PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS E SAÚDE AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE NÃO CITOTÓXICA DO VENENO DE BOTHROPS JARARACUSSU EM CÉLULAS MONONUCLEARES DO SANGUE PERIFÉRICO JOSÉ VITELIO RUIZ RIVERO GOIÂNIA-GO 2010 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS E SAÚDE AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE NÃO CITOTÓXICA DO VENENO DE BOTHROPS JARARACUSSU EM CÉLULAS MONONUCLEARES DO SANGUE PERIFÉRICO JOSÉ VITELIO RUIZ RIVERO ORIENTADORA: Profa. Dra. IRMTRAUT A. HOFFMANN PFRIMER CO-ORIENTADOR: Prof. Dr. JOSÉ RODRIGUES DO CARMO FILHO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais e Saúde. GOIÂNIA-GO 2010 ii R621a Ruiz Rivero, José Vitelio. Avaliação da atividade não citotóxica do veneno de Bothrops jararacussu em células mononucleares do sangue periférico / José Vitelio Ruiz Rivero. – 2010. xv, 97 f. : il. Bibliografia: p. 56-90 “Orientadora: Profa. Dra. Irmtraut A. Hoffmann Pfrimer”. “Co-orientador: Prof. Dr. José Rodrigues do Carmo Filho”. 1. Veneno ofídico. 2. Bothrops jararacussu – veneno – citotoxicidade.- sangue periférico. 3. Citotoxicidade. I. Título. CDU: 598.12:615.919(043.3) ...“Não temais questionar os dogmas estabelecidos, ousar o impossível e procurar o improvável. A natureza sempre recompensa e abre as portas de seus segredos mágicos ao mais ousado e imaginativo. Muito trabalho e dedicação, embora essenciais, não são o suficientes”... B. Benacerraf iii Este trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Cultivo Celular e Estudos com Venenos Ofídicos do Mestrado em Ciências Ambientais e Saúde da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, no Laboratório de Biossegurança Nível III do Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo (CEP 0308/2010). Contou com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq). iv DEDICATÓRIA Dedico este trabalho ao alicerce de todo ser humano: a família! Especialmente, À minha mãe Nancy e à minha irmã Raiza Pelo apoio e dedicação, Orientadoras na minha escola da vida; Pelo incentivo e perseverança Aos meus avôs Eloína e Vitelio Por ser para mim o mais belo exemplo de dedicação, sacrifício e intelectualidade e pelo estímulo à vida acadêmica. Ao meu pai Vitelio, pelo apoio e o ensino. Aos meus irmãos brasileiros Márcia e Eder Por ser simplesmente a mais alta expressão de amizade incondicional em todo momento À minha querida, Marla Simplesmente por existir em minha vida! v AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a ajuda de muitas pessoas, sem as quais o desenvolvimento desta pesquisa não poderia ter chegado ao fim. À Profa. Dra. Irmtraut Araci Hoffmann Pfrimer, pela credibilidade e confiança, pela diligência e apoio. Pelas, sempre frutíferas discussões, pelos conselhos e ensinamentos. Pelos exemplos de caráter, respeito e humildade. Ao Prof. Dr. José Rodrigues do Carmo Filho, pelo assessoramento e ajuda. À Fernanda Feitosa e Aislan Sena por estar sempre no meu lado nesta longa caminhada, por toda a dedicação, perseverança e por acreditar em nosso projeto de pesquisa. À Profa. Martha Magalhães do Centro de Pesquisa e Estudos Biológicos (CEPB) por ter cedido os venenos ofídicos, sem os quais a pesquisa seria impossível. Ao Prof. Dr. Luiz Mário Janini, pelas dicas e sugestões no Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo. À Profa. Dra. Cecília Sucupira pela atenção e pela valiosa ajuda no Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo. iivi Ao Prof. Dr. Ricardo Sohbie Diaz, pela gentileza e colaboração no desenvolvimento da segunda fase da pesquisa no Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo. Ao Prof. Dr. Celso Granato, pelo ensinamento e pelas sempre instrutivas e enriquecedoras discussões na área de virologia clínica. Aos amigos do Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) que compartilharam toda essa trajetória dissertativa: Michelle Camargo, Michel Soane, Mariana Leão de Lima, Maria Clara Bizinoto, Juliana Galinskas, Jean Zukurov, Wagner Alkmim e Rodrigo Cortés. À Daniela Braz dos Santos, pela cooperação e pelas valiosas informações sobre os venenos ofídicos. Ao Luciano Nunes da Silva e Carlos Eduardo Lopes por todo o apoio recebido no Mestrado em Ciências Ambientais e Saúde. Aos colegas do Núcleo de Estudo e Pesquisa Imunológica (NEPY) da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) pelas doações de amostras para a separação celular, e pelo apoio constante nas distintas fases da pesquisa: Arthur Antonucci Vieira Morais, Alan Rodrigo Apio, Flávio Cavalcante de Assis, Eliabe Lopes Cavalcante, Maryanne Mota de Faria e Larissa Viandeli. Muito obrigado! iii vii RESUMO Os venenos ofídicos são recursos biológicos de importante valor farmacológico. Além do número pequeno de drogas antivirais, numerosos patógenos desenvolvem mecanismos de escape à ação das drogas, resultando no crescimento das taxas de resistência. Foi demonstrado que biomoléculas contidas nos venenos ofídicos apresentam alto valor terapêutico, que poderiam ser usadas como agentes antimicrobianos. O objetivo desta pesquisa é avaliar a atividade não citotóxica do veneno bruto isolado da Bothrops jararacussu em células mononucleares do sangue periférico. Nessa pesquisa foram separadas células mononucleares de doadores sadios. Após ativação das células com fitohemaglutinina e interleucina-2 foram adicionadas diferentes concentrações do veneno para avaliar sua atividade não citotóxica. O veneno na concentração de 0,05 µg/mL não apresentou citotoxicidade, entretanto foi citotóxico nas concentrações de 5 e 0,5 µg/mL. Nosso estudo abre caminho para novas pesquisas voltadas para a identificação das atividades antimicrobianas dos venenos brutos e suas frações. Palavras chave: Venenos ofídicos, Bothrops jararacussu, citotoxicidade, células mononucleares do sangue periférico. iv viii ABSTRACT Snake venoms are biological resources of great pharmaceutical value. Besides presenting a small number of antiviral drugs, a large amount of pathogens develop mechanisms which escape from the action of the drugs, thus causing the growth of resistance. It was demonstrated that biomolecules contained in venoms have high therapeutic values which could be used as antimicrobial agents. The objective of this research is to evaluate the non cytotoxic activity which was isolated from the venom of Bothrops jararacussu in peripheral blood mononuclear cells. In this research, mononuclear cells were separated from healthy donors. After the activation of the cells with phytohemagglutinin and interleukin-2, different concentrations of the poison were added in order to evaluate its non cytotoxic activity. The concentration of the venom at 0.05 mg/mL showed no cytotoxicity, but at 5 and 0.5 mg/mL it was cytotoxic. Our study opens the way to further researches which aim to identify the antimicrobial activities of crude venoms and their fractions. Keywords: Snake venoms, Bothrops jararacussu, cytotoxicity, peripheral blood mononuclear cells. vix SUMÁRIO DEDICATÓRIA ....................................................................................................... i AGRADECIMENTOS ............................................................................................. ii RESUMO............................................................................................................... iv ABSTRACT............................................................................................................ v SUMÁRIO ............................................................................................................. vi LISTA DE FIGURAS ........................................................................................... viii LISTA DE ABREVIATURAS................................................................................. ix 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1 1.1 Características das Serpentes ......................................................................... 2 1.2 A Glândula de Veneno ..................................................................................... 4 1.3 Características Gerais dos Venenos de Serpentes .......................................... 6 1.4 Componentes dos Venenos do Gênero Bothrops ............................................ 7 1.4.1 Metaloproteases ............................................................................................ 8 1.4.2 Serinoproteases ............................................................................................ 9 1.4.3 Fosfolipases ................................................................................................ 10 1.4.4 Desintegrinas .............................................................................................. 11 1.4.5 Peptídios Biologicamente Ativos ................................................................. 12 1.5 Resistência Microbiana .................................................................................. 14 1.5.1 Resistência Bacteriana ................................................................................ 14 1.5.2 Resistência Viral.......................................................................................... 16 1.5.3 Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) ................................................... 20 1.6 Venenos de Serpentes como Antimicrobianos ............................................... 22 1.6.1 L-Amino Ácido Oxidase (LAO) .................................................................... 23 1.6.2 Fosfolipase A2 (PLA2) .................................................................................. 24 1.6.3 Crotaminas .................................................................................................. 24 1.6.4 Venenos Ofídicos com Atividade Antibacteriana ......................................... 25 1.7 Venenos Ofídicos e Antivirais......................................................................... 27 1.7.1 Venenos Ofídicos com Atividade Anti-HIV .................................................. 29 2. OBJETIVOS ..................................................................................................... 34 2.1 Objetivo Geral ................................................................................................ 34 2.2 Objetivos Específicos ..................................................................................... 34 vi x 3. MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................... 35 3.1 Padronização da Quantidade de Fitohemaglutinina (PHA) e Interleucina-2 (IL2) Ideal para Utilização no Cultivo Celular ...................................................... 36 3.2 Extração de Venenos ..................................................................................... 37 3.3 Casuística....................................................................................................... 37 3.4 Obtenção de Células Mononucleares de Sangue Periférico para Cultivo Celular............................................................................................................. 37 3.5 Protocolo para a Proliferação de Linfócitos por Mitógeno .............................. 38 3.6 Prova de Viabilidade Celular .......................................................................... 38 3.7 Condições de Cultivo de Células Mononucleares do Sangue Periférico sem e com Veneno .................................................................................................... 39 3.8 Ensaios de Citotoxicidade .............................................................................. 39 3.9 Análises de Dados ......................................................................................... 40 4. RESULTADOS ................................................................................................. 41 4.1 Associação Intra e Inter-observador da Contagem de Leucócitos de Amostras de Sangue Periférico. ..................................................................................... 41 4.2 Avaliação da Separação de Células Mononucleares (CMN) em Meio Gradiente de Densidade (Ficoll-paque) .......................................................... 43 4.3 Avaliação da Concentração Ideal de Fitohemaglutinina e Interleucina – 2 (IL2). .................................................................................................................... 44 4.4 Avaliação da Atividade Não Citotóxica do Veneno de Bothrops jararacussu.. 45 5. DISCUSSÃO .................................................................................................... 47 6. CONCLUSÕES ................................................................................................ 55 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 56 APÊNDICE ........................................................................................................... 91 ANEXOS .............................................................................................................. 