UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
TIBÉRIO CÉSAR MACÊDO TABOSA
Estratégia Integrada de Marketing para Produtos Artesanais Solidários de
Raiz no Projeto Imaginário Pernambucano: uma Alavanca para o
Crescimento Socioeconômico Comunitário
Recife - PE
2006
1
TIBÉRIO CÉSAR MACÊDO TABOSA
ESTRATÉGIA INTEGRADA DE MARKETING PARA PRODUTOS ARTESANAIS
SOLIDÁRIOS DE RAIZ NO PROJETO IMAGINÁRIO PERNAMBUCANO: UMA
ALAVANCA PARA O CRESCIMENTO SOCIOECONÔMICO COMUNITÁRIO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso de pós-graduação
(lato-sensu) em Gestão de Organização do
Terceiro Setor da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Especialista.
ORIENTADORA: Profa. Ms. Gerusa Coutinho Ramos
Recife - PE
2006
2
A todas as pessoas que me
estimularam para a finalização
deste trabalho.
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte de toda sabedoria, pela força e pela coragem que nos concedeu, permanecendo
do nosso lado em todo o percurso desta caminhada.
Ao Projeto Imaginário Pernambucano nas pessoas de suas diretoras Dras. Ana Andrade e
Virginia Cavalcanti pelo apoio oferecido no desenvolvimento desta Monografia.
As professoras da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie Helena Rondon e
Vânia Dohme pelos ensinamentos transmitidos.
À professora Gerusa Coutinho Ramos, pelo incentivo para a finalização e as orientações na
elaboração do trabalho.
Aos funcionários da Secretaria do Mackenzie Recife Conceição e Leo pelo apoio logístico
durante o curso.
A minha esposa Maria do Carmo e a minha filha Joana pela ajuda na edição final do trabalho.
4
“Sua beleza é inseparável de sua
função:
são
bonitos
porque
são úteis. Os objetos do artesanato
pertencem a um mundo anterior à
separação entre o útil e o belo”. (Octávio
Paz)
5
RESUMO
A introdução da atuação do Terceiro Setor como elemento complementar ao Estado e ao
Mercado é um elemento fundamental para possibilitar o processo de transformação social em
comunidades carentes, principalmente com foco nos públicos beneficiários mais vulneráveis.
Para a geração de emprego e renda a produção de produtos com valor agregado é uma
alternativa viável e frequentemente utilizada nos projetos de intervenção social em
comunidades em estado de maior pobreza, normalmente selecionadas pelo seu baixo Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH), conforme metodologia proposta pela Organização das
Nações Unidas (ONU). A garantia da agregação de valor e principalmente a sua apropriação
pelos produtores aumenta o impacto social. Este trabalho tem como objetivo apresentar uma
estratégia de marketing utilizada para estimular a venda de produtos artesanais solidários e de
raiz, pelo Projeto Imaginário Pernambucano, localizado no estado de Pernambuco. A
metodologia utilizada se baseou em uma revisão bibliográfica a respeito da economia
solidária, marketing de produtos solidários e a apresentação desta estratégia integrada de
marketing no projeto citado anteriormente.
Palavras-chave: Economia Solidária. Marketing de produtos solidários. Artesanato de raiz.
6
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Figura 2
Dinâmica do Mercado Comercial.............................................................. ...17
.
Dinâmica do Mercado Social............... .........................................................18
Figura 3
Metodologia Multidisciplinar............................................................... .......32
7
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .............................................................................................................08
2
A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O CONSUMO CONSCIENTE..............................12
3
PARTICULARIDADES DO PRODUTO ARTESANAL SOLIDÁRIO DE
RAIZ........................................................................................................................... ....20
3.1 O PRODUTO, SEUS ATRIBUTOS E OS CUSTOS.........................................20
3.2 A CADEIA DE DISTRIBUIÇÃO......................................................................23
4
PROPOSTA DE UMA ESTRATÉGIA INTEGRADA DE MARKETING
NO PROJETO IMAGINÁRIO PERNAMBUCANO...............................................25
4.1... HISTÓRICO DO PROJETO IMAGINÁRIO PERNAMBUCANO................25
4.2 A METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO SOCIAL DO PROJETO
IMAGINÁRIO PERNAMBUCANO.............................................................. .32
4.3 CONTRIBUIÇÕES À ESTRATÉGIA DE MARKETING DO
PROJETO.........................................................................................................37
5
CONCLUSÕES............................................................................................................45
REFERÊNCIAS..................................................................................................................48
8
1
INTRODUÇÂO
Constituído pelo conjunto de organizações da sociedade civil de direitos privados,
sem fins lucrativos no sentido usual do termo e voltado para fins públicos, o terceiro setor
emerge com força no Brasil dos anos 90.
O terceiro setor inclui Organizações Não-Governamentais (ONG´s), organizações
comunitárias, os braços sociais das empresas, como os institutos e as fundações, além de
outras instituições representadas pela
sociedade civil organizada, com a finalidade de
desenvolver atividades voltadas para o bem comum.
Na lógica da nova terminologia, o primeiro setor é o governo e representa o uso de
recursos públicos para fins públicos; enquanto o segundo setor refere-se ao mercado, ou seja,
ao setor ocupado pelas empresas privadas, organizações de direito privado e fins lucrativos
privados.
Nos últimos anos, são evidentes tanto o contínuo surgimento de organizações sem
fins lucrativos, quanto a sua crescente especialização em termos de área de atuação e
público-alvo. Já conquistam maior atenção as questões de gênero, o direito do consumidor,
do idoso, do portador de deficiência e a causa ambiental.
No final dos anos 90, surge o Projeto Artesanato Solidário, como parte da estratégia
do Projeto Comunidade Solidária. As ações do projeto foram disseminadas em cerca de
sessenta comunidades com tradição de produção artesanal distribuídas em todo o
país.ARTESOL(2002)
Ao longo do tempo, as ONG’s vêm conquistando massa crítica para a promoção do
desenvolvimento social, a partir do incentivo a projetos auto-sustentáveis, em oposição às
tradicionais práticas de caráter paternalista, do assistencialismo gerador de dependência e
mantenedor da ordem vigente.
9
Por outro lado, verifica-se uma sociedade mais informada e participativa do que em
qualquer outro momento da História, com a fixação do conceito de cidadania,
responsabilidade social e consumo consciente. A solidariedade e a cidadania são valores que
se completam e se reforçam, portanto é sobre estes alicerces que se constroem as ações de
transformação social.
Com o advento da globalização econômica e seus impactos devastadores surge, em
contrapartida, o movimento de retorno às origens buscando os valores históricos, culturais e
sociais das comunidades. O lema de que nada é mais global do que o local, cria novas
oportunidades para o desenvolvimento de programas de geração de emprego e renda,
baseados na produção de produtos artesanais solidários de raiz.
O fortalecimento dos movimentos ecológicos, impulsionados por grandes catástrofes
geradas por falta de planos preventivos de manejo, cria uma nova oportunidade de agregação
de valor à produção artesanal que respeita os princípios da auto-sustentação.
A organização das cadeias produtivas do artesanato solidário e de raiz, visando ao
desenvolvimento e à sustentabilidade plena, é reforçada pela introdução do conceito de
economia solidária.
Na economia solidária, as práticas de produção são centradas na solidariedade,
visando à distribuição de riquezas no âmbito de uma comunidade, à criação de postos de
trabalho e ao aumento de renda das pessoas.
Os empreendimentos solidários são auto-gestionados. Neles, as decisões são tomadas
pelos membros ou por pessoas eleitas pelos mesmos. A economia solidária é essencialmente
associativa, ou seja, todos são sócios, sendo ela incompatível com as relações assimétricas,
como as que se desenvolvem entre patrões e empregados.
10
Visando à aplicação de uma estratégia de marketing para produtos solidários de
raiz, utiliza-se a experiência do Projeto Imaginário Pernambucano, criado em 1999, pela
Universidade Federal de Pernambuco, como uma contribuição à metodologia de intervenção
social no contexto da economia solidária e do terceiro setor em Pernambuco.
A escolha do tema é decorrente de uma necessidade prática identificada no Projeto
Imaginário Pernambucano, em que o aluno vem atuando nos últimos dois anos como
consultor voluntário na área de marketing e de comercialização de produtos solidários.
O objetivo da monografia é revisar a estratégia de marketing utilizada pelo Projeto
Imaginário Pernambucano com relação aos produtos solidários de raiz, especificamente o
artesanato, tendo como propósito estimular a venda dos produtos e proporcionar um aumento
do resultado financeiro e melhorias socioeconômicas no nível de vida das comunidades
envolvidas no projeto.
