As relações de poder dentro da unidade hospitalar

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ISSN 1678-0493
Diálogos & Ciência
w w w. f t c . b r / d i a l o g o s
As relações de poder dentro da unidade hospitalar: uma
perspectiva de médicos e enfermeiros
Renato N. Chaves* e Amanda L. de S. Alves
Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC, Vitória da Conquista, BA, Brazil
doi: 10.7447/dc.2012.015
INFORMAÇÕES
RESUMO
Histórico:
Recebido em
24/11/2011
O presente artigo discute as relações de poder nas instituições hospitalares, entre médicos e enfermeiros.
Nessa perspectiva, o objetivo principal é entender como se dão as relações de poder dentro da unidade
hospitalar, para melhor programar ações de enfermagem e o bom gerenciamento da unidade. É um estudo
dinâmico, quantitativo – descritivo e exploratório, e utiliza documentação direta para levantamento de
dados. A pesquisa de campo realizada no Hospital Municipal Dr. José Maria de Magalhães Netto, situado
em Barra do Choça – BA, utilizando questionário semi-estruturado, no qual fica claro que existe um
conjunto de características que diferenciam as categorias em questão, sendo essas uma decorrência do
tempo e do tipo de atividade exercida, do tempo de formação profissional. Os resultados obtidos nos
propõem a reflexão a fim de promover a ampliação do conhecimento das relações de poder. Foi possível
identificar e traçar alguns benefícios para os atores sociais envolvidos no contexto, como para a instituição
de saúde onde atuam, tais como: manutenção do equilíbrio, melhor gerenciamento da unidade, prevenção e
resolução de conflitos, entre outros.
Revisado em:
02/04/2012
Aceito em:
23/04/2012
Palavras-chave:
Enfermeiro, Relações de
poder, Liderança
Keywords:
Power relationship,
Leadership
AUTORES
ABSTRACT
RNC
Enfermeiro, Especialista em
saúde do trabalhador e
Enfermagem do Trabalho.
*Autor para correspondência:
[email protected]
TITLE: Power relations in the hospital unit: a perspective of physicians and nurses.
This article discusses the power relationships in hospitals, including physicians and nurses. From this
perspective, the main objective is to understand how they give the power relations within the hospital to
better plan nursing actions and the good management of the unit. It is a dynamic study, quantitative descriptive and exploratory, and uses direct documentation for data collection. The field research conducted
at the Municipal Hospital Dr. José Maria de Magalhães Netto, located in Barra Shack - BA, using semistructured questionnaire, in which it is clear that there is a set of characteristics that differentiate these
categories, these being a result time and type of activity, duration of training. The results suggest the
reflection in order to promote the expansion of knowledge of power relations. It was possible to identify
and draw some benefits for the actors involved in social context, as for the health institution where they
work, such as maintaining balance, better management of the unit, preventing and resolving conflicts,
among others.
ALSA
Acadêmica de Enfermagem.
1. Introdução
Estudar as relações de poder em uma unidade hospitalar
acarreta, antes de tudo, penetrar em terreno arenoso. Afinal,
são muitas as disputas encontradas. Somado a isso, e
entendendo que o “poder é uma relação, não é uma coisa”
(FOUCAULT, 1989), significa investir nas relações e práticas
sociais estabelecidas nesse contexto. De modo que, aprofundar
nessa temática nos ajuda a entender como se estabelecem tais
relações e, também, para afastarmos a idéia de que o poder é
algo localizável, ou que seja propriedade de alguns indivíduos.
Partindo desse ponto, podemos destacar dois pontos
importantes desse artigo: a primeira é que vivemos num país
onde o modelo do sistema de saúde se estabelece pela
humanização e acolhimento dos pacientes, onde se faz supor
que assim deveria acontecer com os profissionais inseridos
nesta convivência, ou seja, as relações entre a equipe deveriam
se dar pelo acolhimento e valorização do outro. O segundo
ponto, e tambem importante, se dá pelo fato de poder ouvir os
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agentes inseridos nesse contexto, possibilitando assim,
transformar de forma positiva as relações de poder
encontradas, podendo ainda, promover o crescimento e o
fortalecimento de boas relações entre médicos e enfermeiros e
com isso, melhorar a qualidade da assistência prestada aos
usuários.
