JOSE VITELIO RUIZ RIVERO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS E SAÚDE
AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE NÃO CITOTÓXICA DO VENENO DE
BOTHROPS JARARACUSSU EM CÉLULAS MONONUCLEARES
DO SANGUE PERIFÉRICO
JOSÉ VITELIO RUIZ RIVERO
GOIÂNIA-GO
2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS E SAÚDE
AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE NÃO CITOTÓXICA DO VENENO DE
BOTHROPS JARARACUSSU EM CÉLULAS MONONUCLEARES
DO SANGUE PERIFÉRICO
JOSÉ VITELIO RUIZ RIVERO
ORIENTADORA:
Profa. Dra. IRMTRAUT A. HOFFMANN PFRIMER
CO-ORIENTADOR:
Prof. Dr. JOSÉ RODRIGUES DO CARMO FILHO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação e Pesquisa
da Pontifícia Universidade Católica de
Goiás, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Ciências
Ambientais e Saúde.
GOIÂNIA-GO
2010
ii
R621a
Ruiz Rivero, José Vitelio.
Avaliação da atividade não citotóxica do veneno de
Bothrops jararacussu em células mononucleares do sangue
periférico / José Vitelio Ruiz Rivero. – 2010.
xv, 97 f. : il.
Bibliografia: p. 56-90
“Orientadora: Profa. Dra. Irmtraut A. Hoffmann Pfrimer”.
“Co-orientador: Prof. Dr. José Rodrigues do Carmo Filho”.
1. Veneno ofídico. 2. Bothrops jararacussu – veneno –
citotoxicidade.- sangue periférico. 3. Citotoxicidade. I.
Título.
CDU: 598.12:615.919(043.3)
...“Não temais questionar os dogmas estabelecidos, ousar o
impossível e procurar o improvável. A natureza sempre recompensa e
abre as portas de seus segredos mágicos ao mais ousado e
imaginativo. Muito trabalho e dedicação, embora essenciais, não são
o suficientes”...
B. Benacerraf
iii
Este trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Cultivo Celular e Estudos com
Venenos Ofídicos do Mestrado em Ciências Ambientais e Saúde da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, no Laboratório de Biossegurança Nível III do
Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola
Paulista de Medicina e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da
Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo (CEP 0308/2010). Contou
com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento
(CNPq).
iv
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao alicerce de todo ser humano: a família!
Especialmente,
À minha mãe Nancy e à minha irmã Raiza
Pelo apoio e dedicação,
Orientadoras na minha escola da vida;
Pelo incentivo e perseverança
Aos meus avôs Eloína e Vitelio
Por ser para mim o mais belo exemplo de dedicação, sacrifício e intelectualidade e pelo
estímulo à vida acadêmica.
Ao meu pai Vitelio, pelo apoio e o ensino.
Aos meus irmãos brasileiros Márcia e Eder
Por ser simplesmente a mais alta expressão de amizade incondicional em todo momento
À minha querida, Marla
Simplesmente por existir em minha vida!
v
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a ajuda de muitas pessoas, sem as quais o
desenvolvimento desta pesquisa não poderia ter chegado ao fim.
À Profa. Dra. Irmtraut Araci Hoffmann Pfrimer, pela credibilidade e confiança,
pela diligência e apoio. Pelas, sempre frutíferas discussões, pelos conselhos e
ensinamentos. Pelos exemplos de caráter, respeito e humildade.
Ao Prof. Dr. José Rodrigues do Carmo Filho, pelo assessoramento e ajuda.
À Fernanda Feitosa e Aislan Sena por estar sempre no meu lado nesta longa
caminhada, por toda a dedicação, perseverança e por acreditar em nosso projeto
de pesquisa.
À Profa. Martha Magalhães do Centro de Pesquisa e Estudos Biológicos (CEPB)
por ter cedido os venenos ofídicos, sem os quais a pesquisa seria impossível.
Ao Prof. Dr. Luiz Mário Janini, pelas dicas e sugestões no Laboratório de
Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo.
À Profa. Dra. Cecília Sucupira pela atenção e pela valiosa ajuda no Laboratório
de Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo.
iivi
Ao Prof. Dr. Ricardo Sohbie Diaz, pela gentileza e colaboração no
desenvolvimento da segunda fase da pesquisa no Laboratório de Retrovirologia
da Universidade Federal de São Paulo.
Ao Prof. Dr. Celso Granato, pelo ensinamento e pelas sempre instrutivas e
enriquecedoras discussões na área de virologia clínica.
Aos amigos do Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP) que compartilharam toda essa trajetória dissertativa:
Michelle Camargo, Michel Soane, Mariana Leão de Lima, Maria Clara
Bizinoto, Juliana Galinskas, Jean Zukurov, Wagner Alkmim e Rodrigo
Cortés.
À Daniela Braz dos Santos, pela cooperação e pelas valiosas informações sobre
os venenos ofídicos.
Ao Luciano Nunes da Silva e Carlos Eduardo Lopes por todo o apoio recebido
no Mestrado em Ciências Ambientais e Saúde.
Aos colegas do Núcleo de Estudo e Pesquisa Imunológica (NEPY) da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) pelas doações de amostras para a
separação celular, e pelo apoio constante nas distintas fases da pesquisa: Arthur
Antonucci Vieira Morais, Alan Rodrigo Apio, Flávio Cavalcante de Assis,
Eliabe Lopes Cavalcante, Maryanne Mota de Faria e Larissa Viandeli. Muito
obrigado!
iii
vii
RESUMO
Os venenos ofídicos são recursos biológicos de importante valor farmacológico.
Além do número pequeno de drogas antivirais, numerosos patógenos
desenvolvem mecanismos de escape à ação das drogas, resultando no
crescimento das taxas de resistência. Foi demonstrado que biomoléculas contidas
nos venenos ofídicos apresentam alto valor terapêutico, que poderiam ser usadas
como agentes antimicrobianos. O objetivo desta pesquisa é avaliar a atividade
não citotóxica do veneno bruto isolado da Bothrops jararacussu em células
mononucleares do sangue periférico. Nessa pesquisa foram separadas células
mononucleares
de
doadores
sadios.
Após
ativação
das
células
com
fitohemaglutinina e interleucina-2 foram adicionadas diferentes concentrações do
veneno para avaliar sua atividade não citotóxica. O veneno na concentração de
0,05 µg/mL não apresentou citotoxicidade, entretanto foi citotóxico nas
concentrações de 5 e 0,5 µg/mL. Nosso estudo abre caminho para novas
pesquisas voltadas para a identificação das atividades antimicrobianas dos
venenos brutos e suas frações.
Palavras chave: Venenos ofídicos, Bothrops jararacussu, citotoxicidade, células
mononucleares do sangue periférico.
iv
viii
ABSTRACT
Snake venoms are biological resources of great pharmaceutical value. Besides
presenting a small number of antiviral drugs, a large amount of pathogens develop
mechanisms which escape from the action of the drugs, thus causing the growth
of resistance. It was demonstrated that biomolecules contained in venoms have
high therapeutic values which could be used as antimicrobial agents. The
objective of this research is to evaluate the non cytotoxic activity which was
isolated from the venom of Bothrops jararacussu in peripheral blood mononuclear
cells. In this research, mononuclear cells were separated from healthy donors.
After the activation of the cells with phytohemagglutinin and interleukin-2, different
concentrations of the poison were added in order to evaluate its non cytotoxic
activity. The concentration of the venom at 0.05 mg/mL showed no cytotoxicity, but
at 5 and 0.5 mg/mL it was cytotoxic. Our study opens the way to further
researches which aim to identify the antimicrobial activities of crude venoms and
their fractions.
Keywords: Snake venoms, Bothrops jararacussu, cytotoxicity, peripheral blood
mononuclear cells.
vix
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA ....................................................................................................... i
AGRADECIMENTOS ............................................................................................. ii
RESUMO............................................................................................................... iv
ABSTRACT............................................................................................................ v
SUMÁRIO ............................................................................................................. vi
LISTA DE FIGURAS ........................................................................................... viii
LISTA DE ABREVIATURAS................................................................................. ix
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1
1.1 Características das Serpentes ......................................................................... 2
1.2 A Glândula de Veneno ..................................................................................... 4
1.3 Características Gerais dos Venenos de Serpentes .......................................... 6
1.4 Componentes dos Venenos do Gênero Bothrops ............................................ 7
1.4.1 Metaloproteases ............................................................................................ 8
1.4.2 Serinoproteases ............................................................................................ 9
1.4.3 Fosfolipases ................................................................................................ 10
1.4.4 Desintegrinas .............................................................................................. 11
1.4.5 Peptídios Biologicamente Ativos ................................................................. 12
1.5 Resistência Microbiana .................................................................................. 14
1.5.1 Resistência Bacteriana ................................................................................ 14
1.5.2 Resistência Viral.......................................................................................... 16
1.5.3 Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) ................................................... 20
1.6 Venenos de Serpentes como Antimicrobianos ............................................... 22
1.6.1 L-Amino Ácido Oxidase (LAO) .................................................................... 23
1.6.2 Fosfolipase A2 (PLA2) .................................................................................. 24
1.6.3 Crotaminas .................................................................................................. 24
1.6.4 Venenos Ofídicos com Atividade Antibacteriana ......................................... 25
1.7 Venenos Ofídicos e Antivirais......................................................................... 27
1.7.1 Venenos Ofídicos com Atividade Anti-HIV .................................................. 29
2. OBJETIVOS ..................................................................................................... 34
2.1 Objetivo Geral ................................................................................................ 34
2.2 Objetivos Específicos ..................................................................................... 34
vi
x
3. MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................... 35
3.1 Padronização da Quantidade de Fitohemaglutinina (PHA) e Interleucina-2 (IL2) Ideal para Utilização no Cultivo Celular ...................................................... 36
3.2 Extração de Venenos ..................................................................................... 37
3.3 Casuística....................................................................................................... 37
3.4 Obtenção de Células Mononucleares de Sangue Periférico para Cultivo
Celular............................................................................................................. 37
3.5 Protocolo para a Proliferação de Linfócitos por Mitógeno .............................. 38
3.6 Prova de Viabilidade Celular .......................................................................... 38
3.7 Condições de Cultivo de Células Mononucleares do Sangue Periférico sem e
com Veneno .................................................................................................... 39
3.8 Ensaios de Citotoxicidade .............................................................................. 39
3.9 Análises de Dados ......................................................................................... 40
4. RESULTADOS ................................................................................................. 41
4.1 Associação Intra e Inter-observador da Contagem de Leucócitos de Amostras
de Sangue Periférico. ..................................................................................... 41
4.2 Avaliação da Separação de Células Mononucleares (CMN) em Meio
Gradiente de Densidade (Ficoll-paque) .......................................................... 43
4.3 Avaliação da Concentração Ideal de Fitohemaglutinina e Interleucina – 2 (IL2). .................................................................................................................... 44
4.4 Avaliação da Atividade Não Citotóxica do Veneno de Bothrops jararacussu.. 45
5. DISCUSSÃO .................................................................................................... 47
6. CONCLUSÕES ................................................................................................ 55
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 56
APÊNDICE ........................................................................................................... 91
ANEXOS .............................................................................................................. 95
vii
xi
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01: Fluxograma
das
atividades
padronizar a obtenção
realizadas
com
intuito
de
de células mononucleares do sangue
periférico (CMN) para cultura celular
(pág. 31)
FIGURA 02: Fluxograma das atividades realizadas para avaliar a concentração
não citotóxica do veneno bruto para as CMN
(pág. 32)
FIGURA 03: Associação intra-observador da contagem de células/mm3 (pág. 37)
FIGURA 04: Associação inter-observador (1 e 2) da contagem de
células/mm3
(pág. 38)
FIGURA 05: Variação inter-observador (1 e 3) da contagem de
células/mm3
(pág. 38)
FIGURA 06: Atividade citotóxica de diferentes concentrações do veneno de
Bothrops jararacussu para CMN nos tempos 0, 24, 48 e 72
horas
(pág. 41)
viii
xii
LISTA DE ABREVIATURAS
AMPs
Peptídeos antimicrobianos
Anti-HBc
Anticorpos contra o antígeno “core” da Hepatite B
Anti-HCV
Anticorpos contra o vírus da hepatite C
Anti-HIV-1
Anticorpo contra o vírus HIV-1
Anti-HIV-2
Anticorpo contra o vírus HIV-2
Anti-HTLV-1
Anticorpos contra o vírus linfotrópico humano tipo 1
Anti-HTLV-2
Anticorpos contra o vírus linfotrópico humano tipo 2
BBPs
Peptídeos potenciadores de bradicinina
bp
Pares de bases
CEPB
Centro de Estudos e Pesquisas Biológicas
CHO-K1
Células de ovário de hamster chinês
CMN
Células Mononucleares do Sangue Periférico
CMN/mL
Células Mononucleares do Sangue Periférico por mililitro
CO2
Dióxido de carbono
CXCR4/CCR5
Co-receptores celulares para ligação do HIV
DENV-3
Vírus da Dengue tipo 3
DNA
Ácido desoxirribonucléico
ECA
Enzima Conversora de Angiotensina
gp41 e gp120
Glicoproteínas do envelope do HIV
g/L
Gramas por Litro
h
Hora
HBs-Ag
Antígeno de superfície do Vírus da hepatite B (Hepatitis B
surface antigen)
ixxiii
HIV
Vírus da Imunodeficiência Humana (Human Immunodeficiency
Virus)
IL-2
Interleucina 2
kDa
kilodaltons
LAO
Enzima L-Amino Ácido Oxidase
mL
Mililitro
mM
Milimolar
PBS
Salina Tamponada-Fosfato
PEP-E
Polipeptído E
pH
Potencial hidrogeniônico
PHA
Fitohemaglutinina
PLA2
Fosfolipase A2
PLA2-Cdt
Fosfolipasa isolada do veneno de Crotalus durissus terrificus
PPO3
Polipeptído O3
PUC-GO
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
RNA
Ácido ribonucléico
rpm
Rotações por minuto
RPMI
Meio de Cultura Celular que leva as iniciais do instituto onde foi
desenvolvido (Roswell Park Memorial Institute)
SFB
Soro Fetal Bovino
SIV
Vírus de Imunodeficiência Símia (Simian Immunodeficiency Virus)
SVMPs
Metaloprotease de veneno de serpente (Snake venom
metalloproteases)
TCLE
Termo de Consentimento de Livre Esclarescimento
UI
Unidade internacional
xxiv
U/mL
Unidade por mililitro
VDRL
Teste não treponêmico de diagnóstico da sífilis (Venereal
Disease Research Laboratory)
µg/mL
Micrograma por mililitro
µL
Microlitro
%
Por cento
0
Grau Celsius
C
xi
xv
1. INTRODUÇÃO
A natureza durante milhares de anos tem sido uma importante fonte de
medicamentos, entre os quais, substâncias extraídas das plantas e substâncias
produzidas por vertebrados constituem uma rica fonte de moléculas bioativas com
importantes atividades farmacológicas (Newmann et al., 2003; Viegas et al.,
2006).
