ANÁLISE DAS DIFICULDADES VIVENCIADAS PELA COMISSÃO INTRA-HOSPITALAR DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS PARA TRANSPLANTE (CIHDOTT) NO PROCESSO DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS EM UM HOSPITAL DA REGIÃO NOROESTE DO RS MOURA, Joice Elisabete de1; SANTOS, Magda Lamaison2; SPANEVELLO, Diânata3 Resumo: O transplante de órgãos é um procedimento terapêutico que tem apresentado progressos há alguns anos, em decorrência do aprimoramento nas técnicas cirúrgicas, na conservação e armazenamento dos órgãos, da melhor compreensão científica para a manutenção do potencial doador, sobre imunologia e sobre imunossupressores. O conhecimento dos fatores que facilitam e dificultam a entrevista familiar para doação de órgãos e tecidos para transplante, pode instrumentalizar os profissionais e colaborar para o acréscimo de estratégias, a fim de aprimorar o processo de entrevista para doação. Para a resolução de conflitos, a análise ética dos fatos relacionados se faz necessária, para direcionar e sistematizar a tomada de decisão. O objetivo deste estudo foi analisar as dificuldades vivenciadas e a percepção dos profissionais que trabalham na Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) sobre os fatores que facilitam e dificultam a entrevista familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, vivenciando a experiência de compreender e aprofundar os conhecimentos a partir da interação entre a pesquisadora e a CIHDOTT. Com base nos resultados, conclui-se que o conhecimento dos conflitos éticos dos profissionais membros da CIHDOTT envolvidos no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante pode contribuir para reflexões e discussões acerca do tema, oferecendo para a equipe subsídios para entender e orientar a escolha da decisão a ser tomada. Abstract: Organ transplantation is a therapeutic procedure that has shown progress a few years ago, due to the improvement in surgical techniques, conservation and storage of organs, the better scientific understanding for the maintenance of the potential donor, immunology and on immunosuppressants. Knowledge of the factors that facilitate and hinder the family interview for organ donation for transplantation, can equip professionals and contribute to the increase of strategies in order to improve the interview process for donation. For conflict resolution, ethics analysis of related facts is necessary to direct and systematize decision making. The aim of this study was to analyze the difficulties experienced and the perception of professionals working in the Commission Intra Hospital Donation of Organs and Tissues for Transplantation (CIHDOTT) about the factors that facilitate and hinder the family interview in the process of organ and tissue donation for transplantation. It is a qualitative research, living the experience to understand and deepen the knowledge from the interaction 1 Enfermeira da Unidade de Terapia Intesiva - Hospital São Vicente de Paula – Cruz Alta, R.S, Brasil; [email protected] 2 Enfermeira do Centro Cirurgico - Hospital São Vicente de Paula – Cruz Alta, R.S, Brasil; [email protected] 3 Bolsista de Enfermagem da Unidade de Terapia Intesiva - Hospital São Vicente de Paula – Cruz Alta, R.S, Brasil; [email protected] between the researcher and the CIHDOTT. Based on the results, we conclude that the knowledge of ethical conflicts of the professional members of CIHDOTT involved in the organ donation process and tissue for transplantation can contribute to reflections and discussions on the subject, offering subsidies for the team to understand and guide the choice of the decision to be made. Palavras- Chave: Doação de Órgãos. Tecidos para Transplante. Comissão Intra-Hospitalar. Keywords: Organ Donation. Tissues for Transplantation. Commission Intra-Hospital. INTRODUÇÃO No Brasil, os transplantes de órgãos tiveram início na década de 1960, mas, segundo o Ministério da Saúde (MS), esse tratamento pouco se difundiu em razão da baixa sobrevida dos pacientes transplantados. No entanto, após 15 anos, a atividade ganhou importância com o desenvolvimento e criação de técnicas cirúrgicas, equipamentos de suporte, métodos de determinação de histocompatibilidade entre doador e receptor e, finalmente, com o advento dos fármacos imunossupressores. Por fim, esses procedimentos difundiram-se entre estabelecimentos hospitalares, aumentando a necessidade de regulamentação para a doação e transplante de órgãos. (KNOBEL, 2009). As atividades de transplantes no Brasil tiveram início na década de 