Matérias-primas vegetais usadas na medicina popular no Estado do

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Matérias-primas vegetais usadas na medicina popular no Estado do
Amazonas para o tratamento da malária e males associados.
Ari F. Hidalgo1; Lin C. Ming 2
1
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) - Fac. de Ciências Agrárias, Mini-campus, CEP 69077-000, Manaus,
AM. Doutorando UNESP-Botucatu (SP), [email protected];
2
UNESP - Faculdade de Ciências Agronômicas -
o
Dept Horticultura. Botucatu, SP, Fazenda Exp. Lageado.
RESUMO
A malária é um dos mais preocupantes problemas de saúde pública no estado do
Amazo nas e muitas vezes é tratado com preparados caseiros à base de plantas. Foi realizado
levantamento em sete municípios do rio Solimões e região de Manaus, procurando conhecer as
plantas usadas para o tratamento da malária e males associados, as partes utili zadas e a forma
de preparo dos remédios caseiros. Das 129 espécies encontradas, 55 são nativas da região;
espécies de todos os continentes hoje fazem parte da farmacopéia amazônica para a malária.
Folhas, cascas e raízes são as partes mais usadas. O chá é a forma de preparo mais comum,
seguido de sumos/sucos e macerados. O conhecimento, na maioria das vezes está restrito às
pessoas de mais idade, as quais vêm encontrando dificuldade em repassar este conhecimento
para as gerações mais novas.
Palavras-chave: Plantas medicinais, etnobotânica, plantas antimaláricas, formas de preparo.
ABSTRACT
Plant materials used in folk medicine of the Amazon state to malaria treatment and
associated symptoms.
Malaria is one the most serious health public problem in the Amazon State, Brazil, and
sometimes is treated with folk plant medicines. A survey was carried out in seven counties along
Amazon River and Manaus region, searching plants used to treat malaria and associated illness,
the parts of plants used and preparation forms to domestic remedies. Among 129 found plant
species, 55 were native of the Amazon region; plant species native of the all continents were
incorporated in native pharmacopoeia to malaria. Leaves, barks, and roots are the most used
plant parts. Tea is the most common way of preparation, followed by juice and maceration. The
knowledge in most of the times is restricting to oldest persons, and those have difficulty to
transmit this knowledge to the next generations.
Keywords: Medicinal plants, ethnobotany, antimalarials plants, preparation
O homem que convive com a floresta Amazônica desenvolveu estratégias de
sobrevivência que lhe permitem lidar com inúmeras adversidades naturais e introduzidas,
particularmente com as doenças. Diversas espécies vegetais são utilizadas no tratamento,
diretamente ou como auxiliar, de doenças diversas, tais como febres, malária e verminoses.
Dentre estas doenças a malária sobressai-se, seja pela freqüência com que ocorre, seja pelos
prejuízos que causa à saúde humana, com refle xos na atividade econômica e na qualidade de
vida. Em 1999 foram confirmados 167.722 casos no Estado do Amazonas (IMT-AM, 2000).
A malária é doença introduzida na Amazônia e não ocorria nas Américas antes do
descobrimento, tendo sido introduzida provavelmente no século 18, com a chegada dos
colonizadores (Milliken, 1997).
Protozoários do gênero Plasmodium são os causadores da malária, principalmente P.
vivax e P. falciparum , transmitidos por mosquitos (carapanãs) do gênero Anopheles, sendo A.
darlingi a mais antropofílica das 33 espécies que ocorrem na Amazônia (Taddei & Thatcher,
2000). O fígado é o órgão mais afetado pela doença e os sintomas que acompanham a malária
são:
febres
intermitentes
ou
brandas,
icterícia,
hemoglobinúria,
anemia
e
hepato/esplenomegalia (Etkin, 1997), além de calafrios e dor-de-cabeça.
A formação cultural da Amazônia e o ambiente rico em espécies vegetais favoreceram
a experimentação das plantas nativas para o tratamento da malária, assim como a introdução
de inúmeras espécies. Este trabalho apresenta informações sobre as diversas partes das
plantas utilizadas para tratar a malária e males associados e as diferentes formas de preparo.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi realizado no período de janeiro de 2001 a fevereiro de 2003, nos
municípios de Atalaia do Norte, Benjamin Constant (alto Solimões), Tefé, Coari (médio
Solimões), Castanho, Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva (região de Manaus). Foram
entrevistados 71 informantes de ambos os sexos, indicados pela Fundação Nacional de Saúde,
Igrejas, campi avançados da UFAM e pelas comunidades como curadores, rezadores e
pessoas que já tiveram experiência no tratamento de malária com plantas.
Foram feitas visitas às casas e áreas de trabalho. Após esclarecimentos sobre os
objetivos do trabalho, foram aplicados questionários semi-estruturados, abordando a
compreensão dos entrevistados sobre a doença e o uso das plantas, partes utilizadas, coleta,
manejo e preparo do material vegetal. Com permissão dos entrevistados foram feitos registros
fotográficos e coletado material botânico para identificação, sendo posteriormente depositado
na coleção da Faculdade de Ciências Agrárias da UFAM, em Manaus.