A rica biodiversidade brasileira é considerada importante fonte de riqueza,
pois abriga pelo menos 14 % das espécies do planeta. Isto confere ao país uma
vantagem competitiva imensa em relação a outros países com menor
biodiversidade, principalmente em um século onde a biotecnologia desempenhará
um papel importante na economia global (Levinshon & Prado, 2005).
O Brasil ocupa a segunda colocação na relação de países com maior
riqueza de espécies de répteis; ficando atrás apenas da Austrália com 864
espécies registradas (Wilson & Swan, 2008). Além da enorme diversidade de
espécies de ofídios que caracteriza nosso país, mais de um terço da nossa fauna
de répteis é endêmica, ou seja, só ocorre em território brasileiro (Martins & Barros,
2008).
No Brasil, existem 24 espécies de serpentes pertencentes ao gênero
Bothrops (Junqueira, 2005) e as pesquisas com venenos da cobra Bothrops
jararacussu são escassas. As serpentes do gênero Bothrops são responsáveis
por cerca de 85 a 90% do total de acidentes ofídicos que ocorrem no país
(Rosenfeld, 1971; Ferreira et al., 1992 e Ribeiro et al., 1993) o que as tornam,
assunto de grande interesse nas pesquisas.
1
1.1 Características das Serpentes
As serpentes, conhecidas também como ofídios, são animais vertebrados
que compõem a ordem Squamata, subordem Ofidia, e Classe Reptilia. No mundo,
existem aproximadamente 2900 espécies ofídicas, distribuídas entre 465 gêneros
e 20 famílias. No Brasil estão representadas 9 famílias, 75 gêneros e 321
espécies. Estes animais apresentam como características morfológicas e
fisiológicas, corpo alongado, coberto por escamas e sem membros locomotores.
Não possuem ouvido externo, os sons são transmitidos por vibrações do maxilar e
do crânio, sua língua é bífida e transporta informações químicas para o órgão de
Jacobson, o qual se localiza na zona anterior do palato, desempenhando função
semelhante ao olfato. Os órgãos internos dos ofídios são como os dos demais
vertebrados, porém apresentam formato alongado (Hoge & Romano-Hoge,1979;
Arnold, 1983; Pough & Groves, 1983).
Os ofídios ocupam quase todos os tipos de ambientes do globo terrestre,
com exceção das calotas polares, onde as baixas temperaturas impedem a
sobrevivência de animais ectotérmicos. Pode-se encontrá-los tanto no meio
aquático, em ambientes marinho e dulcícula, quanto no meio terrestre, ocupando
os habitats arborícolas, terrestres ou fossoriais (Zug et al., 2000).
Algumas serpentes são consideradas venenosas ou peçonhentas, pois
possuem glândulas secretoras de veneno localizadas de cada lado da cabeça,
recobertas por músculos compressores e conectadas, através de ductos, às
presas inoculadoras de veneno. Estas presas têm tamanho diferenciado dos
demais dentes e podem estar localizadas nas porções anterior ou posterior da
boca. Muitas espécies de animais são capazes de produzir soluções tóxicas, mas
2
nem todas são capazes de inocularem. Os animais venenosos são aqueles que
secretam alguma substância tóxica. Animais que, além de produzirem veneno,
possuem estruturas especializadas (espinhos, ferrões, dentes) para inoculá-lo,
são chamados de peçonhentos (Zug et al., 2000).
As serpentes peçonhentas pertencem à superfamília Colubroidea e estão
classificadas em quatro famílias, a saber: Colubridae (1600 espécies, presentes
em todos os continentes, exceto na Antártica), Elapidae (250 espécies, todos os
continentes, exceto Antártica), Atractaspidae (60 espécies encontradas na África
e Ásia), Viperidae (200 espécies, ausentes na Austrália e Antártica); no continente
americano são representadas por víboras com fossetas nasais termorreceptoras
(Junqueira, 2005), sendo estas últimas de maior importância médica. A esse
grupo pertence a espécie objeto deste estudo e, portanto, será detalhada abaixo.
Todas as espécies da família Viperidae são capazes de inocular veneno
com extrema eficiência, pois apresentam um aparato de captura com maior
desenvolvimento. Sua dentição é solenóglifa (presas são retráteis), e se localizam
na porção frontal do maxilar, contendo ductos, funcionando como uma espécie de
agulha hipodérmica o que permite que a picada ocorra mesmo através de tecidos
muito espessos (Junqueira, 2005).
Esta família é dividida em duas subfamílias: Viperinae e Crotalinae. Os
espécimes pertencentes à Subfamília Viperinae são chamados de víboras
verdadeiras. Abundantes na África, sudoeste asiático, presentes também na
Europa e não estão presentes nas Américas (Zug et al., 2000). Os membros da
Subfamília Crotalinae têm como principal característica morfológica a presença de
fossetas loreais, órgão especializado na localização da presa através de
3
pequenas vibrações de temperatura detectadas no ambiente por dois orifícios
localizados entre os olhos e as narinas (Junqueira, 2005).
Dentro da Subfamília Crotalinae existem três gêneros que juntos são
responsáveis pela grande maioria de acidentes ofídicos no Brasil: gênero
Lachesis, Crotalus e Bothrops. O gênero Lachesis (Sururucus) é representado por
uma única espécie (Lachesis muta) no Brasil, apresenta espinhos na região
posterior da cauda e é a maior serpente venenosa das Américas. O gênero
Crotalus (Cascavéis) está composto por cinco espécies no Brasil e apresentam
um chocalho na ponta de sua cauda como principal característica. O gênero
Bothrops (Jararacas) está constituído por 24 espécies e são responsáveis por
cerca de 90% dos acidentes em todo o Brasil (Junqueira, 2005). A Bothrops
jararacussu, serpente cujo veneno é o centro de nossa pesquisa, pertence a este
gênero.
1.2 A Glândula de Veneno
As glândulas de veneno são tecidos altamente especializados que
possuem uma grande capacidade de produção, armazenamento e secreção desta
substância. Este tecido pode ser considerado o mais especializado em termos de
expressão de proteínas (toxinas) com uma função particular, já que a contribuição
dos transcritos relativos à produção de toxinas em relação ao transcriptoma total
das células da glândula é cerca de 56% de todos os mensageiros (Junqueira-deAzevedo & Ho, 2002).
O veneno é o mais concentrado fluido produzido, armazenado e secretado
por um organismo vertebrado, possuindo de 18 a 52% de massa seca, enquanto
que o suco gástrico, por exemplo, possui de 0,5 a 1% (Vogt et al., 1989). Acredita-
4
se que durante o processo evolutivo das serpentes peçonhentas parte do
aparelho digestório, principalmente as glândulas salivares e trato pancreático,
tenha se diferenciado num tecido especializado quase que exclusivamente na
produção de veneno a partir do aparelho digestório (Boisbouvier et al., 1998), no
qual a saliva e outras secreções gástricas vieram a fornecer as bases para a
formação do veneno, o que torna o epitélio das glândulas de veneno um tecido de
características muito particulares.
A produção de toxinas na glândula de veneno está condicionada aos níveis
estocados no lúmen glandular, ou seja, é regulada pelo estado de atividade da
serpente, sendo a síntese do veneno induzida pela inoculação ou esvaziamento
da glândula (Bdolah, 1979) e, como em outros epitélios, acredita-se que este
processo de secreção seja diretamente regulado por íons de cálcio (Peters &
Mayer, 1998).
Também foi observado que a proporção de grânulos de secreção celular no
epitélio é pequena em relação aos níveis esperados para este tecido, já que
representa apenas 4% do volume celular (Oron & Bdolah, 1978). Este fato sugere
que as proteínas são rapidamente sintetizadas e secretadas para o lúmen onde
são armazenadas (Junqueira, 2005).
A alta especialização da glândula de veneno no gênero Bothrops é
representada por uma expressão intensa de um pequeno número de famílias de
proteínas (metaloproteinases, serinoproteinases, fosfolipase A2 (PLA2), lectinas e
outras) e também por uma grande diversidade de toxinas expressas em menor
quantidade (fatores de crescimento de nervos, RNAses e outros), o que contribui
para complexidade protéica do veneno.
5
O fato de existirem transcritos variados é esperado, já que numerosos
estudos propõem a ocorrência de processos acelerados de evolução em venenos
de muitas espécies de Viperidae (Fry et al., 2003), o que contribui para a
diversidade de toxinas encontradas. A variedade de proteínas, enzimas, e
peptídeos biologicamente ativos encontrados no veneno representa de 90 a 95%
do constituinte total e, provavelmente, é responsável pela totalidade dos efeitos
biológicos gerados. Esta diversidade de proteínas relatadas é, em geral, resultado
de genes parálogos que se duplicaram e passaram por um processo acelerado de
evolução (Nakashima et al., 1993; Nakashima et al., 1995; Deshimaru et al.,
1996).
1.3 Características Gerais dos Venenos de Serpentes
Os venenos ofídicos são usados tanto no mecanismo de defesa como de
ataque. Eles contêm componentes direcionados para imobilização e morte de
suas presas bem como para facilitar o processo de digestão (Hider et al., 1991).
Estes venenos são uma complexa mistura de substâncias, em sua maioria de
natureza protéica, que podem interferir bruscamente na homeostase, atuando em
diversos processos fisiológicos. De modo geral são constituídos de neurotoxinas,
cardiotoxinas (citotoxinas), miotoxinas e fatores que alteram a hemostase
(incluindo as hemorraginas) (Mendez & Riet-Correa, 1995).
Dentre as proteínas consideradas não tóxicas, estão as lectinas, fatores de
crescimento de nervos, fatores de crescimentos de vasos endoteliais e enzimas
com pouca ou nenhuma toxicidade, como a catalase, desidrogenase láctica,
alanina amino-transferase, lisofosfolipase, fosfatase alcalina, fosfodiesterase,
desoxiribonuclease, ribonuclease I, amilase, heparinase e NAD-nucleosidase.
6
Dentre os componentes não protéicos encontramos os aminoácidos, aminas
biogênicas, carboidratos, lipídeos, nucleotídeos, riboflavina, ácidos orgânicos,
íons e uma grande quantidade de agentes quelantes de metal como citrato (Meier
et al., 1995; Odell et al., 1998; Odell et al., 1999). Nem todas as proteínas listadas
acima estão presentes qualitativamente no veneno de diferentes espécies e
podem variar bastante no veneno de indivíduos da mesma espécie devido a
fatores como distribuição geográfica, sazonalidade, habitat, dieta, idade e
dimorfismo sexual (Chippaux et al., 1991).
Apesar dos acidentes ofídicos poderem ser mortais, os venenos são
recursos
biológicos
que
contém
vários
componentes de
potencial
valor
terapêutico. Os venenos foram usados no tratamento de uma variedade de
condições fisiopatológicas, na homeopatia e medicina popular. Com o advento da
biotecnologia, a eficácia de tais tratamentos foi confirmada por meio de
purificação de componentes e delineando suas propriedades terapêuticas (Koh et
al., 2006). A partir da obtenção inicial do captopril, o primeiro inibidor da enzima
conversora de angiotensina (ECA), obtido do veneno da Bothrops jararaca até a
aplicação recente de desintegrinas para o tratamento do câncer, os vários
componentes do veneno nunca falharam em revelar novas propriedades (Koh et
al., 2006), confirmando o grande potencial terapêutico das frações (Weber et al.,
2006).
1.4 Componentes dos Venenos do Gênero Bothrops
Os venenos dos ofídios do gênero Bothrops contêm uma mistura complexa
de proteínas com e sem atividade enzimáticas, proteínas de pequena massa
molecular e peptídeos, com atividades químicas e biológicas distintas. Sua
7
composição, em geral, contém hialuronidase, que explica a rapidez da absorção
pelo aumento da perfusão através dos tecidos; hemotoxinas e citolisinas, que
causam inflamação local, necrose e dano ao epitélio vascular; fosfolipase A2 e
esterase, que alteram a permeabilidade da membrana e liberam histaminas e
bradicininas. O veneno possui, também, ação proteolítica ou necrosante,
coagulante, hemorrágica e nefrotóxica (Mendez & Riet-Correa, 1995).
Estas
características estão de modo geral associadas a determinadas famílias protéicas
que
serão
caracterizadas
de
acordo
com
as
atividades
enzimáticas
desempenhadas.