1960; porém, só foram regularizadas de fato em 1997, com a Lei n. 9.434/1997 e o Decreto n. 2.268/1997, que regulamentaram as atividades de transplantes no Brasil e criaram o Sistema Nacional de Transplantes (SNT). (BRASIL 2007). A Lei n. 9.434/1997 foi responsável pela modificação do tipo de doação vigente no Brasil naquela época, que passou de doação consentida a presumida, ou seja, todos eram doadores a não ser que expressassem vontade contrária em documento de identificação (RG ou carteira nacional de habilitação – CNH). (BRASIL 2007). Essa medida causou certo desconforto na sociedade (população) e, em 2001, a doação voltou a ser consentida, ou seja, agora a doação de órgãos só é realizada com o consentimento familiar por escrito de parentes de primeiro ou segundo graus, na linha reta e colateral, ou de cônjuge. (BRASIL 2001). A obrigatoriedade de implantação de comissões para a doação de órgãos teve início em 2005, com a Portaria n. 1.752/2005, na qual ficou estabelecido que todos os hospitais com mais de 80 leitos seriam obrigados a instituir uma Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT). (BRASIL 2005). Ainda conforme Brasil (2005), neste ano a referida comissão deveria ser composta de pelo menos três membros, e o coordenador necessariamente deveria ter participado de um curso de formação de coordenadores intra-hospitalares de transplantes com certificado emitido pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT) ou pela Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) do Estado. No ano seguinte, a Portaria n. 1.262 aprovou o Regulamento Técnico para estabelecer as atribuições, os deveres e os indicadores de eficiência e o potencial de doação de órgãos e tecidos relativos às Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT). (BRASIL 2006). A autonomia da família deve ser respeitada, e todo familiar tem o direito de se posicionar em relação à doação, independentemente de sua posição está família deve ser respeitada e acompanhada para que possa melhor assimilar o luto. (PESSOA, 2013). De acordo com Santos e Massarollo (2011), a entrevista familiar é definida como uma reunião entre os familiares do potencial doador e um ou mais profissionais da equipe de captação, ou outro profissional treinado, a fim de obter o consentimento à doação. Como ressalta Pessoa (2013), o objetivo não pode ser somente a doação, há de se ter uma maior preocupação com a família que se encontra fragilizada e em um momento delicado e conflituoso desencadeado pelo processo de luto. Os esforços/atenção devem ser voltados para a família, mas não no sentido de convencimento, até mesmo porque a doação de órgãos não é uma tarefa de convencimento e sim de acolhimento. O processo de decisão familiar no momento da entrevista para solicitar a doação de órgãos e tecidos do familiar falecido transforma as relações da sociedade com o tema, porque o morrer passa a representar um novo paradigma sobre o valor do corpo, dado que uma doação pode salvar ou aumentar a sobrevida dos doentes. (ROZA et al., 2013). Para a resolução de conflitos, a análise ética dos fatos relacionados se faz necessária, além do conhecimento das teorias éticas, que direcionam e sistematizam a tomada de decisão. Diante do exposto, o conhecimento desses conflitos pelos membros da CIHDOTT envolvidos no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante pode contribuir para reflexões e discussões acerca do tema, oferecendo para a equipe de enfermagem subsídios para entender e orientar a escolha da decisão a ser tomada. O conhecimento dos fatores que facilitam e dificultam a entrevista familiar para doação de órgãos e tecidos para transplante, pode instrumentalizar os profissionais e colaborar para o acréscimo de estratégias, a fim de aprimorar o processo de entrevista para doação. O objetivo deste estudo foi analisar as dificuldades vivenciadas e a percepção dos profissionais que trabalham na Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) sobre os fatores que facilitam e dificultam a entrevista familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante. METODOLOGIA E/OU MATERIAL E MÉTODOS Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, vivenciando a experiência de compreender e aprofundar os conhecimentos a partir da interação entre a pesquisadora e a Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT). Segundo os objetivos propostos a pesquisa se caracteriza como descritiva, focando o local e período, a população e amostra, indicando-se também como foi realizada a coleta de dados, bem como a análise e