FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO Biologia Celular e Molecular Técnicas para inactivar genes Ana Sofia Oliveira, Turma 3 Ana Verónica Cardoso, Turma 3 Andreia Moreira, Turma 4 Joana Medeiros, Turma 9 Margarida Moreira, Turma 13 Porto, 16 de Maio de 2005 INTRODUÇÃO Durante décadas, os investigadores tentaram criar instrumentos que permitissem estudar o papel desempenhado por um determinado gene. Mais tarde, o facto de conseguirem inactivar genes específicos em animais, mais frequentemente ratinhos, aumentou o conhecimento sobre as suas funções e também sobre os aspectos moleculares, celulares e até mesmo comportamentais dos processos normais e patológicos (1,2,3). Apesar dos ratinhos parecerem modelos limitados para o estudo genético dos comportamentos e da neurofisiologia do ser humano, existem semelhanças genéticas substanciais entre estes animais e a espécie humana e também conhecidas correspondências entre regiões cromossómicas dos ratinhos e dos humanos, permitindo assim, a partir do estudo destes animais, fazer extrapolações para a nossa espécie (4). Além disso os ratinhos são modelos relativamente mais económicos quando comparados com outros, de fácil manipulação e de rápida reprodução, podendo ser usados para o estudo das bases genéticas de algumas doenças humanas (1,2,3). As técnicas mais utilizadas no estudo genético são os Knockouts, nos quais um dos genes do animal é inactivado e os Transgénicos, nos quais um gene exógeno é integrado, permanentemente, no DNA deste (2,3,4). Contudo, estas técnicas apresentam limitações e, consequentemente, levaram ao desenvolvimento de novas técnicas: os Knockouts Condicionais, o método “Plug and Socket” e o estudo de Quimeras e de Mosaicos (1). Para levar a cabo a introdução de genes nas células utilizam-se técnicas de transfecção, nomeadamente, a microinjecção directa de DNA no núcleo de células individuais e a electroporação, isto é, a aplicação de um choque eléctrico que torna as células mais permeáveis ao DNA. Esta técnica apresenta vantagens porque permite trabalhar com um número maior de células ao mesmo tempo (3,5). INACTIVAÇÃO DO GENE POR KNOCKOUT Os ratinhos Knockout são produzidos por uma técnica denominada alvejamento genético. Esta envolve a substituição da sequência do gene alvo, residente no genoma do ratinho, por uma sequência 2 relacionada modificada no laboratório para conter uma mutação. Primeiro, é isolado o gene seleccionado do DNA do ratinho, sendo de seguida transferido para uma amostra de DNA curta para fácil manipulação: o vector (2). Este consiste em duas regiões homólogas em cada extremidade, o gene de interesse mutado e dois genes adicionais para controlo de qualidade do processo. As regiões que se encontram em cada extremidade são homólogas com zonas específicas do genoma que Fig. 1 – Vector com versão mutada do gene alvo é introduzida nas células estaminais embrionárias. rodeia o gene de interesse. O vector pode-se ligar ao genoma nestes dois pontos por recombinação homóloga. O vector é depois introduzido em células estaminais embrionárias, em cultura, por electroporação (Fig. 1) (3). Estas células derivam de um embrião de ratinho ainda no início do desenvolvimento (geralmente macho) com a capacidade de diferenciação em todo o tipo de células quando introduzido noutro embrião (células totipotentes). A substituição ocorre por recombinação homóloga durante a qual duas sequências de DNA semelhantes se alinham junto uma da outra e Fig. 2 – Recombinação entre as sequências de DNA, havendo introdução do vector e da versão mutada do gene no genoma do ratinho. trocam material genético (Fig. 2) (3,4). O processo de recombinação homóloga num local faz com que haja integração aleatória ou mesmo ausência de inserção noutro local. É por isso necessário realizar uma selecção positiva-negativa (Fig. 3) das células estaminais embrionárias que sofreram uma substituição completa do gene mutado na zona de homologia (3). Para isso, o vector contém dois genes marcadores adicionais: - neor, gene que codifica uma enzima que Fig. 3 – Selecção positiva-negativa das células estaminais embrionárias. 