1.4.1 Metaloproteases
As metaloproteases são hidrolases do tipo endopeptidases que dependem
da ligação de um metal, geralmente o zinco, em seu sítio catalítico, para a
manifestação
de
suas
atividades
enzimáticas.
Essas
proteínas
variam
amplamente quanto à filogenia e função sendo encontradas desde bactérias até
mamíferos. As metaloproteases de veneno de serpente (SVMPs) compreendem
um grupo de enzimas que faz parte da superfamília conhecida como metzincinas
que possui o motivo “Met-turn” que se caracteriza pela presença de uma
metionina em volta da estrutura terciária localizada na porção C-terminal do
motivo de zinco (Birkedal-Hansen, 1995). Nos venenos do gênero Bothrops estas
enzimas são os principais fatores hemorrágicos causadores dos mais drásticos
efeitos provocados pelo veneno e, por isso, são geralmente chamadas de fatores
hemorrágicos (Junqueira, 2005).
O mecanismo pelo qual a hemorragia é desencadeada no local da picada
tem participação de dois eventos que parecem estar fortemente relacionados: a
8
degradação enzimática da membrana basal e também o efeito direto sobre as
células endoteliais dos capilares (Haiti et al., 1999; Gutierrez & Rucavado, 2000).
No que se refere à degradação enzimática da membrana basal, sabe-se que as
toxinas
hemorrágicas,
em geral,
representadas pelas metaloproteinases,
possuem uma afinidade específica por proteínas presentes na matriz extracelular,
como por exemplo, o colágeno tipo IV e a laminina, degradando-os (Rucavado et
al., 1995; Rucavado et al., 2002). A destruição da membrana basal e da matriz
extracelular leva a um consequente descolamento e lise das células endoteliais
dos capilares, resultando na morte destas células e no extravasamento de plasma
e de células sanguíneas para o tecido conectivo, caracterizando um tipo de
hemorragia per rhexis ou ruptura (Gutierrez & Rucavado, 2000). No entanto o
potencial hemorrágico das metaloproteinases varia conforme a estrutura destas
toxinas (Lu et al., 2005).
De modo geral metaloproteases clivam, preferencialmente, a região Nterminal de resíduos hidrofóbicos e em alguns casos sofrem autólise gerando
peptídeos não ativos, o que parece ser uma forma de controle pós-traducional
alternativo para a atividade enzimática. Em sua maioria são mais ativas entre pHs
neutros e levemente básicos e podem sofrer uma redução de até 100 vezes na
atividade proteolítica quando o pH varia de 7,5 para 5,0 como, por exemplo, no
caso da acutolisina A (Zhu et al.,1997).
1.4.2 Serinoproteases
As serinoproteases são enzimas capazes de hidrolisar ligações peptídicas
utilizando mecanismos covalentes de catálise, através de uma tríade de resíduos
formada por histidina, ácido aspártico e serina (His, Asp e Ser). A organização
9
desses resíduos em uma conformação espacial da proteína gera um sítio
catalítico muito bem caracterizado, que define esse grupo de proteases. As
serinoproteases desempenham papel fundamental em diversos mecanismos nos
seres vivos como a digestão de proteínas da dieta alimentar (tripsina), participam
da cascata de coagulação sanguínea e em algumas vias de sinalização para
diferenciação e desenvolvimento celular (Perona & Craik, 1997). Elas são
produzidas como zimogênios inativos e, por proteólise, fazem com que o sitio
ativo adquira a conformação catalítica eficiente (Serrano & Maroun, 2005).
As serinoproteases presentes nos venenos botrópicos são caracterizadas
principalmente como enzimas com atividade do tipo trombina e de maneira geral
afetam a cascata de coagulação pela ativação dos componentes sanguíneos
envolvidos na coagulação, fibrinólise e agregação plaquetaria e também pela
degradação proteolítica das células, causando um desequilíbrio no sistema
hemostático da presa (Serrano & Maroum, 2005). De maneira resumida, a
trombina libera os fibrinopeptídeos A e B do fibrinogênio convertendo-o a fibrina
que, por sua vez, é estabilizada pelo fator XIII ativado. A trombina também
intervém no processo hemostático, agindo como ativadora de componentes da
cascata de coagulação, tais como, dos fatores V e VII (Murayama et al., 2003).
1.4.3 Fosfolipases
As fosfolipases (PLA2) são proteínas importantes em uma série de
atividades celulares, já que hidrolizam fosfolipídeos de membrana, gerando
precursores de mensageiros como prostaglandinas, tromboxanas, leucotrienos e
outros
importantes
mediadores
de
fenômenos
fisiológicos
envolvidos,
principalmente, em processos inflamatórios (Oka & Arita, 1991).
10
As PLA2 são particularmente abundantes nos venenos do gênero Bothrops
(Moura-da-Silva et al., 1991; Toyama, 2004) possuindo como atividades, além da
função de hidrólise de fosfolipídio, efeitos cardiotóxicos, anticoagulante,
antiplaquetário,
hemolítico,
inflamatório,
miotóxico
e
neurotóxicos.
Estas
atividades estão geralmente associadas ao fato delas afetarem a integridade da
membrana plasmática das células e também a integridade de vasos e artérias. A
atividade destas enzimas depende da presença de íons cálcio e está ligada à
interação com grandes agregados lipídicos na presença de água, o que permite a
difusão do substrato para o sítio ativo (Vishwanath et al., 1987; Lu et al., 2002).
Os venenos botrópicos apresentam isoformas de PLA2 com atividade miotóxica.
Algumas destas miotoxinas não apresentam atividade enzimática de PLA2
(Gutierrez & Lomont, 1995). Estudos feitos com fosfolipases miotóxicas
demonstraram que, mesmo após a atividade fosfolipásica ter sido inibida,
ocorriam danos musculares e citólise. Uma das hipóteses sugeridas para o
mecanismo de ação das fosfolipases miotóxicas carentes de atividade enzimática
é de que estas moléculas interagem com as membranas biológicas através de
uma região molecular diferente do sítio catalítico. Esta região é formada
provavelmente pela combinação de aminoácidos básicos e hidrofóbicos próximos
da região C-terminal da proteína, permitindo interações eletrostáticas na
bicamada lipídica (Gutierrez & Lomont, 1995).
1.4.4 Desintegrinas
As desintegrinas são proteínas de baixo peso molecular, ricas em pontes
dissulfeto, que contêm uma sequência formada por arginina, glicina e ácido
aspártico (Arg-Gly-Asp) em seu sítio ativo. As desintegrinas clássicas se ligam
11
através desta sequência as integrinas (receptores da superfície celular), como
exemplo temos a jarastatina encontrada no veneno de Bothrops jararaca e
insularina no veneno de Bothrops insularis. Entre as principais desintegrinas já
identificadas nos venenos bothrópicos, encontra-se a jararagina-C, uma proteína
de 28 kDa que corresponde aos domínios desintegrina e rico em cisteína da
jararagina, uma metaloproteinase isolada de Bothrops jararaca. Esta desintegrina,
que possui a capacidade de inibir a agregação plaquetária induzida por colágeno
e por adenosina difosfato (Silva et al., 2003) está constituída por ácido glutâmico,
cisteina e ácido aspártico (Glu-Cys-Asp) (Junqueira, 2005).
1.4.5 Peptídios Biologicamente Ativos
Existem diversos peptídeos biologicamente ativos isolados de venenos de
serpentes e, de modo geral, eles podem apresentar neurotoxicidade (Francischetti
et al., 1997; Fry & Wuster, 2004), cardiotoxicidade (Satora et al., 2003; Tsetlin &
Hucho, 2004) e inibição da atividade plaquetária (Fry & Wuster, 2004; Soares et
al., 2005). Os mais conhecidos e bem caracterizados são os peptídeos
potenciadores de bradicinina (BPPs), primeiramente descritos no veneno de B.
jararaca (Ferreira et al., 1970) e agora reconhecidos em venenos de vários
viperídeos. Esses peptídeos apresentam tamanhos variados, mas todos possuem
um resíduo piroglutâmico no N-terminal e uma estrutura rica em prolinas. O
precursor dos BPPs de jararaca foi o primeiro a ser descrito pela clonagem do seu
cDNA e revelou uma estrutura atípica que apresenta as sequências de 7 BBPs
alternadas por sequências espaçadoras idênticas que se repetem entre os
peptídeos (Murayama et al., 1997). A atividade anti-hipertensiva dos BPPs já foi
demonstrada tanto em modelos animais como em humanos e está diretamente
12
envolvida com a inibição da enzima conversora de angiotensina, a sua descoberta
foi essencial para o desenvolvimento de drogas usadas para o tratamento de
hipertensão humana.
As lectinas do tipo C estão presentes em venenos de todas as famílias
ofídicas. Algumas das lectinas de veneno são capazes de se ligar a carboidratos
(Brinkhous et al., 1983). Porém, muitas outras parecem ter perdido essa
propriedade e são chamadas lectin-like, apenas por conservarem características
estruturais em comum com as lectinas “verdadeiras”. Essas proteínas
dependentes de cálcio são divididas em dois grupos, com o domínio completo
(grupo I) e incompleto (grupo II) de reconhecimento de carboidratos. Possuem
aproximadamente 130 aminoácidos por subunidade e massa molecular de 30
KDa, podendo apresentar variáveis conteúdos de glicosilação. Em um mesmo
veneno, o número de diferentes lectinas é grande e o número de subunidades é
ainda maior (Zingali et al., 1993; Castro et al., 1998).
Essas moléculas podem ser encontradas em diversos venenos, como
exemplos temos a botrocetina, proteína ligadora de glicoproteína e inibidores de
trombina (Zingali et al., 1993; Castro et al., 1998). As lectinas tipo C, símile de
venenos de serpentes, se ligam a uma ampla variedade de fatores de
coagulação, outras proteínas importantes na hemóstase e receptores de plaqueta,
o que evidencia fortemente que elas apresentam mais de um sítio de interação e
que podem interagir com mais de um receptor/proteína (Junqueira, 2005).
13
1.5 Resistência Microbiana
1.5.1 Resistência Bacteriana
As infecções causadas por bactérias multi-resistentes, na maioria das
vezes, estão associadas com infecções adquiridas no ambiente hospitalar,
gerando impacto sócio-econômico devido ao prolongamento do período de
hospitalização, ao aumento da morbi-mortalidade e custos decorrentes da
necessidade de maior número de exames subsidiários, uso de medicamentos
coadjuvantes e necessidade de antibióticos mais potentes, mais tóxicos e mais
caros (Jones, 1996a; Jones, 1996b; Travers & Barza, 2002; Marra et al., 2006).
Tal situação pode ser agravada pelo fato das bactérias multi-resistentes
expressarem mais de um mecanismo de resistência, o que limita as opções
terapêuticas e agrava o quadro clínico (Jacoby & Archer, 1991; Gold, 1996).
Por outro lado, com a crescente prevalência de bactérias multi-resistentes,
sobretudo em Unidades de Terapia Intensiva e a emergência de resistência em
microrganismos que causam infecção comunitária, bem como o aparecimento de
novos mecanismos de resistência em espécies que até então não os
expressavam, demanda o desenvolvimento de novos e mais potentes agentes
antimicrobianos (Gales et al., 2003; Sader et al., 2005).
A emergência de resistência bem como das doenças infecciosas, é uma
consequência frequentemente associada a mudanças sociais, tecnológicas, uso
abusivo e desnecessário de antibióticos, automedicação, uso de desinfetantes na
rotina doméstica, uso em grande quantidade de antibióticos para promover
crescimento animal, uso de doses sub-terapêuticas de agentes antimicrobianos e
as próprias condições ambientais favorecem a propagação de bactérias multi-
14
resistentes (Okeke et al., 1999; Tong & Rothwell, 2000; Russel, 2000; Rebuck et
al., 2000).
Diversos estudos já demonstraram o quanto estes microrganismos tornamse resistentes em tão curto espaço de tempo. De acordo com o Centro de
Controle e Prevenção de Doenças (CDC), de Atlanta, Estados Unidos, as
infecções hospitalares causadas por microorganismos resistentes aumentaram
dramaticamente na década de noventa e, quando comparados aos últimos cinco
anos, para estas observou-se um aumeto de 89% de Pseudomonas aeruginosa
resistente a quinolonas, 55% de Enterococcus resistentes à vancomicina, 30% de
Staphylococcus aureus resistente à meticiclina e Pseudomonas aeruginosa
resistente a imipenem (Murthy, 2001; Pinheiro et al., 2008).
A síntese de diversos antimicrobianos no passado contribuiu para o
tratamento de infecções causadas por bactérias resistentes, entretanto, nos dias
atuais, as bactérias se tornaram mais resistentes aos agentes antimicrobianos
como resultado de mudanças cromossomais, ou pela troca de material genético
via plasmídios ou transposons. Streptococcus pneumoniae, Streptococcus
pyogenes, e Staphylococcus, organismos causadores de infecções respiratórias e
cutâneas, e membros das famílias Enterobacteriaceae e Pseudomonas,
organismos que causam diarréia, infecção urinária e sepsis são agora resistentes
a maioria dos antibióticos mais antigos. Este fato pode ser confirmado pelo
crescimento da prevalência da resistência microbiana aos diferentes grupos de
drogas, tanto no ambiente hospitalar quanto no comunitário (Knothe et al., 1983;
Jones, 1996a).
Estas alterações no perfil de suscetibilidade dos microrganismos
responsáveis pelas infecções em seres humanos começaram a ser observadas
15
após a introdução da penicilina na prática clínica, ocorrida no ano de 1940 (Jones
& Pfaller, 1998; Sader, 2000).