A metodologia do trabalho propõe a construção de um referencial teórico utilizando
autores tais como CALIL (2002); FRANÇA (2002,2003); FERNANDEZ (1994); KOTLER
(1978); PAZ (1991); SINGER (2002). Estes autores são referências importantes na discussão
a respeito do terceiro setor, economia solidária, produtos artesanais, produtos solidários de
raiz e marketing. Além da construção da abordagem teórica o trabalho apresenta a estratégia
de marketing proposta no Projeto Imaginário Pernambucano.
O trabalho está estruturado na forma de capítulos. O primeiro ponto apresenta a
introdução do trabalho. O segundo ponto contextualiza o tema fazendo uma discussão sobre a
economia solidária e o consumo consciente.
O terceiro ponto analisa as particularidades do produto artesanal solidário de raiz,
com o objetivo de apresentar as características do produto, a potencialidade de agregação de
valor, a importância dos traços históricos e culturais., estabelecendo também as
11
características predominantes do funcionamento da cadeia de distribuição de produtos
artesanais.
O quarto ponto, apresenta uma revisão conceitual sobre marketing e é proposta e uma
estratégia integrada de marketing para o Projeto Imaginário Pernambucano como base sólida
para a venda dos produtos solidários artesanais de raiz..
O quinto ponto assinala as conclusões do trabalho, um fechamento do conteúdo,
ressaltando os principais elementos da proposta da estratégia integrada de marketing para
produtos solidários artesanais, em comunidades com fortes traços culturais e étnicos.
12
2
A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O CONSUMO CONSCIENTE
Na década de 70, surge na Europa o movimento do fair trade, ou comércio justo e
solidário, definido como uma parceria comercial baseada em diálogo, transparência e
respeito, que busca maior eqüidade no comércio internacional. Ele contribui para o
desenvolvimento sustentável através de melhores condições de troca e da garantia de
mercado para produtos marginalizados, principalmente no hemisfério sul.
Esta iniciativa tem como objetivo principal estabelecer um contato direto entre o
produtor e o comprador, eliminando-se a dependência dos atravessadores. A relação
comercial entre eles obedece a princípios precisos, para que possa ser considerada justa.
Os princípios mais relevantes são:
•
Transparência e co-responsabilidade na gestão das cadeias produtiva e
comercial;
•
Relação de longo prazo que ofereça treinamento e apoio aos produtores, além
de acesso às informações de mercado;
•
Respeito à legislação e normas (por exemplo, trabalhistas) nacionais e
internacionais, bem como à freqüência de crianças na escola;
•
Respeito ao meio-ambiente;
•
Pagamento de preço justo no recebimento do produto, além de um bônus que
deve beneficiar toda a comunidade e financiar a produção, quando necessário.
No Brasil, os princípios gerais do fair trade vêm sendo tropicalizados através do
Grupo de Trabalho de Normas da FACES – Fórum de Articulação do Comércio Ético e
Solidário do Brasil. FACES DO BRASIL(2004)
13
O objetivo de um empreendimento social, que tem como fonte de renda a produção de
produtos, é conseguir e manter os consumidores. Sem consumidores cativos em razoável
proporção, não há negócios e, por conseguinte, não há lucratividade econômica ou social.
Constantemente, os consumidores conscientes e solidários recebem grande
quantidade de ofertas de produtos artesanais solidários de raiz, capazes de atender a seus
desejos de consumo e às expectativas implícitas ou explícitas de transformação social. O
empreendimento social sobrevivente e florescente, em um mercado cada dia mais exigente e
competitivo, é aquele que constantemente está se aprimorando com o propósito de atender,
da melhor forma, a possíveis demandas tão especiais, inovando e agregando continuamente
valor e, ainda, dinamizando a disponibilidade do produto nos segmentos de mercado, prédefinidos como alvo para a comercialização de produtos solidários.
Segundo CALIL (2002) os empreendimentos sociais exitosos, focados na produção
comunitária de artesanato, guardam em comum algumas características:
•
Foram organizados autonomamente, mantiveram relações de independência com
organismos de assistência técnica e apoio financeiro e dispõem de mecanismos de
gestão transparentes e democráticos;
•
Os grupos articulados são homogêneos, seus integrantes têm origem social e/ou
cultural similar e compartilham do mesmo conjunto de valores, visões e
expectativas.
De uma forma geral, os produtos artesanais tradicionais são produzidos manualmente.
Portanto, cada produto é muito especial, depende do processo criativo do artesão no
momento, dependendo, ainda, da sua motivação, seus sentimentos, seu estado de espírito, sua
busca etc. Em outros casos, existe a necessidade de se estabelecer uma determinada
padronização do produto artesanal dependendo do nível das demandas do mercado. É
14
importante a preservação dos valores culturais e étnicos, além da manutenção das
especificidades do produto artesanal.
Segundo PANNUNZIO(1982); ARTESOL(2002); BARROSO NETO(1999) existe
uma valorização das peças artesanais decorrente da observação e da intensidade das
características intrínsecas a este tipo de produto, o manualismo, a originalidade e a tipicidade.
Por seu conteúdo étnico e cultural, os produtos artesanais de raiz são valorizados por
nichos de mercado muito específicos, caracterizados pelo alto nível de renda e pelas suas
preocupações culturais e sociais que atribuem aos mesmos valores agregados objetivos (de
uso) e subjetivos (latentes) que a depender da estratégia de marketing utilizada podem ser
refletidos em preços de comercialização mais justos no patamar dos artesãos, concentrando
assim, prioritariamente, os benefícios econômicos naqueles que detêm as habilidades e as
tradições que são as de origem e a razão de ser de todo o processo produtivo.
Os consumidores preferem produtos sustentáveis oriundos de projetos sociais,
denominados de produtos solidários, desde que tenham preço e qualidade competitivos
dentro da categoria. Pesquisas realizadas por diversas instituições, tais como o Instituto
AKATU(2003), indicam que a idéia de consumir produtos solidários é cada vez mais
simpática aos consumidores ainda que comercializados a níveis de preços mais elevados que
os tradicionais.
Estudos recentes, desenvolvidos por CALIL (2002); BRUNO( 2003), indicam que tal
consciência ainda não se traduziu em um entendimento dos comerciantes das diferenças entre
estes produtos e os tradicionais. Como resultado, o comércio de produtos artesanais
solidários fica reduzido a empreendimentos alternativos ou a iniciativas pontuais e
segmentadas do comércio tradicional.
Isto dificulta a fixação de um preço justo dos produtos solidários nas comunidades
produtoras, uma vez que o resultado econômico gerado fica retido ao longo da cadeia de
15
produção, principalmente nos comerciantes, intermediários no processo de comercialização,
controladores dos canais de distribuição utilizados pelos segmentos de consumidores alvo.
Como decorrência do já relatado, é necessário estabelecer uma estratégia integrada de
marketing que possibilite a fixação de um preço justo para os produtos artesanais solidários
de raiz, valorizando a mão-de-obra, uma vez que a matéria prima tem normalmente custo
econômico reduzido, por ser fruto de extração natural ou apropriação de resíduos. Tal
estratégia garantiria a apropriação do benefício econômico pelas comunidades produtoras,
sendo uma alavanca fundamental no processo de transformação social, por meio da geração
de trabalho e renda para os artesãos, como também da preservação e valorização de sua
identidade.
Consumir produtos e serviços no mercado capitalista requer educação e informação
para a realização de um consumo consciente, levando em consideração o ato da compra, a
sua utilização e a forma de descartá-lo após o consumo.
O consumidor consciente possui uma preocupação com a preservação da vida dos
seres humanos, dos animais, das plantas, dos minerais, enfim, de todos os ecossistemas.
Precisa, portanto, de informações sobre produtos e serviços; de educação para a
transformação; de compreensão do desejo de consumir o produto ou serviço e verificar os
impactos socioeconômicos gerados a partir do consumo.
Segundo AKATU (2003), o consumo consciente é uma ferramenta valiosa de
transformação da sociedade. Esta visão de consumidor consciente é pautada nos seguintes
elementos: capacidade de estabelecer uma boa relação entre o preço e a qualidade dos
produtos/serviços; analisar o comportamento social e ambiental da empresa produtora do
bem ou serviço; observar o impacto da produção e do consumo sobre a sociedade e o meio
ambiente; enaltecer e difundir o trabalho das empresas socialmente responsáveis; realizar
16
uma parceria de forma construtiva com as empresas para aperfeiçoar suas atitudes com a
sociedade e o meio ambiente; trabalhar pela conscientização de outros consumidores.