95 vii xi LISTA DE FIGURAS FIGURA 01: Fluxograma das atividades padronizar a obtenção realizadas com intuito de de células mononucleares do sangue periférico (CMN) para cultura celular (pág. 31) FIGURA 02: Fluxograma das atividades realizadas para avaliar a concentração não citotóxica do veneno bruto para as CMN (pág. 32) FIGURA 03: Associação intra-observador da contagem de células/mm3 (pág. 37) FIGURA 04: Associação inter-observador (1 e 2) da contagem de células/mm3 (pág. 38) FIGURA 05: Variação inter-observador (1 e 3) da contagem de células/mm3 (pág. 38) FIGURA 06: Atividade citotóxica de diferentes concentrações do veneno de Bothrops jararacussu para CMN nos tempos 0, 24, 48 e 72 horas (pág. 41) viii xii LISTA DE ABREVIATURAS AMPs Peptídeos antimicrobianos Anti-HBc Anticorpos contra o antígeno “core” da Hepatite B Anti-HCV Anticorpos contra o vírus da hepatite C Anti-HIV-1 Anticorpo contra o vírus HIV-1 Anti-HIV-2 Anticorpo contra o vírus HIV-2 Anti-HTLV-1 Anticorpos contra o vírus linfotrópico humano tipo 1 Anti-HTLV-2 Anticorpos contra o vírus linfotrópico humano tipo 2 BBPs Peptídeos potenciadores de bradicinina bp Pares de bases CEPB Centro de Estudos e Pesquisas Biológicas CHO-K1 Células de ovário de hamster chinês CMN Células Mononucleares do Sangue Periférico CMN/mL Células Mononucleares do Sangue Periférico por mililitro CO2 Dióxido de carbono CXCR4/CCR5 Co-receptores celulares para ligação do HIV DENV-3 Vírus da Dengue tipo 3 DNA Ácido desoxirribonucléico ECA Enzima Conversora de Angiotensina gp41 e gp120 Glicoproteínas do envelope do HIV g/L Gramas por Litro h Hora HBs-Ag Antígeno de superfície do Vírus da hepatite B (Hepatitis B surface antigen) ixxiii HIV Vírus da Imunodeficiência Humana (Human Immunodeficiency Virus) IL-2 Interleucina 2 kDa kilodaltons LAO Enzima L-Amino Ácido Oxidase mL Mililitro mM Milimolar PBS Salina Tamponada-Fosfato PEP-E Polipeptído E pH Potencial hidrogeniônico PHA Fitohemaglutinina PLA2 Fosfolipase A2 PLA2-Cdt Fosfolipasa isolada do veneno de Crotalus durissus terrificus PPO3 Polipeptído O3 PUC-GO Pontifícia Universidade Católica de Goiás RNA Ácido ribonucléico rpm Rotações por minuto RPMI Meio de Cultura Celular que leva as iniciais do instituto onde foi desenvolvido (Roswell Park Memorial Institute) SFB Soro Fetal Bovino SIV Vírus de Imunodeficiência Símia (Simian Immunodeficiency Virus) SVMPs Metaloprotease de veneno de serpente (Snake venom metalloproteases) TCLE Termo de Consentimento de Livre Esclarescimento UI Unidade internacional xxiv U/mL Unidade por mililitro VDRL Teste não treponêmico de diagnóstico da sífilis (Venereal Disease Research Laboratory) µg/mL Micrograma por mililitro µL Microlitro % Por cento 0 Grau Celsius C xi xv 1. INTRODUÇÃO A natureza durante milhares de anos tem sido uma importante fonte de medicamentos, entre os quais, substâncias extraídas das plantas e substâncias produzidas por vertebrados constituem uma rica fonte de moléculas bioativas com importantes atividades farmacológicas (Newmann et al., 2003; Viegas et al., 2006). A rica biodiversidade brasileira é considerada importante fonte de riqueza, pois abriga pelo menos 14 % das espécies do planeta. Isto confere ao país uma vantagem competitiva imensa em relação a outros países com menor biodiversidade, principalmente em um século onde a biotecnologia desempenhará um papel importante na economia global (Levinshon & Prado, 2005). O Brasil ocupa a segunda colocação na relação de países com maior riqueza de espécies de répteis; ficando atrás apenas da Austrália com 864 espécies registradas (Wilson & Swan, 2008). Além da enorme diversidade de espécies de ofídios que caracteriza nosso país, mais de um terço da nossa fauna de répteis é endêmica, ou seja, só ocorre em território brasileiro (Martins & Barros, 2008). No Brasil, existem 24 espécies de serpentes pertencentes ao gênero Bothrops (Junqueira, 2005) e as pesquisas com venenos da cobra Bothrops jararacussu são escassas. As serpentes do gênero Bothrops são responsáveis por cerca de 85 a 90% do total de acidentes ofídicos que ocorrem no país (Rosenfeld, 1971; Ferreira et al., 1992 e Ribeiro et al., 1993) o que as tornam, assunto de grande interesse nas pesquisas. 1 1.1 Características das Serpentes As serpentes, conhecidas também como ofídios, são animais vertebrados que compõem a ordem Squamata, subordem Ofidia, e Classe Reptilia. No mundo, existem aproximadamente 2900 espécies ofídicas, distribuídas entre 465 gêneros e 20 famílias. No Brasil estão representadas 9 famílias, 75 gêneros e 321 espécies. Estes animais apresentam como características morfológicas e fisiológicas, corpo alongado, coberto por escamas e sem membros locomotores. Não possuem ouvido externo, os sons são transmitidos por vibrações do maxilar e do crânio, sua língua é bífida e transporta informações químicas para o órgão de Jacobson, o qual se localiza na zona anterior do palato, desempenhando função semelhante ao olfato. Os órgãos internos dos ofídios são como os dos demais vertebrados, porém apresentam formato alongado (Hoge & Romano-Hoge,1979; Arnold, 1983; Pough & Groves, 1983). Os ofídios ocupam quase todos os tipos de ambientes do globo terrestre, com exceção das calotas polares, onde as baixas temperaturas impedem a sobrevivência de animais ectotérmicos. Pode-se encontrá-los tanto no meio aquático, em ambientes marinho e dulcícula, quanto no meio terrestre, ocupando os habitats arborícolas, terrestres ou fossoriais (Zug et al., 2000). Algumas serpentes são consideradas venenosas ou peçonhentas, pois possuem glândulas secretoras de veneno localizadas de cada lado da cabeça, recobertas por músculos compressores e conectadas, através de ductos, às presas inoculadoras de veneno. Estas presas têm tamanho diferenciado dos demais dentes e podem estar localizadas nas porções anterior ou posterior da boca. Muitas espécies de animais são capazes de produzir soluções tóxicas, mas 2 nem todas são capazes de inocularem. Os animais venenosos são aqueles que secretam alguma substância tóxica. Animais que, além de produzirem veneno, possuem estruturas especializadas (espinhos, ferrões, dentes) para inoculá-lo, são chamados de peçonhentos (Zug et al., 2000). As serpentes peçonhentas pertencem à superfamília Colubroidea e estão classificadas em quatro famílias, a saber: Colubridae (1600 espécies, presentes em todos os continentes, exceto na Antártica), Elapidae (250 espécies, todos os continentes, exceto Antártica), Atractaspidae (60 espécies encontradas na África e Ásia), Viperidae (200 espécies, ausentes na Austrália e Antártica); no continente americano são representadas por víboras com fossetas nasais termorreceptoras (Junqueira, 2005), sendo estas últimas de maior importância médica. A esse grupo pertence a espécie objeto deste estudo e, portanto, será detalhada abaixo. Todas as espécies da família Viperidae são capazes de inocular veneno com extrema eficiência, pois apresentam um aparato de captura com maior desenvolvimento. Sua dentição é solenóglifa (presas são retráteis), e se localizam na porção frontal do maxilar, contendo ductos, funcionando como uma espécie de agulha hipodérmica o que permite que a picada ocorra mesmo através de tecidos muito espessos (Junqueira, 2005). Esta família é dividida em duas subfamílias: Viperinae e Crotalinae. Os espécimes pertencentes à Subfamília Viperinae são chamados de víboras verdadeiras. Abundantes na África, sudoeste asiático, presentes também na Europa e não estão presentes nas Américas (Zug et al., 2000). Os membros da Subfamília Crotalinae têm como principal característica morfológica a presença de fossetas loreais, órgão especializado na localização da presa através de 3 pequenas vibrações de temperatura detectadas no ambiente por dois orifícios localizados entre os olhos e as narinas (Junqueira, 2005). Dentro da Subfamília Crotalinae existem três gêneros que juntos são responsáveis pela grande maioria de acidentes ofídicos no Brasil: gênero Lachesis, Crotalus e Bothrops. O gênero Lachesis (Sururucus) é representado por uma única espécie (Lachesis muta) no Brasil, apresenta espinhos na região posterior da cauda e é a maior serpente venenosa das Américas. O gênero Crotalus (Cascavéis) está composto por cinco espécies no Brasil e apresentam um chocalho na ponta de sua cauda como principal característica. O gênero Bothrops (Jararacas) está constituído por 24 espécies e são responsáveis por cerca de 90% dos acidentes em todo o Brasil (Junqueira, 2005). A Bothrops jararacussu, serpente cujo veneno é o centro de nossa pesquisa, pertence a este gênero. 1.2 A Glândula de Veneno As glândulas de veneno são tecidos altamente especializados que possuem uma grande capacidade de produção, armazenamento e secreção desta substância. Este tecido pode ser considerado o mais especializado em termos de expressão de proteínas (toxinas) com uma função particular, já que a contribuição dos transcritos relativos à produção de toxinas em relação ao transcriptoma total das células da glândula é cerca de 56% de todos os mensageiros (Junqueira-deAzevedo & Ho, 2002). O veneno é o mais concentrado fluido produzido, armazenado e secretado por um organismo vertebrado, possuindo de 18 a 52% de massa seca, enquanto que o suco gástrico, por exemplo, possui de 0,5 a 1% (Vogt et al., 1989). Acredita- 4 se que durante o processo evolutivo das serpentes peçonhentas parte do aparelho digestório, principalmente as glândulas salivares e trato pancreático, tenha se diferenciado num tecido especializado quase que exclusivamente na produção de veneno a partir do aparelho digestório (Boisbouvier et al., 1998), no qual a saliva e outras secreções gástricas vieram a fornecer as bases para a formação do veneno, o que torna o epitélio das glândulas de veneno um tecido de características muito particulares. A produção de toxinas na glândula de veneno está condicionada aos níveis estocados no lúmen glandular, ou seja, é regulada pelo estado de atividade da serpente, sendo a síntese do veneno induzida pela inoculação ou esvaziamento da glândula (Bdolah, 1979) e, como em outros epitélios, acredita-se que este processo de secreção seja diretamente regulado por íons de cálcio (Peters & Mayer, 1998). Também foi observado que a proporção de grânulos de secreção celular no epitélio é pequena em relação aos níveis esperados para este tecido, já que representa apenas 4% do volume celular (Oron & Bdolah, 1978). Este fato sugere que as proteínas são rapidamente sintetizadas e secretadas para o lúmen onde são armazenadas (Junqueira, 2005). A alta especialização da glândula de veneno no gênero Bothrops é representada por uma expressão intensa de um pequeno número de famílias de proteínas (metaloproteinases, serinoproteinases, fosfolipase A2 (PLA2), lectinas e outras) e também por uma grande diversidade de toxinas expressas em menor quantidade (fatores de crescimento de nervos, RNAses e outros), o que contribui para complexidade protéica do veneno. 5 O fato de existirem transcritos variados é esperado, já que numerosos estudos propõem a ocorrência de processos acelerados de evolução em venenos de muitas espécies de Viperidae (Fry et al., 2003), o que contribui para a diversidade de toxinas encontradas. A variedade de proteínas, enzimas, e peptídeos biologicamente ativos encontrados no veneno representa de 90 a 95% do constituinte total e, provavelmente, é responsável pela totalidade dos efeitos biológicos gerados. Esta diversidade de proteínas relatadas é, em geral, resultado de genes parálogos que se duplicaram e passaram por um processo acelerado de evolução (Nakashima et al., 1993; Nakashima et al., 1995; Deshimaru et al., 1996). 1.3 Características Gerais dos Venenos de Serpentes Os venenos ofídicos são usados tanto no mecanismo de defesa como de ataque. Eles contêm componentes direcionados para imobilização e morte de suas presas bem como para facilitar o processo de digestão (Hider et al., 1991). Estes venenos são uma complexa mistura de substâncias, em sua maioria de natureza protéica, que podem interferir bruscamente na homeostase, atuando em diversos processos fisiológicos. De modo geral são constituídos de neurotoxinas, cardiotoxinas (citotoxinas), miotoxinas e fatores que alteram a hemostase (incluindo as hemorraginas) (Mendez & Riet-Correa, 1995). Dentre as proteínas consideradas não tóxicas, estão as lectinas, fatores de crescimento de nervos, fatores de crescimentos de vasos endoteliais e enzimas com pouca ou nenhuma toxicidade, como a catalase, desidrogenase láctica, alanina amino-transferase, lisofosfolipase, fosfatase alcalina, fosfodiesterase, desoxiribonuclease, ribonuclease I, amilase, heparinase e NAD-nucleosidase. 