Sendo assim, foi definido como objetivo geral conhecer
como se dão as relações de poder entre médicos e enfermeiros
dentro da unidade hospitalar, e como específicos, analisar as
percepções de poder nas relações de trabalho na unidade
hospitalar entre médicos e enfermeiros, demonstrar como o
poder é utilizado nos hospitais, discutir o papel do enfermeiro
na instituição nosocomial e caracterizar o fator de dependência
existente nas relações de poder entre médicos e enfermeiros.
Sua relevância se dá pelo fato de buscar entender a
dinâmica de relações de poder dentro do ambiente nosocomial
e como esta interfere no gerenciamento da unidade e no
atendimento à comunidade. Com isso, podemos melhor
implementar ações de enfermagem e o bom gerenciamento da
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unidade.
Diante disso é importante estudar e entender que poder
tem o enfermeiro na unidade hospitalar, visto que, ainda
prevalece a hegemonia médica, principalmente em instituições
nosocomiais.
.
2. Material e Métodos
É uma pesquisa de campo do tipo quantitativa – descritiva
e exploratória. Já do ponto de vista da estrutura é um estudo
dinâmico. Com relação à natureza, constitui-se uma pesquisa
aplicada, com objetivo de gerar conhecimentos para aplicação
prática dirigida à solução de problemas específicos.
Foi realizada no Hospital Municipal Dr. José Maria de
Magalhães Netto (HMJMMN). Está situado no município de
Barra do Choça – Bahia, inaugurado no dia 05.01.1979,
atuando há 32 anos no atendimento a população. Dispõe de 30
leitos, assim distribuídos: 10 pediátricos e 20 de clinica geral,
sendo que, desses 20 leitos 4 são obstétricos, 4 cirúrgicos e 12
de clínica médica. É considerada uma instituição de pequeno
porte. Oferece serviços ambulatoriais, urgência e emergência,
e de intervenção cirúrgica (pequenos procedimentos).
Constituíram os sujeitos de pesquisa os funcionários
médicos e enfermeiros do HMJMMN, no período
compreendido entre os meses de março a abril de 2011.
Conforme o setor de RH (Recursos Humanos) do HMJMMN,
existem na unidade 9 médicos e 6 enfermeiros atuantes,
atualizado em 09.03.2011, sendo um total de 15 sujeitos.
Porém, apenas 4 médicos e 5 enfermeiros responderam ao
questionário. Os participantes têm mais de 18 anos e possuem
nível superior completo. Não houve restrição quanto ao gênero
e estado civil.
Os informantes da pesquisa foram devidamente
esclarecidos quanto aos objetivos do trabalho, ficando livres
para participar, uma vez aceitando, assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, sendo respeitados os
princípios éticos que constam na resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde.
Com relação aos dados dessa pesquisa, foram analisados
mediante toda a literatura referenciada, e para que não
houvesse algum tipo de interferência pessoal, depois de
respondidos, os questionários receberam um código de modo
randômico, ou seja, para a classe médica foi instituído M1, M2
etc. e para enfermeiros E1, E2 etc. Desse modo, ao citar
alguma resposta dada, será utilizado essa nomenclatura, assim
não será exposto nenhum sujeito participante da pesquisa.
3. Resultados
Para fins de esclarecimentos, não serão abordados nesse
artigo todos os resultados obtidos na pesquisa, apenas
discorreremos sobre os pontos mais relevantes.
Ocupação dos cargos de chefia
Nesta questão, os sujeitos enfermeiros, acreditam ocupar
um cargo de chefia na unidade onde atuam, e atribuem à
supervisão de enfermagem durante o período de trabalho esta
chefia, ou seja, ao longo do turno de trabalho a própria
supervisão de enfermagem é considerada um cargo onde se
exerce o poder. Já entre os médicos, o entendimento é oposto,
ou seja, não creem ocupar nenhuma função de chefia dentro da
unidade.