Os produtos solidários são caracterizados pela agregação de um valor social ao valor
de mercado. Esta concepção de consumo consciente aparece de forma nítida nestes produtos,
porque o consumidor opta pelo mesmo a partir de uma sensibilização existente pelo social,
pelos benefícios trazidos pelo consumo de produtos e/ou serviços solidários. E, acima de
tudo, pela necessidade de colaborar com o processo de transformação social.
A economia solidária e o marketing social possuem uma base calcada em estratégia e
inclusão. Esta base em muito pode contribuir para a evolução financeira, econômica, cultural
e social da sociedade, a partir de preceitos e práticas horizontais, tanto quanto institucionais e
programáticas, dentro das instituições, entre as mesmas e supra organizações sociais. É
convergente a percepção de que não bastam apenas programas de apoio, centrados em gestão
ou de crédito, mas de políticas públicas que fomentem o capital social nas comunidades.
O marketing social entendido como “ conjunto de estratégias, métodos e atividades
que visam criar, executar e controlar programas que buscam instaurar transformações
sociais” ou em outra definição “ é a gestão estratégica do processo de introdução de
inovações sociais, com base na adoção de novas atitudes, comportamentos e práticas
individuais e coletivas, orientadas por processos éticos, fundamentadas nos direitos humanos
e na equidade social “ SCHIAVO(2004 p 81) é um fenômeno em ascensão e de suma
importância para o fortalecimento dos princípios e mecanismos de gestão da economia
solidária. Por isso, o intuito aqui é o de relacionar o sentido, princípios, valores e conceitos
da economia solidária, com o de marketing social , a fim de propor possibilidades de atuação
conjunta, fortalecidos o sentido e a gestão de empreendimentos solidários.
Conforme Santos (2002), o marketing social torna-se um elemento fundamental para
que a Economia Solidária maximize a viabilização do seu caráter sistêmico, ainda incipiente.
17
Por isso, é preciso atentar para as claras possibilidades de ampliação de capitais social,
financeiro, organizacional e técnico nos empreendimentos, redes solidárias e comunidades
como um todo.
Além disso, são pontos comuns, nos dois conceitos, os vínculos com políticas sociais
e públicas, no sentido de que os empreendimentos e redes solidárias e as intervenções sociais
não podem estar desvinculadas do apoio governamental.
Na síntese de GIRARD(2004), o foco empresarial às organizações sociais somente
pode ter eficácia, eficiência e efetividade, se complementado com políticas de assistência,
prevenção e promoção de oportunidades, complementadas por políticas públicas
representando um tipo de investimento que previne dívidas sociais, como as causadas pelo
desemprego e baixa escolaridade, dentre várias outras.
Como coloca FONTES(2001), a dinâmica do mercado comercial é mais facilmente
percebida porque é intrínseca ao dia-a-dia das pessoas. Desde a infância, de uma forma ou de
outra, faz-se necessário aprender a lidar com dinheiro e, aos poucos, esta prática torna-se
comum. A noção de troca, neste caso, é material, e facilita a incorporação do hábito, como
mostra a Figura 1:
Recursos Financeiros
Produtor
Cliente
Mercadorias ou Serviços
(produtos comerciais)
Figura 1 Dinâmica do Mercado Comercial.
Fonte: FONTES(2001)
18
Claramente, este é um mercado onde atuam os empreendimentos de Economia
Solidária. Como expresso na quarta tese de SANTOS (2002), sobre alternativas de produção,
o fortalecimento estrutural da economia solidária deve ser voraz, em termos de escala.
No entanto, está claro que as estratégias capitalistas de produção e consumo não
atendem, por si sós, ao corpo de possibilidades e necessidades do âmbito solidário. É preciso
valores humanos e sociais integrados às relações de trabalho, ao processo produtivo e ao
vínculo dos empreendimentos com suas demandas sociais, assim como com outros
produtos/serviços intra e inter setoriais. Então, certamente, o mercado comercial não
contempla as dinâmicas e pressupostos dos mecanismos solidários. Faz-se, pois, necessário
atentar para um outro tipo de mercado, citado por FONTES(2001), que abarque não a
produção material da economia solidária, mas a afetiva.
O mercado social é essencialmente diferente dos outros dois. Nesse caso, a relação de
troca é obtida por meio de custos e benefícios sociais pois representa a adoção de
comportamentos, atitudes e valores, que beneficiam tanto o indivíduo, quanto a sociedade. O
lucro e o produto são socializados, mas não são fáceis de ser obtidos, já que representam
ganhos e custos de valor intangível, como afirma Fontes (2001, p.31): “Os benefícios
relacionados ao prazer e às necessidades básicas, no caso dos mercados comercial e
assistencialista, são mais tangíveis em curto prazo do que os relacionados à melhoria de
qualidade de vida”.
Ao realizar uma adaptação na Figura 1, apresentada anteriormente, demonstra-se na
Figura 2, relações de troca no mercado social, inseridas no âmbito da economia solidária:
Sociedade
Agente de Mudança
Trabalhadores e gestores
solidários
Conhecimentos, Atitudes e
Práticas
(Produtos Sociais)
Trabalho Solidário
(Endividamento Positivo
E Horizontalidade)
Adotante
Trabalhadores e gestores
intra, inter e supra,
organizações e setores
19
Figura 2
Dinâmica do Mercado Social FONTES(2001, p. 30)
O Mercado Social certamente representa o principal contexto de atuação da economia
solidária, visto que o seu principal produto é social: o trabalho solidário. Isto é, o trabalho
solidário representa um comportamento, de cuja prática dependem as relações humanas como
um todo e inerentes às relações de trabalho e ao processo produtivo, intra e inter
empreendimentos, organizações sociais e outros agentes econômicos, políticos e sociais, das
três esferas de Governo.
O caráter emancipador é intrínseco ao marketing social e à economia solidária porque
os mecanismos solidários devem constituir alternativas econômicas e sociais libertadoras.
Tanto pelo nível individual, implicando em mudanças fundamentais nas condições de vida
dos seus atores quanto pelo social, implicando em campos em que operam valores e formas
de organização não capitalistas , capazes de pensar e atuar em escala local, regional, nacional
e até mesmo, global. SANTOS(2002) O marketing social converge a este ideal emancipador,
posto que pode atuar pela melhoria e diversificação do enfoque e da capacidade dos
mecanismos e redes solidários.
20
3
PARTICULARIDADES DO PRODUTO ARTESANAL SOLIDÁRIO DE RAIZ
3.1 O PRODUTO, SEUS ATRIBUTOS E OS CUSTOS.
Os consumidores atribuem aos produtos solidários de raiz um valor proporcional à
capacidade que os mesmos parecem ter de atender aos seus desejos e expectativas. Somente
o consumidor pode atribuir valor, porque este está baseado nos benefícios e nos custos reais
ou imaginários, de acordo com a visão crítica desse mesmo consumidor. Este valor é o
resultado das diferenças entre os benefícios, menos os custos de compra e uso, oferecidos e
percebidos.
Segundo CHURCHILL(2003);LEVITT(1985,1986) de uma forma geral, os
benefícios percebidos pelos consumidores podem ser de duas categorias: os tangíveis ou de
uso e os intangíveis ou latentes. No primeiro grupo, estão os benefícios experimentais e os
funcionais.
Os experimentais são aqueles relacionados diretamente com o prazer sensorial que os
consumidores vivenciam quando adquirem a posse dos produtos artesanais solidários de raiz.
Tratam-se dos produtos relativos às experiências sensoriais em geral, tais como a beleza, a
textura, entre outros aspectos. Enquanto os funcionais, por sua parte, são os benefícios
recebidos ao se obter o produto, ligados à funcionalidade, qualidade, conveniência das
embalagens.
Para o segundo grupo dos benefícios, são considerados os benefícios pessoais e
sociais. Os pessoais são diretamente correlacionados com os bons sentimentos que os
consumidores experimentam pela compra, propriedade e uso dos produtos. Assim, estão
vinculados ao prazer, à satisfação, à raridade, para citarmos alguns enfoques.
21
As respostas positivas, ou de aprovação, recebidas pelos consumidores por outras
pessoas por comprar e, principalmente, consumir um determinado produto são os
denominados benefícios sociais e, normalmente, são relativos ao status, ao reconhecimento, à
imagem positiva etc.
