Doenças cardíacas e fibrose miocárdica em cães

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MARÇO 2012
Ceva Saúde Animal
NO CORAÇÃO DA INOVAÇÃO
Doenças cardíacas e fibrose miocárdica em cães
SUMÁRIO:
Fibrose intramiocárdica
Estudo prospetivo de arteriosclerose em cães
Conclusão
Referências
Palavras-chave: arteriosclerose, cães, insuficiência
cardíaca, fibrose do miocárdio.
As doenças cardíacas levam a alterações estruturais e
funcionais do sistema cardiovascular, as quais estão
intimamente ligadas. É assim possível estudar,
concomitantemente, a disfunção cardiovascular e as
alterações estruturais no coração e nos vasos, de forma a
explorar a etiopatogénese da doença cardíaca, mas
também, e especialmente, avaliar o desenlace da doença
(1).
Para qualificar as alterações estruturais no sistema
cardiovascular, a remodelação é atualmente aceite na
medicina, tanto humana como veterinária (2, 3, 4).
A remodelação implica uma hipertrofia do coração (1, 3) e
um espessamento das paredes dos vasos sanguíneos (5).
Esta remodelação refere-se também a fibrose
cardiovascular, a qual pode ocorrer após a progressão da
insuficiência cardíaca. Mesmo que os mecanismos
subjacentes à remodelação cardíaca não sejam
completamente claros, a reorganização das fibras
musculares e alterações nas proteínas de membrana do
miocárdio fazem parte das principais teorias (6, 7).
Como parte do compromisso de ser um parceiro na cardiologia veterinária, a
Ceva orgulha-se de apresentar a CardioNews, a newsletter de Cardiologia da
Ceva.
O objetivo desta newsletter é informá-lo, de forma fácil, sobre tópicos de
interesse em cardiologia, que possam ter impacto na sua prática clínica. Esta
edição aborda a fibrose do miocárdio em pacientes com insuficiência cardíaca,
um conceito relativamente recente na medicina veterinária.
Neste número 1 da Cardionews contámos com o apoio do Prof. Torkel Falk, da
Royal Veterinary and Agricultural University of Frederiksberg (Dinamarca), que
obteve o seu PhD em fevereiro de 2008.
Fique atento às próximas newsletters.
Estas alterações morfológicas devem-se a alguns fatores
mecânicos e neurohormonais: o bem conhecido sistema
renina-angiotensina-aldosterona é um dos fatores
responsáveis por estas alterações (8).
A fibrose está bem estudada e descrita na medicina
humana (9, 10).
Em cães, esta noção de remodelação tem também sido
estudada, mas as alterações histopatológicas, tal como a
fibrose, são controversas, especialmente na Doença
degenerativa da válvula mitral (3, 11, 12). Alguns dados
existentes provêm de cães com uma insuficiência cardíaca
induzida, i.e. modelos usados em medicina humana, que
não refletem doenças cardíacas espontâneas. Na verdade,
as alterações de insuficiências cardíacas que se
desenvolvem naturalmente eram mal conhecidas porque
eram pouco estudadas; o seu impacto clínico efetivo na
evolução da insuficiência cardíaca em cães estava
subestimado.
Arteriosclerose e fibrose intramiocárdicas:
lesões negligenciadas
Desinteresse na medicina veterinária?
A fibrose está ligada a uma lesão específica designada em histopatologia por arteriosclerose.
A aterosclerose é uma forma bem conhecida de
arteriosclerose, muito comum em humanos. É bastante
estudada e considerada na medicina humana, uma vez que
está intimamente ligada a enfarte do miocárdio, mais
comummente conhecido como “ataque cardíaco”. A
aterosclerose é uma das causas mais comuns de morte no
mundo ocidental, uma vez que é responsável por taxas de
morbilidade e mortalidade mais elevadas (13), associadas a
alguns fatores de risco, tais como obesidade e
hipertrigliceridemia.
Em cães, tal como em outros animais domésticos, a
aterosclerose é pouco comum. À exceção da população
canina que apresenta fatores de risco (hipotiroidismo,
diabetes mellitus, hiperlipidémia idiopática), a aterosclerose
em cães é quase inexistente.
DEFINIÇÃO:
Arteriosclerose: termo geral que descreve qualquer espessamento (e perda de elasticidade) de artérias de grande e
médio calibre (do grego Arterio = artéria, e sclerosis = espessamento). Define qualquer tipo de alteração arterial
degenerativa: do ponto de vista histopatológico, a definição completa é alteração arterial crónica com espessamento,
perda de elasticidade e estreitamento do lúmen, devido a alterações proliferativas e degenerativas na intima e media.
Aterosclerose espessamento de uma artéria especificamente devido a ateromas. A aterosclerose é uma forma de
arteriosclerose. Esta lesão arteriosclerótica está associada a acumulação de lípidos e células inflamatórias, chamadas
de placas ateroscleróticas dentro da túnica íntima arterial. A aterosclerose é uma doença que afeta vasos sanguíneos
arteriais: é uma resposta inflamatória crónica ao depósito de “mau colesterol” nas paredes das artérias.