3 inactiva a neomicina, um antibiótico letal para as células (3); - tkHSV, gene que codifica a cínase da timidina que fosforila o nucleotídeo citotóxico, “gancyclovir” (3). O gene neor encontra-se dentro da zona de homologia do vector e confere resistência à neomicina. Trata-se de selecção positiva já que as células que sobrevivem num meio com este antibiótico apresentam resistência, tendo ocorrido inserção do vector. No entanto, não discrimina inserção correcta de aleatória (3). O gene tk HSV encontra-se fora da zona de homologia do vector e confere sensibilidade ao “gancyclovir”. No caso da integração aleatória, este gene também será inserido no genoma e, num meio com este nucleotídeo, as células morrem. Faz-se assim uma selecção negativa (3). QUIMERAS A criação de Quimeras é uma restrição não-directa, ou seja, é uma alteração genómica que ocorre de uma maneira restrita mas randomizada para que apenas um número limitado de células sofra a mutação, podendo estas ser quaisquer células do organismo (1). Uma Quimera resulta da inserção de material genético mutado de um animal no material genético do embrião de outro animal (2), isto é, é um animal ou tecido composto por elementos derivados de indivíduos geneticamente distintos (3). Durante a criação de ratinhos Knockout (em que um gene alvo é tornado não funcional) e de ratinhos Knock-in (em que é introduzida uma mutação num gene alvo, sendo a sua função alterada mas não eliminada) (4) originam-se Quimeras, pois algumas células do ratinho resultante são derivadas de células embrionárias, que foram alteradas geneticamente, enquanto outras são derivadas de células do embrião, no qual foram injectadas as células embrionárias mutadas (4,2). Assim, o ratinho Quimérico resultante possuirá zonas homozigóticas e zonas heterozigóticas para o gene em estudo (1,2,3,4). Para se criar uma Quimera injectam-se as células embrionárias, previamente alteradas geneticamente, na cavidade de um blastocisto de um embrião jovem e transfere-se o mesmo para uma mãe adoptiva, onde este terminará o seu desenvolvimento (Fig. 4) (1,2,3,4). 4 Quando as células embrionárias mutadas são injectadas num blastocisto, elas possuem a capacidade de contribuir para todos os tecidos do ratinho Quimérico resultante, até mesmo para as células da linha germinativa do animal, permitindo a transmissão da mutação genética à descendência, in vivo (1,2,4). No entanto, os ratinhos Quiméricos não possuem o gene alterado ou inactivo em todas as suas células e, por conseguinte, apenas aqueles que o possuem nas suas células germinativas – ratinhos fundadores – o podem transmitir à descendência (2,3,4). Estes poderão ser identificados através de análises de DNA (4), sendo, posteriormente, cruzados com ratinhos que apenas possuem o gene normal (“wild-type”) (2,3,4). Qualquer descendente (F1) Fig. 4 – Criação de quimeras e obtenção de ratinhos Knockout (-/-) para o gene em estudo. que possua o gene mutado ou inactivo só o poderá ter herdado do progenitor Quimérico. Nestes descendentes tanto o gene alterado ou inactivo como o gene normal estão presentes em todas as suas células (3). Estes ratinhos são heterozigóticos (+/-) para o gene em estudo. Para obtermos ratinhos nos quais ambos os alelos possuam o gene alterado ou inactivo cruzam-se dois dos descendentes (F1) heterozigóticos (+/-). Como resultado, aproximadamente 25% da descendência (F2) possuirá o gene mutado ou inactivo nos dois alelos (-/-) (3). Este procedimento é utilizado quer para a produção de Quimeras quer para a de ratinhos Knockout. A partir do estudo destes animais podemos tirar importantes conclusões acerca das funções desempenhadas e das consequências que a alteração ou inactivação de um determinado gene podem ter no desenvolvimento do animal (2,3,4). KNOCKOUTS CONDICIONAIS A tecnologia Knockout Condicional promove instrumentos que ultrapassam algumas limitações da tecnologia Knockout convencional, sendo utilizada para gerar ratinhos viáveis com a inactivação de um gene 5 num tecido ou momento específicos (6). É utilizado o sistema Cre-loxP que faz recombinação específica. A recombinase Cre deriva do bacteriófago P1 e requer apenas um pequeno local (loxP com 34pb) para catalisar a recombinação (1). Em ratinhos