No que concerne aos custos, identificam-se duas categorias de custos percebidos: os
monetários e os relativos à própria transação comercial. O custo monetário corresponde à
quantidade de dinheiro utilizada para adquirir o produto artesanal solidário de raiz. Inclui o
preço do produto e, eventualmente, os custos de embalagem e transporte.
Conforme CHURCHILL(2003), os custos imputados à transação comercial são de
três tipos: o comportamental, o temporal e o psicológico. O comportamental tem relação com
a energia dispensada para comprar os produtos, como, por exemplo, os custos vinculados à
acessibilidade, disponibilidade e especialidade do mercado e dos canais de distribuição.
O custo relativo ao tempo gasto para comprar os produtos é denominado temporal.
Entretanto, nem sempre o tempo gasto fazendo compras ou esperando que um produto seja
entregue representa um custo. Alguns consumidores gostam de gastar tempo fazendo
compras e apreciam a busca de produtos diferenciados, únicos em alguns aspectos,
comprados com pouca freqüência e, geralmente, mais caros que outros da mesma categoria.
Os custos psicológicos são os relacionados à energia e a tensão mental envolvidas no
ato de fazer compras e na aceitação dos riscos de que os produtos eventualmente não venham
a ter a aceitação social esperada, nem recebam os esperados comentários positivos por parte
de amigos e parentes.
Os produtos artesanais também podem ser tangíveis e intangíveis e, muitas vezes, são
combinações de ambas as coisas. Um produto artesanal não é simplesmente uma peça
tangível destinada ao uso ou à exposição. É também um símbolo complexo que revela status,
gosto, realização, aspiração, indulgência, entre outras possibilidades. O produto, em
22
realidade, é representado pelo impacto produzido sobre seu consumidor; é o gradiente líquido
entre custos e benefícios, a estimativa de valor real ou percebida por ocasião do ato de
comprar e no posterior processo de consumir.
O processo contínuo de agregação de valor vai consolidando o produto ampliado,
formado através das sucessivas e acumulativas camadas que vão circunscrevendo o núcleo
central, dando-lhe formato, conteúdo e abrangência.
O produto ampliado é formado pelo seu núcleo central, denominado produto
genérico, e por três camadas que o circunscrevem e que vão conformando, sucessiva e
acumulativamente, os produtos esperado, aumentado e potencial.LEVITT(1985,1986)
Como o consumidor espera mais do que o produto genérico, este somente pode ser
vendido se as expectativas mínimas forem satisfeitas. Os meios diferentes pelos quais os
concorrentes procuram atender a essas expectativas é que distinguem as ofertas uma das
outras. Dessa maneira, a diferenciação segue as expectativas.
Segundo LEVITT(1985,1986), o produto aumentado é tudo o que está na segunda
camada e tudo o que ela cerca. A diferenciação não se esgota meramente quando se dá ao
consumidor o que ele espera. O que ele espera pode ser aumentado, oferecendo-lhe mais do
que ele pensa que necessita ou do que se acostumou a esperar.
O produto aumentado é uma oferta para consumidores relativamente experientes e
exigentes..
O produto potencial consiste em tudo que é potencialmente viável e capaz de atrair e
manter clientes sofisticados, normalmente de alta renda; enquanto o produto aumentado, por
seu turno, significa tudo o que foi ou está sendo feito. O produto potencial refere-se ao que
resta ser feito.
Como se pode observar, a percepção de agregação de valor acontece em etapas
sucessivas e cada atributo conferido ao produto tem diversas origens, iniciando com o núcleo
23
central, o produto genérico, segue com as percepções de uso emanadas do consumidor,
recebe impulsos do plano de negócios, que na área de comunicação agrega valor pela
qualidade e clareza da informação, material gráfico e embalagem personalizada e,
finalmente, recebe os impactos do planejamento estratégico da organização social, com as
noções de desenvolvimento e sustentabilidade plenas. Este nível pleno de percepções é
esperado em um consumidor muito especial, culto, solidário e consciente de valores sociais,
culturais e ambientais.
Este consumidor deve ser identificado através de uma segmentação de mercado que,
para ser mais simples e econômica, deve ser definida tendo como base os canais de
distribuição. Estes, tradicionalmente, atendem aos nichos de mercado muito especiais,
geralmente focados em consumidores de alta renda, residentes em áreas urbanas
desenvolvidas, no país ou no exterior, e que são possuidores das características já citadas.
Esta agregação de valor, real ou percebida, natural ou induzida, deve finalmente ser
traduzida nos níveis diferenciados dos preços de comercialização, que devem ser fixados
como base nos custos reais com alto nível de detalhamento, sendo agregado então o lucro
econômico possível de acordo com a percepção do mercado.
Ao retorno econômico para o artesão e sua comunidade vêm se agregar o capital
social, humano e ambiental, gerados pelo projeto que visa à sustentabilidade plena e à tão
sonhada transformação social; neste caso, impulsionada por uma inserção competitiva no
mercado dos produtos produzidos.
3.2
A CADEIA DE DISTRIBUIÇÃO
Historicamente, a sustentabilidade comercial dos empreendimentos artesanais vem
sendo comprometida pela cadeia de distribuição. Os artesãos normalmente estão localizados
geograficamente distantes dos seus consumidores o que dificulta o acesso dos produtos e,
24
principalmente, bloqueia o processo de captação das informações sobre as necessidades e os
desejos dos mesmos.
Esse contexto possibilita a atuação dos intermediários normalmente denominados de
atravessadores, que em alguns casos são órgãos governamentais e ONG’s e, principalmente,
os particulares que se constituem na prática nos canais de distribuição, sendo responsáveis
pelo escoamento e a comercialização massiva de artesanato tanto internamente como voltado
para exportação.
Vale ressaltar que não se trata de uma crítica ao atravessador em si, ou mesmo de
uma justificativa de que devam ser eliminados, pois exercem uma importante função em
áreas onde os artesãos não contam com outras oportunidades de escoamento de sua produção,
por absoluta falta de condições de atingir de forma direta o mercado.
Aos atravessadores devemos também a consolidação de grandes pólos de produção de
artesanato. O que sobressai na realidade é que, quase sempre, ele afasta o produtor do
consumidor final, além de constituir-se como detentor maior do valor pago, ficando com o
artesão uma parcela insignificante, não correspondente ao seu esforço de criação e produção
BARROSO NETO (1999).
A situação ideal corresponde a que o produtor tenha a oportunidade de vender seus
produtos diretamente ao consumidor final ou a lojistas especializados, o que implicaria em
uma melhora significativa de sua renda e evitaria a exploração de que é vítima ao negociar
com o intermediário na fonte de produção.
Para o caso de produtos artesanais de baixo valor agregado, caso das lembranças
turísticas, poder-se-ia aceitar a intermediação de atacadistas em função das economias de
escala geradas nas transações comerciais.
25
4. PROPOSTA DE UMA ESTRATÉGIA INTEGRADA DE MARKETING
NO PROJETO IMAGINÁRIO PERNAMBUCANO
4.1 HISTÓRICO DO PROJETO IMAGINÁRIO PERNAMBUCANO
Este trabalho apresentará uma proposta de estratégia de marketing para o Projeto
Imaginário Pernambucano. Portanto, torna-se essencial apresentar um breve histórico do
projeto, a sua forma de organização e o tipo de atividade desenvolvida dentro da economia
solidária.
Conforme o IMAGINÁRIO PERNAMBUCANO(2004), em 1998, três alunos e uma
professora do Departamento de Design da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
iniciaram ações pontuais de intervenções participativas no artesanato de várias comunidades
no estado de Pernambuco. Estas intervenções ocorreram no período de 1999 e 2000 e foram
as primeiras experiências de extensão comunitária da universidade, nesta área.
Em 2001, o projeto foi denominado de Imaginário Pernambucano, como atividade de
extensão vinculada ao Departamento de Cultura da UFPE.
A missão do Imaginário Pernambucano é a de firmar a atividade artesanal de
Pernambuco como meio de vida sustentável, através de intervenções com a participação ativa
dos artesãos, que respeitem os valores identitários das comunidades produtoras atuais ou
potenciais.
No horizonte de longo prazo, a visão da instituição é ser referência nacional na gestão
de um modelo sustentável de intervenção participativa em comunidades com tradição de
produção de artesanato, sendo reconhecida pela competência de sua equipe multidisciplinar e
pela excelência e relevância de seus resultados, capazes de promover o desenvolvimento e a
transformação social de seus beneficiários.
O Imaginário Pernambucano tem sede em Recife/PE, mas atua em praticamente todas
as regiões geográficas do estado, cobrindo uma área onde vivem cerca de 600 mil pessoas.