6 Dentre os componentes não protéicos encontramos os aminoácidos, aminas biogênicas, carboidratos, lipídeos, nucleotídeos, riboflavina, ácidos orgânicos, íons e uma grande quantidade de agentes quelantes de metal como citrato (Meier et al., 1995; Odell et al., 1998; Odell et al., 1999). Nem todas as proteínas listadas acima estão presentes qualitativamente no veneno de diferentes espécies e podem variar bastante no veneno de indivíduos da mesma espécie devido a fatores como distribuição geográfica, sazonalidade, habitat, dieta, idade e dimorfismo sexual (Chippaux et al., 1991). Apesar dos acidentes ofídicos poderem ser mortais, os venenos são recursos biológicos que contém vários componentes de potencial valor terapêutico. Os venenos foram usados no tratamento de uma variedade de condições fisiopatológicas, na homeopatia e medicina popular. Com o advento da biotecnologia, a eficácia de tais tratamentos foi confirmada por meio de purificação de componentes e delineando suas propriedades terapêuticas (Koh et al., 2006). A partir da obtenção inicial do captopril, o primeiro inibidor da enzima conversora de angiotensina (ECA), obtido do veneno da Bothrops jararaca até a aplicação recente de desintegrinas para o tratamento do câncer, os vários componentes do veneno nunca falharam em revelar novas propriedades (Koh et al., 2006), confirmando o grande potencial terapêutico das frações (Weber et al., 2006). 1.4 Componentes dos Venenos do Gênero Bothrops Os venenos dos ofídios do gênero Bothrops contêm uma mistura complexa de proteínas com e sem atividade enzimáticas, proteínas de pequena massa molecular e peptídeos, com atividades químicas e biológicas distintas. Sua 7 composição, em geral, contém hialuronidase, que explica a rapidez da absorção pelo aumento da perfusão através dos tecidos; hemotoxinas e citolisinas, que causam inflamação local, necrose e dano ao epitélio vascular; fosfolipase A2 e esterase, que alteram a permeabilidade da membrana e liberam histaminas e bradicininas. O veneno possui, também, ação proteolítica ou necrosante, coagulante, hemorrágica e nefrotóxica (Mendez & Riet-Correa, 1995). Estas características estão de modo geral associadas a determinadas famílias protéicas que serão caracterizadas de acordo com as atividades enzimáticas desempenhadas. 1.4.1 Metaloproteases As metaloproteases são hidrolases do tipo endopeptidases que dependem da ligação de um metal, geralmente o zinco, em seu sítio catalítico, para a manifestação de suas atividades enzimáticas. Essas proteínas variam amplamente quanto à filogenia e função sendo encontradas desde bactérias até mamíferos. As metaloproteases de veneno de serpente (SVMPs) compreendem um grupo de enzimas que faz parte da superfamília conhecida como metzincinas que possui o motivo “Met-turn” que se caracteriza pela presença de uma metionina em volta da estrutura terciária localizada na porção C-terminal do motivo de zinco (Birkedal-Hansen, 1995). Nos venenos do gênero Bothrops estas enzimas são os principais fatores hemorrágicos causadores dos mais drásticos efeitos provocados pelo veneno e, por isso, são geralmente chamadas de fatores hemorrágicos (Junqueira, 2005). O mecanismo pelo qual a hemorragia é desencadeada no local da picada tem participação de dois eventos que parecem estar fortemente relacionados: a 8 degradação enzimática da membrana basal e também o efeito direto sobre as células endoteliais dos capilares (Haiti et al., 1999; Gutierrez & Rucavado, 2000). No que se refere à degradação enzimática da membrana basal, sabe-se que as toxinas hemorrágicas, em geral, representadas pelas metaloproteinases, possuem uma afinidade específica por proteínas presentes na matriz extracelular, como por exemplo, o colágeno tipo IV e a laminina, degradando-os (Rucavado et al., 1995; Rucavado et al., 2002). A destruição da membrana basal e da matriz extracelular leva a um consequente descolamento e lise das células endoteliais dos capilares, resultando na morte destas células e no extravasamento de plasma e de células sanguíneas para o tecido conectivo, caracterizando um tipo de hemorragia per rhexis ou ruptura (Gutierrez & Rucavado, 2000). No entanto o potencial hemorrágico das metaloproteinases varia conforme a estrutura destas toxinas (Lu et al., 2005). De modo geral metaloproteases clivam, preferencialmente, a região Nterminal de resíduos hidrofóbicos e em alguns casos sofrem autólise gerando peptídeos não ativos, o que parece ser uma forma de controle pós-traducional alternativo para a atividade enzimática. Em sua maioria são mais ativas entre pHs neutros e levemente básicos e podem sofrer uma redução de até 100 vezes na atividade proteolítica quando o pH varia de 7,5 para 5,0 como, por exemplo, no caso da acutolisina A (Zhu et al.,1997). 1.4.2 Serinoproteases As serinoproteases são enzimas capazes de hidrolisar ligações peptídicas utilizando mecanismos covalentes de catálise, através de uma tríade de resíduos formada por histidina, ácido aspártico e serina (His, Asp e Ser). A organização 9 desses resíduos em uma conformação espacial da proteína gera um sítio catalítico muito bem caracterizado, que define esse grupo de proteases. As serinoproteases desempenham papel fundamental em diversos mecanismos nos seres vivos como a digestão de proteínas da dieta alimentar (tripsina), participam da cascata de coagulação sanguínea e em algumas vias de sinalização para diferenciação e desenvolvimento celular (Perona & Craik, 1997). Elas são produzidas como zimogênios inativos e, por proteólise, fazem com que o sitio ativo adquira a conformação catalítica eficiente (Serrano & Maroun, 2005). As serinoproteases presentes nos venenos botrópicos são caracterizadas principalmente como enzimas com atividade do tipo trombina e de maneira geral afetam a cascata de coagulação pela ativação dos componentes sanguíneos envolvidos na coagulação, fibrinólise e agregação plaquetaria e também pela degradação proteolítica das células, causando um desequilíbrio no sistema hemostático da presa (Serrano & Maroum, 2005). De maneira resumida, a trombina libera os fibrinopeptídeos A e B do fibrinogênio convertendo-o a fibrina que, por sua vez, é estabilizada pelo fator XIII ativado. A trombina também intervém no processo hemostático, agindo como ativadora de componentes da cascata de coagulação, tais como, dos fatores V e VII (Murayama et al., 2003). 1.4.3 Fosfolipases As fosfolipases (PLA2) são proteínas importantes em uma série de atividades celulares, já que hidrolizam fosfolipídeos de membrana, gerando precursores de mensageiros como prostaglandinas, tromboxanas, leucotrienos e outros importantes mediadores de fenômenos fisiológicos envolvidos, principalmente, em processos inflamatórios (Oka & Arita, 1991). 10 As PLA2 são particularmente abundantes nos venenos do gênero Bothrops (Moura-da-Silva et al., 1991; Toyama, 2004) possuindo como atividades, além da função de hidrólise de fosfolipídio, efeitos cardiotóxicos, anticoagulante, antiplaquetário, hemolítico, inflamatório, miotóxico e neurotóxicos. Estas atividades estão geralmente associadas ao fato delas afetarem a integridade da membrana plasmática das células e também a integridade de vasos e artérias. A atividade destas enzimas depende da presença de íons cálcio e está ligada à interação com grandes agregados lipídicos na presença de água, o que permite a difusão do substrato para o sítio ativo (Vishwanath et al., 1987; Lu et al., 2002). Os venenos botrópicos apresentam isoformas de PLA2 com atividade miotóxica. Algumas destas miotoxinas não apresentam atividade enzimática de PLA2 (Gutierrez & Lomont, 1995). Estudos feitos com fosfolipases miotóxicas demonstraram que, mesmo após a atividade fosfolipásica ter sido inibida, ocorriam danos musculares e citólise. Uma das hipóteses sugeridas para o mecanismo de ação das fosfolipases miotóxicas carentes de atividade enzimática é de que estas moléculas interagem com as membranas biológicas através de uma região molecular diferente do sítio catalítico. Esta região é formada provavelmente pela combinação de aminoácidos básicos e hidrofóbicos próximos da região C-terminal da proteína, permitindo interações eletrostáticas na bicamada lipídica (Gutierrez & Lomont, 1995). 1.4.4 Desintegrinas As desintegrinas são proteínas de baixo peso molecular, ricas em pontes dissulfeto, que contêm uma sequência formada por arginina, glicina e ácido aspártico (Arg-Gly-Asp) em seu sítio ativo. As desintegrinas clássicas se ligam 11 através desta sequência as integrinas (receptores da superfície celular), como exemplo temos a jarastatina encontrada no veneno de Bothrops jararaca e insularina no veneno de Bothrops insularis. Entre as principais desintegrinas já identificadas nos venenos bothrópicos, encontra-se a jararagina-C, uma proteína de 28 kDa que corresponde aos domínios desintegrina e rico em cisteína da jararagina, uma metaloproteinase isolada de Bothrops jararaca. Esta desintegrina, que possui a capacidade de inibir a agregação plaquetária induzida por colágeno e por adenosina difosfato (Silva et al., 2003) está constituída por ácido glutâmico, cisteina e ácido aspártico (Glu-Cys-Asp) (Junqueira, 2005). 1.4.5 Peptídios Biologicamente Ativos Existem diversos peptídeos biologicamente ativos isolados de venenos de serpentes e, de modo geral, eles podem apresentar neurotoxicidade (Francischetti et al., 1997; Fry & Wuster, 2004), cardiotoxicidade (Satora et al., 2003; Tsetlin & Hucho, 2004) e inibição da atividade plaquetária (Fry & Wuster, 2004; Soares et al., 2005). Os mais conhecidos e bem caracterizados são os peptídeos potenciadores de bradicinina (BPPs), primeiramente descritos no veneno de B. jararaca (Ferreira et al., 1970) e agora reconhecidos em venenos de vários viperídeos. Esses peptídeos apresentam tamanhos variados, mas todos possuem um resíduo piroglutâmico no N-terminal e uma estrutura rica em prolinas. O precursor dos BPPs de jararaca foi o primeiro a ser descrito pela clonagem do seu cDNA e revelou uma estrutura atípica que apresenta as sequências de 7 BBPs alternadas por sequências espaçadoras idênticas que se repetem entre os peptídeos (Murayama et al., 1997). A atividade anti-hipertensiva dos BPPs já foi demonstrada tanto em modelos animais como em humanos e está diretamente 12 envolvida com a inibição da enzima conversora de angiotensina, a sua descoberta foi essencial para o desenvolvimento de drogas usadas para o tratamento de hipertensão humana. As lectinas do tipo C estão presentes em venenos de todas as famílias ofídicas. Algumas das lectinas de veneno são capazes de se ligar a carboidratos (Brinkhous et al., 1983). Porém, muitas outras parecem ter perdido essa propriedade e são chamadas lectin-like, apenas por conservarem características estruturais em comum com as lectinas “verdadeiras”. Essas proteínas dependentes de cálcio são divididas em dois grupos, com o domínio completo (grupo I) e incompleto (grupo II) de reconhecimento de carboidratos. Possuem aproximadamente 130 aminoácidos por subunidade e massa molecular de 30 KDa, podendo apresentar variáveis conteúdos de glicosilação. Em um mesmo veneno, o número de diferentes lectinas é grande e o número de subunidades é ainda maior (Zingali et al., 1993; Castro et al., 1998). Essas moléculas podem ser encontradas em diversos venenos, como exemplos temos a botrocetina, proteína ligadora de glicoproteína e inibidores de trombina (Zingali et al., 1993; Castro et al., 1998). As lectinas tipo C, símile de venenos de serpentes, se ligam a uma ampla variedade de fatores de coagulação, outras proteínas importantes na hemóstase e receptores de plaqueta, o que evidencia fortemente que elas apresentam mais de um sítio de interação e que podem interagir com mais de um receptor/proteína (Junqueira, 2005). 13 1.5 Resistência Microbiana 1.5.1 Resistência Bacteriana As infecções causadas por bactérias multi-resistentes, na maioria das vezes, estão associadas com infecções adquiridas no ambiente hospitalar, gerando impacto sócio-econômico devido ao prolongamento do período de hospitalização, ao aumento da morbi-mortalidade e custos decorrentes da necessidade de maior número de exames subsidiários, uso de medicamentos coadjuvantes e necessidade de antibióticos mais potentes, mais tóxicos e mais caros (Jones, 1996a; Jones, 1996b; Travers & Barza, 2002; Marra et al., 2006). Tal situação pode ser agravada pelo fato das bactérias multi-resistentes expressarem mais de um mecanismo de resistência, o que limita as opções terapêuticas e agrava o quadro clínico (Jacoby & Archer, 1991; Gold, 1996). Por outro lado, com a crescente prevalência de bactérias multi-resistentes, sobretudo em Unidades de Terapia Intensiva e a emergência de resistência em microrganismos que causam infecção comunitária, bem como o aparecimento de novos mecanismos de resistência em espécies que até então não os expressavam, demanda o desenvolvimento de novos e mais potentes agentes antimicrobianos (Gales et al., 2003; Sader et al., 2005). A emergência de resistência bem como das doenças infecciosas, é uma consequência frequentemente associada a mudanças sociais, tecnológicas, uso abusivo e desnecessário de antibióticos, automedicação, uso de desinfetantes na rotina doméstica, uso em grande quantidade de antibióticos para promover crescimento animal, uso de doses sub-terapêuticas de agentes antimicrobianos e as próprias condições ambientais favorecem a propagação de bactérias multi- 14 resistentes (Okeke et al., 1999; Tong & Rothwell, 2000; Russel, 2000; Rebuck et al., 2000). Diversos estudos já demonstraram o quanto estes microrganismos tornamse resistentes em tão curto espaço de tempo. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), de Atlanta, Estados Unidos, as infecções hospitalares causadas por microorganismos resistentes aumentaram dramaticamente na década de noventa e, quando comparados aos últimos cinco anos, para estas observou-se um aumeto de 89% de Pseudomonas aeruginosa resistente a quinolonas, 55% de Enterococcus resistentes à vancomicina, 30% de Staphylococcus aureus resistente à meticiclina e Pseudomonas aeruginosa resistente a imipenem (Murthy, 2001; Pinheiro et al., 2008). A síntese de diversos antimicrobianos no passado contribuiu para o tratamento de infecções causadas por bactérias resistentes, entretanto, nos dias atuais, as bactérias se tornaram mais resistentes aos agentes antimicrobianos como resultado de mudanças cromossomais, ou pela troca de material genético via plasmídios ou transposons. Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes, e Staphylococcus, organismos causadores de infecções respiratórias e cutâneas, e membros das famílias Enterobacteriaceae e Pseudomonas, organismos que causam diarréia, infecção urinária e sepsis são agora resistentes a maioria dos antibióticos mais antigos. Este fato pode ser confirmado pelo crescimento da prevalência da resistência microbiana aos diferentes grupos de drogas, tanto no ambiente hospitalar quanto no comunitário (Knothe et al., 1983; Jones, 1996a). Estas alterações no perfil de suscetibilidade dos microrganismos responsáveis pelas infecções em seres humanos começaram a ser observadas 15 após a introdução da penicilina na prática clínica, ocorrida no ano de 1940 (Jones & Pfaller, 1998; Sader, 2000). A resistência bacteriana aos antimicrobianos disponíveis comercialmente tornou-se um problema de interesse mundial uma vez que a disponibilidade de novas drogas antimicrobianas ativas contra bactérias multi-resistentes reduziu drasticamente, enquanto que a prevalência de patógenos multi-resistentes causando infecções em humanos tem crescido rapidamente (Sader, 2000). Outro problema que tem se tornado extremamente importante em nosso meio é a resistência aos β-lactâmicos mediada pela produção de β-lactamase de espectro ampliado (ESBL). Essas β-lactamases são produzidas por espécies muito frequentes no ambiente hospitalar, como Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis e mais raramente Enterobacter spp, e degradam todos os β-lactâmicos com exceção os carbapenens, as cefalosporinas de quarta geração e as cefamicinas (Bush et al., 1995). A prevalência de amostras produtoras dessas enzimas varia muito de região para região, mas alguns estudos mostram que as taxas mais elevadas são encontradas no Brasil e em outros países da América Latina (Gales et al., 1997; Diekema et al., 1999; Carmo Filho, 2003). 1.5.2 Resistência Viral Os vírus, parasitas intracelulares obrigatórios, também desenvolveram mecanismos de adaptação e resistência às drogas. Estes patógenos necessitam amplamente dos recursos oferecidos pelas células para se propagarem. Esse relacionamento íntimo fez com que os vírus desenvolvessem inúmeras 16 estratégias de convívio e escape das defesas do hospedeiro (Galinskas & Janini, 2007). A evolução dos vírus RNA sofre a influência de três fatores. O primeiro fator é o fato de que os vírus RNA possuem as taxas de mutação mais elevadas na natureza, na ordem de 10-3 a 10-5 por nucleotídeo por ciclo de replicação (Drake, 1993; Domingo & Holland, 1997), o que significa dizer que pode existir a incorporação de um nucleotídeo errado a cada mil ou cem mil bases copiadas. Os outros dois fatores são representados pelos fatos de que os vírus RNA possuem um tempo de geração curto e de que são capazes de constituírem populações virais de tamanho muito grande (Farell & Davis-Poynter, 1998; Wilson et al., 1999). Estes fatores quando combinados, contribuem para que exista um passo evolutivo acelerado em populações de vírus RNA. As altas taxas de incorporação de erros inerentes à replicação dos vírus RNA se devem à ausência de atividades revisoras das enzimas RNA polimerase e transcriptase reversa viral. Embora a maioria das mutações produzidas durante o ciclo replicativo viral possua um efeito negativo na capacidade adaptativa do vírus, mutantes que contenham mutações vantajosas se replicam mais eficientemente que os genomas contendo mutações deletérias criando um equilíbrio seletivo. Um equilíbrio como este, advindo da contínua geração de mutantes replicando sob forças seletivas positivas e negativas que agem no conjunto das unidades replicativas como um todo, leva à geração de uma população viral, composta por um número alto de genomas únicos, porém relacionados. Esta população embora dinâmica é altamente organizada (Domingo et al.,1978; Domingo et al., 2001; Janini, 2006). 17 A base molecular da extrema variabilidade dos retrovírus, como o vírus da imunodeficiência humana (HIV), é o fato de sua enzima transcriptase reversa não possuir a propriedade de correção durante o processo de replicação viral, propriedade esta comum à DNA-polimerase de outros organismos. Esta ausência de correção resulta em uma taxa de erro na incorporação de nucleotídeos, a taxa de erro das DNA polimerases está em torno de 10-8 substituições/sítio/ciclo de replicação. No caso do HIV-1, o seu genoma, com aproximadamente 10 mil pares de bases, a cada ciclo de replicação adquire em média uma substituição de nucleotídeos (Overbaugh, 2001). Considerando-se que, a cada dia, são produzidas em média milhares de novas partículas virais (Markowitz et al., 2003), é possível imaginar-se a imensa diversidade potencialmente gerada durante o longo curso da infecção. Os vírus com genoma grande de DNA que se replicam no núcleo da célula puderam, durante a sua evolução, levar vantagem baseados no tipo de ácido nucléico do seu genoma e local de replicação para “adquirir” genes do hospedeiro e então mimetizar, bloquear e/ou de outra maneira regular a chave dos processos celulares. Os vírus RNA com replicação citoplasmática são incapazes de alcançar diretamente genes do hospedeiro. Portanto, tiveram que desenvolver outras estratégias de fuga. As estratégias de fuga de “replicação errônea”, empregadas pelos vírus RNA, acabaram por sobrecarregar o sistema imunitário do hospedeiro por estarem continuadamente criando novos determinantes antigênicos virais (Chaston & Lidbury, 2001). Dentre as estratégias desenvolvidas pelos vírus para escapar do efeito do sistema imunitário encontra-se um processo denominado pirataria molecular, onde os vírus codificam sua própria versão viral de proteínas celulares. A pirataria 18 molecular favorece o escape viral às pressões imunes do hospedeiro. Durante o processo de pirataria viral, os vírus frequentemente integram partes do genoma do hospedeiro em seu próprio genoma ou criam seus próprios genes que são similares aqueles do hospedeiro (Nevins & Vogt; 1996; Tyler & Fields, 1996; Poeschla & Wong-Staal, 1997; Flaitz & Hicks; 1998). Além dos erros na incorporação de nucleotídeos, um processo conhecido como recombinação homóloga também contribui para a variabilidade genética de vírus como o HIV-1. Durante a transcrição reversa, a enzima transcriptase reversa pode “pular” de uma fita de RNA para outra, produzindo uma fita de DNA viral que contém segmentos dos dois RNA iniciais (Hu & Temin, 1990). Entretanto, para que a recombinação contribua substancialmente para a geração de diversidade, é necessário que as duas fitas de RNA encontradas em uma partícula viral sejam distintas uma da outra, ou seja, é necessário que, anteriormente, tenha ocorrido a produção de genomas virais “heterozigotos”. Por sua vez, a formação de genomas “heterozigotos” depende de que, em algum momento, uma única célula do hospedeiro tenha sido infectada simultaneamente por duas variantes do vírus (Hu & Temin, 1990; Janini et al., 1998). Uma consequência da complexidade de populações virais como as encontradas nos hospedeiros do HIV-1 é que estas populações são capazes de responder rápida e eficientemente às perturbações do ambiente onde se replicam, porque oferecem um grande espectro de mutantes sobre os quais a seleção natural pode atuar. Quando existem alterações no ambiente, por exemplo, pela administração de drogas antivirais, a presença de um ou mais mutantes mais aptos a replicar neste novo meio faz com que a população derivada desses mutantes ganhe aptidão e aumente suas chances de sobreviver. No caso do HIV19 1, a pressão seletiva exercida constantemente pelo sistema imunitário resulta na adaptação do vírus a novas células-alvo e na manutenção de uma infecção persistente (Overbaugh, 2001). 1.5.3 Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) Fatores como migrações, destruição e colonização de ambientes naturais, falta de infraestrutura sanitária, crescimento populacional desordenado, entre outros tantos, têm influenciado no surgimento e disseminação de várias doenças (Hill et al., 1997; Stearns, 1999; Leal & Zanoto, 2000), e um exemplo típico é a disseminação do HIV. Introduzido na espécie humana no início do século XX na região de Kinshasa, República Democrática do Congo (Worobey et al., 2008) o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) ganhou força epidêmica a partir do final da década de 70. Foi demonstrado que os dois vírus encontrados em humanos são mais relacionados, cada um a Vírus de Imunodeficiência Símia (SIV) distintos, sugerindo que possuíam origens evolutivas diferentes (Gao et al., 1999; Santiago et al., 2002). A epidemia do HIV é também representada pela presença de variantes virais as quais estão classificadas em linhagens genéticas distintas. O HIV está dividido em HIV-1 e HIV-2. O HIV-2 é um vírus cuja maioria das suas infecções está circunscrita pelo continente africano e possuem geralmente um melhor prognóstico clínico representado por cargas virais menores e uma maior preservação do sistema imunitário. O HIV-1 é o principal vírus responsável pela pandemia e pode por sua vez ser classificado em três grupos; M, N e O. O grupo M que contém as variantes responsáveis pelo avanço da epidemia está dividido 20 em nove subtipos filogenéticos. Essas linhagens genéticas, também referidas como subtipos, são representadas pelas letras A-D, F-H, J, e K (Thomson et al., 2002). Aproximadamente 85% das infecções no Brasil são atribuíveis ao subtipo B, seguidos pelo subtipo F (20%) e C (5%) (Schor et al.; 2004). Além dos subtipos, têm sido identificadas na epidemia 48 formas recombinantes do HIV (HIV Sequence Database, 2010). As formas recombinantes circulantes são genomas virais recombinados capazes de se estabelecerem em uma população de indivíduos infectados possuindo, portanto um “status” epidêmico e podendo desta forma influenciar a disseminação e evolução da epidemia (Kandathil et al.; 2005). Embora um estudo publicado recentemente pelo New England Journal of Medicine mostre que a quimioprofilaxia antirretroviral com emtricitabina e tenofovir disoproxil (FTC-TDF) oferece proteção contra a aquisição da infeção pelo HIV (Grant et al., 2010), as drogas disponíveis, até o presente, não produziram supressão total da replicação viral. O uso dessas drogas, por longo prazo, ocasiona efeitos colaterais adversos resultando na pouca aderência terapêutica. Vários estudos tem buscado avaliar estratégias terapêuticas alternativas (Peçanha et al., 2002). Frente ao crescimento das taxas de resistência dos vírus aos antivirais existentes, é urgente que se minimize o processo evolutivo desta resistência por meio de medidas efetivas de controle de infecção, uso racional de antivirais bem como a identificação de novas moléculas presentes na natureza que tenham potente atividade contra estes agentes infecciosos (Almeida et al., 2009). O desenvolvimento de drogas terapêuticas, a partir do final do milênio, trouxe uma melhora significativa na compreensão dos mecanismos da ação e da 21 relação de importantes moléculas biológicas, no que se refere a sua estruturafunção (Matos, 2007). Nas últimas décadas importantes aportes têm sido realizados por cientistas a partir dos componentes de venenos de animais, e em especial dos venenos ofídicos. Com a descoberta por Rocha e Silva nos anos 40 da bradicinina, substância derivada de venenos ofídicos e precursora dos antihipertensivos inibidores da ECA como o captopril, iniciou-se uma nova etapa na pesquisa e procura de biomoléculas com grande potencial terapêutica. Algumas pesquisas já demonstraram que componentes de venenos ofídicos têm potente ação antiviral, entretanto estudos envolvendo ofídios brasileiros são pouco relatados (Ferreira, 1965). 