas interativos permitem ao usuário pesquisar os itens à venda, seus preços e detalhes, todavia, restando apenas a possibilidade de aceitar ou rejeitar a oferta, ao premer o botão do mouse. Leal87 ressalta que os contratos eletrônicos interativos equiparam-se aos contratos a distância: [...] porque realizados com intermediação do computador, sem que as partes possam estar presentes no momento da sua conclusão, a eles se aplicando, por conseguinte, as normas que disciplinam a contratação a distância, inclusive as que visem a proteção dos direitos do consumidor. Importante também ressaltar que os contratos eletrônicos interativos são as formas predominantes no âmbito do comércio eletrônico B2C (bussines to consumer) ou fornecedor ao consumidor,88 assunto já abordado no item 2.4 deste trabalho. 87 88 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos. p. 87 CANUT, Letícia. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. p. 138. 55 3.3 Formação dos contratos eletrônicos A falta de legislação específica não impede a formação dos contratos eletrônicos, pois no âmbito dos contratos celebrados através de computadores a disciplina contida no Código Civil é perfeitamente aplicável.89 A aplicação das normas do Direito Civil, aos contratos eletrônicos, segundo Andrade,90 é possível, pois: A formação do contrato eletrônico não difere dos demais contratos; dá-se como em todo negócio jurídico, ou seja, pela convergência da manifestação de vontade das partes. A única distinção reside na maneira como a vontade é manifestada, uma vez que no contrato eletrônico a vontade dos contratantes é exteriorizada por meio de um instrumento tecnológico de informática e transmitida de um computador a outro, de modo que a vontade de contratar, tanto do policitante – quem faz a proposta de contratar – como do oblato – a quem é dirigida a proposta de contratar –, não é transmitida diretamente à outra parte contratante, mas por um computador. A formação do contrato, segundo Martins:91 [...] depende, da correspondência de ditos comportamentos e atos humanos em face do preceituado pelo ordenamento jurídico, de modo a satisfazer o interesse geral da certeza das relações jurídicas, e que permitem a individualização no momento em que o contrato é concluído. A maior parte da doutrina nacional adota a divisão da formação do contrato em três fases, a saber: as tratativas ou negociações preliminares; a oferta ou policitação; e, por fim, a aceitação ou oblação. 89 DIAS, Jean Carlos. Direito contratual no ambiente virtual: De acordo com o novo Código Civil. 2. ed. Curitiba : Juruá, 2004. p. 76 90 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico no novo Código Civil e no Código do Consumior. p. 32. 91 MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. P. 123. 56 3.3.1 Tratativas ou negociações preliminares As negociações preliminares são aquelas nas quais as partes se aproximam durante a fase pré-contratual, mas ainda não há vinculação nem obrigações de parte a parte. Segundo Venosa,92 “as negociações preliminares não traduzem uma vontade definitiva de vincular-se ao contrato.” As partes devem agir, sempre, observando o princípio da boa-fé, em especial nesta fase inicial. Nesse sentido, Luiz Guilherme Loureiro93 afirma: Quando se aproximam para tratar de um possível e futuro contrato, as partes iniciam uma negociação que a lei não pode regular de uma maneira genérica e abstrata. Daí a importância, nesta etapa prévia à formação do contrato, da boa-fé. Ainda, a respeito das negociações preliminares, Dias94 ressalta: Essa fase embrionária visa exatamente à sondagem da vontade, e por isso mesmo, representa a fase identificadora dos interesses das partes e o que esperam obter com a realização do ajuste. Em geral, tudo o que é produzido nesse nível não possui repercussões jurídicas, excetuando-se alguns casos onde a própria negociação depende da formalização prévia de um ajuste que objetive disponibilizar informações essenciais ao prosseguimento das negociações, ou, no caso de danos produzidos contra uma das partes, já existe uma construção doutrinária e jurisprudencial bastante consolidada no campo da responsabilidade civil pré-contratual. Nos contratos eletrônicos, a presença das negociações preliminares, via de regra, é mais freqüente nos contratos interpessoais realizados por meio de correio eletrônico, chats ou videoconferência, por outro lado, raramente figura nos contratos eletrônicos interativos, nos quais o consumidor, de imediato, tem contato com a oferta, que é a fase seguinte da formação do contrato. 92 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. v. 2. p. 479. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2004. p. 289. 94 DIAS, Jean Carlos. Direito contratual no ambiente virtual. p. 66. 93 57 3.3.2 Oferta ou policitação A oferta ou policitação marca o início da formação do contrato, nesta fase, um dos contratantes manifesta de forma séria e inequívoca, ao outro, a sua vontade de contratar. Perante a lei, a oferta ou proposta é reconhecida como a primeira fase do contato, é o momento no qual o contrato começa a demonstrar contornos mais definidos. Nesse sentido, Venosa ensina:95 Na proposta, existe uma declaração de vontade pela qual uma pessoa (o proponente) propõe a outra (o oblato) os termos para a conclusão de um contrato. Para que este se aperfeiçoe, basta que o oblato o aceite. [...] A proposta deve ser clara e objetiva, descrevendo os pontos principais do contrato. Diferentemente, do que ocorre nas negociações preliminares, a oferta, que é manifestada de forma unilateral, vincula a parte e gera uma série de obrigações e conseqüências jurídicas. A esse respeito, Loureiro afirma:96 A qualificação da oferta possui conseqüências não negligenciáveis. A determinação da existência de uma oferta permite determinar o momento no qual o contrato é concluído. O direito vincula a esse momento várias conseqüências jurídicas, como a determinação da entrada em vigor do contrato e da transferência de propriedade; irrevogabilidade da oferta e de sua aceitação; verificação da capacidade das partes; ponto de partida de vários prazos (retratação, garantia, prescrição); determinação da lei aplicável, etc. Em razão do foco de interesse deste trabalho ser a aplicabilidade das normas de defesa e proteção do consumidor aos contratos eletrônicos, cabe, a partir daqui, fazer-se um corte epistemológico, no sentido de dar maior atenção aos contratos eletrônicos interativos, em especial, aos firmados entre fornecedor e consumidor (B2C). 95 96 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. v. 2. p. 480-481. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. p. 290. 58 Conforme ensina Dias,97 a “oferta contida em um site se constitui como uma proposta pública, isto é, endereçada a todos os usuários que a visitarem”. Desta forma, no caso da venda de produtos através de páginas na Internet, os sites devem manter, de forma clara, precisa e completa as informações relacionadas aos produtos, preços, formas de pagamento, prazo de entrega, etc. A oferta, revestida de seriedade, por si, já é vinculatória, segundo o que dispõe o artigo 427 do Código Civil vigente: “A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso”. Este dispositivo protege aquele que, de boa-fé, toma conhecimento da oferta e confia na efetiva possibilidade de conclusão do negócio nos termos daquela. Neste sentido, Loureiro98 afirma: [...] o vendedor está vinculado por sua oferta, embora possa ele limita-la, desde que apresente como simples proposição, recorrendo as fórmulas do tipo ‘sem vinculação de nossa parte’, ‘preços e condições sujeitos a mudanças’, ‘o pedido deverá ser objeto de uma aceitação especial de nossa parte’, etc. A oferta pode ainda, ser limitada no tempo. [...] Cumpre ressaltar que a internet permite tornar inacessível uma oferta cuja validade tenha expirado, o que deve eliminar o risco de um comprador responder a uma oferta obsoleta. Assim a oferta desaparece no momento em que ela é retirada de um ‘site’ Web. Ela não será mais acessível ao público, mesmo se subsistir no servidor. No entanto, se a oferta é aceita antes de desaparecer, o contrato será formado e nenhuma retratação será possível. Como se vê, mesmo na fase pré-contratual, há vinculação da parte, quando da divulgação da oferta, mas é lícito ao proponente limitar a oferta, desde que também divulgue a limitação de forma clara e inequívoca. 