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Historicamente, as intervenções vêm ocorrendo em comunidades com baixo Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) e que possuem alguma tradição de produção e
comercialização de produtos artesanais, denominados solidários com raiz e alma, com
conteúdo social, cultural, étnico e/ou histórico. Tradicionalmente, o público beneficiário das
ações tem sido aquele em situação de pobreza e vulnerabilidade social como, por exemplo, os
quilombolas, os indígenas, os jovens e as mulheres.
Baseado nos princípios que norteiam o comércio justo e solidário, o projeto ainda
procura difundir entre os segmentos dos consumidores meta, a importância de adquirir
produtos comercializados de maneira responsável e solidária, que possibilitem remuneração
justa e condições de trabalho favoráveis, incluindo o uso sustentável dos recursos naturais.
A história das intervenções comunitárias do Imaginário Pernambucano tem início em
2001, quando em parceria com o SEBRAE/PE e a AQCC (Associação Quilombola de
Conceição das Crioulas), implementou um trabalho na comunidade rural quilombola de
Conceição das Crioulas, com 4000 (quatro mil habitantes), localizada no município de
Salgueiro a aproximadamente 550 km do Recife.
Na intervenção pioneira foram realizadas consultorias de design e oficinas de gestão
de qualidade que envolveram 180 artesãos e resultaram no desenvolvimento de mais de 30
novos produtos artesanais adaptados às necessidades do mercado-meta. O design de cada
peça foi desenvolvido em estreita parceria com a comunidade quilombola e reafirma a
identidade étnica da população, numa lógica de intervenção que associa a contemporaneidade
do design à preservação da cultura e do modo de vida das populações tradicionais.
O artesanato em barro, caroá, palha e imbira terminou por transformar-se na principal
fonte de renda dos moradores de Conceição das Crioulas, que usam sua produção artesanal
para conquistar projeção nacional e internacional para sua luta histórica pelo direito de posse
efetiva de suas terras.
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Em maio de 2002, a comunidade conquistou o I Prêmio Banco Mundial de Cidadania,
em reconhecimento ao projeto de valorização do artesanato quilombola desenvolvido com o
suporte do Projeto Imaginário Pernambucano.
Consolidando as ações iniciadas pelo Imaginário Pernambucano, a AQCC fortaleceu
e ampliou seu campo de atuação para as áreas de gestão, educação e comunicação,
articulando para isso novas parcerias com a OXFAM e o Centro de Cultura Luiz Freire.
Com o sucesso alcançado em Conceição das Crioulas, o SEBRAE/PE decidiu ampliar
sua parceria com o Imaginário Pernambucano para replicar esta experiência em outras
comunidades. Adaptar o modelo de atuação experimentado em Conceição das Crioulas às
particularidades de cada meio social e cultural, criando o ponto de partida para a
sistematização de uma metodologia de intervenção em comunidades artesãs, foi o grande
desafio posto para a equipe do Imaginário Pernambucano.
Em 2002, o projeto Imaginário Pernambucano chegou à comunidade indígena dos
Kambiwás constituída de seis aldeias, localizadas entre os municípios de Ibimirim e Inajá, a
cerca de 400 km do Recife.
O projeto fortaleceu a mobilização para o trabalho cooperado entre os artesãos
indígenas e colaborou para a valorização da cultura entre os mais de 1400 (mil e
quatrocentos) índios que vivem nas comunidades.
Contando também com o apoio da parceria com o Centro de Cultura Luiz Freire, as
oficinas de gestão de qualidade e as consultorias do Imaginário Pernambucano garantiram a
melhoria dos processos produtivos dos cinqüenta artesãos envolvidos diretamente na
intervenção, colaborando desde os processos de extração das matérias-primas até a
finalização de trinta e cinco novos produtos.
Da mesma forma que os quilombolas de Conceição das Crioulas, os índios Kambiwás
redescobriram no artesanato uma maneira de reafirmar sua etnia e de encontrar recursos para
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lutar pela terra tomada no passado, lugar de onde extraem a fibra de caroá, a palha de
ouricuri, a madeira e as sementes transformadas em colares, pulseiras, cestos, bolsas,
esculturas e outros produtos artesanais.
Em 2003, o Imaginário Pernambucano chegou a Tracunhaém, na zona da mata sul de
Pernambuco, a 63 km do Recife. A comunidade é um dos maiores centros de produção de
cerâmica do país e praticamente metade da população do município de 10.000 (dez mil)
habitantes sobrevive, direta ou indiretamente, da transformação da argila em peças utilitárias
e decorativas. Ainda em parceria com o SEBRAE/PE, foram realizadas para 45 artesãos
diretamente envolvidos oficinas sobre cores, proporção, textura e materiais, com o objetivo
de melhorar o processo de beneficiamento da argila e a qualidade da cerâmica produzida,
otimizando a produção e criando novas linhas de produtos com a introdução de 35 novos
itens no mercado.
Nessa fase, o projeto teve ainda como prioridade o fortalecimento do associativismo,
a preocupação com a questão ambiental e a qualidade e transportabilidade dos produtos
.IMAGINARIO PERNAMBUCANO(2004)
Esta iniciativa gerou também a necessidade de articular parcerias com o ITEP Instituto de Tecnologia de Pernambuco - com o objetivo de implementar novas tecnologias
para a vitrificação das peças artesanais da comunidade.
Reconhecido pela Unesco como o maior centro de artes figurativas das Américas, o
Alto do Moura, distrito do município de Caruaru com aproximadamente 2.000 habitantes
localizado a 135 km do Recife, recebeu o Imaginário Pernambucano a partir de 2003, quando
foram realizadas para 55 artesãos as primeiras oficinas de melhoramento das técnica de
beneficiamento da matéria-prima argila e de otimização da produção. Ali, praticamente, toda
casa é um atelier e a arte de barro é passada de geração a geração.
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A parceria com a Associação dos Artesãos do Alto do Moura permitiu o
desenvolvimento de novas linhas de produtos com aproximadamente 30 novos itens,
mesclando temas e características inerentes ao artesanato figurativo local a uma produção
artesanal com possibilidades mais utilitárias, com maiores possibilidades de agregação de
valor e penetração a nichos específicos de mercado.
Hoje , as cerâmicas figurativas e utilitárias do alto do Moura ultrapassam as fronteiras
do Brasil e garantem oportunidades de trabalho e renda mais estáveis para as várias gerações
de famílias artesãs no agreste pernambucano.
Em Pontas de Pedra, distrito do município de Goiana no litoral norte de Pernambuco,
localizado a 65 km do Recife, há muito tempo os moradores buscavam na pesca a inspiração
para sua produção artesanal. A situação começou a mudar em 2003, quando o SEBRAE/PE
percebeu o potencial de produção artesanal da comunidade e levou o Imaginário
Pernambucano a atuar na área. As oficinas oferecidas logo estimularam o repasse da técnica
do trançado e a formação de um grupo de 25 artesãos em potencial, motivando a comunidade
a transformar a trama dos covos (armadilhas de pesca feita com a fibra da cana-brava) em
requintada cestaria.
Com o conhecimento de técnicas de tingimento, introduziram a cor e desenvolveram
cerca de 15 produtos. Atualmente, a comunidade se prepara para melhorar a qualidade e o
acabamento da sua produção, visando a ampliar espaços de comercialização.
Ainda em 2003, com a assessoria do Imaginário Pernambucano, as habilidosas mãos
dos ceramistas do Cabo de Santo Agostinho, no litoral sul de Pernambuco a 41 km do Recife,
começaram a transformar a argila avermelhada encontrada na região em fruteiras, jarras,
vasos e outras peças decorativas. Novas linhas de produtos forma desenvolvidas e outras
passaram por um processo de redesign envolvendo cerca de 25 novos produtos e treinando
35 artesãos, o que melhorou a qualidade e aumentou o potencial de venda.
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O desafio atual consiste em implementar a nova tecnologia de queima em forno de
alta temperatura a gás, viabilizada em parceria estabelecida com o Ministério da Ciência e
Tecnologia e a Prefeitura Municipal do Cabo de Santo Agostinho.
Outro grupo trabalhado pelo Imaginário Pernambucano foi o das mulheres tapeceiras
de Lagoa do Carro, na zona da mata norte de Pernambuco a 61 km do Recife.
