Editorial O Ano em Cardiologia 2015: Insuficiência Cardíaca The Year in Cardiology 2015: Heart Failure Michel Komajda1 e Frank Ruschitzka2 Department of Cardiology, Pitié-Salpêtrière Hospital, University Pierre and Marie Curie and IHU ICAN1, Paris, France; Department of Cardiology, University Heart Centre, University Zurich2, Zurich, Switzerland Originalmente publicado por Oxford University Press em nome da Sociedade Europeia de Cardiologia no European Heart Journal [Komajda M, Ruschitzka F. The year in cardiology 2015: heart failure. Eur Heart J. 2016 Feb 1;37(5):437-41] Introdução Vários estudos realizados na insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida e preservada foram apresentados e publicados em 2015. A maioria deles foi neutra e não demonstrou qualquer benefício sobre os resultados dos fármacos/procedimentos testados. No entanto, eles trazem importantes e novas informações sobre a pesquisa de novos medicamentos ou procedimentos no manejo da insuficiência cardíaca. Servoventilação adaptativa na insuficiência cardíaca e apneia central do sono: é prejudicial? Os distúrbios respiratórios do sono são comuns em pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida. Dois tipos diferentes de anormalidade foram descritos: apneia obstrutiva do sono e apneia central do sono. A prevalência de apneia central do sono, que pode se manifestar como respiração de Cheynes-Stokes, aumenta com a gravidade da insuficiência cardíaca e essa condição está associada a resultados adversos. O objetivo do SERVE-HF foi avaliar os efeitos da servoventilação adaptativa (SVA), que oferece suporte à pressão inspiratória servo-controlada sobre a pressão positiva expiratória nas vias aéreas em pacientes com insuficiência cardíaca moderada a grave e uma fração de ejeção < 45% que tinham predominantemente apneia central do sono.1 Nesse estudo, 1.325 pacientes foram incluídos e randomizados para ASV (666) ou terapia de controle (659). Os pacientes eram predominantemente Classe III da New York Heart Association (NYHA) e foram adequadamente tratados com as terapias recomendadas. A incidência do desfecho primário composto consistindo em morte por qualquer causa, intervenção cardiovascular emergencial, ou hospitalização não planejada Palavras-chave Insuficiência Cardíaca / complicações; Apneia do Sono Obstrutiva / terapia; Apneia do Sono; Tipo Central/ terapia; Respiração com Pressão Positiva; Doenças Cardiovasculares / mortalidade. Correspondência: Michel Komajda • Department of Cardiology, Pitié-Salpêtrière Hospital, University Pierre and Marie Curie and IHU ICAN, Paris 75013, France E-mail: [email protected] DOI: 10.1093/eurheartj/ehv720 por insuficiência cardíaca não diferiu significativamente entre os dois grupos (RR = 1,13; IC 95%, 0,97-1,31; p = 0,10). A surpresa foi a observação de um aumento significativo de mortalidade por todas as causas (RR = 1,28; IC 95%, 1,06‑1,55; p = 0,01) e de mortalidade cardiovascular (RR = 1,34; IC 95%, 1,09-1,65; p = 0,006) no grupo ASV. Os achados do estudo SERVE-HF contrasta com as evidências de estudos anteriores menores, que sugeriam uma melhora na função ventricular esquerda, qualidade de vida e mortalidade. Uma possível explicação para o aumento da mortalidade cardiovascular é que a apneia central do sono pode ser um mecanismo compensatório, e, portanto, reduzir esse padrão respiratório adaptativo por SVA pode ser prejudicial. A outra explicação apresentada por Cowie et al.,1 é que a aplicação de pressão positiva nas vias aéreas pode prejudicar a função cardíaca, particularmente em pacientes com baixa pressão capilar pulmonar em cunha. O momento da morte e se os eventos fatais ocorreram quando os pacientes estavam sob SVA serão, portanto, importantes para determinar o potencial mecanismo de dano. Uma implicação importante dos resultados negativos do estudo SERVE-HF é que esse procedimento não deve mais ser recomendado para pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida e apneia central do sono e