A resistência bacteriana aos antimicrobianos disponíveis comercialmente
tornou-se um problema de interesse mundial uma vez que a disponibilidade de
novas drogas antimicrobianas ativas contra bactérias multi-resistentes reduziu
drasticamente, enquanto que a prevalência de patógenos multi-resistentes
causando infecções em humanos tem crescido rapidamente (Sader, 2000).
Outro problema que tem se tornado extremamente importante em nosso
meio é a resistência aos β-lactâmicos mediada pela produção de β-lactamase de
espectro ampliado (ESBL). Essas β-lactamases são produzidas por espécies
muito frequentes no ambiente hospitalar, como Escherichia coli, Klebsiella
pneumoniae, Proteus mirabilis e mais raramente Enterobacter spp, e degradam
todos os β-lactâmicos com exceção os carbapenens, as cefalosporinas de quarta
geração e as cefamicinas (Bush et al., 1995). A prevalência de amostras
produtoras dessas enzimas varia muito de região para região, mas alguns
estudos mostram que as taxas mais elevadas são encontradas no Brasil e em
outros países da América Latina (Gales et al., 1997; Diekema et al., 1999; Carmo
Filho, 2003).
1.5.2 Resistência Viral
Os vírus, parasitas intracelulares obrigatórios, também desenvolveram
mecanismos de adaptação e resistência às drogas. Estes patógenos necessitam
amplamente dos recursos oferecidos pelas células para se propagarem. Esse
relacionamento íntimo fez com que os vírus desenvolvessem inúmeras
16
estratégias de convívio e escape das defesas do hospedeiro (Galinskas & Janini,
2007).
A evolução dos vírus RNA sofre a influência de três fatores. O primeiro
fator é o fato de que os vírus RNA possuem as taxas de mutação mais elevadas
na natureza, na ordem de 10-3 a 10-5 por nucleotídeo por ciclo de replicação
(Drake, 1993; Domingo & Holland, 1997), o que significa dizer que pode existir a
incorporação de um nucleotídeo errado a cada mil ou cem mil bases copiadas. Os
outros dois fatores são representados pelos fatos de que os vírus RNA possuem
um tempo de geração curto e de que são capazes de constituírem populações
virais de tamanho muito grande (Farell & Davis-Poynter, 1998; Wilson et al.,
1999).
Estes fatores quando combinados, contribuem para que exista um passo
evolutivo acelerado em populações de vírus RNA. As altas taxas de incorporação
de erros inerentes à replicação dos vírus RNA se devem à ausência de atividades
revisoras das enzimas RNA polimerase e transcriptase reversa viral. Embora a
maioria das mutações produzidas durante o ciclo replicativo viral possua um efeito
negativo na capacidade adaptativa do vírus, mutantes que contenham mutações
vantajosas se replicam mais eficientemente que os genomas contendo mutações
deletérias criando um equilíbrio seletivo. Um equilíbrio como este, advindo da
contínua geração de mutantes replicando sob forças seletivas positivas e
negativas que agem no conjunto das unidades replicativas como um todo, leva à
geração de uma população viral, composta por um número alto de genomas
únicos, porém relacionados. Esta população embora dinâmica é altamente
organizada (Domingo et al.,1978; Domingo et al., 2001; Janini, 2006).
17
A base molecular da extrema variabilidade dos retrovírus, como o vírus da
imunodeficiência humana (HIV), é o fato de sua enzima transcriptase reversa não
possuir a propriedade de correção durante o processo de replicação viral,
propriedade esta comum à DNA-polimerase de outros organismos. Esta ausência
de correção resulta em uma taxa de erro na incorporação de nucleotídeos, a taxa
de erro das DNA polimerases está em torno de 10-8 substituições/sítio/ciclo de
replicação. No caso do HIV-1, o seu genoma, com aproximadamente 10 mil pares
de bases, a cada ciclo de replicação adquire em média uma substituição de
nucleotídeos (Overbaugh, 2001). Considerando-se que, a cada dia, são
produzidas em média milhares de novas partículas virais (Markowitz et al., 2003),
é possível imaginar-se a imensa diversidade potencialmente gerada durante o
longo curso da infecção.
Os vírus com genoma grande de DNA que se replicam no núcleo da célula
puderam, durante a sua evolução, levar vantagem baseados no tipo de ácido
nucléico do seu genoma e local de replicação para “adquirir” genes do hospedeiro
e então mimetizar, bloquear e/ou de outra maneira regular a chave dos processos
celulares. Os vírus RNA com replicação citoplasmática são incapazes de alcançar
diretamente genes do hospedeiro. Portanto, tiveram que desenvolver outras
estratégias de fuga. As estratégias de fuga de “replicação errônea”, empregadas
pelos vírus RNA, acabaram por sobrecarregar o sistema imunitário do hospedeiro
por estarem continuadamente criando novos determinantes antigênicos virais
(Chaston & Lidbury, 2001).
Dentre as estratégias desenvolvidas pelos vírus para escapar do efeito do
sistema imunitário encontra-se um processo denominado pirataria molecular,
onde os vírus codificam sua própria versão viral de proteínas celulares. A pirataria
18
molecular favorece o escape viral às pressões imunes do hospedeiro. Durante o
processo de pirataria viral, os vírus frequentemente integram partes do genoma
do hospedeiro em seu próprio genoma ou criam seus próprios genes que são
similares aqueles do hospedeiro (Nevins & Vogt; 1996; Tyler & Fields, 1996;
Poeschla & Wong-Staal, 1997; Flaitz & Hicks; 1998).
Além dos erros na incorporação de nucleotídeos, um processo conhecido
como recombinação homóloga também contribui para a variabilidade genética de
vírus como o HIV-1. Durante a transcrição reversa, a enzima transcriptase reversa
pode “pular” de uma fita de RNA para outra, produzindo uma fita de DNA viral que
contém segmentos dos dois RNA iniciais (Hu & Temin, 1990). Entretanto, para
que a recombinação contribua substancialmente para a geração de diversidade, é
necessário que as duas fitas de RNA encontradas em uma partícula viral sejam
distintas uma da outra, ou seja, é necessário que, anteriormente, tenha ocorrido a
produção de genomas virais “heterozigotos”. Por sua vez, a formação de
genomas “heterozigotos” depende de que, em algum momento, uma única célula
do hospedeiro tenha sido infectada simultaneamente por duas variantes do vírus
(Hu & Temin, 1990; Janini et al., 1998).
Uma consequência da complexidade de populações virais como as
encontradas nos hospedeiros do HIV-1 é que estas populações são capazes de
responder rápida e eficientemente às perturbações do ambiente onde se replicam,
porque oferecem um grande espectro de mutantes sobre os quais a seleção
natural pode atuar. Quando existem alterações no ambiente, por exemplo, pela
administração de drogas antivirais, a presença de um ou mais mutantes mais
aptos a replicar neste novo meio faz com que a população derivada desses
mutantes ganhe aptidão e aumente suas chances de sobreviver. No caso do HIV19
1, a pressão seletiva exercida constantemente pelo sistema imunitário resulta na
adaptação do vírus a novas células-alvo e na manutenção de uma infecção
persistente (Overbaugh, 2001).
1.5.3 Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)
Fatores como migrações, destruição e colonização de ambientes naturais,
falta de infraestrutura sanitária, crescimento populacional desordenado, entre
outros tantos, têm influenciado no surgimento e disseminação de várias doenças
(Hill et al., 1997; Stearns, 1999; Leal & Zanoto, 2000), e um exemplo típico é a
disseminação do HIV.
Introduzido na espécie humana no início do século XX na região de
Kinshasa, República Democrática do Congo (Worobey et al., 2008) o Vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV) ganhou força epidêmica a partir do final da
década de 70. Foi demonstrado que os dois vírus encontrados em humanos são
mais relacionados, cada um a Vírus de Imunodeficiência Símia (SIV) distintos,
sugerindo que possuíam origens evolutivas diferentes (Gao et al., 1999; Santiago
et al., 2002).
A epidemia do HIV é também representada pela presença de variantes
virais as quais estão classificadas em linhagens genéticas distintas. O HIV está
dividido em HIV-1 e HIV-2. O HIV-2 é um vírus cuja maioria das suas infecções
está circunscrita pelo continente africano e possuem geralmente um melhor
prognóstico clínico representado por cargas virais menores e uma maior
preservação do sistema imunitário. O HIV-1 é o principal vírus responsável pela
pandemia e pode por sua vez ser classificado em três grupos; M, N e O. O grupo
M que contém as variantes responsáveis pelo avanço da epidemia está dividido
20
em nove subtipos filogenéticos. Essas linhagens genéticas, também referidas
como subtipos, são representadas pelas letras A-D, F-H, J, e K (Thomson et al.,
2002). Aproximadamente 85% das infecções no Brasil são atribuíveis ao subtipo
B, seguidos pelo subtipo F (20%) e C (5%) (Schor et al.; 2004).
Além dos subtipos, têm sido identificadas na epidemia 48 formas
recombinantes do HIV (HIV Sequence Database, 2010). As formas recombinantes
circulantes são genomas virais recombinados capazes de se estabelecerem em
uma população de indivíduos infectados possuindo, portanto um “status”
epidêmico e podendo desta forma influenciar a disseminação e evolução da
epidemia (Kandathil et al.; 2005).
Embora um estudo publicado recentemente pelo New England Journal of
Medicine mostre que a quimioprofilaxia antirretroviral com emtricitabina e tenofovir
disoproxil (FTC-TDF) oferece proteção contra a aquisição da infeção pelo HIV
(Grant et al., 2010), as drogas disponíveis, até o presente, não produziram
supressão total da replicação viral. O uso dessas drogas, por longo prazo,
ocasiona efeitos colaterais adversos resultando na pouca aderência terapêutica.
Vários estudos tem buscado avaliar estratégias terapêuticas alternativas
(Peçanha et al., 2002).
Frente ao crescimento das taxas de resistência dos vírus aos antivirais
existentes, é urgente que se minimize o processo evolutivo desta resistência por
meio de medidas efetivas de controle de infecção, uso racional de antivirais bem
como a identificação de novas moléculas presentes na natureza que tenham
potente atividade contra estes agentes infecciosos (Almeida et al., 2009).
O desenvolvimento de drogas terapêuticas, a partir do final do milênio,
trouxe uma melhora significativa na compreensão dos mecanismos da ação e da
21
relação de importantes moléculas biológicas, no que se refere a sua estruturafunção (Matos, 2007).
Nas últimas décadas importantes aportes têm sido realizados por cientistas
a partir dos componentes de venenos de animais, e em especial dos venenos
ofídicos. Com a descoberta por Rocha e Silva nos anos 40 da bradicinina,
substância derivada de venenos ofídicos e precursora dos antihipertensivos
inibidores da ECA como o captopril, iniciou-se uma nova etapa na pesquisa e
procura de biomoléculas com grande potencial terapêutica. Algumas pesquisas já
demonstraram que componentes de venenos ofídicos têm potente ação antiviral,
entretanto estudos envolvendo ofídios brasileiros são pouco relatados (Ferreira,
1965).
1.6 Venenos de Serpentes como Antimicrobianos
Peptídeos antimicrobianos (AMPs) têm sido estudados por décadas, e
estão envolvidos na resposta imune inata, sendo considerada como a primeira
linha de defesa em muitos organismos incluindo plantas, insetos, bactérias e
vertebrados (Broekaert et al., 1997; Bulet et al., 1999; Metz-Boutigue et al., 2003).
Como efetores da imunidade inata, os AMPs eliminam diretamente uma grande
variedade de microrganismos, inclusive bactérias Gram-positivas e Gramnegativas, fungos e alguns vírus. Além disso, interagem com o próprio organismo
ativando eventos que complementam sua atividade antibiótica (Gallo et al., 2002).
O primeiro AMP foi isolado da traça Hyalophora cecropia por Steiner et al.
(1981), que a denominou de cecropina, e, até o momento, cerca de 700 peptídeos
antimicrobianos já foram identificados (Ganz, 2003; Perez-Trallero & Iglesias,
2003), incluindo as de bactérias (Chopra et al., 2002), fungos (Nishikawa &
22
Ogawa, 2004), anfíbios (Vanhoye et al., 2003), peixes (Noga & Silphaduang,
2003), insetos (Gobbo et al., 2002) e mamíferos (Rozek et al., 2000). Os AMP,
geralmente têm cerca de 5 kDa, com aminoácidos de caráter hidrofóbico, e
apresentam uma larga margem de atividade antimicrobiana contra bactérias,
fungos ou parasitas, agindo através de sua inserção pela membrana ou através
de sua ligação com receptores de membrana, sendo bastante promissoras para o
desenvolvimento
de
antibióticos,
especialmente
para
o
tratamento
de
microrganismos multi-resistentes (Ganz, 2003).
As infecções por bactérias resistentes e novas formas recombinantes de
vírus se tornam mais comuns a cada dia, por isso precisa-se procurar por outras
variantes antimicrobianas efetivas e onde os venenos ofídicos e suas frações
representam uma importante alternativa.
Estudos envolvendo ofídios brasileiros são pouco relatados. Assim, tanto as
proteínas quanto os peptídeos isolados de venenos ofídicos desta região, podem
constituir uma alternativa na obtenção de antimicrobianos.
1.6.1 L-Amino Ácido Oxidase (LAO)
Skarnes (1970) foi um dos primeiros a mostrar os efeitos antimicrobianos
induzidos pela Enzima L-Amino Ácido Oxidase (LAO) isolada do veneno total de
Crotalus adamanteus. Stiles et al. (1991) também mostraram que duas LAO
isoladas do veneno total de Pseudechis australis mostraram uma forte atividade
antimicrobiana tanto contra as bactérias Gram-positivas como Gram-negativas.