Quanto a este item, o questionário não trazia nenhuma
informação sobre as diferenças entre cargo e função. Este feito
foi propositadamente pensado, a fim de entender o que cada
um responderia sobre ocupar algum cargo de chefia na
unidade.
Entendemos que o cargo está associado a posição
hierárquica que um indivíduo ocupa e as tarefas atribuídas a
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ela, e que geralmente é o que está impresso no contrato ou
carteira de trabalho, e que função são as atribuições ou tarefas
que uma pessoa exerce de modo sistemático, ou seja, tudo o
que é feito durante o período de trabalho e que diz respeito ao
cargo em que se ocupa.
A partir daí podemos inferir duas constatações: primeiro
que nenhum enfermeiro estudado ocupava algum cargo de
chefia, apenas eram enfermeiros e desempenhavam as funções
que a profissão exigia, até aí não existe chefia. E segundo, que
dos médicos, apenas um ocupava um cargo de chefia, função
esta que o coloca hierarquicamente acima de todos os outros
funcionários.
Portanto, a resposta esperada para essa questão seria que
todos os enfermeiros pesquisados respondessem que não
ocupam nenhum cargo de chefia na unidade, e com relação
aos médicos as respostas obtidas foram as esperadas. Porém é
compreensível que o enfermeiro tenha essa visão a respeito do
que seja cargo e função, ou seja, é esperado que a classe
exerça papeis diversos nas suas atividades e que tenha as mais
diferentes habilidades de gerenciamentos e liderança, portanto,
liderar para muitos enfermeiros significa estar ou exercer um
cargo de chefia. Nesse sentido concorda Ribeiro et al (2006) ,
quando afirma em seu artigo que
Inevitavelmente, o enfermeiro desenvolverá a habilidade
de liderança, independente de suas características pessoais,
pois a Enfermagem requer um profissional competente, capaz
de lidar com a grande diversidade humana, além de estar apto
para resolver problemas e propor mudanças, apontando
soluções para o que não satisfaz as necessidades da população
e da equipe.
Ainda para Ribeiro et al (2006), nesse contexto de
mudança, a enfermagem passou a incorporar como atividade
da profissão a liderança como um cargo. Mais adiante ela diz
que se percebe
[...] também a mudança de papéis no âmbito da
enfermagem, ou seja, de uma função de supervisão do serviço
de enfermagem e prestação de cuidados aos casos mais
complexos, passou-se a ocupar cargos gerenciais atrelado à
capacidade de liderança, acreditando-se que, assim como a
gerência, a liderança se inclui num processo de aprendizado
[...]
Anos de estudo para o cargo
Entre a classe médica pesquisada todos estudaram em
média de 5 a 10 anos para ocupar o cargo de médicos. Já entre
os enfermeiros, foram necessários menos que 5 ou de 5 a 10
anos de estudo para se tornarem enfermeiros.
Os médicos da unidade estudaram mais que os
enfermeiros. Esse é um dado que poderá suscitar uma
submissão por parte dos enfermeiros na unidade médica,
sendo que, o poder está totalmente relacionado com o saber e
este com todos os anos de estudo de um profissional.
Foucault (1979) aborda em seus estudos o tema saber e
poder e faz correlações entre os dois pontos. Para ele poder e
saber estão intimamente ligados, um produz o outro e não se
pode exercer o poder sem ter conhecimento, sem ter o saber.
Faz-nos entender, ainda, que o saber é um bom modo de
reforçar o poder que se tem. Estaria ai uma breve explicação
para a soberania dos médicos dentro da unidade hospitalar,
visto que, a grande maioria fica em torno de dez anos
estudando e adquirindo o saber teórico incluindo graduação e
residência médica, já os enfermeiros na sua maioria estudam
por volta de oito anos.
Decisões na qual não são chamados a opinar e que
gostariam
Nessa questão os médicos afirmaram que geralmente não
são chamados a opinar nas questões que envolvem a
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enfermagem, mas que também sabem que não compete aos
médicos este quesito. Já entre os enfermeiros as respostas
foram diversificadas, ou seja, acreditam que existem algumas
decisões na instituição em que não são chamados a opinar e
que seria importante a seu julgamento para a continuidade do
serviço, principalmente na contratação de funcionários, onde
deveriam levar em consideração a opinião da enfermagem.