Na primeira etapa, em 2003, o projeto focou suas atividades na definição de um
padrão de qualidade para a tapeçaria, investindo no aprimoramento do ponto e das técnicas
de acabamento. Na segunda fase, avançou para a criação de novos
desenhos, o que
possibilitou o lançamento de mais uma linha de tapetes. Esta intervenção trabalhou com 20
artesãs. Em 2003, o projeto chegou também a Sertânia, no coração do sertão pernambucano,
iniciando um trabalho de formação de grupos produtivos com a comunidade de Caroalina
localizada a 316 km do Recife, onde foi trabalhado um contingente de 25 artesãos.
Em 2004, o Imaginário Pernambucano fez intervenções em mais 5 comunidades
espalhadas ao longo do estado de Pernambuco, tais como Gravatá, Jataúba, Rio Formoso,
Tacaratu e Timbaúba.
Em quatro anos de aplicação contínua, a metodologia multidisciplinar do Imaginário
Pernambucano foi implantada em 13 comunidades que têm perfis diferentes e estão em
estágios diversos de organização e mobilização social. As estratégias do projeto
demonstraram ser eficazes tanto para a geração de trabalho e renda para mais de 450 artesãos
diretamente envolvidos, quanto para a promoção da inclusão social e do desenvolvimento
sustentável em regiões urbanas e comunidades rurais, com ampla capacidade de replicação
em variados grupos populacionais.
Com a recente renovação do convênio de colaboração com o SEBRAE/PE, em 2006,
o Imaginário Pernambucano deverá atuar em seis comunidades do estado, visando ao
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acompanhamento dos resultados e ao aprimoramento da metodologia de intervenção já
testada e aprovada.
Os objetivos específicos do projeto IMAGINARIO PERNAMBUCANO(2004) são os
seguintes:
a) Valorizar o potencial das comunidades e seus valores identitários, culturais,
sociais, ambientais e econômicos;
b) Aperfeiçoar a produção e a qualidade artesanal através da assistência técnica em
construção coletiva, tomando em conta os saberes tradicionais das comunidades;
c) Ser reconhecido pela forma ética de tratar seus integrante, parceiros e
beneficiários diretos e indiretos das intervenções;
d) Respeitar a diversidade representada pelas etnias, saberes, gênero e geração;
e) Promover a transparência e a participação das comunidades nos processos
decisórios;
f) Impulsionar o comércio justo e solidário e o respeito ao meio ambiente e, ainda,
g) Agregar o valor latente aos produtos, promovendo a sua divulgação e
comercialização nos segmento pré-identificados dos mercados-meta.
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4.2 A METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO SOCIAL DO PROJETO IMAGINÁRIO
PERNAMBUCANO
Com base nas experiências vivenciadas e nos registros efetuados, foi possível definir
um formato de intervenção participativa calcada no respeito e na valorização da cultura e no
direcionamento de uma gestão autônoma, que associados a uma ação integrada e a uma
metodologia multidisciplinar, podem nos dias de hoje atender de forma sustentável
comunidades produtoras de artesanato tradicionais e não-tradicionais.
A metodologia multidisciplinar, partilhada por diversos olhares e, por isso mesmo,
rica em soluções, perpassa os quatro eixos norteadores do projeto (gestão, produção, design e
comercialização) e gera estratégias capazes de mobilizar recursos (humanos e financeiros) e
de promover a transformação social, conforme demonstrado na Figura 3, a seguir:
Figura 3
Metodologia Multidisciplinar
Fonte: IMAGINARIO PERNAMBUCANO(2005 p 18)
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As ações específicos de cada eixo de atuação são os seguintes:
•
Gestão: promove a articulação, a formação e o fortalecimento de grupos, incentivando a
construção de acordos coletivos e a busca pela autonomia. A ação favorece o
reconhecimento e a formação de lideranças, desperta a auto-estima e conscientiza
artesãos e artesãs para o valor de seu trabalho.
•
Produção: baseado nos modos de produção e no respeito ao ritmo de vida das
comunidades, o Imaginário Pernambucano busca a otimização dos processos produtivos,
a melhoria das condições de trabalho e o uso sustentável dos recursos naturais. A
inserção de novas tecnologias e ferramentas garante a qualidade do fazer artesanal e
agrega valor ao produto.
•
Design: cada produto é desenvolvido a partir da valorização do saber popular, do
reconhecimento das tradições, habilidades e uso dos materiais naturais. Como resultado,
designer e artesão criam linhas de produtos em que formas, texturas e cores capazes de
refletir os valores culturais e sociais das comunidades. A excelência e a sua
compatibilidade com as demandas do mercado possibilitam a sustentabilidade da
atividade.
•
Comercialização: direciona a produção das comunidades parceiras para segmentos
específicos do mercado capazes de reconhecer o valor agregado ao produto, garantindo uma
remuneração justa e solidária e a continuidade do fazer artesanal. A valorização das
referências culturais fortalece a relação destas comunidades com o mercado, colocando a
atividade como um caminho para o desenvolvimento e a transformação social. Com o
objetivo de gerar informações capazes de sensibilizar e mobilizar a opinião pública para o
valor do artesanato e os direitos de seus criadores são desenvolvidas ações de
comunicação.Para cada comunidade parceira é construída uma identidade visual que reafirma
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a história, a cultura e o sentimento de pertencimento a um grupo, imprimindo um selo de
origem e qualidade ao que é produzido pela comunidade.
Por sua característica de ser uma ação de extensão da UFPE, o Imaginário
Pernambucano, capitaliza os benefícios de uma ação multidisciplinar em que estudantes,
professores, consultores e profissionais de várias áreas de conhecimento, atuam integrados e
permitem trocas valiosas entre o mundo dos saberes tradicionais do artesanato, o mundo
profissional e o mundo acadêmico.
A metodologia utilizada no Projeto Imaginário Pernambucano foi desenvolvida em
etapas. A ação se inicia numa primeira visita à comunidade. Nesta primeira abordagem,
acontece a fase de diagnóstico. É o momento em que o olhar da equipe se direciona para o
que já existe, identificadas conjuntamente com as comunidades as necessidades e a situação
do artesanato e da produção artesanal. Paralelamente a este diagnóstico, a comunidade
começa a compreender o formato de atuação do projeto.
Durante este reconhecimento da comunidade, as equipes de campo contam com o
apoio de historiadores e assistentes sociais que fazem parte da equipe do projeto e que
oferecem seu suporte em todas as intervenções. É importante frisar o papel do historiador,
pois é a partir dos relatos colhidos na comunidade que se traçam os perfis histórico, étnico e
cultural. Estas informações são fundamentais e vão embasar várias ações do projeto.
Na segunda fase, as equipes de campo retornam à sede do Imaginário Pernambucano
e dão início à elaboração de planos de ação, a partir das necessidades, dificuldades e
potencialidades identificadas em cada comunidade. O plano de ação é elaborado partindo de
metas que as equipes e o projeto como um todo pretendem atingir no final de cada
temporada.
Posteriormente, cada equipe elabora um cronograma que considera as atividades
semanais de campo. Esta presença constante é de suma importância para estabelecer uma
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relação mais próxima com os grupos e vivenciar suas potencialidades e dificuldades,
principalmente nos períodos iniciais da intervenção.
Cada fase é intercalada por reuniões. As equipes de campo e o grupo gestor trocam
informações sobre as comunidades e discutem os encaminhamentos a serem validados pelos
grupos de artesãos. Assim, consegue-se vivenciar um processo contínuo de avaliação e
redirecionamentos do planejamento, em caso de necessidade.
A fase seguinte é iniciada com a as visitas das equipes de campo às comunidades.
São realizadas reuniões com os grupos de artesãos e validados os encaminhamentos,
oferecidas as orientações e formatados os conteúdos das capacitações e das oficinas. Os
objetivos são sempre a melhoria dos produtos e da produção artesanal com enfoque nos
quatro eixos de atuação já apresentados.
Os principais temas abordados nas reuniões com os grupos de artesãos são os
seguintes:
A qualidade, corantes e cores, reconhecimento do repertório local, criatividade e
acabamento, produção, associativismo, comercialização, formação de preço, apresentação do
produto, cumprimento de prazos de entrega e condições contratuais.