97 98 DIAS, Jean Carlos. Direito contratual no ambiente virtual. p. 76. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. p. 291. 59 E quanto à existência de oferta no site, pode-se afirmar que ela estará vigente enquanto estiver acessível, período no qual o consumidor poderá aceita-la, formando o contrato. 3.3.3 Aceitação ou oblação Em poucas palavras, a aceitação ou oblação pode representar a fase final da formação do contrato, aquela na qual o oblato aceita as condições contidas na oferta. Venosa,99 a respeito da aceitação, ensina: A aceitação é o ato de aderência à proposta feita. Somente é aceita proposta existente e válida, o que deve ser examinado em cada caso. A aceitação sob condição ou com novos elementos equivale a uma nova proposta, uma contra-proposta, como veremos. Decorre daí que, para ser idônea a formar o contrato, a aceitação deve equivaler à proposta formulada. A aceitação deve ser pura e simples, obedecendo aos requisitos de tempestividade de forma, se houver. Exterioriza-se a aceitação com um simples aquiescer, um ‘de acordo’, um ‘sim’ ou palavra equivalente. A simples aposição de um ‘visto’ do oblato não significa que a proposta tenha sido aceita. Nada impede, porém, que a aceitação venha com a redação mais completa, inclusive com repetição de todos os termos da oferta. Também a rejeição da proposta ocorre de forma singela, com um simples ‘não aceita’, ‘rejeitada’ ou equivalente. Nas ofertas ao público em geral, são elas aceitas à medida que os interessados se apresentam no estabelecimento do ofertante, quando não se tratar de reembolso postal ou outra modalidade de compra. Como se vê, nos contratos tradicionais a aceitação é manifestada por escrito, nos contratos verbais, pode ser, ainda, manifestada por gestos, ou com uso de sinais de costume. Já, nos contratos eletrônicos, também poderá se dar por escrito, na forma de documentos eletrônicos, além de mensagens em chats, por voz nas videoconferências, ou com o acionamento de um comando, ou 99 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. v. 2. p. 484. 60 conjunto de comandos, tais como pressionar o botão do mouse, sobre ícones com a representação: ‘aceitar’ ou ‘confirmar’ nas páginas da web. Nos contratos eletrônicos interpessoais, como por exemplo, nos contratos formados através de correio eletrônicos, é perfeitamente possível, haver manifestação e formulação de contra-proposta pelo oblato. Mas o momento da formação se dará com a expedição da aceitação de forma inequívoca.100 Nos contratos eletrônicos interativos, a aceitação ocorre no momento em que o oblato, após ter feito a escolha dos produtos ou serviços oferecidos pelo proponente, aciona os comandos de aceitação que concluem o vínculo. Barbagalo101 explica: “a manifestação de vontade expressa através do acionamento de comandos informáticos pode ocorrer pelo pressionamento de ‘botões’ de sim, não ou concordo, existentes nas páginas eletrônicas de Web sites.” A formação dos contratos eletrônicos interativos pode de dar: entre presentes ou entre ausentes. O entendimento de Martins102 é no seguinte sentido: O principal critério distintivo entre ambos reside no tempo que necessariamente medeia entre a proposta e a aceitação, sendo que a simples circunstancia dos lugares em que se encontram os contratantes não tem interesse para a determinação do momento em que se forma o contrato. [...] Pode-se afirmar, portanto, que a contratação eletrônica, em regra – a menos que seja utilizado um programa que permita uma conversação a viva-voz, hipótese que se aplicam as regras relativas aos contratos celebrados via telefone –, se subsume sob a categoria dos negócios realizados entre ausentes. 100 BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos. p. 78. BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos. p. 61. 102 MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. P. 162-163. 101 61 A maior parte da doutrina, para diferenciar a formação do contrato eletrônico entre ausentes e presentes, baseia-se na possibilidade ou não de resposta imediata entre a proposta e a aceitação. Barbagalo103 sustenta a possibilidade de formação do contrato eletrônico interativo de forma mista, entre ausentes para o proponente e entre presentes para o aceitante, citando o seguinte: [...] é o caso de a proposta ser colocada a disposição para aceso por outra pessoa, sem que o proponente tenha sequer a certeza da existência do aceitante, apenas pressupondo que sua declaração inicial será conhecida. Assim, quando uma pessoa acessa a proposta, tem imediato conhecimento de seu conteúdo e, caso queira vincular-se, expedirá sua aceitação e formará o contrato. O proponente pode receber a aceitação sem ao menos ter tido ciência previa de conhecimento de sua proposta por outrem. Temos, aqui, um caso misto, no qual, quanto ao proponente, por não saber ele si et quando haverá aceitação, o contrato será considerado entre ausentes. O aceitante por sua vez, tem ciência imediata da proposta quando a acessa, e, para este, o contrato pode ser reputado entre presentes. De uma forma geral, mesmo que as pessoas não estejam fisicamente presentes, podendo cada parte estar em lugares distintos, mas desde que a aceitação ocorrer simultaneamente, ou logo após a emissão da proposta, o contrato será entre presentes, como por exemplo, nos sistemas de viva-voz, ou chats, etc. Por outro lado, nos casos em que houver um espaço de tempo maior entre a proposta e a aceitação, como por exemplo, nos contratos eletrônicos firmados através de e-mail, o contrato será tido como entre ausentes. Nos contratos eletrônicos interativos, como por exemplo, as lojas virtuais, nas quais se convencionou chamar de estado de oferta pública permanente, considera-se o contrato entre ausentes, pois tanto a proposta quanto a aceitação não são conhecidas de imediato por seus respectivos destinatários. 103 BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos. p. 79. 62 Nestes casos, o momento de formação do contrato se dá quando o usuário da Internet expede sua aceitação.104 A parte majoritária da doutrina pátria reconhece que nos contratos eletrônicos simultâneos se dão entre presentes, e se formam no momento em que o oblato manifesta sua aceitação, já que, em se tratando de comunicação simultânea, ela será imediatamente conhecida pelo ofertante ou policitante. Por outro lado, com relação aos contratos eletrônicos não simultâneos, como por exemplo, os contratos celebrados por correspondência eletrônica, a inexistência de conexão simultânea não permite ao oblato conhecer imediatamente a proposta do policitante, bem como não possibilita a resposta imediata de eventual aceitação. Nestes casos a formação se dará entre ausentes, e se formam apenas no momento em que o aceitante expede a sua aceitação.105 A teoria da expedição aplicada aos contratos eletrônicos não simultâneos em muito se assemelha à teoria das disposições aplicáveis aos contratos tradicionais celebrados por correspondência convencional, tratada no artigo 1.086 do revogado Código Civil Brasileiro de 1916, que atualmente tem amparo nas disposições do artigo 424 do Código Civil de 2002.106 No sentido de uniformizar a jurisprudência o Centro de Estudos Judiciários da Justiça Federal aprovou e publicou o Enunciado nº. 173107, que estabelece: “A formação dos contratos realizados entre pessoas ausentes, por meio eletrônico, completa-se com a recepção da aceitação pelo proponente”, ou seja, a justiça federal tem por entendimento, não adotar o princípio da expedição previsto no Código Civil, mas o princípio da recepção. 