Com relação à admissão ou contratação de novos
funcionários a enfermagem pode dar grandes contribuições
para a unidade onde atua, visto que, é a única profissão que
está 24 horas com o paciente, e por esse mesmo motivo
conhecem muito bem as rotinas e necessidades da instituição,
além do que, o enfermeiro é dotado de conhecimentos
administrativos como, por exemplo, o cálculo de
dimensionamento de pessoal. Para isso a classe tem um
respaldo legal, pois, conforme a Lei do Exercício Profissional
da Enfermagem, na Resolução do COFEN-293/04 diz que
“compete ao enfermeiro estabelecer o quadro quantitativo de
profissionais necessário para a prestação da assistência de
enfermagem”
(BRASIL,
1997).
Sendo assim,
o
dimensionamento tem também o objetivo de proporcionar
melhor atendimento a população, no sentido de ter a
quantidade exata de profissionais para cada paciente de acordo
sua necessidade.
Para fins de esclarecimento, Kurcgant et al (1989) define o
dimensionamento de pessoal como:
A etapa inicial do processo de provimento de pessoal
cuja finalidade é a previsão da quantidade de funcionários por
categoria, requerida para suprir as necessidades de assistência
de enfermagem, direta ou indiretamente prestadas à clientela.
Podemos perceber que o dimensionamento busca calcular
antecipadamente a quantidade de pessoal que será necessário
para exercer as atividades de enfermagem, por categoria,
conforme a necessidade da clientela e da instituição, levando
em consideração a qualidade da assistência prestada. Nesse
sentido é necessária a participação do enfermeiro nessa toma
de decisão, pois é ele quem conhece todas as atividades de
enfermagem que o profissional dessa categoria precisa possuir,
e é quem detém o conhecimento técnico-científico para a
realização desse cálculo.
Submissão do enfermeiro ao médico na unidade
hospitalar
Neste item, os médicos firmaram que sim, mas somente
no que diz respeito à hierarquia na instituição, e também
asseguraram que não há submissão em outros aspectos. Já os
enfermeiros afirmam que não existe submissão do enfermeiro
à classe médica, mas os médicos sempre têm a última palavra
na instituição hospitalar. Essas divergências de respostas
encontradas nos fazem pensar que tanto a enfermagem como a
medicina tem visões diferentes no que diz respeito a
submissão que uma classe tem com relação a outra.
Ademais, entender se há uma submissão da enfermagem
para com os médicos, fica claro quando estudamos as
concepções de poder, e principalmente as atribuições de poder
dentro da unidade de saúde hospitalar, pois estas se
apresentam diferentes quando se compara uma classe a outra.
Somado a isso, Romaniello (2003) afirma em sua dissertação
de mestrado que “a submissão é um elemento central de toda
análise de construção do poder, evidenciando a relação
existente entre disciplina e a virtude organizacional que autoregula e estabelece os deveres de cada membro da
organização”.
Ademais, muitas vezes costumamos associar a submissão
com o fator de dependência que uma pessoa ou grupo tem com
relação à outra. Se possuirmos a posse sobre alguma coisa,
nesse momento praticaremos em cima do que possuímos ou
sobre ele alguma forma de poder. Nesse sentido, concorda
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Robbins (1999, p. 251), onde afirma que “quando você possui
alguma coisa que outros exigem mas que você sozinho
controla, você os torna dependentes de você e, portanto, você
ganha poder sobre eles.” Desse modo, não basta possuir o que
todos possuem, mas sim, obter aquilo que é tido como
extraordinário, precioso, estimado, como é o caso de ter poder
ou, na pesquisa em questão, ter o poder de curar, como é
exposto diversas vezes pela classe médica, colocando, assim, a
enfermagem como uma profissão submissa a eles.