interrompido nesses pacientes atualmente tratados por esse procedimento. Isso, no entanto, não se aplica à apneia obstrutiva do sono. Se outras técnicas utilizadas para diminuir a respiração de Cheynes-Stokes, tais como a estimulação do nervo frênico, são benéficas ou prejudiciais, permanece uma questão em aberto até que os resultados do estudo em andamento que testa a estimulação do nervo frênico estejam disponíveis. Agentes redutores da glicose e risco de insuficiência cardíaca: resultados novos e tranquilizadores Inibidores da dipeptidil peptidase 4 (DPP4) têm sido utilizados por vários anos no manejo da diabetes mellitus tipo 2. Em 2013, a publicação do estudo SAVOR-TIMI 53 suscitou preocupação sobre a segurança dessa classe em relação à ocorrência de eventos de insuficiência cardíaca.2 Esse grande estudo de desfecho incluindo pacientes com diabetes mellitus e evento cardiovascular prévio ou com alto risco cardiovascular mostrou que a segurança cardiovascular geral da saxagliptina foi boa, exceto por um aumento de 27% no risco do primeiro evento agravando a hospitalização por insuficiência cardíaca. Não houve nenhuma explicação 87 Komajda & Ruschitzka O ano em cardiologia 2015: insuficiência cardíaca Editorial biológica plausível para essa observação. No entanto, isso aumentou a preocupação sobre o dano potencial, ainda mais que outro estudo, EXAMINE, realizado em pacientes com diabetes mellitus e com síndrome coronária aguda, sugeriu um sinal não-significativo para o aumento do risco de insuficiência cardíaca com outro inibidor de DPP4, a alogliptina (Tabela 1).3 A publicação do estudo TECOS, outro grande estudo incluindo 14.671 pacientes era, portanto, há muito aguardada.4 Os pacientes incluídos tinham diabetes mellitus tipo 2, 50 anos de idade ou mais, e doença cardiovascular estabelecida e uma HbA1C basal de 6,5-8%. Eles foram randomizados para receber o inibidor de DPP4 sitagliptina ou tratamento controle. Após 3 anos de seguimento, não foi observada nenhuma diferença na ocorrência do desfecho composto de mortalidade cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal, acidente vascular cerebral não fatal, ou hospitalização por angina instável (RR = 0,98; IC 95%, 0.88- 1,09; p < 0,001 para não inferioridade). É importante destacar que a incidência de insuficiência cardíaca foi semelhante nos dois braços, com uma razão de risco de 1,00 (IC 95%, 0,83-1,20; p = 0,98). A explicação para o efeito diferencial da sitagliptina e da saxagliptina em eventos de insuficiência cardíaca permanece incerta: é improvável que diferenças nas populações avaliadas nos dois estudos desempenhem um papel, uma vez que o perfil clínico dos pacientes era bastante semelhante. Diferenças na afinidade dos dois inibidores aos vários substratos de DPP4 são uma potencial explicação. Finalmente, a probabilidade de acaso não pode ser excluída nesse grande estudo. Seja qual for a explicação subjacente, os resultados desse grande estudo de desfecho em diabetes mellitus tipo 2 descarta um efeito de classe dos inibidores da DPP4 em eventos de insuficiência cardíaca e são, portanto, tranquilizadores a respeito da segurança da sitagliptina em pacientes com insuficiência cardíaca pré-existente ou em alto risco de insuficiência cardíaca. Outro estudo, EMPA-REG OUTCOME, testou duas doses de um inibidor de co-transportador sódio-glicose 2, empagliflozina vs. placebo em 7.020 pacientes com diabetes tipo 2 com alto risco cardiovascular.5 Após uma mediana de tempo de observação de 3,1 anos, o desfecho primário de morte por causas cardiovasculares, infarto do miocárdio não-fatal ou acidente vascular cerebral não‑fatal foi significativamente reduzido em 14% no grupo de empagliflozina agrupado. É interessante destacar que hospitalizações por insuficiência cardíaca e o desfecho composto hospitalização por insuficiência cardíaca ou morte por causas cardiovasculares, dois desfechos secundários, também foram significativamente reduzidos em 35% (p = 0,002) e 34% (p < 0,01), respectivamente, sugerindo