104 LEAL, Sheia do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos. p. 115. ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico no novo Código Civil e no Código do Consumidor. p. 43-45 106 Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no prazo convencionado. 107 CENTRO DE ESTUDOS DA JUSTIÇA FEDERAL – Enunciado nº 173 : disponível em < http://www.justicafederal.gov.br/portal/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1294> : Acesso em: 13 de março de 2008. 105 63 Não resta dúvida que aos contratos eletrônicos deverão ser aplicadas as normas vigentes no Código Civil brasileiro, devendo ser considerados entre ausentes e entre presentes, dependendo sempre das circunstâncias em que forem realizados, cabendo aos operadores do direito um exercício de hermenêutica a cada caso concreto. 3.4 Validade dos contratos eletrônicos Os contratos eletrônicos ainda não possuem legislação específica no direito pátrio, por outro lado, é certo de que não há vedação legal para sua formação; mas para que tenham validade jurídica e surtam os efeitos pretendidos pelas partes, é necessário que alguns elementos estejam presentes. Nesse sentido, Barbagalo108 esclarece: [...] os contratos eletrônicos, assim como quaisquer contratos, precisam ter presentes os requisitos que lhes asseguram a validade, como capacidade e legitimação da partes, objeto idôneo e licitude do objeto, forma prescrita ou não defesa em lei e consentimento. Ou seja, para a plena validade dos contratos eletrônicos, devem estar presentes os elementos de validade para os contratos em geral, os quais foram objetos de análise no capítulo 1 deste trabalho. Além da aplicação dos princípios gerais dos contratos, em razão da peculiaridade dos contratos eletrônicos, e da já falada falta de legislação nacional especifica, cabe demonstrar que, subsidiariamente, têm-se considerado possível a aplicação das diretrizes constantes na lei modelo sobre o comércio eletrônico da Comissão de Direito do Comércio Internacional da Organização das Nações 108 BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos. p. 39. 64 Unidas (UNCITRAL).109 Estas diretrizes têm por objetivo uniformizar e regulamentar o comércio eletrônico em todo o mundo. A doutrina e o judiciário pátrios têm visto com bons olhos a aplicação das diretrizes da lei modelo sobre o comércio eletrônico da Comissão de Direito do Comércio Internacional da Organização das Nações Unidas. Outra questão importante, que diz respeito à validade dos contratos eletrônicos, é relacionada à declaração de vontade através dos meios eletrônicos. Sobre este particular, Canut110 afirma: A validade da declaração de vontade manifestada pela rede, ou seja, a existente para a formação do contrato eletrônico, tem gerado vários debates. Os que possuem posicionamentos pessimistas em relação às transformações no comércio tradicional, que levam esta ‘problemática’ além do necessário, são desapontados pelas disposições do próprio Código Civil, arts. 107111 e 112112, que prevêem a liberdade de forma para a declaração de vontade, levando em conta mais a intenção do que a linguagem utilizada para a formação do vínculo (nesse caso, a linguagem digital). Desta forma, se a lei não determinar expressamente forma especial, a declaração de vontade poderá ser perfeitamente válida através dos meios eletrônicos. Atualmente, um dos maiores desafios dos contratos eletrônicos é quanto à identificação das partes, para que se possa determinar a capacidade e legitimação de cada contratante. Para tentar solucionar e minimizar esta dificuldade, a cada dia, novos sistemas de autenticação e certificação são desenvolvidos para dar maior segurança nesta modalidade de contratação. 109 In: <http://www.cbeji.com.br/legislacao/uncitral001.htm> : acesso em 4 de março de 2008. CANUT, Letícia. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. p. 141. 111 “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.” 112 “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.” 110 65 Para determinar-se com que se está contratando e evitar que um sujeito tente passar-se por outro, estão disponíveis as tecnologias biométricas. As técnicas mais difundidas são o reconhecimento de padrões de voz, exame de retina, escaneamento das impressões digitais e da palma da mão. Segundo Leal,113 “a identificação das pessoas por meios biométricos confere grande segurança por não se poder como facilidade forjar ou roubar as características físicas de uma pessoa.” Outra solução para o problema da identidade das partes contratantes em operações virtuais, segundo Dias:114 [...] encontra respaldo no sistema de senhas, assinatura digital, e assinatura eletrônica [...], valendo ressaltar, neste momento, que a identidade é um dos problemas que mais tem suscitado pesquisas na área da informática quando aplicada ao comércio eletrônico. Mesmo com toda a tecnologia disponível, falhas e fraudes podem ocorrer, nestes casos, Dias115 destaca a possibilidade de anulação do ato praticado através dos meios eletrônicos, caso haja deficiência na capacidade das partes, dizendo: A questão da identidade é fundamental para determinar-se a validade das obrigações decorrentes de contratações por meio virtual, sendo perfeitamente adequado concluir que os contratos virtuais poderão ser objeto de anulação quando demonstrado que uma das partes não possuía capacidade civil ou mesmo que sua identidade não corresponda à realidade. É certo que os contratos eletrônicos representam uma grande inovação na forma de contratar, por outro lado, não se pode querer excluir-lhes a validade apenas por falta de previsão legal específica, o que se exige apenas é um maior empenho na sua interpretação dos princípios do direito contratual vigente, conforme ensina Wald:116 113 LEAL, Sheila do Rocio Santos Cercal. Contratos eletrônicos. p. 159. DIAS, Jean Carlos. Direito contratual no ambiente virtual. p. 83. 115 DIAS, Jean Carlos. Direito contratual no ambiente virtual. p. 84. 116 WALD, Arnoldo. Um novo direito para a nova economia: a evolução dos contratos e o código civil. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, n. 12, jul./ago. 2001 114 66 A importância crescente dos contratos eletrônicos, nos quais se abandona o suporte de papel que, durante tantos anos, caracterizou a estrutura contratual, também modifica alguns dos aspectos da manifestação de vontade das partes, provocando novas regras de interpretação que decorrem das peculiaridades dos novos meios de transmissão. É importante salientar que existem exceções, tais como: contratos em que se exige determinada forma, por exemplo: o contrato de compra e venda de bem imóvel, no qual é imprescindível a sua formalização através de escritura pública. Estes tipos de contratos não podem ser formalizados através dos meios eletrônicos. No próximo capítulo, far-se-á a análise da possibilidade da aplicação das normas constantes no Código de Proteção e Defesa do Consumidor aos contratos eletrônicos. 