interpretação dos dados, entre outros aspectos. A pesquisa descritiva, de acordo com Gil (2002, p.41), é definida como “aquela que busca descobrir relações entre variáveis ou simplesmente descrever características de um determinado fenômeno ou amostra”. Conforme Chizzotti (2001, p.52): O método qualitativo baseia-se em dados coligidos nas interações interpessoais, na co-participação das situações dos informantes, analisados a partir da significação que estes dão aos seus atos. O pesquisador participa, compreende e interpreta. Esta pesquisa foi desenvolvida em uma Instituição Hospitalar no Município de Cruz Alta – RS no período de janeiro de 2015 a abril de 2015. Os sujeitos da pesquisa foram 2 (duas) Enfermeiras, 1(uma) Psicóloga, 1(uma) Assistente Social, 2(dois) Médicos, que prestaram assistência a potenciais doadores na prática profissional, há pelo menos um ano, na Unidade de Terapia Intensiva adulto e integrantes da Comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e tecidos para transplante. Para obtenção dos depoimentos dos participantes do estudo, foi utilizada a seguinte questão norteadora: Análise das dificuldades vivenciadas pela Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) no processo de doação de órgãos em um Hospital da região Noroeste do Rio Grande do Sul. Os discursos foram analisados através da análise de conteúdo proposta por Bardin (2009) a qual pode ser conceituada de diferentes formas, considerando o assunto e a intencionalidade do autor que a desenvolve e tem por objetivo principal colocar em evidência indicadores que permitam inferir sobre uma outra realidade. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. RESULTADOS E DISCUSSÕES A partir dos dados obtidos com o questionário foi possível identificar e compreender e aprofundar os conhecimentos a partir da interação entre a pesquisadora e a Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) de Cruz Alta-RS e apresentado a seguir. O Coordenador relata que a data da criação da CIHDOTT no hospital foi em 16 de agosto de 2000 e a composição atual foi definida em 30 de maio de 2012, composta por médico coordenador, duas enfermeiras, um médico neurocirurgião, uma assistente social e uma psicóloga4. Quanto ao tempo em que atuam na profissão, os participantes relataram períodos entre 2 (dois) anos e 37 (trinta e sete) anos, além do que todos informaram atuar na referida Instituição Hospitalar, trabalhando cada um segundo a sua habilitação específica. Com relação às questões específicas do estudo, indagou-se inicialmente sobre como se inseriram na CIHDOTT em que atuam, obteve-se as seguintes respostas: “Devido à sua Profissão (Especialidade) por ser o profissional que faz os exames para detecção de morte encefálica.” (P1) “Através de convite da administração do hospital.” (P2) “Mediante atribuição de Psicóloga Clínica da Instituição.” (P3) 4 Para manter o sigilo quanto aos participantes desta pesquisa, os mesmos são identificados como P1, P2, P3, P4, P5 e P6. “Em torno de 2004, sendo chefe da UTI, tenho convívio com pacientes que apresentaram morte encefálica e potencial doador.” (P4) “Pela necessidade do profissional na equipe e geralmente sou responsável pela abordagem à família.” (P5) “Quando fui contratada pela instituição já foi como enfermeira da CIHDOTT, realizando a busca ativa e no centro cirúrgico.” (P6) É fundamental o profissional sentir-se qualificado para cuidar do paciente em ME, pois o conhecimento do processo e a execução adequada de suas etapas possibilitam a obtenção de órgãos e tecidos com mais segurança e qualidade, potencializando o diagnóstico de ME, a captação do órgão doado, o acondicionamento, o transporte até o local do transplante do órgão no receptor. (PESTANA, 2013). A segunda pergunta indagou Sobre a ocupação e atribuição na Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes e os entrevistados descreveram que cada componente atua na mencionada Instituição, de acordo com sua função. Na questão 3, perguntou-se como os profissionais do meio Hospitalar entendem o funcionamento da CIHDOTT, destacaram-se as seguintes respostas: “Pouca compreensão de como funciona a CIHDOTT, por parte dos profissionais da Instituição.”