1.6 Venenos de Serpentes como Antimicrobianos Peptídeos antimicrobianos (AMPs) têm sido estudados por décadas, e estão envolvidos na resposta imune inata, sendo considerada como a primeira linha de defesa em muitos organismos incluindo plantas, insetos, bactérias e vertebrados (Broekaert et al., 1997; Bulet et al., 1999; Metz-Boutigue et al., 2003). Como efetores da imunidade inata, os AMPs eliminam diretamente uma grande variedade de microrganismos, inclusive bactérias Gram-positivas e Gramnegativas, fungos e alguns vírus. Além disso, interagem com o próprio organismo ativando eventos que complementam sua atividade antibiótica (Gallo et al., 2002). O primeiro AMP foi isolado da traça Hyalophora cecropia por Steiner et al. (1981), que a denominou de cecropina, e, até o momento, cerca de 700 peptídeos antimicrobianos já foram identificados (Ganz, 2003; Perez-Trallero & Iglesias, 2003), incluindo as de bactérias (Chopra et al., 2002), fungos (Nishikawa & 22 Ogawa, 2004), anfíbios (Vanhoye et al., 2003), peixes (Noga & Silphaduang, 2003), insetos (Gobbo et al., 2002) e mamíferos (Rozek et al., 2000). Os AMP, geralmente têm cerca de 5 kDa, com aminoácidos de caráter hidrofóbico, e apresentam uma larga margem de atividade antimicrobiana contra bactérias, fungos ou parasitas, agindo através de sua inserção pela membrana ou através de sua ligação com receptores de membrana, sendo bastante promissoras para o desenvolvimento de antibióticos, especialmente para o tratamento de microrganismos multi-resistentes (Ganz, 2003). As infecções por bactérias resistentes e novas formas recombinantes de vírus se tornam mais comuns a cada dia, por isso precisa-se procurar por outras variantes antimicrobianas efetivas e onde os venenos ofídicos e suas frações representam uma importante alternativa. Estudos envolvendo ofídios brasileiros são pouco relatados. Assim, tanto as proteínas quanto os peptídeos isolados de venenos ofídicos desta região, podem constituir uma alternativa na obtenção de antimicrobianos. 1.6.1 L-Amino Ácido Oxidase (LAO) Skarnes (1970) foi um dos primeiros a mostrar os efeitos antimicrobianos induzidos pela Enzima L-Amino Ácido Oxidase (LAO) isolada do veneno total de Crotalus adamanteus. Stiles et al. (1991) também mostraram que duas LAO isoladas do veneno total de Pseudechis australis mostraram uma forte atividade antimicrobiana tanto contra as bactérias Gram-positivas como Gram-negativas. Há alguns anos Tempone et al. (2001) mostraram que a LAO do veneno de Bothrops moojeni destruíram promastigotas de Leishmania spp “in vitro” e mostraram uma possível ação terapêutica contra a leishmaniose e outros 23 parasitas. Nessa pesquisa a atividade leishmanicida está associada à produção de peróxido de hidrogênio (H202). Experimentos mostraram que a catalase inibiu significativamente o efeito leishmanicida da LAO de Bothrops moojeni. Desta forma a atividade enzimática desta proteína pode ser extremamente importante para a atividade antibacteriana (Tempone, 1999). 1.6.2 Fosfolipase A2 (PLA2) Buckland & Wilton (2000) fizeram uma correlação entre o aumento da expressão das PLA2 secretórias do grupo II (presentes nos venenos de serpentes crotálicas e vipirídicas e nas células humanas) com a progressão de infecções. Contudo a importância desta enzima no combate às infecções só foi claramente estabelecida com sua caracterização estrutural e molecular. Existem vários tipos de peptídeos antibacterianos produzidos por vertebrados. Estes têm, na membrana bacteriana, seu principal sítio de atividade (Granz & Lehre, 1998). As PLA2 secretórias classe II mostraram, devido à capacidade de hidrólise da membrana, habilidade de penetração de Staphylococcus aureus, o que foi confirmado por estudos de cinética enzimática realizados com Micrococcus leteus (Buckland & Wilton, 2000). Estes também evidenciaram que essa atividade foi capaz de reduzir significativamente a sobrevivência das bactérias, pelos danos causados à integridade da membrana. Trabalhos realizados por Qu & Lehrer (1998), comprovaram que a atividade antibacteriana era dependente da atividade enzimática das PLA2. 1.6.3 Crotaminas As crotaminas, além de sua atividade miotóxica, também promovem a liberação de histamina em mastócitos, o que poderia explicar sua atividade 24 analgésica. Foram recentemente descritos que seus efeitos estão relacionados à dose e ao tempo de exposição, podendo ser 30 vezes mais potente que a morfina (Mancin et al., 1997; Mancin et al., 1998). A crotamina possui grande semelhança molecular com -defensinas. Siqueira et al. (2002) mostraram que a crotamina possui estrutura secundária e terciária semelhante às -defensinas. A atração eletrostática e a interação hidrofóbica, incluindo hormônios e peptídeos citolíticos, são responsáveis por promover os estágios iniciais de adesão a polipeptídeos ativos de membrana incluindo hormônios e peptídeos citolíticos (Nicastro et al., 2003). Provavelmente o efeito antibacteriano da crotamina poderia estar relacionado à presença de cargas positivas, presentes em sua estrutura molecular. Vários trabalhos mostram que peptídeos catiônicos apresentam alta afinidade por lipopolissacarídeos, os quais são os principais componentes da membrana externa de bactérias Gram-negativas. Apesar da crotamina ser descrita como neurotoxina, Nicastro et al. (2003) mostraram que ela apresenta grande semelhança estrutural com as antimicrobianos produzidos naturalmente -defensinas, que são peptídeos por animais. Estes peptídeos caracterizam-se pela presença de três pontes dissulfeto e de vários resíduos de aminoácidos básicos. 1.6.4 Venenos Ofídicos com Atividade Antibacteriana As serpentes apresentam grande quantidade de bactérias patogênicas na cavidade oral e em seus dentes, no entanto, o envenenamento apresenta baixa incidência de infecções bacterianas, o que pode indicar a presença de moléculas antimicrobianas nos venenos, protegendo-as, assim, durante a alimentação 25 (Talan et al., 1991). Os primeiros estudos mostraram que o veneno de serpentes da família Viperidae tem ação contra espécies de Sarcina (Glaser, 1948), e que Naja spp. e Hemachatus haemachatus apresentavam uma proteína básica de baixa massa molecular com atividade lítica ou citotóxica (Aloof-Hirsch et al., 1968). Ambos venenos, foram capazes de romper as membranas fosfolipídicas de Staphylococcus aureus e E. coli. Stocker & Traynor (1986) descreveram efeitos inibitórios dos venenos de Naja naja soutratrix, Vipera russelli e Crotalus adamanteus em Escherichia coli. Stiles (1991) identificou em 30 diferentes venenos de serpentes asiáticas, africanas, australianas e norte-americanas importante atividade antibacteriana. Skarnes (1970) descreve que a enzima L-aminoxidase do veneno de Crotalus adamanteus tem ação sobre bactérias Gram-positivas. A mesma enzima do veneno Agkistrodon halus atua inibindo a atividade de E.coli e S.aureus (Yan et al., 2000), e a encontrada no veneno de Bothrops alternatus inibe Pseudomonas aeruginosa (Stabely et al., 2004) e a de Trimerusurus jerdoni age inibindo a atividade de Bacilus megaterium (Lu et al., 2002). LAO1, uma Laminoxidase encontrada no veneno de Psedechis autralis, é cerca de 70 vezes mais eficiente que a tetraciclina contra Aeromonas (Stiles et al., 1991). In vitro, a L-aminoxidase de B. moojeni, provoca a morte em diferentes espécies de Leishmania, podendo assim atuar como agente terapêutico contra leishmaniose e também outras infestações intracelulares provocadas por parasitas (Tempone et al., 2001). Duas fosfolipases isoladas do veneno de Bothrops asper, agem de forma direta tanto em bactérias Gram-positivas como Gram-negativas. Um dos homólogos Lys49PLA2 é cataliticamente inativo, mostrando que esta atividade é 26 independente da atividade bactericida (Páramo et al., 1998). Em Bothrops jararacussu, miotoxinas do tipo I e II, apresentam atividade antimicrobiana contra Xanthomonas axonopodis. pv. Passiflorae (bactérias Gram-negativas) (Barbosa et al., 2005). Os peptídeos antimicrobianos são considerados uma promissora alternativa contra o crescente número de bactérias resistentes aos antibióticos atuais. No entanto, estes peptídeos encontram como limitação o fato de apresentarem alta toxicidade (Zasloff, 2002). Em geral, peptídeos com um ou mais resíduos de triptofano são altamente hemolíticos, sugerindo que a alta hidrofobicidade destes peptídeos interagem tanto em membranas de seres procariotos como também em eucariotos (Hancock & Scott, 2001). Santamaría et al. (2005) sintetizaram 10 variações de peptídeos antimicrobianos provenientes da serpente B. asper e constataram que substituições de tirosina por triptofano aumentam a potencia anti-bacteriana contra bactérias Gram-positivas (S. aureus) e Gram-negativas (Salmonella typhimurium) e reduzem a ação citolítica. Recentemente, alguns trabalhos demonstraram atividade do veneno de várias serpentes como Crotalus adamanteus, Oxyuranus microlepidotus, Bungarus candidus, Hyrophis cyanocinctus, Naja naja naja, Notechis aterater, Naja sumatrana, Naja kaouthia com atividade sobre bactérias Gram-positivas e negativas (Perumal et al., 2006; Radis-Baptista et al., 2006; Nair et al., 2007). 1.7 Venenos Ofídicos e Antivirais As biomoléculas que constituem os venenos apresentam grande potencial terapêutico. Os venenos de serpentes são uma mistura de proteínas, peptídeos (90-95%), incluindo, também, aminoácidos livres, nucleotídeos, lipídeos, 27 carboidratos e elementos metálicos ligados a proteínas (5%). Estes componentes podem apresentar diferentes atividades biológicas que afetam variados processos fisiológicos como a neurotransmissão, sistema complemento e a homeostase, mas também podem apresentar efeitos antigênicos (Tu, 1988; Stocker, 1990; Mion et al., 2002; Gornitskaia et al., 2003; Teixeira et al., 2003; Lewis & Gutmann, 2004). Estudos publicados nos últimos anos informam a identificação frações de venenos ofídicos com efeito antiviral (Borkow & Ovadia, 1999; Fenard et al., 2001; Petricevich & Mendoça, 2003; Zhang et al., 2003; Villarrubia et al., 2004; RadisBaptista et al., 2006; Perumal et al., 2006; Nair et al., 2007; Shivaji, 2007; Sant´Ana et al., 2008). Frações não citotóxicas do veneno da Crotalus durissus terrificus apresentaram potente ação inibitória da replicação do vírus do sarampo em células Vero (Petricevich & Mendoça, 2003). Uma pesquisa feita utilizando quatro citotoxinas isoladas do veneno ofídico da espécie Naja nigricollis mostrou uma destruição seletiva de células infectadas com o vírus Sendai (Borkow & Ovadia; 1999). As LAOs são flavoenzimas que apresentam atividade antiviral contra o vírus da Dengue obtidas do veneno da Bothrops jararaca. Em um estudo recente, células infectadas com o vírus da dengue tipo 3 (DENV-3), e tratadas com LAO isolada do veneno de Bothrops jararaca mostraram uma diminuição da carga viral quando comparadas com células infectadas com o mesmo vírus e não tratadas com enzimas do veneno (Sant´Ana et al.; 2008). 28 1.7.1 Venenos Ofídicos com Atividade Anti-HIV As atividades farmacológicas do veneno de serpentes são complexas e ainda existe pouco conhecimento sobre os mesmos. Os mecanismos da ação dos venenos de cobra contra o HIV são mediados através de vários níveis, como homologia estrutural, interferência de ligação (receptor/enzima), catalisador ou inibidor da atividade por meio de enzimas, e indução/interação ao nível da membrana (Ramachandran et al., 2009). A entrada do HIV nas células é mediada através da ligação da glicoproteína do envelope-gp120 (Kwong et al., 1998). Há uma notável similaridade entre a sequência de 164-174 do segmento curto da gp120 do HIV-1 e os resíduos 30-40 do aminoácido da cadeia longa das neurotoxinas do veneno de serpentes como a Naja naja siamensis e a Bungarus multicinctus (Neri et al., 1990; Sönnerborg & Johansson, 1993). Assim, ambos podem competir pelo mesmo receptor ou sítio de ligação do HIV. A “Immunokine”, um derivado oxidado da alfa-toxina, extraído da cobra Naja naja siamensis, tem se monstrado inibidora da infecção de linfócitos pelo HIV e vírus da imunodeficiência felina (FIV), através dos receptores das quimiocinas CCR5 e CXCR4 (Shivaji, 2007). Desde sua descoberta em 1996, os dois principais co-receptores (CCR5 e CXCR4) utilizados pelo vírus da imunodeficiência humana 1 (HIV-1) para entrar nas células humanas, tem sido objeto de numerosos artigos científicos (Moore et al., 2004; Murray et al., 2010). Os venenos ofídicos contém inibidores de metaloproteases (Fernard et al., 1999; Da Silva et al., 2007) que poderiam impedir a produção de novos vírus através da inibição das enzimas proteases. 