Há alguns anos Tempone et al. (2001) mostraram que a LAO do veneno de
Bothrops moojeni destruíram promastigotas de Leishmania spp “in vitro” e
mostraram uma possível ação terapêutica contra a leishmaniose e outros
23
parasitas. Nessa pesquisa a atividade leishmanicida está associada à produção
de peróxido de hidrogênio (H202). Experimentos mostraram que a catalase inibiu
significativamente o efeito leishmanicida da LAO de Bothrops moojeni. Desta
forma a atividade enzimática desta proteína pode ser extremamente importante
para a atividade antibacteriana (Tempone, 1999).
1.6.2 Fosfolipase A2 (PLA2)
Buckland & Wilton (2000) fizeram uma correlação entre o aumento da
expressão das PLA2 secretórias do grupo II (presentes nos venenos de serpentes
crotálicas e vipirídicas e nas células humanas) com a progressão de infecções.
Contudo a importância desta enzima no combate às infecções só foi claramente
estabelecida com sua caracterização estrutural e molecular. Existem vários tipos
de peptídeos antibacterianos produzidos por vertebrados. Estes têm, na
membrana bacteriana, seu principal sítio de atividade (Granz & Lehre, 1998). As
PLA2 secretórias classe II mostraram, devido à capacidade de hidrólise da
membrana, habilidade de penetração de Staphylococcus aureus, o que foi
confirmado por estudos de cinética enzimática realizados com Micrococcus leteus
(Buckland & Wilton, 2000). Estes também evidenciaram que essa atividade foi
capaz de reduzir significativamente a sobrevivência das bactérias, pelos danos
causados à integridade da membrana. Trabalhos realizados por Qu & Lehrer
(1998), comprovaram que a atividade antibacteriana era dependente da atividade
enzimática das PLA2.
1.6.3 Crotaminas
As crotaminas, além de sua atividade miotóxica, também promovem a
liberação de histamina em mastócitos, o que poderia explicar sua atividade
24
analgésica. Foram recentemente descritos que seus efeitos estão relacionados à
dose e ao tempo de exposição, podendo ser 30 vezes mais potente que a morfina
(Mancin et al., 1997; Mancin et al., 1998).
A crotamina possui grande semelhança molecular com
-defensinas.
Siqueira et al. (2002) mostraram que a crotamina possui estrutura secundária e
terciária semelhante às
-defensinas. A atração eletrostática e a interação
hidrofóbica, incluindo hormônios e peptídeos citolíticos, são responsáveis por
promover os estágios iniciais de adesão a polipeptídeos ativos de membrana
incluindo hormônios e peptídeos citolíticos (Nicastro et al., 2003).
Provavelmente o efeito antibacteriano da crotamina poderia estar
relacionado à presença de cargas positivas, presentes em sua estrutura
molecular. Vários trabalhos mostram que peptídeos catiônicos apresentam alta
afinidade por lipopolissacarídeos, os quais são os principais componentes da
membrana externa de bactérias Gram-negativas. Apesar da crotamina ser
descrita como neurotoxina, Nicastro et al. (2003) mostraram que ela apresenta
grande semelhança estrutural com as
antimicrobianos
produzidos
naturalmente
-defensinas, que são peptídeos
por
animais.
Estes
peptídeos
caracterizam-se pela presença de três pontes dissulfeto e de vários resíduos de
aminoácidos básicos.
1.6.4 Venenos Ofídicos com Atividade Antibacteriana
As serpentes apresentam grande quantidade de bactérias patogênicas na
cavidade oral e em seus dentes, no entanto, o envenenamento apresenta baixa
incidência de infecções bacterianas, o que pode indicar a presença de moléculas
antimicrobianas nos venenos, protegendo-as, assim, durante a alimentação
25
(Talan et al., 1991). Os primeiros estudos mostraram que o veneno de serpentes
da família Viperidae tem ação contra espécies de Sarcina (Glaser, 1948), e que
Naja spp. e Hemachatus haemachatus apresentavam uma proteína básica de
baixa massa molecular com atividade lítica ou citotóxica (Aloof-Hirsch et al.,
1968). Ambos venenos, foram capazes de romper as membranas fosfolipídicas de
Staphylococcus aureus e E. coli. Stocker & Traynor (1986) descreveram efeitos
inibitórios dos venenos de Naja naja soutratrix, Vipera russelli e Crotalus
adamanteus em Escherichia coli. Stiles (1991) identificou em 30 diferentes
venenos de serpentes asiáticas, africanas, australianas e norte-americanas
importante atividade antibacteriana.
Skarnes (1970) descreve que a enzima L-aminoxidase do veneno de
Crotalus adamanteus tem ação sobre bactérias Gram-positivas. A mesma enzima
do veneno Agkistrodon halus atua inibindo a atividade de E.coli e S.aureus (Yan
et al., 2000), e a encontrada no veneno de Bothrops alternatus inibe
Pseudomonas aeruginosa (Stabely et al., 2004) e a de Trimerusurus jerdoni age
inibindo a atividade de Bacilus megaterium (Lu et al., 2002). LAO1, uma Laminoxidase encontrada no veneno de Psedechis autralis, é cerca de 70 vezes
mais eficiente que a tetraciclina contra Aeromonas (Stiles et al., 1991). In vitro, a
L-aminoxidase de B. moojeni, provoca a morte em diferentes espécies de
Leishmania, podendo assim atuar como agente terapêutico contra leishmaniose e
também outras infestações intracelulares provocadas por parasitas (Tempone et
al., 2001).
Duas fosfolipases isoladas do veneno de Bothrops asper, agem de forma
direta tanto em bactérias Gram-positivas como Gram-negativas. Um dos
homólogos Lys49PLA2 é cataliticamente inativo, mostrando que esta atividade é
26
independente da atividade bactericida (Páramo et al., 1998). Em Bothrops
jararacussu, miotoxinas do tipo I e II, apresentam atividade antimicrobiana contra
Xanthomonas axonopodis. pv. Passiflorae (bactérias Gram-negativas) (Barbosa et
al., 2005).
Os
peptídeos
antimicrobianos
são
considerados
uma
promissora
alternativa contra o crescente número de bactérias resistentes aos antibióticos
atuais. No entanto, estes peptídeos encontram como limitação o fato de
apresentarem alta toxicidade (Zasloff, 2002). Em geral, peptídeos com um ou
mais resíduos de triptofano são altamente hemolíticos, sugerindo que a alta
hidrofobicidade destes peptídeos interagem tanto em membranas de seres
procariotos como também em eucariotos (Hancock & Scott, 2001). Santamaría et
al. (2005) sintetizaram 10 variações de peptídeos antimicrobianos provenientes da
serpente B. asper e constataram que substituições de tirosina por triptofano
aumentam a potencia anti-bacteriana contra bactérias Gram-positivas (S. aureus)
e Gram-negativas (Salmonella typhimurium) e reduzem a ação citolítica.
Recentemente, alguns trabalhos demonstraram atividade do veneno de
várias
serpentes
como
Crotalus
adamanteus,
Oxyuranus
microlepidotus,
Bungarus candidus, Hyrophis cyanocinctus, Naja naja naja, Notechis aterater,
Naja sumatrana, Naja kaouthia com atividade sobre bactérias Gram-positivas e
negativas (Perumal et al., 2006; Radis-Baptista et al., 2006; Nair et al., 2007).
1.7 Venenos Ofídicos e Antivirais
As biomoléculas que constituem os venenos apresentam grande potencial
terapêutico. Os venenos de serpentes são uma mistura de proteínas, peptídeos
(90-95%),
incluindo,
também,
aminoácidos
livres,
nucleotídeos,
lipídeos,
27
carboidratos e elementos metálicos ligados a proteínas (5%). Estes componentes
podem apresentar diferentes atividades biológicas que afetam variados processos
fisiológicos como a neurotransmissão, sistema complemento e a homeostase,
mas também podem apresentar efeitos antigênicos (Tu, 1988; Stocker, 1990;
Mion et al., 2002; Gornitskaia et al., 2003; Teixeira et al., 2003; Lewis & Gutmann,
2004).
Estudos publicados nos últimos anos informam a identificação frações de
venenos ofídicos com efeito antiviral (Borkow & Ovadia, 1999; Fenard et al., 2001;
Petricevich & Mendoça, 2003; Zhang et al., 2003; Villarrubia et al., 2004; RadisBaptista et al., 2006; Perumal et al., 2006; Nair et al., 2007; Shivaji, 2007;
Sant´Ana et al., 2008).
Frações não citotóxicas do veneno da Crotalus durissus terrificus
apresentaram potente ação inibitória da replicação do vírus do sarampo em
células Vero (Petricevich & Mendoça, 2003).
Uma pesquisa feita utilizando quatro citotoxinas isoladas do veneno ofídico
da espécie Naja nigricollis mostrou uma destruição seletiva de células infectadas
com o vírus Sendai (Borkow & Ovadia; 1999).
As LAOs são flavoenzimas que apresentam atividade antiviral contra o
vírus da Dengue obtidas do veneno da Bothrops jararaca. Em um estudo recente,
células infectadas com o vírus da dengue tipo 3 (DENV-3), e tratadas com LAO
isolada do veneno de Bothrops jararaca mostraram uma diminuição da carga viral
quando comparadas com células infectadas com o mesmo vírus e não tratadas
com enzimas do veneno (Sant´Ana et al.; 2008).
28
1.7.1 Venenos Ofídicos com Atividade Anti-HIV
As atividades farmacológicas do veneno de serpentes são complexas e
ainda existe pouco conhecimento sobre os mesmos. Os mecanismos da ação dos
venenos de cobra contra o HIV são mediados através de vários níveis, como
homologia estrutural, interferência de ligação (receptor/enzima), catalisador ou
inibidor da atividade por meio de enzimas, e indução/interação ao nível da
membrana (Ramachandran et al., 2009).
A entrada do HIV nas células é mediada através da ligação da
glicoproteína do envelope-gp120 (Kwong et al., 1998). Há uma notável
similaridade entre a sequência de 164-174 do segmento curto da gp120 do HIV-1
e os resíduos 30-40 do aminoácido da cadeia longa das neurotoxinas do veneno
de serpentes como a Naja naja siamensis e a Bungarus multicinctus (Neri et al.,
1990; Sönnerborg & Johansson, 1993). Assim, ambos podem competir pelo
mesmo receptor ou sítio de ligação do HIV.
A “Immunokine”, um derivado oxidado da alfa-toxina, extraído da cobra
Naja naja siamensis, tem se monstrado inibidora da infecção de linfócitos pelo
HIV e vírus da imunodeficiência felina (FIV), através dos receptores das
quimiocinas CCR5 e CXCR4 (Shivaji, 2007). Desde sua descoberta em 1996, os
dois principais co-receptores (CCR5 e CXCR4) utilizados pelo vírus da
imunodeficiência humana 1 (HIV-1) para entrar nas células humanas, tem sido
objeto de numerosos artigos científicos (Moore et al., 2004; Murray et al., 2010).
Os venenos ofídicos contém inibidores de metaloproteases (Fernard et al., 1999;
Da Silva et al., 2007) que poderiam impedir a produção de novos vírus através da
inibição das enzimas proteases.
29
O HIV infecta as células CD4 do corpo humano e insere o seu próprio
código genético no DNA da célula. Em seguida, células CD4 sintetizam o novo
material genético e as proteínas virais. Os inibidores da protease são utilizados
para bloquear a enzima protease e impedir a célula de produzir novas partículas
virais (De Souza, 2005).
A L-aminoxidase (LAO), obtida a partir do veneno da víbora asiática
Trimeresurus stejnegeri, foi purificada e clonada em concentrações que
mostraram pouco efeito sobre a viabilidade celular. Entretanto a LAO exibiu
inibição da infecção e da replicação do HIV-1 dependente da dose. Este é o
primeiro relato da potencial atividade antiviral mostrada pela LAO extraída a partir
de venenos de serpente (Zhang et al., 2003).
A LAO, presente no veneno da Trimeresurus stejnegeri (Zhang et al.,
2003), Crotalus atrox e Pseudechis australis (Du & Clemetson, 2002), inibe a
infecção e a replicação do HIV através do antígeno p24 em uma forma
dependente da dose (Zhang et al., 2003). A presença do antígeno p24 está
diretamente relacionada com a carga viral (Brown et al., 1995). Além da ligação
da proteína da membrana celular, o peróxido de hidrogênio (H2O2), um radical
livre do oxigênio, poderia inibir a infecção e a replicação do HIV, melhorando
ainda mais a atividade antiviral. Em contraste, a catalase utiliza o H2O2 como
substrato degradando-o e assim reduz a atividade antiviral (Zhang et al., 2003).
Recentemente, alguns estudos com venenos de várias serpentes, como as
Crotalus adamanteus, Oxyuranus microlepidotus, Bungarus candidus, Hyrophis
cyanocinctus, Naja naja naja, Notechis aterater, Naja sumatrana e Naja kaouthia
mostraram atividade contra o HIV (Radis-Baptista et al., 2006; Perumal et al.,
2006; Nair et al., 2007). A LAO é também um importante componente do veneno
30
de cobra Rhodostoma calloselasma, que induz apoptose celular e apresenta
atividade antibacteriana e anti-HIV (Moustafa et al., 2006).
Outro exemplo da atividade anti-HIV das biomoléculas extraídas dos
venenos é a fosfolipase A2 (PLA2). Essa fosfolipase tem sido associada com uma
variedade de efeitos biológicos, embora não tenha nenhum efeito sobre a ligação
do vírus às células, nem sobre a formação de sincícios. Entretanto, evita através
de um mecanismo não conhecido, a liberação intracelular da proteína do
capsídeo viral, sugerindo que as mesmas bloqueiam a entrada do vírus nas
células antes e independentemente do uso do co-receptor. A atividade antiviral
parece envolver uma interação específica da PLA2 com as células hospedeiras.