Portanto, na prática, a atuação do Imaginário Pernambucano apóia-se em uma
metodologia participativa, a partir do entendimento de que os artesãos e artesãs são sujeitos
de suas práticas coletivas, por meio do incentivo e da construção de acordos coletivos e o
reconhecimento das lideranças; individualizadas através do reconhecimento de habilidades e
competências dos envolvidos; crítica, na medida em que leva artesãos e artesãs a fazerem
uma leitura crítica do seu próprio fazer artístico e contextualizante, tendo em vista que a
intervenção está calcada nas necessidades, nos desejos e no respeito aos valores identitários
de cada comunidade.IMAGINARIO PERNAMBUCANO(2005)
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Em suas diversas ações, o Imaginário Pernambucano tem utilizado uma ampla rede de
parcerias compostas pelas prefeituras municipais das áreas de abrangência das comunidades
trabalhadas e uma ampla lista de outros parceiros como os citados anteriormente:
SEBRAE/PE; ITEP; OXFAM; Centro de Cultura Luiz Freire e Ministério da Ciência e
Tecnologia, adicionalmente, a Agência de Desenvolvimento de Pernambuco (AD/Diper); a
Associação de Plantas do Nordeste e a UFRPE..
Em 2005, o Imaginário Pernambucano foi agraciado com duas importantes
premiações: o Prêmio Planeta Casa , oferecido pela Editora Abril, tendo recebido o troféu de
reconhecimento pela primeira colocação em nível nacional na categoria ação social,
concorrendo com outras 117 entidades espalhadas por todo o país. E o primeiro prêmio, na
Categoria Contribuição das Universidades do Conselho Empresarial Brasileiro para o
Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), premiação organizada pela Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (FIESP).
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4.3 CONTRIBUIÇÕES À ESTRATÉGIA DE MARKETING DO PROJETO
Ter um produto artesanal com valor agregado não basta. É preciso entregá-lo de
forma eficiente ao consumidor e comunicar seus atributos ao público-alvo. Essa é a missão
do marketing.
KOTLER (1978 p. 20) assim o conceitua, textualmente: “a análise, o planejamento,
a implementação e o controle dos programas cuidadosamente formulados para propiciar
trocas voluntárias de valores com mercados-alvo, no propósito de atingir os objetivos
organizacionais. Depende intensamente do projeto de oferta da organização, em termos de
necessidades e desejos dos mercados-alvo, e no uso eficaz da determinação de preço, da
propaganda e da distribuição, a fim de informar, motivar e servir os mercados.”
O marketing é o responsável pelo desenvolvimento econômico do artesanato porque é
através dele que se faz com que haja o crescimento da demanda e da distribuição dos
recursos e riquezas, através das trocas, PANNUNZIO (1982).
O desenvolvimento do artesanato depende dos estímulos derivados de sua
comercialização sistemática, pois, só assim o artesão pode dedicar-se predominante ou
exclusivamente ao seu trabalho. Para tanto, é necessário agregar valor a seus produtos na
ótica dos consumidores de forma a racionalizar os esforços, devendo-se trabalhar com uma
segmentação de mercado. A organização deve acentuar o esforço em criar e oferecer um alto
nível de satisfação a seus consumidores meta, embora não necessariamente no nível máximo,
em função dos custos adicionais que a organização teria que incorrer. KOTLER (1978)
Conforme já ressaltamos no item 4.2, a Metodologia de Intervenção Social do Projeto
Imaginário Pernambucano é multidisciplinar e focada na sustentabilidade econômica, social,
cultural e ambiental. Visando à continuidade do empreendimento social é necessário
considerarmos um enfoque de marketing integrado. O contexto geral da estratégia de
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marketing visando à sustentabilidade do empreendimento é a consideração do Comércio
Ético e Solidário ( Fair Trade ) que segundo FRANÇA(2003) “É uma forma de
empoderamento dos trabalhadores assalariados, produtores e agricultores familiares, que
estão em desvantagem ou marginalizados pelo sistema convencional de comércio”
O elenco de regras a serem observadas no Fair Trade, conforme FACES(2004),
Grupo de Trabalho de Normas são os seguintes:
« Devem ser estimuladas as relações de longo prazo entre produtores e compradores.
« Preço justo é aquele que garante aos produtores e executores de serviços uma renda
suficiente para suprir suas necessidades básicas, bem como de suas famílias,
proporcionalmente à quantidade de trabalho exercido.
« É proibido o sistema de venda “sob consignação” e outras práticas que contribuam
para o endividamento dos grupos produtores.
« Estimula-se que, com parte dos recursos oriundos da venda dos produtos e serviços,
seja constituído um fundo de desenvolvimento local, que deverá ser direcionado aos projetos
sócio-ambientais da própria comunidade.
« Produtos oriundos de extração ou coleta direta do ambiente natural devem ser
extraídos/coletados numa intensidade que não ultrapasse a capacidade de suporte e
regeneração do ambiente em questão.
« Deve-se restringir a utilização de substancias nocivas à saúde humana e ao meio
ambiente, e proibir substancias altamente tóxicas.
« Dentro de um mesmo grupo, homens e mulheres com a mesma qualificação e carga
horária, devem receber a mesma remuneração por um mesmo trabalho.
« Atividades domésticas e produtivas não devem representar empecilho para que as
crianças em idade escolar freqüentem regularmente a escola.
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« As atividades de produção, fabricação ou execução de produtos e serviços devem
ser realizadas em conformidade com os requisitos de segurança e salubridade para aqueles
que os desenvolvem.
« Recomenda-se que os grupos de produtores desenvolvam ações conjuntas com o
Poder Público, caso considerem viáveis ações em parceria.
« Ao consumidor final dos produtos deve-se garantir o direito a conhecer todo o
processo de produção ou fabricação do produto que está comprando, bem como as pessoas
envolvidas com ele.
«Estimula-se a relação direta entre produtor e consumidor final.
«Ao consumidor final dos produtos, deve-se garantir o direito a conhecer exatamente
como estão distribuídos os custos de produção daquele produto.
Além do contexto de fair trade toda a estratégia proposta considera ademais os
seguintes considerações:
« Produtos dirigidos consumidores de alto poder aquisitivo, classes sociais A/B.
« Consumidores com sensibilidade para o social e com nível cultural alto.
« Impulso inicial de comercialização no mercado doméstico e somente após a
consolidação expansão para as exportações.
« Ainda que a identidade das comunidades produtoras seja amplamente divulgada
para garantir um respaldo corporativo e possibilitar o efeito das sinergias cruzadas, utiliza-se
sistematicamente do “guarda-chuva” comunicacional do Imaginário Pernambucano.
Para facilitar a apresentação da estratégia, vamos recorrer à tradicional classificação
dos 4 Ps. As propostas são ações já desenvolvidas ou por desenvolver no Imaginário
Pernambucano.
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ESTRATÉGIA DE PRODUTO
«Todos os produtos devem ter o seu “DNA” representado pela preservação de seus
valores históricos, culturais ou étnicos.
« A funcionalidade de todos os produtos deve ser preservada independentemente de
seu impacto estético.
«A meta é gerar agregação de valor que seja reconhecida e aceita pelos consumidores
meta.
«Como se trata de artesanato, os produtos apresentam aspecto para o consumidor
percebido como “naturalmente imperfeito”.
«Ainda que a produção seja artesanal, é necessário implantar um estrito controle de
qualidade utilizando-se protótipos de referência.
«Os produtos demandados em grande quantidade merecem um tratamento de
otimização de linha de produção, através do uso da metodologia de controle normalmente
preconizada pela engenharia de operações.
«Para facilitar a agregação de valor e aumentar a aceitabilidade dos produtos pelos
consumidores meta, utiliza-se normalmente matérias-primas naturais que são suportadas
sempre que possível por planos de sustentabilidade ambiental.
«O ritmo interno das comunidades é respeitado, considerando-se seus hábitos e
costumes bem como aceitando as sazonalidades dos períodos de trabalho em função
normalmente das atividades agrícolas.
«As etiquetas de identificação dos produtos devem conter informações sobre a
comunidade produtora e o nome do artesão. Ainda para agregar valor ao produto devem ser
escritas em dois idiomas, no mínimo, e portar código de barra para facilitar e, em casos cada
dia mais freqüentes, viabilizar a comercialização.
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«As embalagens devem ser feitas com materiais recicláveis, apresentando visual
atrativo e compatível com o produto, serem informativas e engajadas ambientalmente.
«Sempre que possível, é importante que se desenvolvam famílias de produtos
facilitando a produção e a comunicação aos consumidores meta além de minimizar riscos de
inconsistência visual e conceitual da linha de produtos.
«Para garantir a consistência da linha de produtos é recomendada a renovação
máxima de 20% dos itens anualmente.
«Uma grande oportunidade de aumento das quantidades produzidas, com as
decorrentes economias de escala, é a produção de itens promocionais para empresas e
congressos inclusive com o desenvolvimento conjunto com os clientes.