29 O HIV infecta as células CD4 do corpo humano e insere o seu próprio código genético no DNA da célula. Em seguida, células CD4 sintetizam o novo material genético e as proteínas virais. Os inibidores da protease são utilizados para bloquear a enzima protease e impedir a célula de produzir novas partículas virais (De Souza, 2005). A L-aminoxidase (LAO), obtida a partir do veneno da víbora asiática Trimeresurus stejnegeri, foi purificada e clonada em concentrações que mostraram pouco efeito sobre a viabilidade celular. Entretanto a LAO exibiu inibição da infecção e da replicação do HIV-1 dependente da dose. Este é o primeiro relato da potencial atividade antiviral mostrada pela LAO extraída a partir de venenos de serpente (Zhang et al., 2003). A LAO, presente no veneno da Trimeresurus stejnegeri (Zhang et al., 2003), Crotalus atrox e Pseudechis australis (Du & Clemetson, 2002), inibe a infecção e a replicação do HIV através do antígeno p24 em uma forma dependente da dose (Zhang et al., 2003). A presença do antígeno p24 está diretamente relacionada com a carga viral (Brown et al., 1995). Além da ligação da proteína da membrana celular, o peróxido de hidrogênio (H2O2), um radical livre do oxigênio, poderia inibir a infecção e a replicação do HIV, melhorando ainda mais a atividade antiviral. Em contraste, a catalase utiliza o H2O2 como substrato degradando-o e assim reduz a atividade antiviral (Zhang et al., 2003). Recentemente, alguns estudos com venenos de várias serpentes, como as Crotalus adamanteus, Oxyuranus microlepidotus, Bungarus candidus, Hyrophis cyanocinctus, Naja naja naja, Notechis aterater, Naja sumatrana e Naja kaouthia mostraram atividade contra o HIV (Radis-Baptista et al., 2006; Perumal et al., 2006; Nair et al., 2007). A LAO é também um importante componente do veneno 30 de cobra Rhodostoma calloselasma, que induz apoptose celular e apresenta atividade antibacteriana e anti-HIV (Moustafa et al., 2006). Outro exemplo da atividade anti-HIV das biomoléculas extraídas dos venenos é a fosfolipase A2 (PLA2). Essa fosfolipase tem sido associada com uma variedade de efeitos biológicos, embora não tenha nenhum efeito sobre a ligação do vírus às células, nem sobre a formação de sincícios. Entretanto, evita através de um mecanismo não conhecido, a liberação intracelular da proteína do capsídeo viral, sugerindo que as mesmas bloqueiam a entrada do vírus nas células antes e independentemente do uso do co-receptor. A atividade antiviral parece envolver uma interação específica da PLA2 com as células hospedeiras. Uma pesquisa desenvolvida com 12 peptídeos sintéticos derivados da PLA2, contida em venenos, apresentou atividade contra o HIV. O peptídeo p3bv bloqueia a ligação do HIV-1 às células T, pois se liga ao receptor CXCR4 (Fernard et al., 2001). Desta forma, as partículas virais não são capazes de se ligarem às células e transcorrido um determinado período de tempo tornam-se inviáveis ao não conseguirem se multiplicar. Em uma pesquisa desenvolvida por Villarrubia, a crotoxina, fosfolipase isolada do veneno de Crotalus durissus terrificus (PLA2-Cdt), apresentou atividade contra o HIV in vitro. O efeito anti-HIV da PLA2-Cdt (inibição de gp24) decorre provavelmente da sua capacidade de desestabilizar alguns receptores de ligação (heparanos) (Villarubia et al., 2004). As quimiocinas e seus derivados formam uma classe de inibidores do HIV e poderiam ser potenciais agentes terapêuticos (Howard et al., 1999). Estes fatores são capazes de competir com a glicoproteína (gp120) do envelope viral para se ligar ao receptor (Chan & Kim, 1998; Berger et al., 1999). Peptídeos e 31 pequenas moléculas tem sido previamente descritos por sua capacidade de bloquear a entrada do HIV através de ligação com o CXCR4 (Doranz et al., 1997; Murakami et al., 1997; Schols et al., 1997). O Celsentri é um medicamento antirretroviral usado no tratamento da infecção pelo HIV-1. Sua substância ativa é o maraviroque, membro da classe terapêutica conhecida como antagonistas do CCR5. O Celsentri impede a entrada do HIV-1 nas células CD4 ou células T, que são atacadas pelo HIV. O Celsentri age bloqueando a interação com a proteína gp120 (Pugach et al., 2008). Alguns venenos agem de forma semelhante ao maraviroc e apresentam atividade antiHIV. Um estudo desenvolvido por Shivaji, (2007) revelou a presença de peptídeos não tóxicos derivados do veneno de alguns ofídios como o polipeptídio O3 (PPO3) e que inibem a infecção por HIV bloqueando os co-receptores CCR5 e CXCR4. Em outro estudo o peptídeo p3bv bloqueia a ligação do HIV-1 às células T, ligando-se ao co-receptor CXCR4 (Fenard et al., 2001). Desta forma, se a partícula viral não consegue se ligar a um dos co-receptores (CCR5/CXCR4) ou a ambos não poderá inserir seu material genético na célula alvo, e transcorrido um período de tempo a partícula viral se torna inviável (Moore et al.; 2004). Têm sido demonstrado que venenos ofídicos têm efeitos benéficos no tratamento de determinadas doenças, incluindo drogas resistentes à infecção pelo HIV (Ramachandran et al., 2009). Embora tenham ocorrido alguns avanços na elaboração de drogas antirretrovirais, tornando as infecções por HIV até certo ponto clinicamente controláveis, e vários progressos tenham sido alcançados na tentativa de elaboração de vacinas, ainda não existe um medicamento que possa eliminar o HIV nem uma vacina capaz de prevenir a infecção. 32 Se compararmos os estudos envolvendo venenos de ofídios brasileiros com pesquisas realizadas em outras regiões do planeta com menor biodiversidade, exemplo a China, podemos perceber que as pesquisas brasileiras ainda são poucas, e em quantidade ainda menor quando relacionadas às atividades antimicrobianas dos venenos. Durante o desenvolvimento desse trabalho realizamos uma revisão na literatura científica das atividades biológicas dos componentes do veneno de Bothrops jararacussu cujo resultado está representado a seguir. Componente do Veneno Atividade biológica Referência bibliográfica Fosfolipases A2 Atividade hipotensora (Ferreira et al., 1992 & Gutiérrez et al.,1995) Fosfolipases A2 Atividade anticoagulante (Roberto et al., 2004) Fosfolipases A2 Atividade bactericida contra E.coli e Staphylococcus aureus. (Roberto et al., 2004) Fosfolipases A2 Lectinas Efeito antitumoral sobre adenocarcinoma de mama, leucemia T humana e tumor ascítico de Erlich. Efeito antitumoral sobre Tumores renais e pancreáticos (Roberto et al., 2004) (Pereira-Bittencourt et al., 1999) Quadro 1. Atividades biológicas dos componentes do veneno de Bothrops jararacussu. 33 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral • Avaliar a atividade não citotóxica do veneno bruto isolado da Bothrops jararacussu em células mononucleares do sangue periférico. 2.2 Objetivos Específicos • Padronizar a obtenção de células mononucleares do sangue periférico para utilizar em cultura de células. • Estabelecer as concentrações ideais de fitohemaglutinina e interleucina-2 capazes de estimular a proliferação das células mononucleares do sangue periférico. • Identificar a concentração não citotóxica do veneno bruto sobre as células mononucleares do sangue periférico. 34 3. MATERIAIS E MÉTODOS Seguem-se dois fluxogramas com o delineamento geral da pesquisa para melhor entendimento da descrição metodológica. Coleta de Sangue n=12 Testes Sorológicos (negativos) Leucograma (líquido de Turck) Distensão celular para contagem diferencial Separação das células mononucleares em meio gradiente de densidade (Ficoll - Paque) Teste de viabilidade celular Grau de Pureza e distensão celular em coloração Giemsa Grau de recuperação (contagem das CMN na Câmara de Neubauer) Cultivo das CMN Figura 01: Fluxograma das atividades realizadas com intuito de padronizar a obtenção de células mononucleares do sangue periférico (CMN) para cultura celular. 35 3.1 Padronização da Quantidade de Fitohemaglutinina (PHA) e Interleucina-2 (IL-2) Ideal para Utilização no Cultivo Celular Foram realizados testes de avaliação da concentração ideal de PHA e IL-2 sobre as CMN. Foi utilizada uma solução estoque de PHA ótima (1 µg/mL), da qual foram retirados 90 µL da solução estoque e diluída em 810 µL de RPMI. Foi preparada uma solução subótima de PHA = 125 µL (a PHA do estoque foi diluída em 2375 µL de RPMI). Posteriormente foi testada a IL-2 (ótima) tirando-se 9 µL da solução estoque e diluída em 81 µL de RPMI. Essas concentrações foram adicionadas em triplicata aos poços da placa de cultivo celular contendo 2 x 105 células/mL. Extração do veneno ofídico Filtração, liofilização e acondicionamento do veneno bruto Cultivo celular de CMN (IL-2 + PHA) Controle Positivo CMN + veneno Controle Negativo CMN sem veneno Ensaio de Citotoxicidade Identificação da concentração não citotóxica do veneno bruto Figura 02: Fluxograma das atividades realizadas para avaliar a concentração não citotóxica do veneno bruto para as CMN. 36 3.2 Extração de Venenos Os venenos das serpentes, mantidas no serpentário do Centro de Estudos e Pesquisas Biológicas (CEPB) da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), foram extraídos por massagem manual da glândula de veneno, logo após, foram clarificados por centrifugação a 10.000 rpm durante 15 minutos a 4ºC, e em seguida, liofilizados e acondicionados à -86 ºC. 3.3 Casuística Participaram do presente estudo 12 indivíduos de ambos os sexos, faixa etária de 20 a 30 anos, saudáveis. Após esclarecimento sobre a pesquisa os voluntários assinaram o Termo de Consentimento de Livre Esclarescimento (TCLE) aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo (apêndice). Foram colhidos 20 mL de sangue venoso para obtenção das CMN e realização da sorologia. 3.4 Obtenção de Células Mononucleares de Sangue Periférico para Cultivo Celular As células mononucleares de sangue periférico utilizadas em nosso estudo foram obtidas de indivíduos com sorologia negativa para Anti-HBc, HBs-Ag, AntiHCV, Anti-HIV 1 e 2, Anti-HTLV 1 e 2, VDRL e Doença de Chagas. Após a coleta do sangue venoso em tubos Vacutainer heparinizados foi realizada uma distensão sanguínea para contagem diferencial e uma leucometria utilizando-se líquido de Turck. As células mononucleares (CMN) foram obtidas pela técnica de separação celular por gradiente de densidade (Ficoll-paque, densidade = 1,077 g/L, Amersham). Posteriormente realizou-se um teste de viabilidade celular com o 37 corante de exclusão Azul de Trypan, uma distensão celular com coloração de Giemsa para verificar o grau de pureza da amostra e a contagem das CMN na Câmara de Neubauer para avaliar o grau de recuperação celular. As células foram mantidas em meio RPMI 1640 (Gibco-BRLTM, Grand Island, NY, EUA) acrescido de 10% de Soro Fetal Bovino (SFB). 3.5 Protocolo para a Proliferação de Linfócitos por Mitógeno Amostras de 2 x 105 CMN em meio RPMI-1640 completo foram adicionadas em triplicatas a placas de cultivo celular (96 escavações) e cultivadas em câmara úmida, com atmosfera de 5% de CO2 em ar, a 37 °C, por 72 h, na presença da PHA (dose ótima/subótima) e/ou IL-2. A proliferação dos linfócitos foi avaliada através da contagem na câmara de Neubauer. 3.6 Prova de Viabilidade Celular Antes de aplicar as diferentes concentrações do veneno nas CMN realizouse um teste de viabilidade celular com o corante de exclusão Azul de Trypan que tem uma afinidade maior por proteínas do soro do que por proteínas celulares e onde as células não viáveis ficam coradas de azul. Inicialmente se preparou uma suspensão celular em uma solução de sais balanceada. Administrou-se uma solução de Azul de Trypan e de PBS. Após 15 minutos em repouso as células foram pipetadas em câmara de Neubauer. As células não viáveis ficarão coradas de azul. A viabilidade celular foi calculada pela seguinte fórmula: Viabilidade Celular (%) = total de células viáveis (não coradas) / total de células (coradas e não coradas) x 100. 38 3.7 Condições de Cultivo de Células Mononucleares do Sangue Periférico sem e com Veneno A partir da padronização do cultivo celular um total de 2 x 105 células foram ativadas com 1µg de Fitohemaglutinina/mL (Pharmacia) e mantidas com 20 UI de Interleucina-2 /mL (Amersham) a 37 0C com atmosfera de 5% de CO2 por até 72 h após administração das diferentes concentrações do veneno ofídico. As células foram mantidas em cultivo em meio RPMI 1640 (Gibco-BRLTM, Grand Island, NY, EUA) acrescido de 10% de Soro Fetal Bovino (SFB) inativado, 2 mM de Lglutamina (Gibco-BRLTM), por 72 horas. As garrafas e placas de culturas foram monitoradas diariamente quanto à contaminação com agentes microbianos tais como bactérias, fungos filamentosos e leveduras em microscópio óptico de luz invertida (Nikon). 3.8 Ensaios de Citotoxicidade Amostras de 100 µL com uma concentração de 2 x 105 foram adicionadas em triplicatas a placas de cultivo celular (96 escavações) acrescentou-se IL-2 (1 µL) em cada poço e 10 µL de PHA (dose ótima). Após 24 h de cultivo em câmara úmida, com atmosfera de 5% de CO2 em ar, a 37 0C foram administrados 20 µL do veneno de Bothrops jararacussu nas seguintes concentrações: 5 µg/mL; 0,5 µg/mL e 0,05 µg/mL (Figura 06). Após pesado na balança o veneno foi dissolvido em 1 mL de RPMI com 10% de SFB. As CMN foram expostas ou não a concentrações do veneno de Bothrops jararacussu durante um período de tempo de até 72 h. Em momentos diferentes alíquotas de células de cada escavação foram retiradas, homogenizadas com 5 µL de solução de Azul de Trypan 8% e contadas na câmara de Neubauer. 39 3.9 Análises de Dados Para avaliar a associação entre as leituras intra e inter-observador da contagem de leucócitos foi utilizada a correlação de Spearman. Nas tabelas e figuras restantes utilizamos como metodologia a estatística descritiva. 40 4. RESULTADOS Durante o processo de padronização da pesquisa foram realizadas distensões celulares das amostras sanguíneas para a contagem diferencial. Simultaneamente foi realizado um leucograma de cada amostra cuja leitura foi avaliada intra e inter-observador. 