Uma pesquisa desenvolvida com 12 peptídeos sintéticos derivados da
PLA2, contida em venenos, apresentou atividade contra o HIV. O peptídeo p3bv
bloqueia a ligação do HIV-1 às células T, pois se liga ao receptor CXCR4 (Fernard
et al., 2001). Desta forma, as partículas virais não são capazes de se ligarem às
células e transcorrido um determinado período de tempo tornam-se inviáveis ao
não conseguirem se multiplicar.
Em uma pesquisa desenvolvida por Villarrubia, a crotoxina, fosfolipase
isolada do veneno de Crotalus durissus terrificus (PLA2-Cdt), apresentou
atividade contra o HIV in vitro. O efeito anti-HIV da PLA2-Cdt (inibição de gp24)
decorre provavelmente da sua capacidade de desestabilizar alguns receptores de
ligação (heparanos) (Villarubia et al., 2004).
As quimiocinas e seus derivados formam uma classe de inibidores do HIV
e poderiam ser potenciais agentes terapêuticos (Howard et al., 1999). Estes
fatores são capazes de competir com a glicoproteína (gp120) do envelope viral
para se ligar ao receptor (Chan & Kim, 1998; Berger et al., 1999). Peptídeos e
31
pequenas moléculas tem sido previamente descritos por sua capacidade de
bloquear a entrada do HIV através de ligação com o CXCR4 (Doranz et al., 1997;
Murakami et al., 1997; Schols et al., 1997).
O Celsentri é um medicamento antirretroviral usado no tratamento da
infecção pelo HIV-1. Sua substância ativa é o maraviroque, membro da classe
terapêutica conhecida como antagonistas do CCR5. O Celsentri impede a entrada
do HIV-1 nas células CD4 ou células T, que são atacadas pelo HIV. O Celsentri
age bloqueando a interação com a proteína gp120 (Pugach et al., 2008). Alguns
venenos agem de forma semelhante ao maraviroc e apresentam atividade antiHIV. Um estudo desenvolvido por Shivaji, (2007) revelou a presença de peptídeos
não tóxicos derivados do veneno de alguns ofídios como o polipeptídio O3
(PPO3) e que inibem a infecção por HIV bloqueando os co-receptores CCR5 e
CXCR4. Em outro estudo o peptídeo p3bv bloqueia a ligação do HIV-1 às células
T, ligando-se ao co-receptor CXCR4 (Fenard et al., 2001). Desta forma, se a
partícula viral não consegue se ligar a um dos co-receptores (CCR5/CXCR4) ou a
ambos não poderá inserir seu material genético na célula alvo, e transcorrido um
período de tempo a partícula viral se torna inviável (Moore et al.; 2004).
Têm sido demonstrado que venenos ofídicos têm efeitos benéficos no
tratamento de determinadas doenças, incluindo drogas resistentes à infecção pelo
HIV (Ramachandran et al., 2009).
Embora tenham ocorrido alguns avanços na elaboração de drogas
antirretrovirais, tornando as infecções por HIV até certo ponto clinicamente
controláveis, e vários progressos tenham sido alcançados na tentativa de
elaboração de vacinas, ainda não existe um medicamento que possa eliminar o
HIV nem uma vacina capaz de prevenir a infecção.
32
Se compararmos os estudos envolvendo venenos de ofídios brasileiros
com
pesquisas
realizadas
em
outras
regiões
do
planeta
com
menor
biodiversidade, exemplo a China, podemos perceber que as pesquisas brasileiras
ainda são poucas, e em quantidade ainda menor quando relacionadas às
atividades antimicrobianas dos venenos.
Durante o desenvolvimento desse trabalho realizamos uma revisão na
literatura científica das atividades biológicas dos componentes do veneno de
Bothrops jararacussu cujo resultado está representado a seguir.
Componente do Veneno
Atividade biológica
Referência bibliográfica
Fosfolipases A2
Atividade hipotensora
(Ferreira et al., 1992 &
Gutiérrez et al.,1995)
Fosfolipases A2
Atividade anticoagulante
(Roberto et al., 2004)
Fosfolipases A2
Atividade bactericida contra
E.coli e Staphylococcus
aureus.
(Roberto et al., 2004)
Fosfolipases A2
Lectinas
Efeito antitumoral sobre
adenocarcinoma de mama,
leucemia T humana e tumor
ascítico de Erlich.
Efeito antitumoral sobre
Tumores renais e
pancreáticos
(Roberto et al., 2004)
(Pereira-Bittencourt et al.,
1999)
Quadro 1. Atividades biológicas dos componentes do veneno de Bothrops jararacussu.
33
2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
•
Avaliar a atividade não citotóxica do veneno bruto isolado da Bothrops
jararacussu em células mononucleares do sangue periférico.
2.2 Objetivos Específicos
•
Padronizar a obtenção de células mononucleares do sangue periférico para
utilizar em cultura de células.
•
Estabelecer as concentrações ideais de fitohemaglutinina e interleucina-2
capazes de estimular a proliferação das células mononucleares do sangue
periférico.
•
Identificar a concentração não citotóxica do veneno bruto sobre as células
mononucleares do sangue periférico.
34
3. MATERIAIS E MÉTODOS
Seguem-se dois fluxogramas com o delineamento geral da pesquisa para
melhor entendimento da descrição metodológica.
Coleta de Sangue
n=12
Testes
Sorológicos
(negativos)
Leucograma
(líquido de Turck)
Distensão celular para
contagem diferencial
Separação das células
mononucleares em meio
gradiente de densidade
(Ficoll - Paque)
Teste de
viabilidade
celular
Grau de Pureza e
distensão celular em
coloração Giemsa
Grau de recuperação
(contagem das CMN na
Câmara de Neubauer)
Cultivo das CMN
Figura 01: Fluxograma das atividades realizadas com intuito de padronizar a obtenção
de células mononucleares do sangue periférico (CMN) para cultura celular.
35
3.1 Padronização da Quantidade de Fitohemaglutinina (PHA) e Interleucina-2
(IL-2) Ideal para Utilização no Cultivo Celular
Foram realizados testes de avaliação da concentração ideal de PHA e IL-2
sobre as CMN. Foi utilizada uma solução estoque de PHA ótima (1 µg/mL), da
qual foram retirados 90 µL da solução estoque e diluída em 810 µL de RPMI. Foi
preparada uma solução subótima de PHA = 125 µL (a PHA do estoque foi diluída
em 2375 µL de RPMI). Posteriormente foi testada a IL-2 (ótima) tirando-se 9 µL da
solução estoque e diluída em 81 µL de RPMI. Essas concentrações foram
adicionadas em triplicata aos poços da placa de cultivo celular contendo 2 x 105
células/mL.
Extração do veneno
ofídico
Filtração,
liofilização e
acondicionamento
do veneno bruto
Cultivo celular de CMN
(IL-2 + PHA)
Controle Positivo
CMN + veneno
Controle
Negativo
CMN
sem veneno
Ensaio de Citotoxicidade
Identificação
da concentração não
citotóxica do veneno bruto
Figura 02: Fluxograma das atividades realizadas para avaliar a concentração não
citotóxica do veneno bruto para as CMN.
36
3.2 Extração de Venenos
Os venenos das serpentes, mantidas no serpentário do Centro de Estudos
e Pesquisas Biológicas (CEPB) da Pontifícia Universidade Católica de Goiás
(PUC-GO), foram extraídos por massagem manual da glândula de veneno, logo
após, foram clarificados por centrifugação a 10.000 rpm durante 15 minutos a 4ºC,
e em seguida, liofilizados e acondicionados à -86 ºC.
3.3 Casuística
Participaram do presente estudo 12 indivíduos de ambos os sexos, faixa
etária de 20 a 30 anos, saudáveis. Após esclarecimento sobre a pesquisa os
voluntários assinaram o Termo de Consentimento de Livre Esclarescimento
(TCLE) aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal de
São Paulo/Hospital São Paulo (apêndice). Foram colhidos 20 mL de sangue
venoso para obtenção das CMN e realização da sorologia.
3.4 Obtenção de Células Mononucleares de Sangue Periférico para Cultivo
Celular
As células mononucleares de sangue periférico utilizadas em nosso estudo
foram obtidas de indivíduos com sorologia negativa para Anti-HBc, HBs-Ag, AntiHCV, Anti-HIV 1 e 2, Anti-HTLV 1 e 2, VDRL e Doença de Chagas. Após a coleta
do sangue venoso em tubos Vacutainer heparinizados foi realizada uma distensão
sanguínea para contagem diferencial e uma leucometria utilizando-se líquido de
Turck.
As células mononucleares (CMN) foram obtidas pela técnica de separação
celular por gradiente de densidade (Ficoll-paque, densidade = 1,077 g/L,
Amersham). Posteriormente realizou-se um teste de viabilidade celular com o
37
corante de exclusão Azul de Trypan, uma distensão celular com coloração de
Giemsa para verificar o grau de pureza da amostra e a contagem das CMN na
Câmara de Neubauer para avaliar o grau de recuperação celular. As células
foram mantidas em meio RPMI 1640 (Gibco-BRLTM, Grand Island, NY, EUA)
acrescido de 10% de Soro Fetal Bovino (SFB).
3.5 Protocolo para a Proliferação de Linfócitos por Mitógeno
Amostras de 2 x 105 CMN em meio RPMI-1640 completo foram
adicionadas em triplicatas a placas de cultivo celular (96 escavações) e cultivadas
em câmara úmida, com atmosfera de 5% de CO2 em ar, a 37 °C, por 72 h, na
presença da PHA (dose ótima/subótima) e/ou IL-2. A proliferação dos linfócitos foi
avaliada através da contagem na câmara de Neubauer.
3.6 Prova de Viabilidade Celular
Antes de aplicar as diferentes concentrações do veneno nas CMN realizouse um teste de viabilidade celular com o corante de exclusão Azul de Trypan que
tem uma afinidade maior por proteínas do soro do que por proteínas celulares e
onde as células não viáveis ficam coradas de azul.
Inicialmente se preparou uma suspensão celular em uma solução de sais
balanceada. Administrou-se uma solução de Azul de Trypan e de PBS. Após 15
minutos em repouso as células foram pipetadas em câmara de Neubauer. As
células não viáveis ficarão coradas de azul.
A viabilidade celular foi calculada pela seguinte fórmula:
Viabilidade Celular (%) = total de células viáveis (não coradas) / total de células
(coradas e não coradas) x 100.
38
3.7 Condições de Cultivo de Células Mononucleares do Sangue Periférico
sem e com Veneno
A partir da padronização do cultivo celular um total de 2 x 105 células foram
ativadas com 1µg de Fitohemaglutinina/mL (Pharmacia) e mantidas com 20 UI de
Interleucina-2 /mL (Amersham) a 37 0C com atmosfera de 5% de CO2 por até 72 h
após administração das diferentes concentrações do veneno ofídico. As células
foram mantidas em cultivo em meio RPMI 1640 (Gibco-BRLTM, Grand Island, NY,
EUA) acrescido de 10% de Soro Fetal Bovino (SFB) inativado, 2 mM de Lglutamina (Gibco-BRLTM), por 72 horas. As garrafas e placas de culturas foram
monitoradas diariamente quanto à contaminação com agentes microbianos tais
como bactérias, fungos filamentosos e leveduras em microscópio óptico de luz
invertida (Nikon).
3.8 Ensaios de Citotoxicidade
Amostras de 100 µL com uma concentração de 2 x 105 foram adicionadas
em triplicatas a placas de cultivo celular (96 escavações) acrescentou-se IL-2 (1
µL) em cada poço e 10 µL de PHA (dose ótima). Após 24 h de cultivo em câmara
úmida, com atmosfera de 5% de CO2 em ar, a 37 0C foram administrados 20 µL
do veneno de Bothrops jararacussu nas seguintes concentrações: 5 µg/mL; 0,5
µg/mL e 0,05 µg/mL (Figura 06). Após pesado na balança o veneno foi dissolvido
em 1 mL de RPMI com 10% de SFB.
As CMN foram expostas ou não a concentrações do veneno de Bothrops
jararacussu durante um período de tempo de até 72 h. Em momentos diferentes
alíquotas de células de cada escavação foram retiradas, homogenizadas com 5
µL de solução de Azul de Trypan 8% e contadas na câmara de Neubauer.
39
3.9 Análises de Dados
Para avaliar a associação entre as leituras intra e inter-observador da
contagem de leucócitos foi utilizada a correlação de Spearman. Nas tabelas e
figuras restantes utilizamos como metodologia a estatística descritiva.
40
4. RESULTADOS
Durante o processo de padronização da pesquisa foram realizadas
distensões celulares das amostras sanguíneas para a contagem diferencial.
Simultaneamente foi realizado um leucograma de cada amostra cuja leitura foi
avaliada intra e inter-observador.
4.1 Associação Intra e Inter-observador da Contagem de Leucócitos de
Amostras de Sangue Periférico.
Para se avaliar a associação intra e inter-observador da contagem de
leucócitos intra e inter-observador foram realizadas duas leituras de um mesmo
ensaio por um único observador ou por dois grupos distintos de observadores,
respectivamente (Figuras 3, 4 e 5).
12000
11000
10000
9000
8000
7000
6000
5000
5000
6000
7000
8000
9000
10000
11000 12000
Contagem de Leucócitos/mm3 – Leitura 1
Figura 03: Associação intra-observador da contagem de leucócitos/mm3 em câmara de
Neubauer (r = 0,99, P < 0,001, correlação de Spearman).