que esse novo agente antidiabético adicionado à terapia padrão não é somente seguro, mas também benéfico para a prevenção de hospitalizações por insuficiência cardíaca em diabetes mellitus tipo 2. O tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada continua a ser um dilema clínico O tratamento clínico da insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP) continua a ser um desafio, e nenhum medicamento demonstrou um benefício claro sobre a morbidade e mortalidade nessa população (Figura 1). O estudo SUPPORT avaliou se um tratamento adicional com um bloqueador do receptor da angiotensina, a olmesartana, reduz a mortalidade e morbidade em pacientes com hipertensão e insuficiência cardíaca crônica, tratados com inibidores da enzima conversora da angiotensina (iECA), beta‑bloqueadores, ou ambos. Esse estudo aberto, randomizado e prospectivo incluiu 1.147 pacientes. 6 A fração de ejeção média era de 54%. Durante um período de seguimento médio de 4,4 anos, não houve diferença estatística na ocorrência do desfecho primário compreendendo morte por todas as causas, infarto do miocárdio não-fatal, acidente vascular cerebral não-fatal, e hospitalização por piora da insuficiência cardíaca entre os dois grupos (RR = 1,18; IC 95%, 0,96-1,46; p = 0,11), enquanto um aumento significativo foi observado na piora da função renal. A adição de olmesartana aos pacientes tratados com a combinação de inibidores da ECA e beta-bloqueadores foi, no entanto, associada a um aumento significativo na ocorrência do desfecho primário (RR = 1,47; IC 95%, 1,11‑1,95; p = 0,006), morte por todas as causas e disfunção renal. Esses achados levam à conclusão de que a terapia combinada de inibidores de ECA, antagonistas do receptor da angiotensina e beta-bloqueadores não é recomendada em ICFEP, uma vez que está associada ao aumento do risco cardiovascular e aumento do risco de disfunção renal. Em 2013, o estudo RELAX realizado em 216 pacientes idosos com ICFEP mostrou a ausência de efeito da fosfodiesterase tipo 5 (sildenafil) na capacidade máxima de exercício, teste de caminhada de 6 min, estado clínico, qualidade de vida, remodelamento ventricular esquerdo ou função diastólica após 24 semanas de seguimento.7 Estes resultados estavam em contraste com um estudo anterior de centro único, o qual mostrou benefício na Tabela 1 – Eventos de insuficiência cardíaca em ensaios recentes com medicamentos hipoglicemiantes Estudo Medicamento N. de Pacientes Seguimento (anos) Hospitalização por insuficiência cardíaca (RR) Valor de p SAVOR Saxagliptina 16.492 2,1 1,27 (IC 95%, 1,07–1,51) 0,007 EXAMINE Alogliptina 5.380 1,5 1,07 (IC 95%, 0,79–1,46) 0,66 TECOS Sitagliptina 14.671 3,0 1,00 (IC 95%, 0,83–1,20) 0,98 Empagliflozina 7.020 3,1 0,65 (IC 95%, 0,50–0,85) 0,002 EMPA-REG 88 Arq Bras Cardiol. 2016; 107(2):87-92 Komajda & Ruschitzka O ano em cardiologia 2015: insuficiência cardíaca Editorial Figura 1 – Curva de Kaplan Meier para o desfecho composto primário (morte por todas as causas, infarto do miocárdio não fatal, acidente vascular cerebral não fatal e hospitalização por piora da insuficiência cardíaca) na população global do estudo SUPPORT.6 Essa Figura foi reimpressa com permissão da Oxford University Press, em nome da Sociedade Europeia de Cardiologia. hemodinâmica medida de forma invasiva, variáveis ecocardiográficas, e qualidade de vida em pacientes com hipertensão pulmonar relacionada à ICFEP.8 Outro estudo de centro único realizado por Hoendermis et al.,9 recentemente publicado no European Heart Journal, no entanto, lança outras dúvidas sobre o uso do sildenafil em pacientes com ICFEP e hipertensão pulmonar associada. Cinquenta e dois pacientes com ICFEP e hipertensão pulmonar pós-capilar predominantemente isolada foram randomizados para sildenafil ou placebo. Após 24 semanas, o sildenafil não reduziu a pressão arterial pulmonar e não melhorou outros parâmetros hemodinâmicos ou clínicos invasivos, confirmando assim as conclusões do supracitado estudo