Hialinose: depósito de material homogéneo e translúcido observado em microscópio.
Tríade: associação de doença da válvula mitral, arteriosclerose intramiocárdica e fibrose, que leva a insuficiência
cardíaca congestiva em cães.
A arteriosclerose, para além da forma
aterosclerótica, foi estudada em cães. Vários autores
investigaram estas alterações em cães e mais de 10 estudos
foram publicados sobre este assunto entre 1965 e 1975.
Alguns deles mencionam estas alterações arteriais como
sendo comuns em cães idosos (14, 15).
Jönsson estudou as artérias coronárias e as suas alterações
num estudo que envolveu 643 cães (16). Todos os cães
incluídos no estudo foram sujeitos a exame post-mortem e
o seu coração foi removido para uma avaliação
macroscópica e microscópica das alterações. Setenta e oito
dos cães que apresentavam Insuficiência cardíaca foram
examinados.
No que diz respeito a alterações arteriais, foram descritas
lesões arterioscleróticas intramiocárdicas tanto em cães
com doença cardíaca como em cães sem doença da
válvula mitral.
A ligação entre a importância das lesões (quantificação,
significância clínica) e o estado de saúde dos cães não foi
ainda totalmente clarificada e sistematicamente
estabelecida nestes estudos.
Por estas razões, a arteriosclerose intramiocárdica e a fibrose associada foram
consideradas, durante muitos anos, "achados acidentais" em cães; mesmo em cães
com insuficiência cardíaca estes achados foram negligenciados pelos
investigadores.
Sobre fibrose em cães com insuficiência cardíaca.
Quando se examina o estudo de Jönsson supramencionado, a endocardiose valvular e a fibrose miocárdica
estavam presentes na maior parte dos casos de doença
cardíaca adquirida: 72 dos cães com insuficiência cardíaca
apresentavam fibrose miocárdica e necrose; 54 tinham
degeneração valvular (os restantes não apresentavam
alterações valvulares). Em 58 casos, lesões arteriais oclusivas
foram consideradas como causa óbvia de enfarte do
miocárdio, uma associação direta pôde ser demonstrada
entre oclusão arterial e fibrose circundante e necrose (16).
As lesões do miocárdio e das artérias foram evidenciadas
nos estudos de Detweiler “doença crónica do miocárdio”
em cães: quando as alterações estão num estado já
avançado, os sinais clínicos de insuficiência cardíaca
esquerda aparecem. No seu trabalho, Detweiler associou a
doença da válvula mitral, a arteriosclerose
intramiocárdica e fibrose na génese de uma tríade que
leva a insuficiência cardíaca congestiva.
O trabalho de Jönsson estava também em linha
com Detweiler, que considerava que as alterações arteriais
tinham um real impacto clínico durante o curso da doença
cardíaca em cães (17, 18).
Infelizmente, após os anos 70 do século XX, pouca
informação nova foi publicada sobre este assunto e nos
livros técnicos de veterinária as alterações dos vasos e
do coração são mencionadas sem considerar a sua real
significância clínica (19).
Conhecimentos sobre arteriosclerose e fibrose
Quais as modificações histopatológicas descritas nos vasos e no coração consecutivas à progressão da
insuficiência cardíaca?
Até à década de 70:
Como já referido anteriormente, parecia haver uma coexistência entre arteriosclerose coronária, fibrose e
doença valvular degenerativa. Contudo, não foi sistematicamente demonstrada uma associação entre estes
achados em cães com insuficiência cardíaca (13, 16).
LESÕES ARTERIOLARES:
Foto: Torkel Falk
Foto: Torkel Falk
- caracterizadas por hialinose, proliferação
de fibroblastos e células musculares lisas
na…
- parede arterial resultando no
espessamento desta;
- associado a alterações do miocárdio.
LESÕES DO MIOCÁRDIO:
- áreas focais de fibrose no miocárdio e
necrose,
- encontradas nos músculos papilares e
na camada subendocárdica do ventrículo
esquerdo,
- provavelmente consequência de doença
isquémica secundária a oclusão arteriolar.
Figura 1: artéria intramiocárdica normal
Foto: Torkel Falk
Figura 3: miocárdio normal
Figura 2: estreitamento severo de artéria
intramiocárdica predominantemente devido a
hialinose. O material hialino é mais
pronunciado ao nível do subendocárdio.
Foto: Torkel Falk
Figura 4: fibrose miocárdica severa com
calcificação
Estas alterações no coração e vasos são difíceis de
estudar apenas por biopsia; as oportunidades de
explorar estas alterações in vivo são muito limitadas.
No que diz respeito à fibrose, não existe um marcador
disponível nem instrumento imagiológico que permita
aos veterinários diagnosticar e quantificar esta lesão na
sua prática clínica normal.
É necessário um exame post mortem: na prática, isso é
raramente realizado.
Sobre fibrose em cães com insuficiência cardíaca.