que contenham alelos Knockout, o alelo é alterado pela inserção de locais loxP em dois intrões ou nas extremidades opostas de um gene. A expressão da recombinase Cre, activada por um promotor específico, catalisa a recombinação entre os locais loxP e inactiva o gene. O tempo de expressão da recombinase Cre pode ser controlado utilizando sistemas indutores da sua expressão como sistemas virais, tais como adenovírus ou lentivírus que tornam possível a inactivação, num tempo específico. Para se criar Knockouts Condicionais, através do método Cre-loxP, cruzam-se animais que possuam um gene X modificado com animais que possuem o gene para a enzima Cre. Apenas as células ou tecidos que têm o promotor activo produzem a enzima Cre; nestas células o gene X está Fig. 5 – Criação de Knockouts Condicionais pelo método Cre-loxP. cortado (Fig. 5) (2). RATINHOS TRANSGÉNICOS A tecnologia Transgénica é baseada na integração permanente de um gene estranho (transgene) e respectivo promotor no DNA do animal, num local aleatório. Este processo conduz à expressão e propagação do gene ao longo das futuras gerações. O objectivo desta técnica é, geralmente, a criação de ratinhos que expressem quantidades de certas proteínas superiores às normais (2). O método Transgénico tem como etapas: 1. Identificar e isolar o gene de interesse a partir das células do organismo original. 2. Seleccionar um promotor adequado que é colocado adjacente ao transgene. Os promotores são sequências de DNA associadas a um gene específico que conduzem à expressão 6 do gene em áreas específicas de um tecido, por exemplo, do cérebro. Podem activar a expressão desse gene antes ou depois do nascimento. 3. Uma vez que o promotor e o DNA sejam seleccionados, muitas cópias são introduzidas em ovos de ratinho fertilizados, durante o estádio unicelular, para garantir que o DNA se vai desenvolver em todas as células do animal adulto. Para criar embriões de ratinhos, as fêmeas são hormonalmente induzidas a hiper-ovular e, posteriormente, os seus óvulos são fecundados. Os ovos são colhidos 12 horas após a fecundação e manipulados em cultura sob controlo microscópico. Quando o embrião contém dois conjuntos de DNA (pró-núcleos), um de cada um dos progenitores, faz-se a microinjecção do DNA recombinante, em que cópias do conjunto promotor-gene são introduzidas no pró-núcleo masculino. Cerca de 50 a 90% dos ovos sobrevivem ao procedimento e são implantados nos oviductos de fêmeas receptoras. Nos casos bem sucedidos, o ovo fertilizado progride até ao útero, sendo implantado na parede uterina ao 5º dia. De seguida, retoma o seu desenvolvimento, originando, no fim da gestação, um animal Transgénico (2,3,4). Os ratinhos que transportam o transgene são chamados ratinhos fundadores. Estes ratinhos são cruzados com ratinhos não Transgénicos e os seus descendentes são testados para confirmar se o transgene se integrou nas células germinativas. Se a integração tiver ocorrido, continuarão a realizar-se cruzamentos entre ratinhos contendo o transgene – geração F1, produzindo-se linhagens de ratinhos Transgénicos – geração F2 (Fig. 6) (4). Mais raramente, a integração do gene pode também fazerse não no ovo fertilizado, mas após as primeiras divisões celulares Fig. 6 – Criação de ratinhos Transgénicos. durante o estádio de mórula, podendo o DNA exógeno ser 7 integrado em apenas algumas das suas células e, consequentemente, em apenas algumas células do recém nascido que é assim chamado de Mosaico. Só nos descendentes deste Mosaico (geração F1) é que todas as células terão a presença do transgene (4,5). “PLUG AND SOCKET” O método “Plug and Socket” pode ser usado para fazer pequenas mutações ou para substituir genes inteiros. Convencionalmente os genes alvo são de células embrionárias estaminais (7). Esta estratégia consiste em duas etapas: - Na primeira etapa insere-se um construto, a que chamamos “Socket”, junto ao gene alvo. A “Socket” consiste num marcador seleccionável positivamente (M1) e numa porção de um gene não funcional também seleccionável positivamente (∆M2). As células que contêm o marcador M1 tornam-se resistentes a drogas e podem ser seleccionadas por southern-blotting ou PCR (7). - Na