4.1 Associação Intra e Inter-observador da Contagem de Leucócitos de Amostras de Sangue Periférico. Para se avaliar a associação intra e inter-observador da contagem de leucócitos intra e inter-observador foram realizadas duas leituras de um mesmo ensaio por um único observador ou por dois grupos distintos de observadores, respectivamente (Figuras 3, 4 e 5). 12000 11000 10000 9000 8000 7000 6000 5000 5000 6000 7000 8000 9000 10000 11000 12000 Contagem de Leucócitos/mm3 – Leitura 1 Figura 03: Associação intra-observador da contagem de leucócitos/mm3 em câmara de Neubauer (r = 0,99, P < 0,001, correlação de Spearman). 41 12000 11000 10000 9000 8000 7000 6000 5000 5000 6000 7000 8000 9000 3 10000 11000 12000 Figura 04: Associação inter-observador (1 e 2) da contagem de leucócitos/mm3 em câmara de Neubauer (r = 0,92; P < 0,001, correlação de Spearman). 12000 11000 10000 9000 8000 7000 6000 5000 5000 6000 7000 8000 9000 3 10000 11000 12000 Figura 05: Associação inter-observador (1 e 3) da contagem de leucócitos/mm3 em câmara de Neubauer (r = 0,92 ; P < 0,001, correlação de Spearman). 42 Como apresentado na figura 3, houve correlação significativa quando as duas leituras de um mesmo experimento foram efetuadas por um único observador. Ou seja, como a correlação de Spearman (r) foi alta (0,99) e significativa (P<0,05) houve associação entre as leituras, mostrando uma alta associação entre as variáveis. Também foi verificada uma correlação alta e significativa (r = 0,92; P < 0,001) quando a leitura de um mesmo experimento foi realizada por dois observadores distintos (Figura 4 e 5), indicando que houve associação estatística entre as leituras efetuadas por diferentes observadores. 4.2 Avaliação da Separação de Células Mononucleares (CMN) em Meio Gradiente de Densidade (Ficoll-paque) Após a separação das CMN, a partir do sangue venoso de doze indivíduos doadores normais pela centrifugação em meio gradiente de densidade Ficoll, foi avaliado o grau de recuperação e contaminação da amostra celular. Como apresentado na Tabela 1, a recuperação de CMN durante a padronização foi aumentando progressivamente com uma viabilidade celular constante, sempre superior a 95% Tabela 01: Análise da recuperação, viabilidade, contagem diferencial e grau de pureza após separação de CMN do sangue venoso de doadores sadios. Amostras % Recuperação de CMN % Viabilidade das CMN 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 40 41 51 52 63 72 75 79 81 82 85 86 > 95 > 95 > 95 > 95 > 95 > 95 > 95 > 95 > 95 > 95 > 95 > 95 Média Desvio padrão 67.25 14.88 ----- % Composição celular por amostra Linfócitos Monócitos Polimorfos 60 62 68 63 68 66 58 61 65 57 52 70 62.50 5.21 37 34 30 28 28 32 34 34 32 41 45 26 33.42 5.40 3 4 2 9 4 2 8 5 3 2 3 4 4.08 2.25 % Grau de pureza 97 96 98 91 96 98 92 95 97 98 97 96 95.92 2.25 43 A recuperação média de células mononucleares foi de 67,3%, com uma viabilidade celular superior a 95%. Nas 12 amostras analisadas o grau de pureza foi sempre superior a 90% (Tabela 01). 4.3 Avaliação da Concentração Ideal de Fitohemaglutinina e Interleucina – 2 (IL-2). A partir de uma cultura inicial de 2 x105 de CMN foram adicionadas PHA e IL-2 nas doses ótima e subótima isoladamente, e, PHA e IL-2 em conjunto nas doses ótima e subótima. Os resultados podem ser observados na Tabela 2. Tabela 02: Análise do crescimento celular de 2 x 105 células induzido pelas concentrações de PHA e/ou IL-2 durante 72 horas. Concentrações de PHA e/ou IL-2 PHA ótima PHA subótima IL-2 ótima IL-2 subótima PHA ótima + IL-2 ótima PHA subótima + IL-2 subótima Controle 24h 5 5,1 x 10 5 16 x 10 5 10 x 10 5 6,5 x 10 5 2,6 x 10 5 11,3 x 10 5 4,2 x 10 Quantidade de células 48h 72h 5 5 6,5 x 10 6,9 x 10 5 5 12 x 10 11 x 10 5 5 7,8 x 10 6,4 x 10 5 5 8,4 x 10 12,6 x 10 5 5 4,4 x 10 4,7 x 10 5 5 11,7 x 10 14,2 x 10 5 5 3,6 x 10 1,3 x 10 Média 5 6,17 x 10 5 13,0 x 10 5 8,07 x 10 5 9,17 x 10 5 3,90 x 10 5 12,4 x 10 5 3,03 x 10 Após este teste foi verificado um rápido crescimento celular. Foi observada que a ativação na dosagem de PHA subótima acrescida com IL-2 apresentou melhores resultados comparada com a dosagem de PHA ótima e subótima sem IL-2. 44 4.4 Avaliação da Atividade Não Citotóxica do Veneno de Bothrops Quantidade de Células (CMN) jararacussu. 2 x 105 Controle Negativo 2x105 CMN/mL Concentração - I: 0,05µg/mL do veneno Concentração - II: 0,5 µg/mL do veneno 8 x 104 Concentração - III: 5 µg/mL do veneno 2 x 104 2 x 103 0 24 48 72 Tempo (horas) Figura 06: Atividade citotóxica de diferentes concentrações do veneno de Bothrops jararacussu para CMN nos tempos 0, 24, 48 e 72 horas. A maior concentração do veneno de Bothrops jararacussu (5 µg/mL) mostrou uma elevada citotoxicidade celular. Após as primeiras 24 h a quantidade de CMN diminuiu rapidamente (Figura 06). A concentração II do veneno (0,5 µg/mL) mostrou menor citotoxicidade comparada com a concentração III do veneno. Na contagem celular realizada após 24 h de interação do veneno (concentração II) com as CMN existiam aproximadamente 8 x 104 CMN, produzindo uma elevada perda no número de células. Após 48 h, a contagem celular revelou a presença de 2 x 103 CMN, 45 número muito inferior ao valor inicial, evidenciando a atividade citotóxica do veneno (Figura 06). A concentração I (0,05 µg/mL) mostrou pouca variação na quantidade de CMN durante as contagens celulares realizadas às 24, 48 e 72 horas. Apresentando baixa atividade citotóxica (Figura 06). 46 5. DISCUSSÃO As publicações científicas que relatam a atividade citotóxica do veneno da Bothrops jararacussu são escassas. Os acidentes crotálicos (6,2%) são mais letais e menos frequentes do que os botrópicos (73,1%), (FUNASA, 2001). É provável que esse seja o principal motivo pelo qual os venenos botrópicos não são tão pesquisados. O presente trabalho visou melhor entender o fenômeno de citotoxicidade do veneno da cobra Bothrops jararacussu e, de se reproduzir o mais fielmente possível o que ocorre in vivo. No processo de padronização do ensaio de citotoxicidade natural foram verificados, primeiramente, os graus de recuperação, viabilidade e contaminação da suspensão de CMN obtidas pela centrifugação em gradiente (Ficoll). A recuperação foi superior a 67% e a contaminação com polimorfonucleares foi igual ou inferior a 4,1% (Tabela 01). Baseado nas pesquisas realizadas por Pfrimer (1995) as variabilidades inter e intra-individuais foram verificadas e poderiam decorrer de diferença na leitura do ensaio, quando essa era repetida pelo mesmo observador e/ou por observadores diferentes. Essas possibilidades foram excluídas, pois não foi atestada diferença estatística significativa quando leituras de um mesmo experimento eram efetuadas por um único observador ou por observadores distintos (Figura 3, 4 e 5). Artigos publicados demostram que a PHA possui potente atividade mitogênica para linfócitos (Sell & Costa, 2000), durante o desenvolvimento da pesquisa concentrações de IL-2 foram acrescentadas à PHA. Na nossa padronização a utilização combinada de PHA subótima e IL-2 subótima mostrou- 47 se com maior efetividade no processo de estimulação de mitose. Esse resultado simplifica o tempo de cultura celular, conseguindo um maior número de células em menor intervalo de tempo. Para evitar a contaminação durante o manuseio das células os pesquisadores geralmente utilizam antibióticos, como por exemplo, a gentamicina. Considera-se que esta substância tenha a capacidade de suprimir a atividade citotóxica natural (Exon et al., 1989). Entretanto nesta pesquisa não foram utilizados antibióticos e não tivemos contaminação das culturas celulares. Fato que demonstra que a utilização de antibióticos é um fator dispensável no crescimento celular. A influência do veneno sobre a viabilidade celular foi avaliada por contagem em câmara de Neubauer através da técnica de exclusão com Azul de Trypan, sendo aceita viabilidade igual ou superior a 90% no grupo controle (Celis, 1998). Nessa experiência foi semelhante à realizada por Petricevich & Mendoça (2003), que testaram diferentes concentrações do veneno de Crotalus durissus terrificus em células Vero para depois avaliar a influência da concentração não citotóxica no crescimento do vírus do sarampo. Nesse estudo testou-se várias concentrações do veneno de Bothrops jararacussu para identificar as concentrações não citotóxicas, as que poderão ser utilizadas posteriormente na avaliação da atividade antiviral. Fernard e colaboradores (1999) desenvolveram uma pesquisa com o objetivo de mostrar o efeito inibitório da infecção do HIV pela fosfolipase A2. Os autores utilizaram células mononucleares do sangue periférico após tratamento com 3 µg/mL de PHA por 48 horas em meio RPMI seguido por uma incubação de 24 horas com 20 UI de IL-2, metodologia similar à utilizada na primeira etapa 48 desta pesquisa. Inclusive com o uso de PHA e IL-2 também obtive-se os melhores resultados no crescimento celular. A toxicidade celular é um dos melhores mecanismos para se predizer a toxicidade de substâncias sobre diferentes tecidos. É recomendado testar diversas substâncias em testes celulares in vitro, por esses terem uma ótima correlação entre o que pode ser observado e a real atuação e mecanismos metabólicos envolvidos em determinados estados fisiológicos alterados. Existem muitas vantagens em se trabalhar com testes in vitro. Testes in vitro são mais sensíveis, econômicos e apresentam uma resposta mais homogênea, permitindo uma melhor comparação entre resultados executados, por exemplo, em laboratórios distintos (Purchase et al., 1998). O veneno de Bothrops jararacussu na concentração de 5 µg/mL mostrou uma elevada citotoxicidade celular. Após as primeiras 24 h a quantidade de CMN diminuiu rapidamente (Figura 6). Essa queda brusca da quantidade de células pode ser consequência do efeito das fosfolipases, proteínas abundantes nos venenos botrópicos, que apresentam uma potente atividade citotóxica (Oka & Arita, 1991), ou mais específicamente da atividade da Bothropstoxina-I (BthTx-I), uma toxina pertencente a família das fosfolipases do tipo A2. Para esta família de proteínas encontrada em venenos ofídicos já foi descrita uma variedade de atividades farmacológicas do tipo: neurotóxica, miotóxica, edematogênica, hipotensiva, cardiotóxica e anticoagulante (Gutiérrez et al., 1995). A Bth-Tx-I é considerada a principal miotoxina do veneno de Bothrops jararacussu (OshimaFranco, 2001; Zamunér, 2004). O veneno na concentração de 0,5 µg/mL também se mostrou citotóxico, embora menor do que a concentração anterior. Após 48 h, a contagem celular 49 revelou a presença de 2 x 103 CMN, número muito inferior ao valor inicial, evidenciando a atividade citotóxica dessa concentração. A menor concentração do veneno (0,05 µg/mL) mostrou pouca variação na quantidade de CMN durante as contagens celulares realizadas às 24, 48 e 72 horas, monstrando a baixa atividade citotóxica da concentração I do veneno de Bothrops jararacussu sobre as células. Em 1972, Kerr foi o primeiro a apresentar evidências de que a célula pode desencadear pelo menos dois mecanismos de morte celular. O primeiro é conhecido como necrose, uma forma de degeneração que afeta extensivamente uma população celular. Este processo é caracterizado pela destruição das organelas, rompimento da membrana plasmática e inchaço do citoplasma, levando a liberação do conteúdo intracelular e inflamação (Castano et al., 2005). Outro processo de morte celular foi nomeado apoptose, esta é referida como uma forma específica de morte celular programada que envolve a ativação de uma família de proteases que possuem papel importante no desenvolvimento e homeostase (Korsmeyer, 2004). A apoptose é caracterizada por retração celular, protusões protoplasmáticas, permanência da integridade de membrana e posterior fragmentação celular dando origem a vesículas, contendo organelas e material citoplasmático (Rello et al., 2005), no organismo esses corpos apoptóticos serão fagocitados por macrófagos evitando uma resposta inflamatória (Castano et al., 2005). Dos Reis et al. (2006) avaliaram o processo apoptótico induzido por veneno de serpentes em células de ovário de hamster chinês (CHO-K1). Nesse estudo as CHO-K1 foram incubadas com o veneno bruto nas concentrações de 10, 50 e 100 µg/mL por 1 hora. Após os períodos de 1, 6 e 12 horas posterior ao tratamento as 50 células foram lisadas para a análise de fragmentação do DNA, sendo possível observar dano ao DNA celular decorrente da incubação com veneno bruto de Crotalus durissus terrificus. A presença do padrão de fragmentação do DNA é um indicativo do tipo de morte celular ocorrida. Tamieti et al. (2007) utilizaram veneno bruto de Crotalus durissus terrificus em células CHO-K1 e concluíram que nas concentrações de 10, 50 e 100 µg/mL o tratamento causou fragmentação nuclear, fenômeno observado em células apoptóticas. O veneno de serpentes é um potente promotor da apoptose (Zinszner et al., 1998). O processo de morte celular apoptótica tem sido descrito por varios autores após o tratamento com venenos ofídicos (Ali et al., 2000), entretanto, o padrão de degradação do DNA, encontrado nesse estudo, não nos permite afirmar que o tipo de morte celular seja apoptótico. Uma das características bioquímicas da apoptose é a clivagem internucleossômica do genoma, que pode ser reconhecida pelo clássico "padrão em escada", por meio da eletroforese em gel de agarose. Esses resultados são mencionados por Walker & Gaastra (1983) e Platel (1994) e não estiveram presentes na eletroforese realizada nesse estudo, que se mostra a seguir: 51 Gel de eletroforese após o tratamento de células mononucleares com 2 concentrações do veneno bruto de Bothrops jararacussu (Bj), Bothrops pauloensis (Bp) e Bothrops moojeni (Bm). 