RELAX, no qual os pacientes com ICFEP e hipertensão pulmonar associada não se beneficiaram do tratamento com esse medicamento. O paradigma atual de ICFEP é que uma biodisponibilidade anormal de óxido nítrico resulta em diminuição do monofosfato cíclico de guanosina (GMPc) nos miócitos. Uma explicação potencial da falta de benefícios do sildenafil é, por conseguinte, que o defeito é mais uma diminuição da produção de GMPc do que um problema de aumento da degradação que é inibida por inibidores de PDE5, tais como o sildenafil. Será, portanto, interessante ver os resultados dos estudos utilizando um estimulador de guanilato ciclase solúvel (GCs), como o riociguat, atualmente em fase de avaliação. Os resultados do estudo SOCRATES-REDUCED, no entanto, enfatizam os desafios em modificar o conceito de modulação do GCs, continuando assim a abordar o déficit relativo de cGMP.10 No estudo SOCRATES-REDUCED, um estudo de dose adequada de fase 2 em pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida e piora da IC crônica, o estimulador GCs oral vericiguat não cumpriu seu desfecho principal de reduzir o peptídeo natriurético próB N-terminal (NT-pro-BNP) em 12 semanas, quando todas as doses foram combinadas, mas foi bem tolerado. Embora a análise de subgrupo tenha sugerido eficácia e segurança em seu subgrupo de 10mg, mais estudos são necessários para determinar o papel potencial dessa classe de medicamentos para pacientes com piora da IC crônica. O paradigma atual de que o aumento da biodisponibilidade de óxido nítrico pode fornecer um benefício clínico líquido significativo foi ainda questionado pelos resultados recentemente publicados do estudo multicêntrico, duplo‑cego, controlado por placebo “Nitrate's Effect on Activity, Tolerance in Heart Failure with Preserved Ejection Fraction (NEAT‑HFpEF)”.11 Nesse estudo patrocinado pelo National Heart, Lung, and Blood Institute, 110 pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção preservada foram aleatoriamente designados Arq Bras Cardiol. 2016; 107(2):87-92 89 Komajda & Ruschitzka O ano em cardiologia 2015: insuficiência cardíaca Editorial para um tratamento de 6 semanas com doses escalonadas de mononitrato de isossorbida (de 30 a 60 mg a 120 mg uma vez por dia) ou placebo, com subsequente troca com o outro grupo durante 6 semanas. Curiosamente, com cada uma das doses de nitrato testadas, todos os pacientes com ICFEP apresentaram níveis mais baixos de atividade e não apresentaram melhor qualidade de vida ou maior capacidade de exercício submáximo do que os pacientes que receberam placebo. Digno de nota, não nenhuma interação foi observada entre os subgrupos, incluindo por idade, sexo, etiologia da insuficiência cardíaca, níveis de peptídeo natriurético, ou pressão arterial. É intrigante especular se outros doadores de óxido nítrico que não o mononitrato de isossorbida, tais como o nitrito ou nitrato inorgânico (que já demonstraram aumentar a biodisponibilidade do óxido nítrico durante o exercício), poderiam ter produzido resultados mais benéficos sob as condições do estudo. Não obstante, os resultados um pouco contra-intuitivos do estudo NEAT‑HFpEF, mais uma vez enfatiza as diferenças fisiopatológicas distintas entre ICFEP vs. insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER). De fato, já que nitratos de ação prolongada melhoram os sintomas em ICFER, os resultados do NEAT‑HFpEF, portanto, sugerem que os potenciais benefícios hemodinâmicos dos nitratos são menos propensos a ter efeito sob as condições de aumento da rigidez sistólica ventricular e vascular, disfunção autonômica, incompetência cronotrópica, e sensibilidade barorreflexa alterada, já que são comuns em pacientes com ICFEP. Angioedema e inibidores da enzima de conversão da angiotensina Angioedema é um raro, mas potencialmente fatal efeito secundário dos inibidores da ECA e não há tratamento aprovado. Está geralmente relacionado com a inibição da degradação da bradicinina, dessa forma aumentando a atividade desse peptídeo. Um