Alguns estudos mais recentes demonstram a presença de
fibrose no coração de cães que apresentam insuficiência
cardíaca em associação com arteriosclerose (5, 20, 21).
Falk deu continuidade ao trabalho e, em parceria com
Jönsson, elaborou um estudo sistemático de forma
descrever e a quantificar a arteriosclerose miocárdica e
fibrose em cães com insuficiência cardíaca adquirida
"naturalmente" em comparação com cães controlo (21)
(ver página seguinte).
CONCLUSÃO:
Pela primeira vez, um estudo sistemático em cães com insuficiência cardíaca natural
demonstrou a presença de fibrose nestes cães, graças a um extensivo protocolo post-mortem,
combinado com morfometria. O achado mais importante é que a fibrose é significativamente
mais elevada em cães com insuficiência cardíaca do que em cães controlo mais velhos.
É agora reconhecido que a remodelação morfológica, e especialmente a fibrose miocárdica,
tem efeitos adversos maiores na função mecânica e elétrica do coração.
O desenvolvimento de fibrose miocárdica causa hipertrofia patológica e rigidez cardíaca
anormal, o que leva a disfunção ventricular diastólica e sistólica e, por fim, à progressão de
insuficiência cardíaca sintomática (10, 22, 23, 24).
Combater o desenvolvimento da fibrose miocárdica durante o decurso da insuficiência cardíaca
com substâncias dedicadas a este propósito na medicina veterinária parece ser relevante, tal
como na medicina humana.
Sumário do artigo de Falk, T., Jönsson, L., Olsen, L.H., Pedersen, H.D. publicado na
Cardiovascular Pathology. 2006, 15. 185-193.
Alterações arterioscleróticas no miocárdio, pulmão e
rim, em cães com insuficiência cardíaca congestiva e
doença degenerativa da válvula mitral.
Prof. T. Falk, DVM PhD
Royal Veterinary and
Agricultural University of
Frederiksberg (Dinamarca)
OBJETIVO:
Quantificar e descrever arteriosclerose e fibrose no miocárdio de cães com doença degenerativa da válvula mitral
avançada e comparar a sua ocorrência com cães controlo.
MATERIAL
E MÉTODOS:
42 cães: 2 grupos comparáveis de cães
Grupo Insuficiência cardíaca congestiva: 21 cães com insuficiência cardíaca congestiva e doença degenerativa da
válvula mitral (detetadas através de exames clínico e ultrassonográfico) sem outras doenças cardíacas concomitantes;
Grupo Controlo: 21 cães idosos sem murmúrios cardíacos ou sinais clínicos de insuficiência cardíaca, incluídos de forma
a corresponder aos cães com insuficiência cardíaca (para idade, sexo, peso).
Todos os cães foram submetidos a exames patológicos e histopatológicos extensivos após morte natural ou
eutanásia. Foi usada morfometria para quantificar o estreitamento arterial e a fibrose em diferentes localizações,
especialmente no:
- miocárdio: vários sítios colhidos para amostra;
- artérias como a aorta, artérias pulmonares, artérias renais e intramiocárdicas.
A fibrose no miocárdio foi pontuada usando a escala de 5 graus de Whitney: de 0 = sem evidência de fibrose a 4 = largas
áreas de fibrose confluentes.
No que diz respeito às artérias, o rácio lúmen/área foi utilizado para medir o estreitamento do vaso: definido como área
luminal do vaso dividido pela área total do vaso.
RESULTADOS:
Hipertrofia cardíaca
Cães com insuficiência cardíaca tiveram significativamente mais hipertrofia cardíaca medida pelo
rácio de peso do coração (p<0,0050).
Fibrose
Cães com insuficiência cardíaca tiveram significativamente mais fibrose no ventrículo esquerdo
(p<0,0001) independentemente da localização no miocárdio.
Cães com insuficiência cardíaca tiveram significativamente mais estreitamento arterial no ventrículo
esquerdo (p<0,0030), mas também no pulmão e rim, do que nos cães controlo.
Arteriosclerose
- Houve também mais estreitamento arterial no músculo
papilar do que em outras localizações em cães com
insuficiência cardíaca (p<0,002) enquanto que os cães
controlo tiveram alterações similares no músculo papilar e no
septo.
- As alterações arteriais observadas no miocárdio consistiam
em alterações degenerativas e proliferativas na parede dos
vasos: o material hialino e a proliferação de células
musculares lisas e de fibrócitos espessaram a parede do
vaso em tal extensão que o vaso poderia estar completa ou
quase completamente ocluso.
Foto: Torkel Falk
Figura 5: artéria intramiocárdica severamente estreitada, com alterações
predominantemente proliferativas, mas também com algumas
alterações hialinas. De notar fibrose intersticial que circunda os miócitos.
CONCLUSÃO:
Cães com doença da válvula mitral degenerativa têm significativamente
mais arteriosclerose intramiocárdica e fibrose do que os cães controlo.
Este é o primeiro estudo a demonstrar sistematicamente uma associação
entre fibrose intramiocárdica, arteriosclerose e doença da válvula mitral
degenerativa severa.
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