(P1). “Com resistência por muitos profissionais inclusive porque tem que lidar com o desenvolvimento da dor da perda e para não invadirem muito sobre a captação de órgãos.” (P2) “Percebo que o trabalho da CIHDOTT é visto somente, ou considerado existente, mediante o diagnóstico de médicos. Portanto, há carência de informações e orientações (entendimento) de que nosso trabalho é uma consequência de todos os processos e vivência que um paciente e seus familiares experenciaram na Instituição. Todos somos agentes institucionais e influenciamos direta ou indiretamente a doação ou a negativa familiar. Também vejo deficiência no entendimento e conhecimentos das atribuições, das etapas do protocolo e o desenvolvimento do trabalho do CIHDOTT.” (P3) A presença da CIHDOTT no hospital facilita a captação de órgãos, pois os profissionais encontram-se substancialmente inseridos em todo o processo, tendo o conhecimento necessário para a efetivação da doação. Embora preconizado pela Portaria GM/MS nº 1752, de 23 de setembro de 2005, que todos os hospitais com mais de 80 leitos devem constituir a Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT). Na sequência a pergunta 4 buscou identificar como o participante da comissão se prepara para entrevistar a família no pedido da doação de órgãos, constatando-se, entre outras, as seguintes respostas: “Encara-se a situação com respeito e naturalidade compreendendo a dor da perda da família.” (P1) “Sempre se faz uma reflexão da melhor maneira para dizer como aconteceu e as condições que levaram à morte encefálica e é um momento triste que a família está abalada e é preciso ter amor e carinho com as pessoas envolvidas.” (P4) “São vários os fatores que antecedem e auxiliam o pedido da doação: o acolhimento e acompanhamento destinado aos familiares de pacientes da UTI como possibilidade de vinculo, a relação equipe e familiares, humanização, construção e apoio aos familiares com maior vínculo com o paciente, certificação de que os familiares compreendem o diagnóstico de ME, conhecimento do histórico clinico do paciente, história pessoal e familiar, para possibilitar a evolução nas fases do luto, diminuir a tensão emocional e lavar o direito a doação se possível.” (P3) De acordo com Moraes (2009), um fator que exerce forte influência na decisão da doação é o processo para a solicitação de retirada dos órgãos, sendo ela a responsável pelo desfecho no processo de doação. É imprescindível que a mesma seja realizada por profissionais capacitados para tal momento, visto que, qualquer deslize poderá destruir toda uma intenção em autorizar a doação.” (BRITES, 2012, p. 20). Na questão 5 foi indagado sobre como o participante entende a reação dos familiares frente ao diagnóstico de Morte encefálica, verificando-se que: “Depende da relação que a família teve com este ente querido, desde desespero serenidade.” (P1) “Depende muito de como a família percebe o atendimento prestado ao seu familiar, se eles estão “satisfeitos” com atendimento prestado a reação e positiva, caso contrário, a negação é imediata.” (P6) “Há um desgaste emocional, mas percebo quando o processo se efetiva a sensação de de conforto por fazer o bem sem olhar a quem.” (P5) Segundo Kania (2006) deve-se permitir, e mesmo estimular, que os familiares se expressem por meio de perguntas, as quais devem ser respondidas honestamente, demonstrando que seus problemas são mais importantes do que qualquer órgão doado. Na questão seguinte (6) foi solicitado que o entrevistado descrevesse o que sente ao entrevistar a família enlutada pela morte encefálica, propondo a doação de órgãos: “Ambíguo, por um lado a dor da perda do familiar e por outro lado a potencialidade do doador que poderá melhorar a qualidade de vida de outra pessoa.” (P1) “Exige postura, respeito, empatia e acolhimento. Trata-se de levar à família o direito de doação, mas como consequência de um acolhimento da dor e angústia de uma perda...” (P3). “Há um sentimento de eu faria pela possibilidade de beneficiar pacientes em lista de espera, misturado com a tristeza que esse óbito representa para a família.” (P5) Estudo realizado por Araújo e Massarollo (2014) evidenciou que a dificuldade em aceitar a morte encefálica ocorre tanto para os profissionais médicos e de enfermagem, quanto para os familiares dos potenciais doadores. As dificuldades relatadas pela equipe multiprofissional durante o processo de doação estão relacionadas com a falta de conhecimento da equipe médica, principalmente na realização do protocolo de morte encefálica, e com a falta de comprometimento dos profissionais, levando ao descaso e a uma assistência não adequada ao paciente em morte encefálica. Os mesmos autores relatam que as dúvidas da equipe médica, de como e quando realizar os testes de morte encefálica, geram muitos conflitos, tanto para os familiares, pois a família é informada antes do diagnóstico, quanto para equipe de