Florentino (2006, p. 95), em seu livro intitulado
“Enfermagem e Medicina: relações de poder e de saber”,
afirma que:
A enfermagem, no campo da saúde, não é uma profissão
inferior, mas que, por algum motivo, talvez cultural, ou pela
perda progressiva do reconhecimento e do valor social do seu
saber e fazer, deixa-se subordinar, coloca-se como inferior,
aceitando e cumprindo ordens, o que caracteriza uma relação
assimétrica de poder e subordinação atrelada a divisão social
do trabalho.
Ainda para a referida autora, e no tocante a subordinação
da enfermagem, a questão do gênero é uma ferramenta
importante para identificar essa submissão com relação à
classe médica. Ela diz que “a construção da enfermagem como
profissão foi calcada no saber e fazer da mulher, que
desempenhou um papel de subordinação à medicina, exercida
por homens” (FLORENTINO, 2006, p. 91). Essa questão do
gênero tem um respaldo histórico de submissão da mulher ao
homem, não somente com relação às profissões de
enfermagem e medicina, mas também da história do
paternalismo, onde a mulher competia fazer e obedecer, e o
homem cabia “as funções, definições e saberes”.
(FLORENTINO, 2006).
Nessa questão, portanto, se evidenciou que há um certa
submissão do enfermeiro ao médico, seja pela questão do
gênero, ou pela própria cultura de desvalorização do saberfazer da enfermagem.
4. Discussão
Por que estudar as relações de poder?
Tem crescido consideravelmente, seja no campo
acadêmico, empresarial ou mesmo na psicologia
organizacional, o interesse pelo estudo do poder e suas
vertentes relacionais, pois se trata de um fenômeno onde
existem diferentes interesses e conquistas. Ter poder
geralmente está associado ao fato de um individuo ou grupo
exercer influência sobre outros a fim de almejar resultados
comuns.
Ademais, uma hora ou outra, sempre nos deparamos com
alguma situação ou relação em que se envolve o poder. Alguns
autores afirmam que não existe relação social sem a presença
do poder. E todas as concepções que definem o poder trazem
implícitos aspectos diversos da sociedade, seja entre a família,
o trabalho ou o meio social em que o indivíduo está inserido.
Nesse sentido concorda Stoppino (1984, p. 117), onde diz que
Um dos fenômenos mais difundidos na vida social é
exatamente o do poder. Pode dizer-se que não existe
praticamente relação social na qual não esteja presente, de
qualquer forma, a influência voluntária de um indivíduo ou
de um grupo sobre o comportamento de outro indivíduo ou de
outro grupo.
Ademais, muitas vezes o poder é entendido como a chance
de ter uma posição de privilégio em relação aos membros de
um grupo, e também a oportunidade de exercer o poder de
decisão. Nesse sentido, pensando em uma instituição, seja ela
de saúde ou não, "o poder é uma relação social, não uma posse
unilateral" (SROUR, 1998, p. 135). Somado a isso "as
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relações sociais, internas às organizações, articulam classes
sociais e categorias sociais, e dizem respeito aos processos de
produção econômica, política e simbólica" (SROUR, 1998, p.
112), nas quais os grupos sociais estão inseridos.
Como podemos perceber as relações sociais e o poder
estão intimamente ligados entre si, e atuam nos "processos de
controle, de articulação, de arbitragem e de deliberação"
(SROUR, 1998, p. 134). E para exemplificar temos na maneira
de mediar conflitos entre os que mandam e os que obedecem,
a negociação, a articulação ou ate mesmo a arbitragem, sendo
esses pontos-chave desse processo. Mesmo assim, ainda hoje
existem diversas formas de manifestação das relações de
poder. A força é uma delas, porém, não se constitui como um
bom modo de executar e manter o poder, pois a maioria das
organizações pauta suas atividades nos princípios das relações
públicas ou relações sociais, que para Simões (1995, p. 35) "é
a relação de poder entre a organização e seus públicos"
É necessário, ainda, ressaltar que não apenas os
representantes precisam ser considerados na avaliação das
relações de poder nas instituições, uma vez que "a liderança
transcende cargos ou posições formais, não carece de
institucionalização, decorre da sintonia ‘espontânea’ e
informal estabelecida entre líderes e seguidores" (SROUR,
1998, p. 151), como também os gestores e proprietários, pois o
poder de delegar cargos e funções está nas mãos deles.
