PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Cível nº 0001525-46.2004.8.19.0204 3ª VARA DE CÍVEL REGIONAL DE BANGU Apelante: HOSPITAL DE CLÍNICAS BANGU LTDA Apelado: CARLOS LUIZ DA SILVA Relator: DES. CUSTÓDIO DE BARROS TOSTES DIREITO DO CONSUMIDOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES POR ATO PRÓPRIO, NÃO RELACIONADO AO MÉDICO PREPOSTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FATO DO SERVIÇO. NÃO REALIZAÇÃO DE CIRURGIA INDICADA EM PERÍODO DE ESTABILIDADE CLÍNICA E NEUROLÓGICA. TRANSFERÊNCIA DE PACIENTE COM HEMORRAGIA SUBARACNÓIDEA DERIVADA DE RUPTURA DE ANEURISMA CEREBRAL PARA OUTRA UNIDADE HOSPITALAR EM DECORRÊNCIA DO SUPOSTO CANCELAMENTO DO PLANO DE SAÚDE EM RAZÃO DO ENCERRAMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO. PLANO EMPRESA. ALEGADA AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO CONVÊNIO. INEXISTÊNCIA DE PROVA QUANTO AOS FATOS ALEGADOS PELO APELANTE. CONDUTA INJUSTIFICADA DIANTE DA INDICAÇÃO CIRÚRGICA EM PERÍODO EM QUE AINDA VIGIA O CONTRATO COM O BRADESCO SAÚDE. NÃO REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO, QUE, EMBORA NÃO SEJA A CAUSA ADEQUADA PARA O EVENTO MORTE, CONFIGURA EFETIVA PERDA DE UMA CHANCE, DANDO ENSEJO À REPARAÇÃO CIVIL. DANO MORAL IN RE IPSA, REVELANDO-SE MANIFESTO O PREJUÍZO DE ORDEM EXTRA-PATRIMONIAL SOFRIDO PELO AUTOR DIANTE DO FALECIMENTO DE SUA COMPANHEIRA, MÃE DE SEU FILHO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 0001525-46.2004.8.19.0204 em que é apelante HOSPITAL DE CLÍNICAS BANGU LTDA e apelado CARLOS LUIZ DA SILVA, ACORDAM os Desembargadores da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso, nos termos do voto do Relator. RELATÓRIO A hipótese dos autos versa sobre falha na prestação de serviço hospitalar, alegando o autor que o falecimento de sua companheira decorreu da conduta do Hospital das Clínicas de Bangu, pois deixou de realizar cirurgia emergencial indicada por médico preposto seu, optando por transferir a paciente para hospital da rede pública após ter sido informado pelo plano de saúde que a cobertura estava por cessar, ocasião em que adveio o óbito, em virtude de hemorragia subaracnóidea derivada de ruptura de aneurisma cerebral. A sentença houve por bem julgar procedente, em parte, o pedido, para condenar a parte ré ao pagamento de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de danos morais, a serem atualizados monetariamente a partir da publicação da sentença e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação, compensando-se as custas e honorários advocatícios, diante da sucumbência recíproca. Inconformado, apelou o réu, alegando, em síntese, que a responsabilidade do hospital por ato de preposto seu é subjetiva; que não há nexo causal entre a transferência da paciente e seu falecimento, conforme parecer de neurocirurgião, que também afasta a existência de erro na conduta médica; que inexiste culpa, bem como falha na prestação do serviço; que seus familiares concordaram com a transferência de hospital; que o Hospital Souza Aguiar possuía condições de realizar a cirurgia, tendo a paciente sido transferida em ambulância tipo UTI móvel e com acompanhamento médico e em condições de estabilidade clínica e neurológica; que a janela para realização da cirurgia não havia se fechado quando a paciente foi transferida, não podendo se falar em certeza do dano e, por conseguinte em “perda de uma chance”, pelo que requer a reforma da sentença, julgando-se improcedentes os pedidos. O recurso é tempestivo, corretamente preparado e foi contrariado, tendo o apelado prestigiado a sentença. É o relatório. VOTO A controvérsia que remanesce gira em torno da existência de nexo causal entre a conduta da apelante e o resultado morte, concluindo o juízo a quo que a não realização da cirurgia indicada por médico preposto da apelante, bem como a transferência tardia da paciente para outra unidade hospitalar, embora não tenha sido a causa do falecimento, configura o que se chama na doutrina de perda de uma chance, tendo a falha na prestação do serviço privado-a da oportunidade de um tratamento que, eventualmente, lhe gerasse cura ou mais tempo de vida, privando o apelado da esperança de ter o convívio com sua companheira por mais tempo. A conduta a ser avaliada refere-se a não realização de cirurgia indicada por médico preposto da apelante, a partir do dia 28/01/04, quando a paciente ainda possuía cobertura da Bradesco Saúde e se encontrava internada com diagnóstico de hemorragia subaracnóidea decorrente de ruptura de aneurisma cerebral, em estado clínico e neurológico estável e, portanto, passível de ser operada, conforme ficha de evolução médica de fls. 60 e verso, em que se baseou o laudo pericial de fls. 269/287. Em contestação, admite a apelante que “foi surpreendida por uma ligação do plano de saúde da paciente, informando que, tendo em vista o plano da mesma ser plano-empresa e, pelo fato da paciente não ser mais funcionária da empresa Estok Comércio e Representação Ltda, o mesmo estaria cancelado no dia 31 de janeiro, ou seja, 06(seis) dias após a internação da paciente.”