enfermagem que, após o fechamento do protocolo de morte encefálica, fazem questionamentos gerando incertezas e dúvidas. Essa situação é exacerbada, quando entre as equipes médicas existem diferenças de opiniões sobre o modo correto de fazer o protocolo. (ARAÚJO; MASSAROLLO, 2014). Para os mesmos autores, a resistência dos profissionais em iniciar o protocolo de morte encefálica, pela dificuldade em lidar com a morte e aceitar a morte encefálica, fazendo com que seja dificultada a comprovação. Essa situação, também é sentida no momento da entrevista com os familiares que demonstram dificuldade em aceitar a morte encefálica. Ainda considerando a percepção dos participantes do estudo, visou-se compreender no que implica a negativa familiar quanto à doação de órgãos? “Falta de informações da necessidade de pessoas que precisam de transplantes e nas discussões do desejo de ser um doador.” (P4) “Desconhecimento do processo de doação; atendimento recebido na Instituição; questões religiosas e questões familiares.” (P5) “Os principais estressores na negativa familiar são a notícia de morte encefálica com falta de esclarecimento sobe o estado do paciente ou dúvidas quanto ao diagnostico, insatisfação com o atendimento prestado a família e doador, medo e sensação de “assinar” a morte do doador”. (P3) “O desconhecimento do que é a morte cerebral e uma pequena parte as crenças religiosas”. (P1) Considerando a visão dos familiares Pestana (2002) ressalta que doar órgãos, mesmo as famílias contrárias ao processo de doação, tendem autorizá-la, respeitando a vontade do falecido que expressou em vida seu desejo de doar órgãos; verificando-se a importância de manifestar o desejo ou não de ser doador de órgãos e tecidos para a família. Importante lembrar que todo ser humano, em algum momento da vida irá conviver com os sentimentos provocados pela morte, mas os trabalhadores da área da saúde são os mais suscetíveis a esse evento, pois a morte, no cenário das instituições de atendimento à saúde, está constantemente presente, e esses profissionais enfrentam uma grande dificuldade em demarcar os limites entre o viver e o morrer. (PALÚ, LABRONCINI; ALBINI, 2004). Também quanto a isso, o estudo de Araújo e Massarollo (2014) ressalta que os profissionais manifestam sentimentos ambíguos, que se confrontam no cuidado com o potencial doador, pois ao mesmo tempo que reconhecem que a morte de uma pessoa possibilitará que outras continuem vivendo, consideram que, mesmo o cérebro não funcionando, o coração está batendo e a pessoa deve ser cuidada da mesma maneira como se ela estivesse viva. As situações que foram identificadas como conflito ético para os enfermeiros e podem interferir negativamente no processo de doação de órgãos são: a crença religiosa, a falha na comunicação, dificuldade de relacionamento interpessoal e a escassez de recursos humanos e materiais. Essas situações acarretam indiferença, descompromisso e insatisfação, prejudicando o desenvolvimento no trabalho. (ARAÚJO; MASSAROLLO, 2014). Segundo Roza (2010) outro relato importante sobre a recusa para a doação de órgãos é sobre o desejo dos familiares em que permaneça íntegro o corpo do paciente e a questão religiosa dos familiares em relação à doação de órgãos. Muitas são as divergências entre os religiosos na questão da doação de órgãos, mas é importante notar que nenhuma religião proíbe formalmente a doação ou o recebimento de órgãos ou é contra o transplante de doadores vivos ou falecidos. Por fim, perguntou-se como os profissionais envolvidos na equipe de Captação avaliam a CIHDOTT, identificando-se as seguintes indicações: “Acho que a comissão é atuante e participativa, porém não se envolve mais devido aos seus profissionais não disponibilizarem de tempo porque desempenham outras funções na Instituição.” (P1) “Avalio de forma positiva. Há interação, construção e entendimento de trabalho em equipe. Há troca e auxílio nas vivências e orientações quando necessário, fatores importantes e fundamentais para um trabalho multidisciplinar.” (P3) “Acredito que vem sendo desenvolvido um trabalho ético, de forma correta e com comprometimento.” (P5) “Acho que a comissão poderia ser mais ativa e presente na Instituição se tivesse profissionais exclusivos para isto, visto que desempenhamos outras funções na Instituição a CIHDOTT torna-se pouco atuante.” (P6) “A comissão intra hospitalar composta por assistente social, psicóloga, enfermeiras, tem uma participação ativa na busca de potenciais doadores, mas a necessidades de melhora na informação a nível de