estudo de fase 2 comparou os efeitos de icatibanto subcutâneo, um antagonista seletivo do receptor de Bradicinina à prednisolona intravenosa além de um agente anti-histamínico, clemastina, em 27 pacientes com angioedema do trato aerodigestivo superior induzido por ECA.12 O icatibanto levou à resolução completa dos sintomas em 8 h, em média, em comparação com 27 h com a terapia padrão. Esses resultados sugerem que o uso de um antagonista do receptor de bradicinina permite a resolução completa de angioedema induzido por inibidores da ECA mais rapidamente do que com a terapia padrão. Consumo de álcool e risco de insuficiência cardíaca O consumo excessivo de álcool está associado com disfunção cardíaca e eventual miocardiopatia alcoólica (Figura 2). No entanto, a relação entre o consumo moderado de álcool e risco de insuficiência cardíaca é controversa. O consumo de álcool auto-relatado foi avaliado em 14.629 participantes do estudo “Atherosclerosis Risk in Communities” (ARIC) sem insuficiência cardíaca prevalente basal.13 Durante uma média de seguimento de 24 anos, insuficiência cardíaca incidente ocorreu em 1.271 homens e 1.237 mulheres. Homens que consumiam até 7 doses de bebidas alcoólicas por semana (uma dose = 14 g de álcool) tiveram um risco reduzido de insuficiência cardíaca em relação aos abstêmios (RR = 0,80; IC 95%, 0,68‑0,94; p = 0,006). Esse efeito "protetor" foi menos robusto em mulheres (RR = 0,84; IC 95%, 0,71-1,00; p = 0,05). Nas categorias de alto consumo de álcool, o risco de insuficiência cardíaca não foi diferente dos abstêmios, tanto em mulheres quanto em homens. Esses resultados sugerem, portanto, que o consumo moderado de álcool pode estar associado a um menor risco de insuficiência cardíaca. Figura 2 – Risco relativo de insuficiência cardíaca incidente como função da ingestão de álcool na linha de base por sexo. Os intervalos de confiança de 95% são indicados pelas linhas tracejadas. Os modelos são ajustados para idade, diabetes, hipertensão, doença arterial coronariana, índice de massa corporal, atividade física, colesterol total, nível de escolaridade, tabagismo e infarto do miocárdio incidente como covariável variável no tempo.13 Essa Figura foi reimpressa com permissão da Oxford University Press, em nome da Sociedade Europeia de Cardiologia. 90 Arq Bras Cardiol. 2016; 107(2):87-92 Komajda & Ruschitzka O ano em cardiologia 2015: insuficiência cardíaca Editorial Terapia genética na insuficiência cardíaca crônica: decepção A regeneração cardíaca utilizando transferência de genes no miocárdio é uma nova abordagem para o tratamento da insuficiência cardíaca. O ciclo anormal do cálcio nos cardiomiócitos é um marco da insuficiência cardíaca moderada a grave, e um elemento-chave é a expressão e atividade deficientes da ATPase do retículo sarcoplasmático tipo 2a (SERCA2a), a molécula que bombeia o cálcio do citosol para as reservas intracelulares, isto é, o retículo sarcoplasmático. Estudos pré-clínicos demonstraram que o aumento da expressão da SERCA2a em cardiomiócitos normaliza o ciclo de cálcio e que a transferência do gene SERCA2a em grandes modelos animais pode inverter a disfunção cardíaca. O estudo CUPID 2 avaliou 250 pacientes com insuficiência cardíaca grave que receberam por via intracoronária o transgene (123) ou placebo (127).14 O desfecho primário foi tempo para hospitalizações recorrentes por insuficiência cardíaca e piora ambulatorial da insuficiência cardíaca na presença de eventos terminais, incluindo morte por todas as causas ou transplante. Não houve diferença entre o braço ativo do estudo e o convencional para o desfecho primário (RR = 0,93; IC 95%, 0,53‑1,65; p = 0,81) ou para qualquer um dos desfechos secundários. Nenhuma questão de segurança foi levantada durante o estudo. Estes resultados decepcionantes não têm nenhuma explicação clara e são, em particular, contraditórios em relação a um pequeno estudo anterior (CUPID), que sugeriu que a injeção intracoronária do transgene SERCA2a estava associada com