41
12000
11000
10000
9000
8000
7000
6000
5000
5000
6000
7000
8000
9000
3
10000
11000
12000
Figura 04: Associação inter-observador (1 e 2) da contagem de leucócitos/mm3 em
câmara de Neubauer (r = 0,92; P < 0,001, correlação de Spearman).
12000
11000
10000
9000
8000
7000
6000
5000
5000
6000
7000
8000
9000
3
10000
11000
12000
Figura 05: Associação inter-observador (1 e 3) da contagem de leucócitos/mm3 em
câmara de Neubauer (r = 0,92 ; P < 0,001, correlação de Spearman).
42
Como apresentado na figura 3, houve correlação significativa quando as
duas leituras de um mesmo experimento foram efetuadas por um único
observador. Ou seja, como a correlação de Spearman (r) foi alta (0,99) e
significativa (P<0,05) houve associação entre as leituras, mostrando uma alta
associação entre as variáveis. Também foi verificada uma correlação alta e
significativa (r = 0,92; P < 0,001) quando a leitura de um mesmo experimento foi
realizada por dois observadores distintos (Figura 4 e 5), indicando que houve
associação estatística entre as leituras efetuadas por diferentes observadores.
4.2 Avaliação da Separação de Células Mononucleares (CMN) em Meio
Gradiente de Densidade (Ficoll-paque)
Após a separação das CMN, a partir do sangue venoso de doze indivíduos
doadores normais pela centrifugação em meio gradiente de densidade Ficoll, foi
avaliado o grau de recuperação e contaminação da amostra celular. Como
apresentado na Tabela 1, a recuperação de CMN durante a padronização foi
aumentando progressivamente com uma viabilidade celular constante, sempre
superior a 95%
Tabela 01: Análise da recuperação, viabilidade, contagem diferencial e grau de pureza
após separação de CMN do sangue venoso de doadores sadios.
Amostras
%
Recuperação
de CMN
%
Viabilidade
das CMN
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
40
41
51
52
63
72
75
79
81
82
85
86
> 95
> 95
> 95
> 95
> 95
> 95
> 95
> 95
> 95
> 95
> 95
> 95
Média
Desvio padrão
67.25
14.88
-----
%
Composição celular por amostra
Linfócitos Monócitos Polimorfos
60
62
68
63
68
66
58
61
65
57
52
70
62.50
5.21
37
34
30
28
28
32
34
34
32
41
45
26
33.42
5.40
3
4
2
9
4
2
8
5
3
2
3
4
4.08
2.25
%
Grau de
pureza
97
96
98
91
96
98
92
95
97
98
97
96
95.92
2.25
43
A recuperação média de células mononucleares foi de 67,3%, com uma
viabilidade celular superior a 95%. Nas 12 amostras analisadas o grau de pureza
foi sempre superior a 90% (Tabela 01).
4.3 Avaliação da Concentração Ideal de Fitohemaglutinina e Interleucina – 2
(IL-2).
A partir de uma cultura inicial de 2 x105 de CMN foram adicionadas PHA e
IL-2 nas doses ótima e subótima isoladamente, e, PHA e IL-2 em conjunto nas
doses ótima e subótima. Os resultados podem ser observados na Tabela 2.
Tabela 02: Análise do crescimento celular de 2 x 105 células induzido pelas
concentrações de PHA e/ou IL-2 durante 72 horas.
Concentrações de PHA e/ou IL-2
PHA ótima
PHA subótima
IL-2 ótima
IL-2 subótima
PHA ótima + IL-2 ótima
PHA subótima + IL-2 subótima
Controle
24h
5
5,1 x 10
5
16 x 10
5
10 x 10
5
6,5 x 10
5
2,6 x 10
5
11,3 x 10
5
4,2 x 10
Quantidade de células
48h
72h
5
5
6,5 x 10
6,9 x 10
5
5
12 x 10
11 x 10
5
5
7,8 x 10
6,4 x 10
5
5
8,4 x 10
12,6 x 10
5
5
4,4 x 10
4,7 x 10
5
5
11,7 x 10
14,2 x 10
5
5
3,6 x 10
1,3 x 10
Média
5
6,17 x 10
5
13,0 x 10
5
8,07 x 10
5
9,17 x 10
5
3,90 x 10
5
12,4 x 10
5
3,03 x 10
Após este teste foi verificado um rápido crescimento celular. Foi observada
que a ativação na dosagem de PHA subótima acrescida com IL-2 apresentou
melhores resultados comparada com a dosagem de PHA ótima e subótima sem
IL-2.
44
4.4 Avaliação da Atividade Não Citotóxica do Veneno de Bothrops
Quantidade de Células (CMN)
jararacussu.
2 x 105
Controle Negativo
2x105 CMN/mL
Concentração - I:
0,05µg/mL do veneno
Concentração - II:
0,5 µg/mL do veneno
8 x 104
Concentração - III:
5 µg/mL do veneno
2 x 104
2 x 103
0
24
48
72
Tempo (horas)
Figura 06: Atividade citotóxica de diferentes concentrações do veneno de Bothrops
jararacussu para CMN nos tempos 0, 24, 48 e 72 horas.
A maior concentração do veneno de Bothrops jararacussu (5 µg/mL)
mostrou uma elevada citotoxicidade celular. Após as primeiras 24 h a quantidade
de CMN diminuiu rapidamente (Figura 06).
A concentração II do veneno (0,5 µg/mL) mostrou menor citotoxicidade
comparada com a concentração III do veneno. Na contagem celular realizada
após 24 h de interação do veneno (concentração II) com as CMN existiam
aproximadamente 8 x 104 CMN, produzindo uma elevada perda no número de
células. Após 48 h, a contagem celular revelou a presença de 2 x 103 CMN,
45
número muito inferior ao valor inicial, evidenciando a atividade citotóxica do
veneno (Figura 06).
A concentração I (0,05 µg/mL) mostrou pouca variação na quantidade de
CMN durante as contagens celulares realizadas às 24, 48 e 72 horas.
Apresentando baixa atividade citotóxica (Figura 06).
46
5. DISCUSSÃO
As publicações científicas que relatam a atividade citotóxica do veneno da
Bothrops jararacussu são escassas. Os acidentes crotálicos (6,2%) são mais
letais e menos frequentes do que os botrópicos (73,1%), (FUNASA, 2001). É
provável que esse seja o principal motivo pelo qual os venenos botrópicos não
são tão pesquisados.
O presente trabalho visou melhor entender o fenômeno de citotoxicidade
do veneno da cobra Bothrops jararacussu e, de se reproduzir o mais fielmente
possível o que ocorre in vivo.
No processo de padronização do ensaio de citotoxicidade natural foram
verificados, primeiramente, os graus de recuperação, viabilidade e contaminação
da suspensão de CMN obtidas pela centrifugação em gradiente (Ficoll). A
recuperação foi superior a 67% e a contaminação com polimorfonucleares foi
igual ou inferior a 4,1% (Tabela 01).
Baseado nas pesquisas realizadas por Pfrimer (1995) as variabilidades
inter e intra-individuais foram verificadas e poderiam decorrer de diferença na
leitura do ensaio, quando essa era repetida pelo mesmo observador e/ou por
observadores diferentes. Essas possibilidades foram excluídas, pois não foi
atestada diferença estatística significativa quando leituras de um mesmo
experimento eram efetuadas por um único observador ou por observadores
distintos (Figura 3, 4 e 5).
Artigos publicados demostram que a PHA possui potente atividade
mitogênica para linfócitos (Sell & Costa, 2000), durante o desenvolvimento da
pesquisa concentrações de IL-2 foram acrescentadas à PHA. Na nossa
padronização a utilização combinada de PHA subótima e IL-2 subótima mostrou-
47
se com maior efetividade no processo de estimulação de mitose. Esse resultado
simplifica o tempo de cultura celular, conseguindo um maior número de células
em menor intervalo de tempo.
Para evitar a contaminação durante o manuseio das células os
pesquisadores geralmente utilizam antibióticos, como por exemplo, a gentamicina.
Considera-se que esta substância tenha a capacidade de suprimir a atividade
citotóxica natural (Exon et al., 1989). Entretanto nesta pesquisa não foram
utilizados antibióticos e não tivemos contaminação das culturas celulares. Fato
que demonstra que a utilização de antibióticos é um fator dispensável no
crescimento celular.
A influência do veneno sobre a viabilidade celular foi avaliada por
contagem em câmara de Neubauer através da técnica de exclusão com Azul de
Trypan, sendo aceita viabilidade igual ou superior a 90% no grupo controle (Celis,
1998). Nessa experiência foi semelhante à realizada por Petricevich & Mendoça
(2003), que testaram diferentes concentrações do veneno de Crotalus durissus
terrificus em células Vero para depois avaliar a influência da concentração não
citotóxica no crescimento do vírus do sarampo. Nesse estudo testou-se várias
concentrações
do
veneno
de
Bothrops
jararacussu
para
identificar
as
concentrações não citotóxicas, as que poderão ser utilizadas posteriormente na
avaliação da atividade antiviral.
Fernard e colaboradores (1999) desenvolveram uma pesquisa com o
objetivo de mostrar o efeito inibitório da infecção do HIV pela fosfolipase A2. Os
autores utilizaram células mononucleares do sangue periférico após tratamento
com 3 µg/mL de PHA por 48 horas em meio RPMI seguido por uma incubação de
24 horas com 20 UI de IL-2, metodologia similar à utilizada na primeira etapa
48
desta pesquisa. Inclusive com o uso de PHA e IL-2 também obtive-se os melhores
resultados no crescimento celular.
A toxicidade celular é um dos melhores mecanismos para se predizer a
toxicidade de substâncias sobre diferentes tecidos. É recomendado testar
diversas substâncias em testes celulares in vitro, por esses terem uma ótima
correlação entre o que pode ser observado e a real atuação e mecanismos
metabólicos envolvidos em determinados estados fisiológicos alterados. Existem
muitas vantagens em se trabalhar com testes in vitro. Testes in vitro são mais
sensíveis, econômicos e apresentam uma resposta mais homogênea, permitindo
uma melhor comparação entre resultados executados, por exemplo, em
laboratórios distintos (Purchase et al., 1998).
O veneno de Bothrops jararacussu na concentração de 5 µg/mL mostrou
uma elevada citotoxicidade celular. Após as primeiras 24 h a quantidade de CMN
diminuiu rapidamente (Figura 6). Essa queda brusca da quantidade de células
pode ser consequência do efeito das fosfolipases, proteínas abundantes nos
venenos botrópicos, que apresentam uma potente atividade citotóxica (Oka &
Arita, 1991), ou mais específicamente da atividade da Bothropstoxina-I (BthTx-I),
uma toxina pertencente a família das fosfolipases do tipo A2. Para esta família de
proteínas encontrada em venenos ofídicos já foi descrita uma variedade de
atividades farmacológicas do tipo: neurotóxica, miotóxica, edematogênica,
hipotensiva, cardiotóxica e anticoagulante (Gutiérrez et al., 1995). A Bth-Tx-I é
considerada a principal miotoxina do veneno de Bothrops jararacussu (OshimaFranco, 2001; Zamunér, 2004).
O veneno na concentração de 0,5 µg/mL também se mostrou citotóxico,
embora menor do que a concentração anterior. Após 48 h, a contagem celular
49
revelou a presença de 2 x 103 CMN, número muito inferior ao valor inicial,
evidenciando a atividade citotóxica dessa concentração. A menor concentração
do veneno (0,05 µg/mL) mostrou pouca variação na quantidade de CMN durante
as contagens celulares realizadas às 24, 48 e 72 horas, monstrando a baixa
atividade citotóxica da concentração I do veneno de Bothrops jararacussu sobre
as células.
Em 1972, Kerr foi o primeiro a apresentar evidências de que a célula pode
desencadear pelo menos dois mecanismos de morte celular. O primeiro é
conhecido como necrose, uma forma de degeneração que afeta extensivamente
uma população celular. Este processo é caracterizado pela destruição das
organelas, rompimento da membrana plasmática e inchaço do citoplasma,
levando a liberação do conteúdo intracelular e inflamação (Castano et al., 2005).
Outro processo de morte celular foi nomeado apoptose, esta é referida como uma
forma específica de morte celular programada que envolve a ativação de uma
família de proteases que possuem papel importante no desenvolvimento e
homeostase (Korsmeyer, 2004). A apoptose é caracterizada por retração celular,
protusões protoplasmáticas, permanência da integridade de membrana e
posterior fragmentação celular dando origem a vesículas, contendo organelas e
material citoplasmático (Rello et al., 2005), no organismo esses corpos
apoptóticos serão fagocitados por macrófagos evitando uma resposta inflamatória
(Castano et al., 2005).
Dos Reis et al. (2006) avaliaram o processo apoptótico induzido por veneno
de serpentes em células de ovário de hamster chinês (CHO-K1). Nesse estudo as
CHO-K1 foram incubadas com o veneno bruto nas concentrações de 10, 50 e 100
µg/mL por 1 hora. Após os períodos de 1, 6 e 12 horas posterior ao tratamento as
50
células foram lisadas para a análise de fragmentação do DNA, sendo possível
observar dano ao DNA celular decorrente da incubação com veneno bruto de
Crotalus durissus terrificus. A presença do padrão de fragmentação do DNA é um
indicativo do tipo de morte celular ocorrida.
Tamieti et al. (2007) utilizaram veneno bruto de Crotalus durissus terrificus
em células CHO-K1 e concluíram que nas concentrações de 10, 50 e 100 µg/mL
o tratamento causou fragmentação nuclear, fenômeno observado em células
apoptóticas.