segunda etapa pode ser usada uma série Fig. 7 - Esquema representativo do método “Plug and Socket”. de construtos diferentes de modo a obter os efeitos desejados (7). Estes construtos, designados “Plugs” alteram o local que contém a “Socket” e provocam o desaparecimento do marcador M1 (7,8). O “Plug” contém, ainda, uma sequência de DNA, que recombina homologamente com o gene alvo e provoca a modificação desejada, e uma porção não funcional do segundo marcador (M2∆) que é complementar do ∆M2. Da recombinação deste último e do M2∆ resulta a criação de um gene M2 funcional (Fig.7) (8). Ambas as etapas descritas acima consistem em simples inserções via recombinação homóloga (7). O método “Plug and Socket” é fácil e versátil para conseguirmos obter as modificações desejadas. É 8 uma estratégia que pode ser usada repetidamente para provocar alterações em locais de controlo, como por exemplo, no gene da ß-globina, permitindo determinar quais as áreas importantes na expressão de determinado gene, in vivo. CONCLUSÃO Os Knockout e os Transgénicos contribuíram, em grande escala, para um conhecimento mais vasto das funções desempenhadas por genes específicos e das bases genéticas de certas doenças humanas, no entanto existem múltiplas limitações que se colocam quando se estudam estes animais (2). No estudo de Knockouts colocam-se várias desvantagens, nomeadamente: 1) Muitos genes são essenciais para o desenvolvimento do animal e, consequentemente, os embriões de ratinhos que possuem esses genes inactivos não são viáveis, o que implica que esta técnica não nos permita estudar os genes que causam a morte ao embrião (1,2); 2) Muitos comportamentos são determinados pelas actividades e interacções de múltiplos genes que podem pertencer à mesma família ou a vias paralelas e que, por isso, são funcionalmente redundantes. Assim, inactivar apenas um dos genes que estão relacionados com determinado comportamento, não nos fornecerá uma ideia exacta do efeito desse gene no comportamento em estudo, porque a actividade de outros genes pode mudar em resposta ao gene inactivo e desta forma não se observar qualquer alteração no comportamento do animal (2,4). 3) Algum material genético das células embrionárias poderá estar intimamente ligado à região da versão mutada do gene. Durante a recombinação homóloga, quando o gene mutado troca de lugar com o gene normal da célula, o material genético das células embrionárias poderá ser levado juntamente com o gene mutado. Devido a este facto, se uma mudança no comportamento do ratinho que possui o gene mutado é observada, o DNA das células embrionárias poderá ser a causa (4); 4) Após criado o Knockout não existe forma de o manipular (1,2). Quanto aos Transgénicos também podem ser referidas algumas limitações, tais como: 9 1) O sítio do DNA onde o gene exógeno vai ser integrado e o número de cópias do transgene integradas não podem ser controlados (2,4); 2) Para os genes que são estritamente regulados durante o desenvolvimento embrionário, a sua expressão na altura errada ou em quantidades alteradas pode interferir com o desenvolvimento normal do animal, levando à sua morte ou a alterações fenotípicas (2). Com o intuito de ultrapassar algumas destas limitações actualmente recorre-se a técnicas como os Knockouts Condicionais, a criação de Quimeras e de Mosaicos e o método “Plug and Socket”. BIBLIOGRAFIA 1) Lobe CG et al (1998). Conditional genome alteration in mice. BioEssays 20, 200-208 2) Homanics GE et al (1997). New Genetic Technologies in Alcohol Research. Alcohol Health & Research World 21, 298-309 3) Darnell et al (2000). 8 – Genetic analysis in Cell Biology, 8.5 – Gene Replacement and Transgenic animals.In: Darnell et al. Molecular Cell Biology, 4ª edição, Nova Iorque, W.H. Freeman & Co. 4) Bowers BJ (2000). Applications of Transgenic and Knockout Mice in Alcohol Research. Alcohol Research & Health 24,175-184 5) Belo J et al (2001). VIII-Inactivação Genética e Mutagénese dirigida, XI-Organismos (Eucariotas) Geneticamente Modificados. In: Videira A et al. Engenharia Genética-Princípios e Aplicações, 1ªedição, Porto, Lidel. 6) Beglopoulos V et al (2004). 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