67 4 APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS ELETRÔNICOS 4.1 Relação jurídica de consumo na Internet As possibilidades de aplicação das normas de proteção ao consumidor aos contratos tradicionais já foram vistas no item 1.4 constantes no primeiro capítulo deste trabalho. Neste capítulo, analisar-se-á, de forma mais específica, a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos eletrônicos que configurem relações de consumo, definidos como bussines to consumer (B2C), que são a forma mais comum de comércio eletrônico. Leal117 conceitua e delimita, de forma simples e objetiva, os contratos eletrônicos de consumo: “consideram-se contratos eletrônicos de consumo aqueles nos quais a manifestação de vontades das partes ocorre em meio eletrônico, tendo por objetivo relações jurídicas de consumo”. Quanto aos tipos de contratos eletrônicos envolvendo relações de consumo, Marques,118 na sua obra Contratos no Código de Defesa do Consumidor, adota uma divisão pessoal, fixando quatro tipos distintos: 1. os contratos de acesso técnico às redes eletrônicas (contratos entre o consumidor e um fornecedor de acesso – servidores, TVs a cabo e outros); 2. o contrato de venda on-line, venda de produtos materiais, que serão entregas a posteriori no local indicado pelo consumidor, e venda de produtos imateriais (software etc.) a serem enviados pelo mesmo meio eletrônico; 3. contratos de bens ‘informacionais’, bens totalmente desmaterializados, como músicas, revistas on-line, educação a 117 118 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos. p. 98. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 113-114. 68 distância, acesso a informações, a imagens, filmes, traillers, histórias em quadrinhos, jogos, videogames etc.; 4. contratos de prestação de serviços on-line ou por internet, como contratação com agências de viagens, transportadoras, seguradoras, bancos e financeiras. A aplicação do princípio da boa-fé já foi analisada no capítulo inicial desta monografia, todavia, é muito Importante observar as lições de Andrade,119 que aponta para a fundamental importância da presença permanente da boa-fé nos contratos eletrônicos que envolvam relações de consumo: O primeiro aspecto que deve ser observado no contrato eletrônico que encerra relação de consumo, como de resto em qualquer relação humana, jurídica ou não, é o princípio da boa-fé, que antes de ser um princípio contratual, é um princípio de ordem moral, que dever reinar em qualquer relação humana. [...] No caso dos negócios jurídicos celebrados no espaço cibernético, a boa fé tem ainda mais relevância, uma vez que não há qualquer contato físico entre os dois pólos da relação contratual. No caso do contrato eletrônico de compra e venda, por exemplo, o consumidor não vê o vendedor nem o produto; por outro lado, o vendedor não vê o comprador e tampouco de tem condições de verificar imediatamente sua identidade e suas condições econômicas de cumprir o contrato. Portanto, aqui a boa-fé revelase de grande importância, sobrelevando a credibilidade, a honestidade e a lealdade tanto do vendedor como do comprador. O primeiro porque é fornecedor e tem a obrigação de agir com lealdade colocando à venda produtos que efetivamente tem em seu estoque e realizando a entrega da mercadoria adquirida no prazo contratado, procedente com lealdade e honestidade, sem abusar do consumidor, dentro da boa prática empresarial. O consumidor, de sua parte, deverá agir da mesma forma, não lesando o fornecedor e agindo também, com honestidade e lealdade. Não há dúvidas de que o princípio da boa-fé deve ser observado em todos os negócios e relações jurídicas. Mas é muito pertinente a observação do autor, pois os contratos eletrônicos têm a peculiaridade de serem praticados sem que as partes tenham contato físico, o contato é estritamente virtual, o que aumenta a importância da aplicação e respeito deste princípio. 119 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico no novo Código Civil e no Código do Consumidor. p. 104-107. 69 Além do princípio da boa-fé, o princípio da transparência também é essencial para a garantia de uma boa relação de consumo no comércio eletrônico. Nesse sentido, Martins120 adverte: O princípio da transparência, instituído no direito positivo brasileiro por meio do art. 4º, caput do Código de Defesa do Consumidor, significa, acima de tudo, clareza, lealdade e respeito, cabendo ao fornecedor o dever de informar o consumidor não só a respeito das características do produto ou serviço, mas também sobre o conteúdo do contrato, a partir das manifestações pré-contratuais, em especial a publicidade. O comércio eletrônico, ao passo que facilita o contato e encurta distâncias entre fornecedor e consumidor, também dificulta um maior conhecimento prévio, por parte do consumidor, acerca do produto ou do serviço, por esta razão é essencial o dever de dar ao consumidor informações completas e precisas a respeito do produto ou serviço e do conteúdo do contrato. Outro importante aspecto a ser observado nas relações de consumo virtuais é quanto à vulnerabilidade e hipossuficiência dos consumidores. A esse respeito, Dias esclarece:121 Vale alertar que o conceito de vulnerabilidade e hipossuficiência, hoje bastante estudados, são claramente diversos. O segundo é um agravamento do primeiro, onde, alem da situação natural de risco decorrente da própria situação de consumo, pelas suas condições pessoais (culturais, sociais, econômicas etc.), o consumidor necessita ainda mais de proteção. Em se tratando de contratos de consumo efetuados em meios virtuais, o consumidor, por definição, não somente se apresenta como parte vulnerável mas também como hipossuficiente, em razão do evidente fator de adversidade decorrente do elemento tecnológico. Por isso, deve-se deixar claro, no âmbito das relações de consumo efetuados em meio virtual, que há a necessidade ainda mais incisiva de proteção ao consumidor, razão pela qual as empresas que pretendem atuar, nesse mercado, devem, necessariamente, ter redobrado cuidado no intuito de atender as condições previstas em lei. 120 MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos contratos eletrônicos de consumo via internet. p. 132. 121 DIAS, Jean Carlos. Direito contratual no ambiente virtual. p. 111. 70 A questão da hipossuficiência fica muito evidente, por exemplo, nos negócios realizados em ambiente virtual entre um consumidor e um grande magazine. Atualmente, quase todos os grandes conglomerados comerciais mantêm, além de suas lojas físicas em grandes centros, uma loja virtual, na qual expõe a venda através da Internet todos os produtos que comercializam em suas lojas convencionais. É certo que a proteção ao consumidor em atenção à hipossuficiência deve ser observada, mesmo nos negócios realizados em meio eletrônico. Não há dúvida que as regras de proteção e defesa do consumidor se aplicam aos contratos eletrônicos de consumo. É certo, porém, que se faz necessária uma dose de interpretação e adaptação a cada caso específico, em razão das peculiaridades das formas de contratação em ambiente virtual, mas isso não exige demasiado esforço dos operadores do direito, ao aplicar as normas de direito do consumidor aos contratos eletrônicos. Dando continuidade a este tema, nos próximos itens se fará uma análise dos casos mais comuns de intervenção nos contratos eletrônicos de consumo, em razão das normas do direito do consumidor. 4.1.1 Os contratos eletrônicos como contratos de adesão A presença do contrato de adesão é freqüente nos contratos de massa, como as ofertas de fornecimento de serviços de telefonia, energia elétrica, TV a cabo, bem com nos serviços bancários, etc. Estes contratos em geral são firmados em suporte de papel, mas atualmente, têm também ocorrido na contratação destes serviços através da Internet. Atualmente, tem-se ainda, contratado serviços adicionais, através dos meios eletrônicos, como por exemplo: um pacote contendo mais canais de TV a cabo, ou serviços extras do provedor de Internet. 