um efeito dose-dependente benéfico sobre a função ventricular, bem-estar do paciente, e biomarcadores aos 6 e 12 meses e que os resultados apresentaram melhora depois de 3 anos em pacientes tratados com a dose elevada. Explicações potenciais para o insucesso incluem a dose do transgene, o modo da injeção, a durabilidade do efeito, tipo de vetor (nesse caso, um adenovírus) e o promotor (citomegalovírus), ou o alvo. Espera-se que esses resultados negativos não desestimulem a investigação nessa área e que diferentes abordagens, incluindo mais promotores cardio‑específicos, o modo de injeção, ou vetores sejam testados para melhor avaliar o papel potencial da transferência de genes para a regeneração cardíaca. Tratamento de cardiomiopatia chagásica com benznidazole A doença de Chagas é uma doença parasitária comum na América Latina e é responsável pela forma mais comum de cardiomiopatia não isquêmica nessa área. A cardiomiopatia chagásica desenvolve-se em 25% dos pacientes infectados por T. cruzi 20-30 anos após a infecção aguda. O papel da terapia tripanocida no estágio da cardiomiopatia chagásica não está provada. O estudo “Benznidazole Evaluation for Interrupting Trypanosomiasis (BENEFIT)” avaliou os efeitos sobre os resultados do uso de benznidazole oral, um agente tripanocida vs. placebo em 2.854 pacientes com evidência de cardiomiopatia chagásica.15 A droga foi administrada durante 40-80 dias e os pacientes foram acompanhados para uma média de 5,4 anos. O desfecho primário foi o tempo até a morte, taquicardia ventricular ressuscitada, implante de marca-passo ou cardioversor-desfibrilador implantável, transplante cardíaco, nova insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral ou outro evento tromboembólico. Embora a terapia tripanocida com benznidazole tenha reduzido significativamente a detecção de parasitas no soro pela reação em cadeia da polimerase, não houve efeito significativo sobre o desfecho primário (RR = 0,93; IC 95%, 0,81-1,07; p = 0,31). Possíveis explicações para esses resultados negativos incluem variações genéticas do T. cruzi, período insuficiente de observação e tratamento tardio, em fase de doença cardíaca avançada. Contribuições dos autores M.K. e F.R. redigiram o manuscrito e fizeram a revisão crítica do manuscrito em relação ao conteúdo intelectual principal. Potencial Conflito de Interesse M.K. declara ser membro da diretoria da Novartis, BMS, AstraZeneca, e Menarini; honorários de consultoria da Servier e Amgen; e recebimento de honorários da Servier, Sanofi, AstraZeneca, BMS, MSD, Menarini e Novartis. F.R. declara subsídios da SJM e honorários da Servier, Zoll, AstraZeneca, e HeartWare. Direitos autorais Publicado primeiramente pelo European Heart Journal [Volume 37, Nº 5, 1º fevereiro de 2016, DOI: 10.1093/ eurheartj/ehv720] e reproduzido com permissão da Oxford University Press, em nome da Sociedade Europeia de Cardiologia. Todos os direitos reservados. © O Autor 2016. Se você deseja reproduzir, reutilizar ou distribuir este artigo, de alguma forma, por favor, entre em contato com [email protected] para solicitar permissão. Tradução A Oxford University Press, e a Sociedade Europeia de Cardiologia não são responsáveis ou de qualquer outra forma responsabilizáveis pela precisão da tradução. A Sociedade Brasileira de Cardiologia é a única responsável pela tradução nesta publicação. Arq Bras Cardiol. 2016; 107(2):87-92 91 Komajda & Ruschitzka O ano em cardiologia 2015: insuficiência cardíaca Editorial Referências 1. Cowie MR, Woehrle H, Wegscheider K, Angermann C, D’Ortho MP, Erdmann E, et al. Adaptive servo-ventilation for central sleep apnea in systolic heart failure. N Engl J Med. 2015;373(12):1095-105. 2. Scirica BM, Bhatt DL, Braunwald E, Steg G, Davison J, Hirshberg B, et al; SAVOR-TIMI 53 Steering Committee and Investigators. Saxagliptin and cardiovascular outcomes in patients with type 2 diabetes mellitus. N Engl J Med. 2013;369(14):1317-26. 3. 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