52 Considerando os elementos anteriores podemos inferir que em nossa pesquisa as duas maiores concentrações do veneno de Bothrops jararacussu (5 e 0,5 µg/mL) provocaram morte celular nas CMN durante as primeiras 48 horas de contato com as células por um processo não apoptótico. Em um estudo realizado por Bastos (2007) foi determinada a citotoxicidade e a capacidade linfoproliferativa da subunidade ácida (crotapotina) do veneno de Crotalus durissus terrificus sobre CMN humanas. Eles avaliaram a citotoxicidade celular utilizando a coloração de Azul de Trypan, considerando aceita uma viabilidade igual ou superior a 90%, metodologia e padrões de viabilidade semelhantes aos seguidos nesse estudo. Nessa pesquisa as células foram estimuladas com fitohemaglutinina. As doses do veneno utilizadas nos experimentos foram de 1920 a 0,23 µg/mL com diluição seriada. As CMN, foram obtidas por punção venosa de voluntários sadios e isoladas por gradiente de centrifugação, foram ressuspendidas em RPMI 1640. Os resultados preliminares desse estudo evidenciaram que nestas doses não se observou citotoxicidade, no entanto foi possível observar uma tendência significativa de diminuição na proliferação das CMN na dose de 0,23 µg/mL (0,355+0,009) (Bastos, 2007). Já em nossa pesquisa doses de 5 e 0,5 µg/mL do Veneno de Bothrops jararacussu provocaram diminuição rápida das CMN. Usando o modelo de vírus Sendai humano de eritrócitos, Borkow & Ovadia (1999) verificaram que as células infectadas por vírus foram 10 vezes mais suscetíveis à lise em dois dos cinco venenos de cobra analisados. Quatro citotoxinas foram isoladas do veneno de Naja nigricollis, toxinas estas que também mostraram 10 vezes maior citotoxicidade para células infectadas por 53 vírus do que células não tratadas, evidenciando a destruição seletiva de células infectadas por vírus. No estudo realizado por Sant´Ana et al. (2008), células infectadas com o vírus da dengue tipo 3 (DENV-3) e tratadas com a enzima L-amino oxidasa isolada do veneno de Bothrops jararaca mostraram uma diminuição da carga viral quando comparada com células infectadas com o mesmo vírus e não tratadas com enzimas do veneno. Após a análise desses resultados podemos inferir que o fato dos venenos agirem especificamente sobre células infectadas por vírus, embora os mecanismos não estejam totalmente esclarecidos, poderia representar uma ferramenta na pesquisa de venenos e seus constituintes como alternativa antiviral. Considerando que os venenos estão constituidos predominantemente por proteínas, enzimas, e peptídeos biologicamente ativos, e que suas atividades biológicas ainda não são conhecidas totalmente; resulta de grande interesse o estudo de seus componentes e das atividades biológicas das frações. Os estudos da atividade antiviral de frações ofídicas são praticamente inexistentes. Entretanto já foi demostrado que células infectadas pelo vírus de Sendai, da dengue tipo 3, do sarampo e do HIV-1, todos RNA vírus, foram destruídas de forma seletiva por frações de venenos ofídicos (Fernard et al., 2001; Petricevich & Mendoça, 2003; Sant´Ana et al., 2008). 54 6. CONCLUSÕES • A fitohemaglutinina e a interleucina-2 em doses subótimas, quando usadas simultaneamente, foram capazes de estimular a proliferação celular nas células mononucleares do sangue periférico, de maneira otimizada. • O veneno bruto de Bothrops jararacussu nas concentrações de 5 e 0,5 µg/mL apresentou atividade citotóxica nas células mononucleares do sangue periférico. Embora o veneno nestas concentrações seja citotóxico para as CMN, isto não inviabiliza a utilização das mesmas a partir das frações componentes do veneno. • O veneno bruto de Bothrops jararacussu na concentração de 0,05 µg/mL não apresentou atividade citotóxica nas células mononucleares do sangue periférico podendo ser utilizada para ensaios futuros com CMN infectadas por vírus como o HIV-1. • As abordagens do estudo, além de facilitar o entendimento sobre o mecanismo pelo qual venenos ofídicos atuam em células humanas abrem o caminho de novas pesquisas voltadas para a identificação das atividades antimicrobianas dos venenos e seus constituintes. A identificação de concentrações não citotóxicas do veneno de Bothrops jararacussu e de suas frações poderão ser utilizadas futuramente em pesquisas para avaliar a atividade antiviral das frações sobre vírus que atingem a espécie humana, como é o caso do HIV. 55 7. 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Herpetology: Na Introductory Biology of Amphibians and Reptiles, Second Edition (Hardcover). Academic Press, USA. 90 APÊNDICE 91 COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Atividade antiviral de venenos ofídicos obtidos de serpentes da região Centro-Oeste em células mononucleares do sangue periférico infectadas com HIV-1. O objetivo desse estudo é o de avaliar a atividade de venenos de 5 espécies de serpentes da região Centro-Oeste do Brasil em células do sangue periférico infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV-1). O projeto terá uma duração de 36 meses com início em março de 2010 e término em março de 2013. Os venenos utilizados na pesquisa serão disponibilizados pela Profa. Ms. Marta Regina Magalhães. Na primeira fase da pesquisa serão realizados os testes de citotoxicidade celular, ou seja, serão testadas diferentes concentrações dos venenos em células sanguíneas até identificar a concentração que não seja citotóxica. Essa fase será desenvolvida no Laboratório de Imunologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Na segunda fase da pesquisa a concentração do veneno que não causar morte das células será adicionada às células infectadas com o vírus da AIDS (HIV-1) para se saber se as concentrações dos venenos têm efeito contra o HIV. 92 Essa segunda fase do projeto será desenvolvida no Laboratório de Biossegurança Nível III (P3) do Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Caso você participe, o único desconforto será uma colheita de sangue que será feita por punção de veia do antebraço, o que pode causar um pouco de dor, ficar roxo (hematoma) no local ou causar tontura passageira. No total será preciso 20 mL de sangue correspondendo a 2 colheres de sopa. As células mononucleares serão separadas das amostras de sangue, e o material restante será descartado seguindo os protocolos de biossegurança. A pesquisa não trará benefícios diretos para os participantes, mas poderá gerar benefícios para pessoas infectadas com o vírus do HIV-1. A identificação de novos compostos naturais com atividade anti-HIV poderá abrir um novo caminho na produção de um medicamento capaz de eliminar o vírus ou prevenir sua infecção, pois lamentavelmente ainda não contamos com um medicamento eficaz no combate do vírus. Em qualquer etapa do estudo, o participante terá acesso aos profissionais responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de eventuais dúvidas. O principal investigador será a Profa. Drª. Irmtraut A. Hoffmann Pfrimer que poderá ser encontrada no endereço: Rua Pedro de Toledo, 781 – 16 andar- Vila Clementino – São Paulo – SP, telefone (011)-50844262 / 55712130. Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) – Rua Botucatu, 572 – 1º andar – cj 14, 5571-1062, FAX: 5539-7162 – E-mail: [email protected]. As informações obtidas pelos pesquisadores serão analisadas em conjunto com as de outros voluntários, não sendo divulgada a identificação de nenhum 93 paciente. O participante terá direito de se manter atualizado sobre os resultados parciais da pesquisa ou de resultados que sejam do conhecimento dos pesquisadores. É garantida a liberdade da retirada de consentimento a qualquer momento da pesquisa e existirá garantia de sigilo. As pessoas que participarem da pesquisa não receberão benefícios diretos da mesma, nem ressarcimento de despesas efetuadas com transporte, hospedagem e alimentação. Em caso de dano pessoal, diretamente causado pelos procedimentos realizados neste estudo, evidenciando-se nexo causal com o procedimento da punção venosa ou qualquer intercorrência relacionada à coleta do material o participante tem direito a tratamento médico bem como às indenizações legalmente estabelecidas. O pesquisador se compromete a utilizar os dados e o material coletado somente para esta pesquisa. ___________________________________ Assinatura do paciente/representante legal Data ____/_____/______ _________________________________ Assinatura do responsável pelo estudo Data ____/____/______ 94 ANEXOS 95 São Paulo, 30 de abril de 2010. CEP 0308/10 IImo(a). Sr(a). Pesquisador(a) IRMTRAUT ARACI HOFFMANN PFRIMER Co-Investigadores: Luiz Mário Janini; Maria Cecilia Araripe Sucupira; Ricardo Sobhie Diaz (orientador) Disciplina/Departamento: Infectologia da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo Patrocinador: CAPES. PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA INSTITUCIONAL Ref: Projeto de pesquisa intitulado: “Atividade antiviral de venenos ofídicos obtidos de serpentes da região centro-oeste em células mononucleares do sangue periférico infectadas com HIV-1”. CARACTERÍSTICA PRINCIPAL DO ESTUDO: Estudo para entendimento de certa doença e seu tratamento. RISCOS ADICIONAIS PARA O PACIENTE: Risco mínimo, desconforto leve, com coleta de sangue. OBJETIVOS: Avaliar a atividade antiviral de venenos brutos isolados das serpentes Bothrops moojeni, Bothrops neuwiedi, Crotalus durissus collilineatus, Crotalus durissus terrificus e Bothrops alternatus da região centro-oeste em células mononucleares do sangue periférico infectadas com HIV-1. Avaliar atividade citotóxica dos venenos brutos em células primárias humanas. Identificar a concentração inibitória mínima do veneno bruto capaz de inibir a replicação viral. RESUMO: Serão coletadas amostras de sangue de indivíduos sadios para obtenção de células mononucleares periféricas (PBMC). As células serão isoladas e contadas e cultivadas. Será realizada uma distenção celular para verificar o grau de pureza da amostra e tratadas para posterior infecção viral. Antes de serem aplicadas as diferentes concentrações dos venenos dos ofícios nas PBMC, será realizado um teste de viabilidade celular com o corante de Azul de Trypan. A infecção viral se dará mantendo as células em cultura com o vírus por 2 horas em meio de cultura tratado, e após esse período serão realizadas 3 lavagens com meio RPM11640 para retirada de vírus livres. Será avaliado o efeito da concentração não citotóxica do veneno em células infectadas com HIV-1.de acordo com o teste: infectar as células mononucleares do sangue periférico com HIV-1 e posteriormente aplicar a concentração não citotóxica do veneno transcorridos diferentes intervalos de tempo, e utilizando os casos como controles: 1)células mononucleares em meio de cultura (controle negativo); 2) células mononucleares +(HIV-1)(controle positivo); 3) células mononucleares + venenos (concentração não citotóxica (controle negativo). Será realizado PCR em tempo real transcorridas 72h de interação entre células, vírus e veneno.. FUNDAMENTOS E RACIONAL: A pesquisa poderá gerar benefícios para a população com HIV-1, pois a identificação de venenos com atividade antirretroviral poderá ser um avanço científico na procura de um novo tratamento alternativo contra o HIV-1. MATERIAL E MÉTODO: Descritos os procedimentos experimentais, que serão realizados por equipe especializada. TCLE: Apresentado adequadamente. Rua Botucatu, 572 - 1º andar – conj. 14 - CEP 04023-062 - São Paulo / Brasil Tel.: (011) 5571-1062 - 5539.7162 96 DETALHAMENTO FINANCEIRO: CAPES. CRONOGRAMA: 36 MESES. OBJETIVO ACADÊMICO: Pós-Doutorado. ENTREGA DE RELATÓRIOS PARCIAIS AO CEP PREVISTOS PARA: 25/4/2011 e 24/4/2012. O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo ANALISOU e APROVOU o projeto de pesquisa referenciado. 1. Comunicar toda e qualquer alteração do projeto e termo de consentimento livre e esclarecido. Nestas circunstâncias a inclusão de pacientes deve ser temporariamente interrompida até a resposta do Comitê, após análise das mudanças propostas. 2. Comunicar imediatamente ao Comitê qualquer evento adverso ocorrido durante o desenvolvimento do estudo. 3. Os dados individuais de todas as etapas da pesquisa devem ser mantidos em local seguro por 5 anos para possível auditoria dos órgãos competentes. Atenciosamente, Prof. Dr. José Osmar Medina Pestana Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/ Hospital São Paulo 0308/10 Rua Botucatu, 572 - 1º andar – conj. 14 - CEP 04023-062 - São Paulo / Brasil Tel.: (011) 5571-1062 - 5539.7162 97