(fls. 47). Aduz que o plano de saúde não lhe forneceu documento suspendendo a internação da paciente, sendo de tal instituição a responsabilidade que lhe atribuem, tendo, inclusive, se preocupado em transferir a paciente para o Hospital Souza Aguiar, que possuía condições para a realização da cirurgia. (fls. 47/49). Todo o período de internação da companheira do autor no hospital apelante, que teve início em 25/01/04 e fim em 30/01/04, recebeu cobertura da Saúde Bradesco, conforme se depreende dos documentos colacionados e da própria peça de bloqueio, não havendo controvérsia quando a este ponto. Analisando o histórico hospitalar da paciente, verificou a perícia médico-judicial, conforme fls. 272/273, que “em 28/01 foi verificado, pelo neurocirurgião, que a paciente, apresentava-se estável clínica e neurologicamente. Sua conduta foi: “Indicado procedimento cirúrgico para aneurisma de artéria cerebral média” (fls. 60). No final da tarde apresentou cefaléia de forte intensidade e rigidez de nuca moderada. Foi então, solicitada a 2ª tomografia computadorizada de crânio...Em 29/01 houve regressão do quadro álgico e a paciente se manteve estável, tendo o neurocirurgião por conduta: “Indico tratamento cirúrgico do aneurisma de artéria cerebral média à direita” (fls. 60verso)....A paciente aguardava liberação do convênio para cirurgia (fls. 61), porém a equipe médica foi informada de que “por determinação do convênio a paciente deverá ser transferida” (fls. 61-verso). A perícia (fls. 281/282) é conclusiva no sentido de que “A paciente apresentava diagnóstico confirmado de Hemorragia Subaracnóidea por ruptura de Aneurisma. A paciente deveria ter sido submetida à cirurgia para tratamento de aneurisma, no hospital réu, pois embora não estivesse nos 3 primeiros dias de Hemorragia Subaracnóidea (que é o tempo cirúrgico ideal), encontrava-se clínica e neurologicamente estável a partir do dia 28/01, devendo a cirurgia ser realizada a partir desta data...A transferência (remoção) da paciente não tem relação com sua piora na unidade de saúde acolhedora. Por se encontrar clínica e neurologicamente estável, a paciente poderia ser transferida em ambulância tipo UTI móvel com o acompanhamento de médico. A paciente não foi submetida à cirurgia no hospital para o qual foi transferida. Apresentou agravamento do quadro logo após a transferência. Não há indicação formal de submeter à cirurgia o paciente neurologicamente grave, principalmente se preencher os critérios clínicos de morte cerebral.” Esclarece a perita que “A cirurgia é preventiva. Tem o objetivo de prevenir o ressangramento do aneurisma, o que terminou por ocorrer e foi a causa do óbito da paciente.” (fls. 283). E acrescenta: “O tratamento adequado (cirurgia) da paciente foi retardado e teria o objetivo de prevenir o ressangramento do aneurismo...” (fls. 286). Ao contrário do que afirma o assistente técnico da apelante (fls. 298), em plena vigência do plano de saúde, a paciente tinha condições de tratamento operatório sim, tanto é que houve indicação de cirurgia pelo próprio médico preposto do hospital, especializado em neurocirurgia, conforme fls. 60 e verso, constando às fls. 61, inclusive, que estava sendo aguardada liberação do convênio para cirurgia. Ao argumento de que não fora autorizada a cirurgia da paciente - o que se fragiliza diante da ciência que teve o hospital da data fim da cobertura - o apelante resolveu por transferi-la um dia antes do suposto encerramento do plano de saúde, alegando que o próprio apelado solicitou a transferência de sua companheira por ser dispendioso o tratamento particular, afirmando, também, não dispor de todos os equipamentos necessários ao procedimento cirúrgico, notadamente o equipamento de hemodinâmica (fls. 47/48) Ocorre que a própria diretora técnica da unidade hospitalar ré mencionou em seu depoimento “que em nenhum momento ouviu do companheiro da autora, pessoalmente, que este não arcaria com as despesas após o desligamento do plano...que é altamente custoso a manutenção de internação de internação em CTI, bem como a realização de cirurgia acaso esta fosse necessária” (fls. 202 – Dra. Leila – Diretora Técnica). E ainda que fosse esta a alternativa eleita pelo apelado, de transferir sua companheira, não comprovou o apelante a negativa de autorização cirúrgica, tampouco