71 Estes serviços, em geral, são oferecidos sem que o consumidor possa discutir ou alterar as cláusulas pré-dispostas destes contratos. Estes contratos, mesmo que firmados através da Internet, são tidos como contratos de adesão. Acerca do conceito, Venosa122 afirma que este tipo de contrato: [...] se apresenta com todas as cláusulas predispostas por uma das partes. A outra parte, o aderente, somente tem a alternativa de aceitar ou repelir o contrato. Essa modalidade não resiste a uma explicação dentro dos princípios tradicionais de direito contratual, como vimos. O consentimento manifesta-se, então, por simples adesão às cláusulas que foram apresentadas pelo outro contratante. Marques,123 autora de grande referência nacional no direito do consumidor, afirma a respeito do contrato de adesão: [...] é aquele cujas cláusulas são pré-estabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito. Além dos conceitos doutrinários, o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor também contempla um conceito para os contratos de adesão: Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. Fica evidente que nos contratos de adesão o consumidor limita-se a aceitar em bloco as cláusulas pré-estabelecidas de forma unilateral pelo fornecedor. A adesão se dá no momento em que o consumidor expressa sua vontade ou consentimento. 122 123 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. V. II. p. 352-353. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 71. 72 Não há consenso na doutrina pátria, acerca da denominação ‘contrato de adesão’, enquanto, Andrade, Martins e Leal defendem que os contratos eletrônicos podem ser ‘de adesão’, Marques124 utiliza denominações: ‘contratos de adesão’ e ‘condições gerais dos contratos’, sustentando que a primeira só pode estar presente em contratos tradicionais, por escrito, ‘preparados e impressos com anterioridade pelo fornecedor’, enquanto as ‘condições gerais dos contratos’ figuram nos contratos eletrônicos com cláusulas pré-estabelecidas. A esse respeito, Andrade125 afirma: Evidentemente, à forma eletrônica de contratar aplicam-se todas as regras do Código de Defesa do Consumidor que outorgam proteção contratual ao consumidor. Dessarte, quanto ao conteúdo do contrato, essa forma de contratar, não maioria dos casos, impõe um contrato de adesão em que o fornecedor dispõe de um modelo no qual já se encontram embutidas as condições gerais dos contratos, que terão vida com a realização deste, cabendo ao consumidor somente aderir. No caso do contrato eletrônico em que a maioria dos negócios jurídicos são celebrados entre o consumidor e um computador do fornecedor, será ele sempre por adesão e observadas as condições gerais impostas pelo fornecedor. Os contratos tidos como de adesão excluem a possibilidade de uma negociação preliminar e do estudo prévio das condições e cláusulas do contrato. Segundo Canut,126 os “contratos de adesão deixam ao consumidor apenas a opção de contratar ou não contratar, aderindo ou não as cláusulas já estipuladas. Justamente por não permitirem a negociação entre os estipulantes”. Canut127 ressalta, ainda, que por afastarem a possibilidade de negociação entre os contratantes, “estes contratos são um ‘campo fértil’ para a inserção de cláusulas abusivas”. Nos contratos eletrônicos, segundo ensina Leal,128 a figura típica do contrato de adesão se aperfeiçoa quando o aderente manifesta sua aceitação ao 124 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 69. ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico no novo Código Civil e no Código do Consumidor. p. 121. 126 CANUT, Letícia. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. p. 112. 127 CANUT, Letícia. Proteção do consumidor no comércio eletrônico. p. 112. 125 73 clicar o mouse do computador sobre palavras que aparecem na tela, tais como aceito, confirma, sem a possibilidade de discutir ou alterar as condições e os termos da contratação. Atualmente, em razão da constante busca por agilidade nos processos de contratação, e do fenômeno da massificação dos contratos, os contratos de adesão têm se multiplicado de forma alarmante. 4.1.2 Equiparação dos contratos eletrônicos aos contratos a distância, realizados fora do estabelecimento comercial Os contratos realizados fora do estabelecimento comercial, como se pode aferir da própria denominação, são aqueles nos quais o consumidor encomenda a compra do produto ou serviço fora do estabelecimento comercial do fornecedor. Schimitt129 conceitua os contratos a distância como sendo: “aqueles realizados pela utilização de uma ou mais técnicas de comunicação da distância, técnicas estas utilizadas num quadro organizado de vendas a distancia, sem a presença simultânea do consumidor e do fornecedor”. Marques130 reconhece o contrato eletrônico com sendo uma modalidade de contratação a distância, afirmando: Como se observa, o chamado ‘comércio eletrônico’ é realizado através de contratações a distância, por meios eletrônicos (e-mail etc.) por internet (on line) ou por meios de telecomunicação de massa (telemarketing, TV, TV a cabo etc.), é um fenômeno plúrimo, multifacetado e complexo, nacional e internacional, onde há realmente uma certa ‘desumanização do contrato’. 128 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos. p. 105. SCHIMITT, Marco Antonio. Contratações a distância. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 25, p. 60, jan./mar. 1998. in LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos. p. 106. 130 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 118-119. 129 74 Marques sustenta esta ‘desumanização’, alegando que “o fornecedor não aparece materializado através de um vendedor, o fornecedor não tem mais ‘cara’, tem sim uma marca, um nome comercial, uma determinada imagem, um marketing virtual ou televisivo, uma estratégia de telemarketing.” O Código de Defesa do Consumidor cita de maneira expressa duas modalidades desta forma de negócio, por telefone ou a domicílio. Todavia as modalidades enumeradas no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor não esgotam todos os tipos possíveis de contratação a distância, que podem ser ainda através da televisão, mala-direta, Internet, etc. Tanto a doutrina como a jurisprudência são unânimes em reconhecer a equiparação dos contratos eletrônicos aos contratos a distância, realizados fora do estabelecimento comercial. Andrade131 reconhece esta equiparação e esclarece que: A relação de consumo mantida por meio de contrato eletrônico, ainda que realizada por comunicação simultânea, caracterizará fornecimento de produto ou serviço fora do estabelecimento do fornecedor – art. 40 do Código de Defesa do Consumidor – ou venda a distância, na linguagem adotada pela Diretiva da União Européia n. 7, de 20 de maio de 1997, uma vez que o contrato será concebido – formado – sem a presença física dos contratantes, e somente a execução do contrato por parte do fornecedor ocorrerá no mundo real, pois até mesmo a obrigação contratual do consumidor poderá ser virtual – pagamento por intermédio de cartão de crédito. O autor melhor detalha a situação acerca do estabelecimento virtual e físico explicando: É importante ressaltar que, embora se fale em estabelecimento empresarial virtual eletrônico no qual o consumidor pode entrar virtualmente, como quando o consumidor adentra num site de um supermercado e corre virtualmente seus corredores e prateleiras, não se pode deslembrar que o conceito jurídico de estabelecimento empresarial ou comercial engloba não só os 131 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico. p. 107-109. 