Ademais, esta dissertação busca uma visão analítica sobre
o relacionamento profissional entre médicos e enfermeiros,
dando oportunidades as partes envolvidas para expor seus
conceitos e opiniões e, consequentemente, promover o
crescimento das profissões como também da qualidade da
assistência prestada.
Relações de poder: médicos x enfermeiros
Estudar tais relações nos faz entender que poder não é
único, não é um bem, não é palpável, não pode ser dado ou
repassado a alguém, e dentro de uma relação de poder, há
quem comanda e quem é comandado, porém, todos os
envolvidos em tal relação possuem certo grau de poder, como
afirma Srour (1998, p. 137), onde ele diz que:
Nenhum agente está totalmente destituído de alguma
parcela de poder. Mesmo aqueles que ocupam uma posição
subalterna nunca deixam de dispor de algum contrapoder:
podem resistir e produzir efeitos sobre seus superiores e sobre
seus colegas de trabalho.
Partindo desse ponto, entende-se que o enfermeiro, nas
suas atividades de enfermagem, detém significativo ‘poder’, e
dentro da instituição, sua participação nas decisões, está
relacionada com a assistência de enfermagem, que aparece
muitas vezes durante o trabalho desenvolvido. Nesse sentido
concorda Berni (1993):
A maioria das atividades desenvolvidas passa pelo
conhecimento e consentimento desses profissionais que, a
todo instante, tomam decisões: autorizam o encaminhamento
de pacientes a outros setores, resolvem questões burocráticas,
escalam funcionários, fazem pedidos de medicação ou
material de consumo, determinam a execução de cuidados de
enfermagem, etc. São procurados com freqüência pelos
médicos, funcionários, clientes ou familiares, que fazem
solicitações, cujo atendimento depende de sua autorização
[...]
e) são as formas de funcionamento e de circulação do saber
médico que constituem o saber dos profissionais de
enfermagem como um saber periférico, e o saber do doente
como um saber profano [...]; f) o pessoal de enfermagem
pode ser considerado uma plataforma de mediação
privilegiada entre os doentes e o poder médico.
Nesse sentido e tomando como base as obras de Foucault
(1993), que analisa o poder dentro da unidade hospitalar,
entendemos que “o hospital não é só uma máquina de curar,
mas também, um instrumento de produção, acúmulo e
transmissão de saber que assegura o exercício do ‘poder’”.
(FOUCAULT, 1993).
Foucault (1990) entende que entre o poder e o saber não
se estabelece uma relação casual. Não se pode distinguir um
como causa e outro como efeito, pois um enfatiza a presença
do outro, ambos estão entrelaçados. E esse encontro do poder
com o saber configura uma sociedade disciplinar, onde estão
atrelados a distinção de condutas e hábitos e à produção de
conhecimentos específicos.
Na atuação da enfermagem o poder e o saber se
entrelaçam, sendo verificável pelo funcionamento das
unidades. Esta característica faz a enfermagem ser vista como
ponto de apoio na instituição hospitalar. Nessa perspectiva,
Trevisan (1988, p. 7) considera que o serviço de enfermagem:
[...] visa muito mais facilitar o serviço de outros
profissionais na realização de suas tarefas na unidade de
internação do que concretizar os objetivos de seu próprio
serviço. Nesse sentido, ela limita-se a solucionar problemas
para médicos, funcionários de laboratórios, nutricionistas etc.
Trevisan (1988, p. 26), afirma ainda que os médicos
possuem expectativas no que se refere ao papel da
enfermagem:
Que a enfermagem tenha responsabilidade pela
manutenção da unidade, pela provisão e controle de
medicamentos e materiais necessários e pela coordenação das
funções da dispensa de cuidados, do hospital, com as funções
de cura, do médico.
Trevisan afirma também que o papel da enfermagem foi
“[...] destinado a prática de higienizar e disciplinar, no sentido
de organizar o espaço hospitalar, ou seja, colocar os doentes
um em cada leito, observar a distância entre os leitos [...]