tendo comprovado, como bem verificou o juízo a quo, a indisponibilidade do aparelho de hemodinâmica alegadamente necessário à cirurgia. E mais, com a indicação cirúrgica desde o dia 28/01, ainda que a cobertura cessasse dia 31/01, conforme alegado, nada justifica a não realização do procedimento necessário ao tratamento. E mais, pode-se afirmar, ainda, que, fosse tal aparelho imprescindível, não teria o neurocirurgião do próprio hospital indicado a cirurgia e ficado no aguardo da autorização do plano de saúde, conforme fls. 60 e verso. Outrossim, não há prova de que os familiares concordaram e/ou autorizaram a transferência da paciente para outra unidade hospitalar, ainda que atestada as condições favoráveis para tanto. Os laudos e pareceres médicos revelam que a situação clínica em que se encontrava a paciente era gravíssima. A possibilidade de ressangramento era iminente. A toda evidência que a não realização da cirurgia no momento adequado e indicado pelo neurocirurgião, enquanto, incontrovertidamente, vigia o contrato de assistência médica com a Bradesco Saúde, foi determinante para o resultado danoso, ainda que não tenha sido a causa direta. Prova disso são as considerações feitas pela perita, quando da complementação do laudo pericial, às fls. 310, no sentido de que “A paciente apresentou-se estabilizada a partir do dia 28 de janeiro, devendo a cirurgia ter sido realizada, precocemente, durante/aproveitando-se esta fase de estabilidade, visando prevenir o ressangramento aneurismático. Houve atraso em relação à cirurgia. O ressangramento terminou por ocorrer, no dia 31 de janeiro, e foi causador do óbito da paciente. Ora, se a precocidade na realização da cirurgia tem por fim a prevenção...., o atraso deste tratamento permitiu o advento de tal complicação.” Ao que parece, preferiram o apelante e o plano de saúde não arcar com as despesas que poderiam surgir com a realização de uma dispendiosa cirurgia às vésperas do suposto encerramento da cobertura, carecendo os autos também de prova quanto a este fato. O certo é que colocaram em cheque a vida da paciente, que veio a falecer justamente em razão da demora do tratamento adequado, conforme atestou a i. expert. O parecer técnico do neurocirurgião a que recorreu a perita para elaboração de seu laudo, ratifica integralmente suas conclusões (fls. 328/329). A hipótese reclama a aplicação, como acertadamente fez a i. sentenciante, da Teoria da Perda de Uma Chance, conhecida teoria francesa, muito utilizada pelos nossos tribunais, uma vez que a conduta pratica da pela administração do hospital gerou para a paciente a perda da possibilidade de reversão ou redução do mal que lhe acometeu, o que se constata diante, principalmente, da manifestação da r. expert. Repitase:”...Houve atraso em relação à cirurgia. O ressangramento terminou por ocorrer, no dia 31 de janeiro, e foi causador do óbito da paciente. Ora, se a precocidade na realização da cirurgia tem por fim a prevenção...., o atraso deste tratamento permitiu o advento de tal complicação.” (fls. 310). De toda sorte, para fixação do quantum indenizatório, não se pode imputar ao apelante todo o dano experimentado pelo apelado, tendo em vista que o próprio laudo pericial aponta, como causa influente no agravamento do quadro clínico, a não realização de cirurgia, também, no hospital para onde foi transferida a paciente, consoante se depreende de fls. 325/326): “Há que se registrar que quando a paciente deu entrada no Hospital Souza Aguiar o fez acompanhada de todas as informações médicas necessárias à realização da cirurgia de aneurisma cerebral. Tecnicamente não se encontra justificativa para que a paciente não fosse imediatamente operada após sua chegada, quando se sabe que este hospital é considerado de ponta e dotado de todos os recursos neurocirúrgicos para a realização do procedimento....A paciente poderia ter sido operada no hospital réu a partir do dia 28/01 e, não sendo, foi transferida para o Hospital Municipal Souza Aguiar no dia 30/01 onde também deixou de receber de pronto o tratamento cirúrgico que era absolutamente necessário.” Entendendo o apelante não ser o único responsável pela perda da chance de a autora obter uma sobrevida, deverá ele reclamar seu eventual direito junto a Bradesco Saúde, que, segundo alega, não teria autorizado a realização da cirurgia, o que aqui não se provou. Pelo exposto, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2010. CUSTÓDIO DE BARROS TOSTES Desembargador Relator Certificado por DES. CUSTODIO TOSTES A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br. Data: 22/09/2010 15:41:56Local Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 0001525-46.2004.8.19.0204 - Tot. Pag.: 6