Relato de Caso Paraganglioma vagal maligno Fábio Roberto Pinto1 Marcela Benetti Scarpa2 Jossi Ledo Kanda3 João Antonio Correa4 Deborah Krutman Zeibil5 Malignant vagal paraganglioma RESUMO ABSTRACT O paraganglioma vagal maligno é uma doença extremamente rara cujo diagnóstico é firmado pela presença de metástases e não pelos achados histológicos do tumor primário. Apresentamos um caso de paraganglioma vagal maligno tratado com sucesso através de ressecção cirúrgica radical e esvaziamento cervical. Malignant vagal paraganglioma is a very rare disease and the diagnosis is established on the basis of presence of metastasis rather than the histological findings. We report a case of a malignant vagal paraganglioma successfully treated through radical resection and neck dissection. Descritores: Paraganglioma. Nervo Vago. Metástase Neoplásica. Neoplasias de Cabeça e Pescoço. Tomografia Computadorizada por Raios X. Key words: Paraganglioma. Vagus Nerve. Neoplasm Metastasis. Head and Neck Neoplasms. Tomography, X-Ray Computed. INTRODUÇÃO Os paragangliomas são tumores raros, extremamente vascularizados, que se originam em células derivadas da crista neural associadas ao sistema nervoso autônomo. O comportamento maligno dos paragangliomas cervicais é observado em 2 a 13% dos casos, dependendo da casuística analisada1. Em relação aos paragangliomas vagais (PV), pouco mais de 20 casos de paragangliomas vagais malignos (PVM) foram relatados na literatura de língua inglesa. O objetivo desse trabalho é relatar mais um caso de PVM e discutir seu diagnóstico e tratamento. RELATO DE CASO Paciente masculino de 60 anos foi encaminhado ao nosso serviço com queixa de disfonia há oito anos, seguido de aparecimento de nódulo cervical esquerdo de crescimento progressivo há quatro anos, associado à disfagia, dispnéia aos esforços e tosse. Ao exame observou-se tumor submucoso de 4cm de diâmetro em orofaringe à esquerda e nódulo cervical de 3cm em nível II à esquerda. A laringoscopia indireta evidenciou paralisia de hemilaringe esquerda. A tomografia computadori- zada (TC) revelou extensa lesão hipervacularizada em topografia de bifurcação carotídea esquerda, com extensão para o espaço para-faríngeo (figura 1A). A arteriografia foi compatível com paraganglioma, observando-se o deslocamento ântero-medial das artérias carótidas externa e interna (Figura 1B). O paciente foi submetido à embolização pré-operatória 48 horas antes da cirurgia, que consistiu na ressecção completa de tumor por via cervical esquerda, com sacrifício dos nervos vago, hipoglosso e glossofaríngeo, além da artéria carótida externa, todos envolvidos pela lesão (figura 2A). Observou-se nitidamente a origem do tumor no nervo vago esquerdo. Realizou-se também ressecção de linfonodo retrofaríngeo (LRF) aumentado de tamanho (figura 2B) e esvaziamento de oportunidade dos níveis II a IV ipsilaterais pela suspeita clínica de malignidade. Não foram observadas complicações intra-operatórias. O anátomo-patológico revelou paraganglioma vagal com metástase para o linfonodo retrofaríngeo (figura 3) e 0/33 metástases para os linfonodos jugulo-carotídeos, com margens cirúrgicas livres. O paciente evoluiu com disfagia no pósoperatório, reabilitada satisfatoriamente com fonoterapia. Não recebeu tratamento complementar e encontrava-se sem evidência de doença após 12 meses. 1) Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.Médico Assistente do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Ensino da Faculdade de Medicina do ABC. 2) Acadêmica de Medicina da Faculdade de Medicina do ABC. 3) Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Ensino da Faculdade de Medicina do ABC. 4) Doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.Chefe do Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital de Ensino da Faculdade de Medicina do ABC. 5) Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Chefe da Disciplina de Patologia Geral e Especial da Faculdade de Medicina do ABC. Instituição: Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Ensino da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil. Correspondência: Recebido em: 15/10/2007; aceito para publicação em: 23/01/2008; publicado on-line em: /2008. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 122 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 122 - 123, abril / maio / junho 2008 Figura 3 – Fotomicrografia evidenciando infiltração do linfonodo retrofaríngeo por paraganglioma metastático (HE, 100x). DISCUSSÃO Figura 1 – (A) TC de pescoço com contraste com corte no nível do ângulo da mandíbula: massa cervical esquerda hipervascularizada que abaúla o espaço parafaríngeo ipsolateral. (B) Arteriografia de artérias carótidas demonstrando paraganglioma vagal (PV) de grandes dimensões na topografia da bifurcação carotídea esquerda que desloca ânteromedialmente as artérias carótidas externa e interna (ACE e ACI). Os PV são tumores raros das células da crista neural dispostas no trajeto do nervo vago. A maioria origina-se do gânglio nodoso inferior e são geralmente benignos2. O diagnóstico é feito pela apresentação clínica associada aos achados radiológicos. Segundo a literatura, os sintomas mais freqüentes são massa cervical (74%) e disfonia (37%)2. Os achados angiográficos desse caso foram sugestivos de PV. Conforme já descrito1,2, observamos um blush tumoral intenso e o deslocamento ântero-medial das artérias carótidas interna e externa. Esse último achado diferencia o PV do paraganglioma de corpo carotídeo, no qual ocorre a separação das artérias carótidas interna e externa pelo tumor. A suspeita de malignidade geralmente ocorre no intra-operatório, quando o cirurgião depara-se com um tumor de aspecto infiltrativo ou detecta linfonodos cervicais suspeitos de doença metastática. No entanto, a confirmação de malignidade de um paraganglioma é feita somente quando se detecta metástase da lesão para linfonodos ou órgãos à distância e não pelos achados histológicos do tumor primário1,2. Descrevem-se metástases de paragangliomas para diversos sítios, como linfonodos cervicais e mediastinais, osso, pulmão, fígado e coração3. O tratamento do PVM é fundamentalmente cirúrgico, incluído a ressecção do tumor primário e eventuais metástases linfonodais. Assim como relatado2, realizamos a embolização do tumor 48 horas antes da abordagem cirúrgica. Não foi indicado tratamento adjuvante, pois não há suporte na literatura. Alguns autores citam outros tratamentos, como a radioterapia e a terapia com I131-MIBG, porém, de eficácia limitada e controversa3-5. A taxa de sobrevida relativa para paragangliomas malignos de cabeça e pescoço é de 59,5% em cinco anos (76,8% para doença apenas locoregional e 11,8% para casos com metástase à distância)3. Não existem dados específicos de sobrevida para os PVM. REFERÊNCIAS Figura 2 – (A) Ressecção do PV. Observa-se no campo cirúrgico a ACE ligada e a ACI e artéria carótida comum (ACC) preservadas. (B) Linfonodo retrofaríngeo aumentado de tamanho. O exame anátomopatológico revelou metástase de paraganglioma. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 122 - 123, abril / maio / junho 2008 1. Cakmakci H, Usal C, Guneri A. Metastatic hypervascular lymph nodes in malignant glomus vagale tumor: Angiography findings. Clin Imaging. 2001;25(3):167-70. 2. Carlsen CS, Christian G, Krogdahl AS, Edal AL. Malignant vagal paraganglioma: report of a case treated with embolization and surgery. Auris Nasus Larynx. 2003;30(4):443-6. 3. Lázaro B, Klemz M, Flores MS, Landeiro JA. Malignant paraganglioma with vertebral metastasis. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(2-B):463-7. 4. Paris J, Facon F, Thomassin JM, Zanaret M. Cervical paragangliomas: neurovascular surgical risk and therapeutic management. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2006;263(9):860-5. 5. Patetsios P, Gable DR, Garrett WV, Lamont JP, Kuhn JA, Shutze WP, Kourlis H, Grimsley B, Pearl GJ, Smith BL, Talkington CM, Thompson JE. Management of carotid body paragangliomas and review of a 30year experience. Ann Vasc Surg. 2002;16(3):331-8. 123