hospital e comunidade.” (P4) Os profissionais que atuam na comissão interligam-se àqueles que prestam atendimento direto ao paciente, pois estes são responsáveis em avisar a comissão da existência de um potencial doador na unidade onde trabalham. É considerado potencial doador qualquer pessoa com diagnóstico clínico de morte encefálica, em que contraindicações prévias tenham sido descartadas. (PESTANA, 2002). Estudo de Traiber e Lopes (2006) observou algumas dificuldades de certos profissionais em lidarem com o processo, tendo em vista que esta temática é bastante atual e específica, além de ser incipiente a busca e sistematização de conhecimentos sobre o assunto, o que resulta em desinformação. Segundo os mesmos autores (2006, p.180) “os profissionais da saúde têm papel importante na divulgação de informações sobre doação de órgãos, pois tem acesso a grande parte da população e causam impacto maior que outros meios de comunicação nas atitudes em relação à doação de órgãos”. A análise alcançou seu objetivo ao constatar as dificuldades vivenciadas e a percepção dos profissionais que trabalham na Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) em uma Instituição Hospitalar do interior do RS, considerando a entrevista familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante. CONSIDERAÇÕES FINAIS OU CONCLUSÃO Este artigo evidencia a importância da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes no cenário dos transplantes, considerando o entendimento dos profissionais que compõem a referida comissão de um hospital do interior do RS. A análise das respostas permite concluir que os componentes da Comissão se deparam com conflitos éticos na sua prática profissional durante processo de doação de órgãos. Por isso, é fundamental oferecer subsídios para que os profissionais busquem o aprimoramento de suas ações, podendo assim, potencializar a resolutividade dos conflitos éticos na doação de órgãos e tecidos para transplante. As dificuldades relatadas pela equipe multiprofissional durante o processo de doação de órgãos como falta de conhecimento do processo de doação e o que é a morte encefálica por parte da família, questão religiosa e um esclarecimento dos profissionais mais amplo para sanar as dúvidas quanto ao diagnóstico, confirmam os resultados de alguns estudos realizados. As pesquisas revelam que a falta de conhecimento sobre o processo de doação de órgãos tem um impacto negativo sobre as atitudes das pessoas, mesmo entre profissionais de saúde, acarretando na não identificação de potenciais doadores e resultando na não realização do protocolo de morte encefálica, evidenciada, na prática, pelas ações dos profissionais envolvidos. Considerando depender a doação exclusivamente de autorização familiar, mesmo com taxas de recusa consideradas aceitáveis, há necessidade de ampliar o debate sobre o tema; realizar campanhas para estimular e conscientizar a população, incentivar as pessoas a manifestarem seu desejo e discutir em família a decisão tomada. Frente à importância social que representa a doação de órgãos e tecidos, acredita-se que essas estratégias poderão contribuir para o aumento das doações, oportunizando um crescimento no número de transplantes, aumentando, assim, a sobrevida de milhares de pacientes que aguardam na fila por um transplante. Com a realização deste trabalho pode-se refletir sobre várias experiências de cunho teórico-prático que possibilitaram um crescimento profissional, propiciando também um crescimento pessoal, ao visualizar a dor e a esperança caminharem juntas num mesmo ato, e causarem sensações e significados tão distintos para cada um dos envolvidos. A temática da doação de órgãos e à área de transplantes são bem atuais, mas ao mesmo tempo proporcionadoras de uma autonomia e gratificação profissional muito grandes para o profissional inserido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ARAÚJO, Mara Nogueira de; MASSAROLLO, Maria Cristina Komatsu B. Conflitos éticos vivenciados por enfermeiros no processo de doação de órgãos. Acta Paul. Enferm, vol.27 no.3 São Paulo May/June 2014. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal; Edições 70, LDA, 2009. BRASIL. Decreto n. 2.268, de 30 de junho de 1997. Regulamenta a Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que trata sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União 1 jul 1997; (1):13739. BRASIL. Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. A lei dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. 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