75 aspectos imateriais, mas também e especialmente o aspecto material, que é constituído pelas mercadorias e pelo local onde está instalada a empresa. Nas relações efetivadas fora do estabelecimento – local físico onde está instalado o fornecedor –, o consumidor esta numa posição frágil e tende a realizar o contrato que normalmente não realizaria se estivesse no local onde o produto ou serviço é colocado à venda; pois ao dirigir-se a determinado estabelecimento comercial, refletiu na aquisição antes mesmo de nele adentrar, ao passo que, quando faz a compra em sua residência, dada a facilidade de processamento de aquisição, aumenta a possibilidade de que ela seja feita por impulso e sem qualquer reflexão, reflexão que se dará somente no momento do recebimento do produto ou serviço. Além da dificuldade de determinação de todas as características do objeto ou serviço a ser adquirido, o detalhe da possibilidade da compra impulsiva por parte do consumidor, são questões que justificam a maior proteção do consumidor nos casos de contratação fora do estabelecimento comercial ou a distância. 4.1.3 Aplicação aos contratos eletrônicos do prazo de arrependimento em benefício do consumidor O Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de arrependimento em benefício do consumidor, podendo este desistir do contrato, este benefício é previsto expressamente no artigo 49 do referido código, que dispõe: Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Viu-se no item anterior que os contratos eletrônicos se equiparam às vendas a distância, e, por conseqüência, o prazo de arrependimento previsto no 76 artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor também se aplica aos contratos eletrônicos. Nesse sentido, Marques132 afirma: “a doutrina é unânime em que aos contratos a distância do comércio eletrônico se aplicam o art. 49 do CDC e o prazo de reflexão de sete dias”. O direito de arrependimento não é uma simples questão de protecionismo no direito do consumidor, a função deste benefício é muito importante, segundo Canut:133 O direito de arrependimento justifica-se pelo fato de as técnicas de vendas explicitadas no art. 49 serem consideradas agressivas, que pegam o consumidor despreparado/desprevenido, além de deixar o consumidor vulnerável ao não conhecimento do produto ou serviço. Para o exercício deste direito, não é necessária qualquer justificativa por parte de consumidor, consistindo a denúncia vazia num direito deste sujeito. Andrade134 ressalta ainda a importância desta previsão no Código de Defesa do Consumidor, alegando que o consumidor do comércio eletrônico “não tem contato real com o produto; em razão disso, por mais fidedigna que seja a imagem do produto, ela será sempre uma representação que poderá não corresponder as suas expectativas”. Esta preocupação é compartilhada com Martins, que observa ainda: Na medida em que o consumidor, nessas condições, possui menor possibilidade de avaliar o que estava contratando, deve lhe ser assegurado o prazo de arrependimento, não só nos contratos em distância em geral – tais como a venda porta-aporta, por telefone, reembolso postal, por fax, videotexto, por prospectos etc. –, como também nos contratos via Internet, até mesmo pela disseminação de tais práticas, à margem de uam regulação, a partir dessas novas técnicas, que permitem que o consumidor contrate sem sair de sua casa, muitas vezes com empresas e fornecedores de outros países. 132 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 131. CANUT, Letícia. Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico. p. 115. 134 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico. p. 109-110. 133 77 Quanto ao procedimento, o parágrafo único do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor prevê expressamente o seguinte: Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. Assim, o consumidor, sentindo-se lesado com a compra, notando que o produto ou serviço não representa o seu interesse, ou que agiu por impulso, pode devolver o produto dentro do prazo de sete dias e solicitar a restituição do preço pago. Segundo Andrade,135 o exercício do direito de recesso implica a resolução do contrato com a conseqüente reposição da partes ao stato quo ante. Desta forma, em respeito à eqüidade, por ter o fornecedor arcado com as despesas de envio, cabe ao consumidor fazer frente as custas da devolução. Merece atenção a questão que diz respeito ao início da contagem do prazo de sete dias para o desfazimento do contrato eletrônico. Segundo Leal,136 a contagem deve iniciar apenas com o recebimento do produto ou serviço, afirmando: Assim, a interpretação mais favorável ao consumidor, e que corresponde à previsão legal para os contratos que não costumam ser assinados, com é o caso dos contratos eletrônicos via internet, é de que a contagem do prazo de arrependimento se inicie da data do recebimento do produto ou serviço. Dias137 compartilha do mesmo entendimento, apesar de reconhecer que o prazo poderia começar da data em que o contrato se formou, o autor afirma: Poderá o prazo também ser contato do recebimento do serviço ou produto, é evidente que, sendo regra de interpretação mais favorável ao consumidor, servirá como dia inicial o que ocorrer por último. 135 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico. p. 115. LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos. p. 109. 137 DIAS, Jean Carlos. Direito Contratual no Ambiente Virtual. p. 130. 136 78 Nesse sentido, o fato do bem ou serviço ser adquirido por meio da internet por assinatura eletrônico ou mesmo simples aceitação de proposta veiculada na rede não desconstitui o direito de arrependimento previsto em Lei. Além do disposto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor ainda encontra amparo no artigo 6º da Diretiva 97/7138 da Comunidade Européia. Segundo as lições de Marques,139 nos casos de arrependimento: [..] deve o fornecedor devolver (sem cobrança de qualquer valor ou taxa) todos os valores recebidos, enquanto o consumidor suporta os custos da devolução física do produto ou serviço ao fornecedor. A regra do art. 6º da Diretiva é, naturalmente, bastante complexa, pois contempla os vários tipos de serviços, mesmo os de prestação a distância, os vários tipos de serviços, mesmo os de prestação única, excluindo apenas a possibilidade de arrependimento sem causa nos contratos envolvendo bolsa de valores, fornecimento de software e gravações de vídeo e áudio (se o selo de fechamento for retirado pelo consumidor), assinaturas de jornais e revistas e contratos envolvendo jogos e loterias. (art. 6º, alínea 3). É certo que alguns tipos de bens e serviços não podem ser devolvidos e ressarcidos. Em razão disso, bem editado foi o artigo 6º da referida Diretiva do CE, por exemplo, não se pode aceitar a devolução de um CD, porque o consumidor pode abri-lo, fazer uma cópia, e pretender a devolução alegando o direito de arrependimento. Para evitar esta prática, as lojas virtuais de CDs permitem ao consumidor ouvir previamente um trecho de cada música que consta no álbum musical. Atualmente, a maioria dos fornecedores de bens e serviços na rede tem oferecido prazo de arrependimento maior do que o previsto no Código de Defesa do Consumidor, visando, assim, preservar o consumidor. 138 COMUNIDADE EUROPÉIA, Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Maio de 1997 relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância. Disponível em : < http://www.anacom.pt/template20.jsp?categoryId=96924&contentId=163215 > Acesso em: 7 abr. 2008. 139 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 155. 