«Em qualquer mudança no portofolio ou nos procedimentos de produção devem ser
avaliados os impactos sobre a mão-de-obra e obedecidos os procedimentos de segurança do
trabalho e ambiental.
ESTRATÉGIA DE PREÇOS
« A base da fixação dos preços para o mercado são os custos de produção, com ênfase
nos custos da mão-de-obra.
« Um outro referencial são os preços dos produtos competidores que apresentem as
maiores semelhanças com o produto a precificar.
« É de fundamental importância considerar um premio de no mínimo 30% pela
agregação dos valores subjetivos o que simultaneamente vem a reiterar o posicionamento do
Imaginário Pernambucano e de sua linha de produtos.
« Para o monitoramento dos preços finais aos consumidores é necessário ter em conta
a cadeia de preços com as margens apropriadas pelos intermediários. Essa também será a
base de preços para eventuais vendas diretas aos consumidores.
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« A forma de pagamento predominante será à vista, seguida do pagamento adiantado
e só excepcionalmente a prazo, caso em que se aplica a canais muito especiais em termos de
criação de imagem corporativa, como por exemplo museus.
ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO
« Desenvolver banners para uso nos pontos de venda, show room e stands em feiras e
exposições.
« Trabalhar a necessidade de se ter uma área específica, o conceito de córner
corporativo em cada ponto de venda no sentido de gerar as sinergias entre os produtos e o
reforço da imagem institucional do projeto.
« Desenvolver um show room em área de grande fluxo dos consumidores meta para
aferir percepções sobre os produtos atuais ou lançamentos. As oportunidades a capitalizar são
as seguintes:
- Contatos com consumidores inclusive com a eventual presença dos artesãos.
- Treinamento de vendedores próprios ou do portofolio de clientes.
- Avaliação de preços ao patamar do consumidor.
- Informações sobre tendências de mercado.
« Editar livro institucional para distribuição comercial, entre clientes e a imprensa
especializada.
« Patrocinar exposições de fotografias concomitantemente com a venda de produtos
da comunidade retratada.
« Criar mailing para envio de texto promocional para jornalistas de cadernos e
revistas de turismo, decoração e design.
« Manter permanentemente atualizado o site institucional com a disponibilização do
catálogo de produtos.
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« Editar anualmente um catálogo com folhas intercambiáveis, flexibilizando assim a
atualização da dinâmica do portofolio.
« Para reforçar o grau de respeitabilidade do Projeto com o público de experts,
desenvolver artigos e apresentar em Congressos de Decoração e Design com posterior
publicação.
ESTRATÉGIA DE PRAÇA
« Priorizar os mercados de cobertura nacional utilizando os dados da Pesquisa de
Emprego e Renda do IBGE. Para 2006 as prioridades são Recife (por ser sede do projeto),
São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba.
« Para a estratégia de expansão da distribuição via exportação considera-se a
experiência passada do projeto (Itália) e os demais países com tradição de demanda por
produtos artesanais com alto valor agregado. Por ordem de prioridade, Reino Unido,
Espanha, França, Itália, Alemanha e Holanda.
« Implantar loja própria em Recife que servirá simultaneamente como show room.
« Incrementar as campanhas de venda pela internet através do site do projeto.
« Seguir participando das duas feiras temáticas mais importantes do país FENNEART
e Mãos de Minas.
« Buscar patrocinador para financiar a participação em feiras temáticas na Europa.
« Desenvolver kiosk de venda para uso permanente em hotéis e aeroportos e para uso
eventual na recepção de turistas.
« Trabalhar o conceito de exclusividade de vendas por tipo de produto ou por praça
como base para a seletividade como instrumento de agregação de valor.
« Treinar os vendedores do projeto nos conceitos de vendas consultivas estabelecendo
de forma simultânea a sistemática das ações pós-vendas
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« Atualizar o Plano de Logística (Transporte, armazenagem, embalagem e seguros).
45
5
CONCLUSÕES
Segundo informações do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio
Exterior em 2004 o setor de produção de artesanato no Brasil ocupava diretamente 1.9
milhões de trabalhadores ( desse total cerca de 87% são mulheres), com um faturamento
anual de cerca de 36.5 bilhões de reais ano correspondendo a 2% do PIB nacional.Este
quinhão é equivalente ao assumido pela indústria automobilística que com uso crescente de
tecnologia de ponta empregava no mesmo ano somente 102 mil pessoas ( cerca de 5% da
população envolvida com atividades artesanais).
Esses dados comprovam a grande capacidade de geração de emprego e renda com a
produção de peças artesanais com uma altíssima performance em termos de custo- eficácia.A
destacar também que a maioria desses trabalhos são gerados nas áreas rurais ou semi-urbanas
mitigando assim o êxoto rural tão importante na última década em nosso país..Por outro lado
vale destacar que o artesanato emprega massivamente mulheres, jóvens e idosos e
eventualmente,
portadores
de
necessidades
especiais.
Adicionalmente,
por
suas
características a produção artesanal tem a flexibilidade de conviver com as sazonalidades da
produção agrícola ou pode ser fonte de renda complementar de acordo com a carga horária
de trabalho disponibilizada pelo artesão ou artesã para a execução de atividades produtivas.
O lado preocupante é que o artesanato vem sendo massificado gerando em
decorrência a perda dos valores identitários e a crescente redução do valor pago em
remuneração da mão-de-obra, principalmente pela ação de intermediários que se apropriam
da maior parte dos excedentes econômicos gerados na cadeia de produtiva do artesanato e
que para gerar economias de escalas ou para fazer valer seu poder como fornecedor de
matérias-primas terminam por incentivar a produção em massa dos itens que se vulgarizam e
perdem valor durante o processo de comercialização nos mercados mais desenvolvidos.
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Da análise dessa problemática surge uma oportunidade para os produtores de
produtos de nicho na linha de que não existe nada mais global do que o local.Assim,
comunidades em situação de pobreza que detém capital social e são possuidores de
patrimônio cultural ou étnico podem produzir produtos solidários ditos de raiz e alma com
uma grande potencialidade de agregação de valor considerando-se de que existem segmentos
de mercado sensíveis ao social e ávidos por desfrutar da posse de alguns desse produtos..
Pensando em apoiar essas comunidades é que o Projeto Imaginário Pernambucano
vem apoiando comunidades no estado de Pernambuco utilizando a sua Metodologia
Multidisciplinar com a participação dos artesãos e da comunidade de forma intensiva e
inclusiva.
Verificamos a existência de segmentos de mercado muito especiais que por serem
detentores de renda discricionária são propensos a consumir produtos artesanais solidários de
raiz pagando um preço premium na medida em que são capazes de reconhecer, valorizar e
remunerar por valores latentes em adição ao valor genérico ou de uso.
Para uma efetiva transformação social a área de comercialização deve ser manejada
dentro do conceito de fair trade possibilitando a formação de redes solidários, cooperativas e
sustentáveis entre membros de um território caracterizado por seus links culturais ou éticos,
caso dos indígenas,quilombolas ou das comunidades que têm tradição de produção de
artesanato..
Para que o projeto de intervenção social tenha êxito é necessário estabelecer uma
estrutura corporativa que centraliza as ações e faça circular os excedentes econômicos
diretamente as comunidades.Mais uma vez a solidariedade prevalece na medida que uma
comunidade menos conhecida é impulsionada pelas já renomadas sempre dentro do guardachuva protetor do projeto mãe.
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Para viabilizar a agilização da apropriação do valor reconhecido pelos consumidores é
necessário ter sempre em roll out um Plano Estratégico de Marketing que direcione e
capitalize as sinergias a serem apropriadas no mercado.
Neste trabalho tomamos o caso do Projeto Imaginário Pernambucano onde ações em
execução ou em planejamento são apresentadas com o intuito de possibilitar o debate sobre
as áreas de oportunidade identificadas..O Imaginário Pernambucano tem obtido resultados
auspiciosos desde a sua fundação sendo observado um crescimento contínuo no número de
comunidades e artesãos atendidos bem como a ação de preservação de valores culturais em
comunidades étnicas do tipo quilombolas e indígenas.
.O desafio para pesquisas futuras é o estabelecimento de uma metodologia para a
fixação de preços de produtos que tome em conta além dos parâmetros ora utilizados o
entendimento dos reais atributos de agregação de valor reconhecidos pelos consumidores
meta, solidários e amantes do artesanato de raiz,.Definitivamente, esse será o caminho da
espiral de agregação de valor que gerará os excedentes para financiar os processos
comunitários de transformação social tão necessários e esperados. .
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