(TREVISAN 1988, p. 47). Nesse sentido a atuação da
enfermagem surgiu para servir e manter o hospital organizado
e limpo, e que as outras profissões e principalmente a classe
médica esperam essas atribuições dos enfermeiros.
Essa expectativa tem seu berço no século XVIII, que vale
a pena abordar para melhor ilustrar tais relações, onde
Foucault (1990, p.110) relata em seu livro O Nascimento do
Hospital, alguns regulamentos hospitalares daquele século:
[...] cada pessoa deve estar colocada, o médico deve ser
anunciado por uma sineta, que a enfermeira deve estar na
porta com um caderno nas mãos e deve acompanhar o médico
quando ele entrar, etc.[...]
Por outro lado, Cecílio (1999, p. 321), pensando nos
padrões de organização referentes ao hospital, afirma ainda
que:
Ainda hoje essa prática pode ser vista, mesmo que de
modo velado, mascarado ou de certa forma modificado ao
longo dos anos. Os médicos ainda hoje, ficam em plantões de
sobreaviso, em suas residências aguardando o chamado de
enfermeiros para avaliação de pacientes ou para realização de
procedimentos. Muitas vezes, por meio de telefone, e-mail ou
fax, o médico determina algumas orientações aos enfermeiros.
Assim concorda Florentino (2006, p. 53), que afirma:
[...] a) os médicos são os únicos profissionais realmente
autônomos no hospital; b) a natureza do saber médico é um
poder-saber. [...]; c) é a indeterminação que separa o saber
médico dos saberes periféricos e dos saberes profanos [...];...
[...] Atualmente, [...] médicos plantonistas de hospitais:
ficam em seus quartos e determinam que sejam chamados nas
emergências. Tal atitude é conflituosa, uma vez que não é
somente responsabilidade do enfermeiro ficar à beira do leito
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do paciente, mas também do médico, fato que leva, sem
dúvida a um problema ético, pois muitas vezes o médico
orienta a realização de procedimentos por telefone, como a
aplicação de fármacos, sem haver uma prescrição médica.
Vale aqui ressaltar a importância de se conhecer as leis
que regulamentam o exercício da enfermagem, por todos os
enfermeiros, para que tal prática não seja realizada, pois,
conforme a Resolução do COFEN (Conselho Federal de
Enfermagem) – 225/1996 que dispõe sobre cumprimento de
prescrição medicamentosa/terapêutica à distância, essa rotina
não deve ser executada:
Art. 1º - É vedado ao Profissional de Enfermagem
aceitar, praticar, cumprir ou executar prescrições
medicamentosa / terapêuticas, oriundas de qualquer
Profissional da Área de Saúde, através de rádio, telefonia ou
meios eletrônicos, onde não conste a assinatura dos mesmos.
Art. 2º - Não se aplica ao artigo anterior as situações de
urgência, na qual efetivamente, haja iminente grave risco de
vida do cliente.
Art. 3º - Ocorrendo o previsto no artigo 2º,
obrigatoriamente deverá o Profissional de Enfermagem,
elaborar um Relatório circunstanciado e minucioso, onde
deve constar todos os aspectos que envolveram a situação de
urgência, que o levou a praticar o ato, vedado pelo artigo 1º.
Diante disso, é fundamental que a enfermagem estabeleça
o seu exercício firmado nas condutas éticas de acordo com as
leis que regem a profissão. A fim de coibir ou minimizar os
tais situações que algumas profissões têm frente ao
enfermeiro.
Outro ponto importante do qual devemos tratar, e ainda
falando de lei do exercício profissional, é sobre a grande
ascensão da enfermagem, e de outras profissões da saúde, em
detrimento da medicina, gerando uma acirrada disputa de
poder, e a consequente criação do Projeto de Lei nº 25, de
2002, intitulado Ato Médico, que para Florentino (2006, p. 84)
é definido como:
A intenção não somente de garantir espaços
profissionais, como, também, de manter o poder e o saber
médico com a intenção de subjugar as demais profissões da
área de saúde, em especial a enfermagem, em detrimento da
perda gradual de seu status.