79 4.1.4 A responsabilidade dos participantes da cadeia de fornecimento A responsabilidade dos participantes da cadeia de fornecimento é abordada no Código de Defesa do Consumidor em dois momentos diversos. No primeiro, o Código dispõe sobre a “Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço” (artigos 12 a 17), e no segundo, trata da “Responsabilidade por Vício do Produto ou do Serviço” (artigos 18 a 25). Marques140 afirma que “a doutrina brasileira mais moderna está denominando teoria da qualidade o fundamento único que o sistema do CDC instituiria para responsabilidade dos fornecedores”, segundo a autora, isto significa dizer que a lei impõe ao fornecedor um dever de qualidade mínima dos produtos e serviços que presta. No primeiro caso, o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor impõe que o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondam pela reparação dos danos causados aos consumidores, em razão de eventos causados por defeitos do produto, ou ainda, em razão de falta de informações sobre sua correta utilização e riscos, veja-se: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. Note-se, ainda, que o dever de reparação é imposto aos produtores, fabricantes, construtores e aos importadores, independentemente de culpa, ou seja, a responsabilidade nestes casos é objetiva. 140 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 1148. 80 Canut141 ressalta que nos incisos descritos no parágrafo 3º do artigo 12, o legislador tratou dos casos em que a responsabilidade objetiva pode ser afastada, desde que o fabricante, o construtor, o produtor ou importador provar: a) que não colocou o produto no mercado; b) que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; ou c) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Outro detalhe que merece especial atenção é a ausência dos comerciantes no rol previsto no artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, todavia, estes podem ser responsabilizados subsidiariamente, em situações específicas, tais como: nos casos nos quais se pode identificar o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador; quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; ou ainda, quando o comerciante não conservar adequadamente os produtos perecíveis, de acordo com o que dispõe os incisos do artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor. Segundo Marques,142 esta hierarquia, prevista no Código de Defesa do Consumidor, entre os responsabilizáveis, tem fundamento em doutrinas estrangeiras, como a francesa, que criou a teoria da ‘guarda da estrutura do produto’, que imputam as responsabilidades somente àqueles “que dominam a técnica de fabricação e que poderiam ter evitado o defeito, a responsabilidade pelo fato do produto.” Desta forma, resta evidente que no comércio eletrônico o comerciante, que expõe a venda mercadorias atrás de se sites na Internet, será responsabilizado pelo ‘fato do produto’ somente nos casos previstos nos incisos do artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor, conforme se viu anteriormente. Sendo o comerciante responsabilizado e arcando com o pagamento ao prejudicado, cabe a este exercer o direito de regresso contra os demais 141 142 CANUT, Letícia. Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico. p. 109. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 1211. 81 responsáveis, conforme prevê o parágrafo único do artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor. A responsabilidade extracontratual, como se depreende da própria denominação prescinde do contrato e decorre de previsão expressa de Lei. A esse respeito, Dias143 esclarece: A teoria da responsabilidade comporta diversas forma de analise, uma delas diz respeito a configuração conforme o pressuposto que determina o dever de reparação. Quando este decorre exclusivamente de lei, baseada no critério geral de vedação ao enriquecimento ilícito, tratar-se-á de responsabilidade extracontratual. Por outro lado, quando decorre da lei e do contrato, teremos a forma contratual. Canut144 adverte que a responsabilidade decorrente de defeito de insegurança possui um aspecto muito relevante, pois suas conseqüências podem ser graves, afirmando que “os danos materiais ultrapassam, em muito, os limites valorativos do produto ou serviço”. De outro lado, na responsabilidade decorrente dos vícios de adequação, a desvantagem econômica para o consumidor se limitará ao valor do produto ou serviço defeituoso, na proporção da sua inservibilidade ou imprestabilidade.145 Tanto a responsabilidade extracontratual como a responsabilidade contratual, consiste numa violação de um dever. A primeira, como já se viu, decorre da previsão de lei, e a segunda da previsão de lei e de uma obrigação contratual. Como se vê, o Código de Defesa do Consumidor garante aos consumidores a proteção e responsabiliza os fornecedores que colocarem no mercado produtos com vícios ou defeitos. 143 DIAS, Jean Carlos. Direito Contratual no Ambiente Virtual. p. 118. CANUT, Letícia. Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico. p. 109. 145 CANUT, Letícia. Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico. p. 109. 144 82 Dias146 é categórico ao afirmar que “no caso dos contratos celebrados em meio virtual não existe qualquer diferença quanto a aplicabilidade dessa garantia ao consumidor” A respeito dos produtos e serviços defeituosos colocados à venda através da Internet, Dias ensina: Se o contrato eletrônico celebrado resultar em um serviço ou produto considerado defeituoso, o colocador responderá perante o consumidor que contratou por meio de ambiente virtual. Então, se um determinado site servir de intermediário entre o fornecedor e o consumidor o seu responsável poderá ser considerado como comerciante para efeito de responsabilização, na hipótese de não ser possível identificar aquele. Assim, o responsável pela produção e colocação do site no ar, em servindo de intermediário, poderá ser responsabilizado pelo defeito do produto, quando se configurar a responsabilidade do comerciante. Assim, pelas palavras do autor, tem-se a certeza que nos contratos eletrônicos, os comerciantes ‘virtuais’ podem ser responsabilizados nos termos do Código de Defesa do Consumidor, quando venderem produtos ou serviços defeituosos, ou ainda nas outras hipóteses previstas no Código de Defesa do Consumidor. Conforme se viu no Capítulo 2 deste trabalho, em geral, o acesso à Internet é feito através de um provedor de acesso, que conecta o usuário à grande rede, assim como também foi dito que os provedores não se limitam a servir como ponte de acesso entre uma pessoa e Internet. O provedor armazena as mensagens recebidas pelos seus usuários, hospeda as home pages, além de prestar diversos serviços, como fornecer conteúdos em sua página, oferecer serviços de ‘disco virtual’, para que seus clientes possam armazenar arquivos nos servidores do provedor. 146 DIAS, Jean Carlos. Direito Contratual no Ambiente Virtual. p. 128. 83 Não há dúvida que o provedor de acesso é responsável no que tange aos danos emergidos da relação contratual do provimento de acesso e dos serviços contratados e prestados diretamente pelo provedor. Esse entendimento é compartilhado por Rücker,147 que afirma “Sem sombra de dúvidas, que presente o requisito principal para a configuração jurídica da relação de consumo, pois o acesso, as informações, o lazer e a pesquisa são consumidas pelo contratante”. Todavia, merece análise a questão da responsabilização solidária do provedor de acesso por danos causados aos seus clientes oriundos de relações de consumo realizadas por estes com fornecedores de produtos ou serviços pela Internet. Segundo Andrade,148 analisando estritamente o objeto do contrato de provimento de acesso, não há responsabilidade de provedor, e nesse sentido complementa: O provedor de acesso não é garante de todos os fornecedores que realizam fornecimento pela internet, já que não participa da cadeia de todas as relações de consumo realizadas na grande rede. Aliás, se assim fosse, certamente não teríamos nenhum provedor de acesso, uma vez que tal atividade dificilmente resultaria em lucro para seus empreiteiros. Ademais, ninguém pode responder por danos que nem remotamente provocou. Não pode o provedor, por exemplo, responder por defeito apresentado por um automóvel adquirido por cliente seu pela internet, pela simples razão de não ter participado da cadeia de fornecimento. Assim, não há como responsabilizar o provedor de acesso por danos ocorridos ao consumidor, se o contrato para aquisição de produtos ou serviços foi firmado entre o usuário/consumidor e terceiro que não seja parceiro comercial e afim do provedor. Há uma terceira hipótese em que o provedor de acesso poderá ser responsável solidário na cadeia de fornecimento, segundo Andrade:149 147 148 RÜCKER, Bernardo. Responsabilidade do provedor de internet frente ao Código do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 49, fev. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1776>. Acesso em: 23 abr. 2008. ANDRADE, Ronaldo Alves. Contrato Eletrônico no Novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. p. 125. 84 Há, todavia, hipóteses nas quais o provedor deixa de ser mero fornecedor de acesso e passa a integrar a cadeia de fornecedores que prestam outros serviços. A realidade é que, hoje, e cada dia mais, os provedores participam ativamente dos negócios realizados pela internet, e transformaram-se em verdadeiros portais de fornecimento de serviços, que vão desde a propaganda de determinado serviço até o efetivo fornecimento deste e de produtos. [...] O poder dos provedores de controle da internet de fato aumentou de maneira brutal, de modo que a internet tem para o consumidor a imagem de provedor. Basta notar que o internauta, ao acessar a rede, primeiro entre no site de seu provedor, onde encontra uma gama de informações que o remete aos sites de interesse do provedor, depois em outro site, ligado àquele, mas todos interligados ao ramo principal que é o provedor, que, para controlar por onde seu cliente vai navegar, faz parcerias com outras empresas de publicidade, de informação – jornais, revistas, rádios e televisão – e com prestadores de serviços e produtos, sempre participando de forma decisiva do desenvolvimento desses negócios, às vezes só cobrando pelos serviços efetivamente prestados, noutras atuando com parceiro e sócio. Então para fixar a responsabilidade do provedor em face do consumidor, será necessário verificar o real envolvimento do provedor na relação jurídica de consumo praticada por seu cliente. Rücker150 compartilha do mesmo entendimento, ponderando que a responsabilidade solidária do provedor deve ser analisada caso a caso, veja-se: Sugerimos, então, que a aplicação da solidariedade passiva às relações de consumo oriundas de serviços que envolvam de forma indireta os provedores de serviço de internet seja aplicada, sim, mas de forma ponderada analisando-se a peculiaridades do caso concreto, atento para a efetiva possibilidade de controle por parte do servidor sobre as informações e idoneidade de seus anunciantes e contratantes. Desta forma, o provedor de acesso não será solidariamente responsável nos casos em que a efetiva participação não ficar caracterizada, todavia, será este responsabilizado quanto efetivamente mantiver com o fornecedor relação jurídica que o coloque também nesta posição, seja quando 149 150 ANDRADE, Ronaldo Alves. Contrato Eletrônico no Novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. p. 126-127 RÜCKER, Bernardo. Responsabilidade do provedor de internet frente ao Código do Consumidor. 85 tiver participação nos lucros, ou quando figurar como sócio, assumindo assim os ônus decorrentes perante os consumidores. 86 CONSIDERAÇÕES FINAIS O notável avanço nas tecnologias de informação e comunicação revolucionou as formas de organização e relacionamento da sociedade. A Internet, em especial, ampliou as possibilidades de comunicação, compartilhamento de informações e as formas negociais. O Direito não avançou na mesma velocidade, mas é certo que os operadores do Direito e os doutrinadores se esforçam para indicar soluções para a falta de legislação específica para regular os negócios formalizados através da Internet, também denominados comércio eletrônico. Neste trabalho, que não teve a pretensão de esgotar o tema, mas sim de analisar alguns pontos específicos do comércio eletrônico, resultou em algumas considerações, que serão agora apresentadas. Como se viu, o contrato eletrônico não é um novo tipo de contrato, mas sim um novo meio de formalizar o contrato. Sendo possível adotá-lo sempre que a lei não exigir forma especial, como é o caso da compra e venda de bem imóvel, na qual se exige a formalização através de escritura pública. Ao contrato eletrônico se aplicam as normas e princípios gerais do direito contratual tradicional, previstas em lei e tratadas pela doutrina, adaptandose a cada caso e às necessidades e realidades do meio virtual, assim, estando presentes os elementos objetivos e subjetivos previstos no direito contratual tradicional, o contrato eletrônico terá, em princípio, validade jurídica. No ambiente virtual há uma grande liberdade quanto à forma, até em razão da falta de regulamentação, impera o caráter transfronteiriço e a maior tendência é pela dispensabilidade dos documentos físicos em suporte de papel. 87 Sem prejuízo da observação de outros princípios, a presença da boa-fé objetiva é requisito dos mais importantes nos contratos eletrônicos, pois as partes, em geral, não estão presentes e não se conhecem, e ainda, na grande maioria dos casos, as partes estão muito distantes umas das outras. Quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor no Comércio Eletrônico de Consumo, restou demonstrado que a posição unânime da doutrina é pela possibilidade da aplicação. Restou ainda observado através deste estudo que a grande maioria dos contratos eletrônicos de consumo se enquadra no tipo contrato de adesão. Nas transações virtuais, muitas vezes o consumidor nem tem conhecimento prévio das cláusulas pré-estabelecidas, e quando tem, não lhe é permitido alterar ou discutir os termos previstos. Razão pela qual a proteção prevista com relação a esta prática é perfeitamente aplicável aos contratos eletrônicos. Em atenção à questão do prazo de arrependimento previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, novamente, os estudos empreendidos nesta monografia demonstraram que este dispositivo tem plena aplicação e eficácia no âmbito do comércio eletrônico de consumo. Este estudo também serviu para demonstrar que os agentes ligados à cadeia de fornecimento serão responsabilizados da seguinte forma: os produtores, os fabricantes, os construtores e os importadores serão responsabilizados, independentemente de culpa, por fato do produto ou do serviço, e não sendo estes identificados, a responsabilidade subsidiária será do comerciante que mantém a loja virtual de produtos, serviços ou informação. Já os provedores de acesso têm responsabilidade pelos serviços que prestam de forma direta aos seus usuários, todavia, não podem ser responsabilizados pela compra de determinado produto nas lojas virtuais, com exceção dos casos em que o provedor for sócio, ou tiver participação nos lucros da empresa que comercializa produtos ou serviços através da Internet. 88 Em última análise, observa-se que os contratos eletrônicos devem ser analisados de forma zelosa, aliando, sempre que possível, teorias do Direito contratual tradicional às teorias mais modernas, tais como a nova realidade contratual do atual Código Civil, em especial, até que se aprove a legislação específica acerca dos contratos eletrônicos e do comércio eletrônico. 89 REFERÊNCIAS ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato Eletrônico no Novo Código Civil e no Código do Consumidor. Barueri, SP: Manole, 2004. BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos. São Paulo: Saraiva, 2001. Brasil, Código Civil. 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