Em outra etapa do trabalho o material está sendo analisado quimicamente no Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia e os extratos aquosos e metanólicos serão testados sobre
cepas de P. falciparum no Instituto de Medicina Tropical do Amazonas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram encontradas 129 espécies vegetais que são utilizadas diretamente ou como
auxiliar no tratamento da malária e dos males associados a esta. Dentre estas, 55 espécies são
reconhecidamente nativas da Amazônia, em sua maioria de porte arbóreo, como a
carapanaúba (Aspidosperma sp.) e a piranheira (Piranhea trifoliolata). Várias espécies são de
ocorrência natural na Amazônia, mas também ocorrem espontaneamente em outras partes do
Brasil e em outros países, como o camapu (Physalis angulata) e o melão-de-são-caetano
(Momordica charantia). Além das espécies nativas, são utilizadas algumas introduzidas de
outros continentes, como o eucalipto (Eucaliptus sp.) e o café (Coffea arabica).
O material é obtido na floresta, capoeiras ou em ‘roças’, conseguido com conhecidos ou
comprado em feiras e farmácias. O trabalho de coleta na mata é dos homens e o cultivo das
plantas medicinais é feito por mulheres; algumas vezes ocorre o inverso. Espécies exóticas
normalmente são cultivadas em recipientes diversos e nos arredores da casa.
A folha é a parte mais utilizada, sendo levantadas 49 espécies das quais se usa a folha
nos preparados medicinais caseiros. Dependendo da espécie e do preparo a folha pode ser
usada verde, amarela (madura) ou seca. Em alguns casos as folhas são usadas juntamente
com pedaços de ramos. Na maioria dos casos arbustos e ervas fornecem as folhas, embora
não seja raro o uso de folhas de arvoretas e árvores.
A casca é largamente utilizada como matéria-prima, sendo encontradas 41 espécies. A
casca pode ser retirada de árvores ou de trepadeiras lenhosas. Em alguns preparados se usa a
casca bruta, como no caso da carapanaúba e sucuba (Hymatanthus sucuuba), enquanto que
em outros se usa a parte interna da casca ou entrecasca, como no caso da saracura -mirá
(Ampelozizyphus amazonicus) e da castanheira (Bertholletia excelsa). Em geral a casca é
extraída do caule, embora também possa ser retirada de galhos mais grossos.
Raízes de 17 espécies são usadas no preparo de remédios para a malária, sintomas e
conseqüências. Normalmente se usa a casca das raízes pivotantes; no caso das palmeiras,
como o açaí-do-amazonas (Euterpe precatoria), são utilizadas as raízes fasciculadas novas.
Outras partes utilizadas são caules (trepadores, arbóreos e subterrâneos), cascas de
frutos (maduros, secos, pixídios e mesocarpos), rizomas (embora seja um caule subterrâneo,
foi classificado à parte), bulbos, flores, sementes, ponteiras (gemas terminais) e tegumentos,
além de óleos (de sementes e extraído de caule) e látex.
A forma de preparo mais comum é o chá (infusão, decocção ou tisana, dependendo do
material e do preparado), sendo identificado para 107 espécies. É comum o preparo de chás
usando duas ou mais espécies com efeitos semelhantes, complementares ou sinérgicos). O
sumo e/ou suco de folhas, raízes, frutos ou da planta inteira é a forma de preparo para 20
espécies. O macerado, um preparado a frio em que a parte vegetal é colocada em repouso ou
batido na água, é usado para 17 espécies. A garrafada em geral é preparada com cascas de
plantas, embora também possa conter sementes, raízes e folhas, sendo o material colocado em
cachaça, vinho branco ou tinto, conhaque e, menos comumente, em água.
Banhos, defumações (para afugentar o mosquito), emplastros, óleos (ingestão e
fricção) e pós (de folhas, cascas ou sementes) são outras formas usar plantas para combater e
tratar a malária.
A Amazônia, particularmente o Estado do Amazonas, que possui mais de 95% da
cobertura florestal intacta, é um ambiente altamente favorável à pesquisa etnobotânica
direcionada para a procura de plantas para o tratamento da malária e do conhecimento
associado a estas. Estas informações, na maioria dos casos, estão restritas aos mais velhos, os
quais não têm o hábito fazer registro escrito do seu conhecimento e estão encontrando
dificuldade de repassá-los aos mais novos.
LITERATURA CITADA
ETKIN, N.L. Antimalarial plants used by Hausa in northern Nigeria. Tropical Doctor. v.27, 1997
p.12-6 (Supplement 1).
IMT-AM (Instituto de Medicina Tropical). Índices parasitários para malária: 1997-1999 Manaus.
2000, 5 p. (impressa).
MILLIKEN, W. Traditional anti -malarial medicine in Roraima, Brazil. Economic Botany, v.51,
n.3, 1997, p. 212-237.
TADEI, P.W.; THATCHER, B.D.
Malaria vectors in the brazilian Amazon: Anopheles of the
subgenus Nyssorhynchus. Rev. Inst. Med. Trop. São Paulo, v.42, 2000, p.82-95.
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