O veneno de serpentes é um potente promotor da apoptose (Zinszner et
al., 1998). O processo de morte celular apoptótica tem sido descrito por varios
autores após o tratamento com venenos ofídicos (Ali et al., 2000), entretanto, o
padrão de degradação do DNA, encontrado nesse estudo, não nos permite
afirmar que o tipo de morte celular seja apoptótico. Uma das características
bioquímicas da apoptose é a clivagem internucleossômica do genoma, que pode
ser reconhecida pelo clássico "padrão em escada", por meio da eletroforese em
gel de agarose. Esses resultados são mencionados por Walker & Gaastra (1983)
e Platel (1994) e não estiveram presentes na eletroforese realizada nesse estudo,
que se mostra a seguir:
51
Gel de eletroforese após o tratamento de células mononucleares com 2
concentrações do veneno bruto de Bothrops jararacussu (Bj), Bothrops
pauloensis (Bp) e Bothrops moojeni (Bm).
52
Considerando os elementos anteriores podemos inferir que em nossa
pesquisa as duas maiores concentrações do veneno de Bothrops jararacussu (5 e
0,5 µg/mL) provocaram morte celular nas CMN durante as primeiras 48 horas de
contato com as células por um processo não apoptótico.
Em um estudo realizado por Bastos (2007) foi determinada a citotoxicidade
e a capacidade linfoproliferativa da subunidade ácida (crotapotina) do veneno de
Crotalus durissus terrificus sobre CMN humanas. Eles avaliaram a citotoxicidade
celular utilizando a coloração de Azul de Trypan, considerando aceita uma
viabilidade igual ou superior a 90%, metodologia e padrões de viabilidade
semelhantes aos seguidos nesse estudo. Nessa pesquisa as células foram
estimuladas com fitohemaglutinina. As doses do veneno utilizadas nos
experimentos foram de 1920 a 0,23 µg/mL com diluição seriada. As CMN, foram
obtidas por punção venosa de voluntários sadios e isoladas por gradiente de
centrifugação, foram ressuspendidas em RPMI 1640.
Os resultados preliminares desse estudo evidenciaram que nestas doses
não se observou citotoxicidade, no entanto foi possível observar uma tendência
significativa de diminuição na proliferação das CMN na dose de 0,23 µg/mL
(0,355+0,009) (Bastos, 2007). Já em nossa pesquisa doses de 5 e 0,5 µg/mL do
Veneno de Bothrops jararacussu provocaram diminuição rápida das CMN.
Usando o modelo de vírus Sendai humano de eritrócitos, Borkow & Ovadia
(1999) verificaram que as células infectadas por vírus foram 10 vezes mais
suscetíveis à lise em dois dos cinco venenos de cobra analisados. Quatro
citotoxinas foram isoladas do veneno de Naja nigricollis, toxinas estas que
também mostraram 10 vezes maior citotoxicidade para células infectadas por
53
vírus do que células não tratadas, evidenciando a destruição seletiva de células
infectadas por vírus.
No estudo realizado por Sant´Ana et al. (2008), células infectadas com o
vírus da dengue tipo 3 (DENV-3) e tratadas com a enzima L-amino oxidasa
isolada do veneno de Bothrops jararaca mostraram uma diminuição da carga viral
quando comparada com células infectadas com o mesmo vírus e não tratadas
com enzimas do veneno. Após a análise desses resultados podemos inferir que o
fato dos venenos agirem especificamente sobre células infectadas por vírus,
embora os mecanismos não estejam totalmente esclarecidos, poderia representar
uma ferramenta na pesquisa de venenos e seus constituintes como alternativa
antiviral.
Considerando que os venenos estão constituidos predominantemente por
proteínas, enzimas, e peptídeos biologicamente ativos, e que suas atividades
biológicas ainda não são conhecidas totalmente; resulta de grande interesse o
estudo de seus componentes e das atividades biológicas das frações.
Os estudos da atividade antiviral de frações ofídicas são praticamente
inexistentes. Entretanto já foi demostrado que células infectadas pelo vírus de
Sendai, da dengue tipo 3, do sarampo e do HIV-1, todos RNA vírus, foram
destruídas de forma seletiva por frações de venenos ofídicos (Fernard et al.,
2001; Petricevich & Mendoça, 2003; Sant´Ana et al., 2008).
54
6. CONCLUSÕES
•
A fitohemaglutinina e a interleucina-2 em doses subótimas, quando usadas
simultaneamente, foram capazes de estimular a proliferação celular nas
células mononucleares do sangue periférico, de maneira otimizada.
•
O veneno bruto de Bothrops jararacussu nas concentrações de 5 e 0,5 µg/mL
apresentou atividade citotóxica nas células mononucleares do sangue
periférico. Embora o veneno nestas concentrações seja citotóxico para as
CMN, isto não inviabiliza a utilização das mesmas a partir das frações
componentes do veneno.
•
O veneno bruto de Bothrops jararacussu na concentração de 0,05 µg/mL não
apresentou atividade citotóxica nas células mononucleares do sangue
periférico podendo ser utilizada para ensaios futuros com CMN infectadas por
vírus como o HIV-1.
•
As abordagens do estudo, além de facilitar o entendimento sobre o
mecanismo pelo qual venenos ofídicos atuam em células humanas abrem o
caminho de novas pesquisas voltadas para a identificação das atividades
antimicrobianas dos venenos e seus constituintes. A identificação de
concentrações não citotóxicas do veneno de Bothrops jararacussu e de suas
frações poderão ser utilizadas futuramente em pesquisas para avaliar a
atividade antiviral das frações sobre vírus que atingem a espécie humana,
como é o caso do HIV.
55
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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90
APÊNDICE
91
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Atividade antiviral de venenos ofídicos obtidos de serpentes da região
Centro-Oeste em células mononucleares do sangue periférico infectadas
com HIV-1.
O objetivo desse estudo é o de avaliar a atividade de venenos de 5 espécies
de serpentes da região Centro-Oeste do Brasil em células do sangue periférico
infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV-1). O projeto terá uma
duração de 36 meses com início em março de 2010 e término em março de 2013.
Os venenos utilizados na pesquisa serão disponibilizados pela Profa. Ms.
Marta Regina Magalhães.
Na primeira fase da pesquisa serão realizados os testes de citotoxicidade
celular, ou seja, serão testadas diferentes concentrações dos venenos em células
sanguíneas até identificar a concentração que não seja citotóxica. Essa fase será
desenvolvida no Laboratório de Imunologia da Pontifícia Universidade Católica de
Goiás (PUC-GO).
Na segunda fase da pesquisa a concentração do veneno que não causar
morte das células será adicionada às células infectadas com o vírus da AIDS
(HIV-1) para se saber se as concentrações dos venenos têm efeito contra o HIV.
92
Essa segunda fase do projeto será desenvolvida no Laboratório de Biossegurança
Nível III (P3) do Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP).
Caso você participe, o único desconforto será uma colheita de sangue que
será feita por punção de veia do antebraço, o que pode causar um pouco de dor,
ficar roxo (hematoma) no local ou causar tontura passageira. No total será preciso
20 mL de sangue correspondendo a 2 colheres de sopa. As células
mononucleares serão separadas das amostras de sangue, e o material restante
será descartado seguindo os protocolos de biossegurança.
A pesquisa não trará benefícios diretos para os participantes, mas poderá
gerar benefícios para pessoas infectadas com o vírus do HIV-1. A identificação de
novos compostos naturais com atividade anti-HIV poderá abrir um novo caminho
na produção de um medicamento capaz de eliminar o vírus ou prevenir sua
infecção, pois lamentavelmente ainda não contamos com um medicamento eficaz
no combate do vírus.
Em qualquer etapa do estudo, o participante terá acesso aos profissionais
responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de eventuais dúvidas. O
principal investigador será a Profa. Drª. Irmtraut A. Hoffmann Pfrimer que poderá
ser encontrada no endereço: Rua Pedro de Toledo, 781 – 16 andar- Vila
Clementino – São Paulo – SP, telefone (011)-50844262 / 55712130. Se você tiver
alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com
o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) – Rua Botucatu, 572 – 1º andar – cj 14,
5571-1062, FAX: 5539-7162 – E-mail: [email protected].
As informações obtidas pelos pesquisadores serão analisadas em conjunto
com as de outros voluntários, não sendo divulgada a identificação de nenhum
93
paciente. O participante terá direito de se manter atualizado sobre os resultados
parciais da pesquisa ou de resultados que sejam do conhecimento dos
pesquisadores.
É garantida a liberdade da retirada de consentimento a qualquer momento
da pesquisa e existirá garantia de sigilo. As pessoas que participarem da
pesquisa não receberão benefícios diretos da mesma, nem ressarcimento de
despesas efetuadas com transporte, hospedagem e alimentação.
Em caso de dano pessoal, diretamente causado pelos procedimentos
realizados neste estudo, evidenciando-se nexo causal com o procedimento da
punção venosa ou qualquer intercorrência relacionada à coleta do material o
participante tem direito a tratamento médico bem como às indenizações
legalmente estabelecidas.
O pesquisador se compromete a utilizar os dados e o material coletado
somente para esta pesquisa.
___________________________________
Assinatura do paciente/representante legal
Data ____/_____/______
_________________________________
Assinatura do responsável pelo estudo
Data ____/____/______
94
ANEXOS
95
São Paulo, 30 de abril de 2010.
CEP 0308/10
IImo(a). Sr(a).
Pesquisador(a) IRMTRAUT ARACI HOFFMANN PFRIMER
Co-Investigadores: Luiz Mário Janini; Maria Cecilia Araripe Sucupira; Ricardo Sobhie Diaz (orientador)
Disciplina/Departamento: Infectologia da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo
Patrocinador: CAPES.
PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA INSTITUCIONAL
Ref: Projeto de pesquisa intitulado: “Atividade antiviral de venenos ofídicos obtidos de serpentes da região
centro-oeste em células mononucleares do sangue periférico infectadas com HIV-1”.
CARACTERÍSTICA PRINCIPAL DO ESTUDO: Estudo para entendimento de certa doença e seu tratamento.
RISCOS ADICIONAIS PARA O PACIENTE: Risco mínimo, desconforto leve, com coleta de sangue.
OBJETIVOS: Avaliar a atividade antiviral de venenos brutos isolados das serpentes Bothrops moojeni, Bothrops
neuwiedi, Crotalus durissus collilineatus, Crotalus durissus terrificus e Bothrops alternatus da região centro-oeste em
células mononucleares do sangue periférico infectadas com HIV-1. Avaliar atividade citotóxica dos venenos brutos
em células primárias humanas. Identificar a concentração inibitória mínima do veneno bruto capaz de inibir a
replicação viral.
RESUMO: Serão coletadas amostras de sangue de indivíduos sadios para obtenção de células mononucleares
periféricas (PBMC). As células serão isoladas e contadas e cultivadas. Será realizada uma distenção celular para
verificar o grau de pureza da amostra e tratadas para posterior infecção viral. Antes de serem aplicadas as diferentes
concentrações dos venenos dos ofícios nas PBMC, será realizado um teste de viabilidade celular com o corante de
Azul de Trypan. A infecção viral se dará mantendo as células em cultura com o vírus por 2 horas em meio de cultura
tratado, e após esse período serão realizadas 3 lavagens com meio RPM11640 para retirada de vírus livres. Será
avaliado o efeito da concentração não citotóxica do veneno em células infectadas com HIV-1.de acordo com o teste:
infectar as células mononucleares do sangue periférico com HIV-1 e posteriormente aplicar a concentração não
citotóxica do veneno transcorridos diferentes intervalos de tempo, e utilizando os casos como controles: 1)células
mononucleares em meio de cultura (controle negativo); 2) células mononucleares +(HIV-1)(controle positivo); 3)
células mononucleares + venenos (concentração não citotóxica (controle negativo). Será realizado PCR em tempo
real transcorridas 72h de interação entre células, vírus e veneno..
FUNDAMENTOS E RACIONAL: A pesquisa poderá gerar benefícios para a população com HIV-1, pois a
identificação de venenos com atividade antirretroviral poderá ser um avanço científico na procura de um novo
tratamento alternativo contra o HIV-1.
MATERIAL E MÉTODO: Descritos os procedimentos experimentais, que serão realizados por equipe especializada.
TCLE: Apresentado adequadamente.
Rua Botucatu, 572 - 1º andar – conj. 14 - CEP 04023-062 - São Paulo / Brasil
Tel.: (011) 5571-1062 - 5539.7162
96
DETALHAMENTO FINANCEIRO: CAPES.
CRONOGRAMA: 36 MESES.
OBJETIVO ACADÊMICO: Pós-Doutorado.
ENTREGA DE RELATÓRIOS PARCIAIS AO CEP PREVISTOS PARA: 25/4/2011 e 24/4/2012.
O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo ANALISOU e APROVOU
o projeto de pesquisa referenciado.
1. Comunicar toda e qualquer alteração do projeto e termo de consentimento livre e esclarecido. Nestas
circunstâncias a inclusão de pacientes deve ser temporariamente interrompida até a resposta do Comitê, após
análise das mudanças propostas.
2. Comunicar imediatamente ao Comitê qualquer evento adverso ocorrido durante o desenvolvimento do estudo.
3. Os dados individuais de todas as etapas da pesquisa devem ser mantidos em local seguro por 5 anos para
possível auditoria dos órgãos competentes.
Atenciosamente,
Prof. Dr. José Osmar Medina Pestana
Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de São Paulo/ Hospital São Paulo
0308/10
Rua Botucatu, 572 - 1º andar – conj. 14 - CEP 04023-062 - São Paulo / Brasil
Tel.: (011) 5571-1062 - 5539.7162
97
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