Rom 72 Outubro - Ordem dos Médicos

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OPINIÃO
Cirurgia Endoscópica:
A Revolução Silenciosa
“... é preciso trinta anos para que
uma ideia ou uma técnica nova seja
aceite.”
Jean de Brux, cirurgião , 2000
A história recente da cirurgia médica
sofreu uma autêntica revolução com a
introdução de um novo tipo de abordagem denominada, entre outras formas,
videocirurgia, cirurgia endoscópica ou cirurgia minimamente invasiva. Como esta
última expressão sugere esta técnica usa
um acesso mínimo para chegar aos órgãos, e também a forma de interacção
com estes é menos agressiva.Através da
introdução de um sistema óptico
acoplado a uma câmara que transmite
as imagens do campo operatório, o local
onde intervimos no doente é-nos acessível no monitor, a duas dimensões. Os
instrumentos são mínimos e a imagem
ampliada, facilitando a microcirurgia.
Esta abordagem foi iniciada nos anos 40
do século passado, por um ginecologista
sueco radicado em Paris, Raoul Palmer.
Palmer criou uma escola de percursores
que nos vinte anos seguintes procederam às primeiras cirurgias endoscópicas
da cavidade abdominal. As doenças do
aparelho genital feminino e a sua dificuldade de diagnóstico e compreensão, nomeadamente a infertilidade, os quistos
do ovário e as complicações dos abortos, foram um terreno de eleição para o
seu uso. Dir-se-ia que a laparoscopia nasceu da preocupação para melhorar a saúde reprodutiva da mulher e é hoje na
ginecologia paradigma de qualidade e
modernidade.
O grande desenvolvimento desta técnica nas últimas décadas deve-se em grande parte aos avanços tecnológicos: a introdução das fibras de vidro e a luz “fria”
nos anos sessenta, o uso de novos materiais e fontes de energia na interacção
com os tecidos como o LASER e os
ultrasons, a aplicação da electrónica digital que possibilitou optimizar a imagem
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Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Outubro 2006
e o seu arquivo.A robótica e a electrónica estão a ser aplicadas a esta cirurgia,
sendo já realidade operações executadas por robots e controladas por cirurgião à distância.
Apesar de hoje, na Ginecologia, ser possível efectuar por esta via todo o tipo de
intervenções padrão, tem sido na Cirurgia Geral que se tem verificado o maior
desenvolvimento e implementação nos
últimos anos. Este interesse está sem
dúvida relacionado com o estabelecimento de grupos pioneiros, que divulgam o seu trabalho e fazem formação.
Mas esta revolução na técnica cirúrgica
opera-se a dois níveis. Não só na modificação dos gestos, da forma e da
instrumentação, como também, e não
menos interessantemente, a nível mental e comportamental. Citando o cirurgião francês Hubert Manhès: “Na cirurgia
convencional abdominal existe abertura, exposição, extracção, transposição para o exterior do corpo.Todos os nossos gestos evocam um conceito puramente mecânico, como
se tratasse de matéria inerte. Tudo se joga
num espirito de realização imediata menosprezando a qualidade do material vivo do
qual cuidamos e do seu estado após a nossa
passagem. Em endoscopia o teatro das operações situa-se no interior do corpo e, por
isso, impõe um comportamento diferente. Somos confrontados com a verdadeira anatomia na sua expressão fisiológica, no seu lugar. A acção sempre necessária é neste contexto contida, deixando um papel mais importante à contemplação e à reflexão.
Estamos num espaço vivo e fechado onde o
nosso primeiro dever é duma evidência primordial: preservar o equilíbrio biológico e fisiológico desse ecossistema. “
As vantagens desta mudança revelam-se
desde logo na qualidade da recuperação
operatória, que é pouco dolorosa, com
internamentos curtos e convalescença
rápida. As sequelas cicatriciais são
minimizadas, tanto interna como exter-
Susana Coutinho
Médica Ginecologista
namente, como se comprova nas
reintervenções.
Mas esta via diferente, que confronta e
põe em causa a manipulação da cirurgia
convencional, obrigou muitos cirurgiões
a uma espécie de mutação, para apreenderem e desenvolverem os novos gestos adequados.
Como se pode imaginar a implementação deste novo conceito, com toda a sua
panóplia de tecnologia sofisticada, não
tem sido pacifica. Se por um lado esta é
uma cirurgia que pode ser apreciada por
todos na sala operatória ou posteriormente usado o seu registo, com vantagens óbvias para a aprendizagem e
reproductibilidade das técnicas cirúrgicas; por outro lado, as cirurgias mais elaboradas são consideradas pouco ”democráticas”, quer em termos da sua
exequibilidade pelos cirurgiões devido às
maiores exigências de material ou de
perícia e coordenação espacial, quer em
termos de elegibilidade dos doentes.
Em Portugal a cirurgia endoscópica está
difundida em muitos blocos operatórios, nomeadamente na sua vertente
diagnóstica e cirúrgica de dificuldade
menor e intermédia. A cirurgia avançada
é ainda em número restrito e o seu desenvolvimento dependerá da capacidade de rentabilização dos serviços, pois
esta é uma técnica mais onerosa. Este é
um desafio actual, que implica a formação de equipas vocacionadas com acesso a blocos operatórios modernos, num
sistema de saúde adaptado aos novos
procedimentos e aos internamentos curtos, que serão em maior número.
A abordagem endoscópica trouxe uma
melhoria indiscutível aos cuidados
médico-cirúrgicos, revelando um futuro
pleno de potencialidades. É uma dádiva
do nosso tempo que a endoscopia, uma
ideia antiga, se tenha instalado e desenvolvido, pelo que, no mínimo, temos a
obrigação de a respeitar.
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