Nesse sentido a enfermagem e outras profissões ganham
espaço profissional, principalmente na organização hospitalar,
e aumento do status, em virtude da melhor qualificação, que
gerou a necessidade da classe médica criar esse projeto de lei,
pois, “a medida que o papel do enfermeiro mudou no campo
da saúde, passando a incluir maior participação em decisões
sobre o tratamento, diagnóstico e avaliação, também a relação
entre o enfermeiro e o médico mudou” o que gerou grandes
disputas de espaço e de delimitação do poder.
(FLORENTINO, 2006)
Outros autores e estudiosos ainda preocupados com a
aprovação desse projeto de lei tem tentado entender o real
motivo desse movimento pela recuperação da hegemonia
médica. Assim, Ojeda (2004, p. 121) define o Ato Médico
como “um movimento muito bem articulado pela sociedade
médica brasileira, o qual está vinculado à perda do status dos
médicos nos últimos anos”.
E essa perda de status
profissional, está diretamente ligada ao fato de muitos cargos
administrativos estarem centrados nas mãos de outras
profissões, principalmente de enfermeiros, que exercem com
muita sabedoria suas atividades de gerência. Nesse sentido,
Florentino (2006, p. 86) considera que
A enfermagem tem assumido cargos assistenciais e
administrativos importantes nas esferas municipal, estadual e
federal (coordenadores, gerentes e diretores de serviço no
campo da saúde), os quais eram espaços ocupados outrora
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somente por médicos no modelo assistencial curativista.
Essa disputa por espaço profissional, pelo poder, tem
colocado a medicina e a enfermagem em constante conflito, o
que ocasiona menor qualidade de assistência prestada ao
cliente, que deixa de ser o foco principal nessa relação de
poder.
5. Conclusões
Ao se estudar as relações de poder, podemos constatar o
exercício de poder, tanto entre os profissionais quanto nos
ambientes onde atuam, por meio de evidências coletadas no
dia a dia de cada um, ou seja, pode-se analisar as resistências
construídas a cada dia. Porém não podemos avaliar apenas
movimentos de resistência, mas sim, considerar qual a
fundamentação moral que a mesma implica para o seu
exercício, fazendo isso estaremos dentro da visão ética que
deve permear as atividades de cada profissional envolvido nas
relações de poder. Somado a isso, esse estudo tem importância
para próximas pesquisas, servindo como base teórica para a
fundamentação do tema pesquisado.
Os resultados obtidos nos propõem a reflexão sobre a
necessidade de pesquisarmos sobre as relações de poder
dentro da unidade hospitalar, a fim de promover o
desenvolvimento de se conhecer a temática. Associado a isso,
os questionamentos podem ser respondidos e convertidos em
qualidade, tanto no campo da assistência de enfermagem
prestada aos clientes, seja por meio do dimensionamento de
pessoal de enfermagem ou pela redução das disputas e
conflitos na organização, ou quanto nas relações interpessoais
e interprofissionais existentes na unidade hospitalar.
Nesse contexto, esse complicado mundo das relações de
poder nos faz perceber que os enfermeiros devem reconhecer
o seu papel de chefe, uma vez que desempenham em suas
atividades diárias diversas funções de chefia, tais como
gerenciamento, exercício da autoridade, liderança, tomada de
decisões e são naturalmente superiores de profissionais como
técnicos e auxiliares, estes por sua vez estão sob o comando
dos enfermeiros em qualquer situação. Sendo assim, a
enfermagem necessita ampliar sua visão no sentido de
compreender que o enfermeiro é chefe, pois o próprio
exercício da profissão o faz assumir essa atribuição.
Por tudo isso, fica claro que a enfermagem dentro de uma
instituição hospitalar atua e interage com diversos
profissionais de saúde. Sendo assim, é fundamental que esta
categoria, tenha sempre em si, a busca pelo conhecimento,
controle, liderança, autonomia para gerenciar situações de
conflito, manter boa relação de poder com seus liderados, pois
essas ações impulsionam tanto o enfermeiro quanto a
categoria para uma melhor assistência de enfermagem, e
consequente afirmação da enfermagem enquanto ciência.
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