O Ano em Cardiologia 2015: Insuficiência Cardíaca

Propaganda
Editorial
O Ano em Cardiologia 2015: Insuficiência Cardíaca
The Year in Cardiology 2015: Heart Failure
Michel Komajda1 e Frank Ruschitzka2
Department of Cardiology, Pitié-Salpêtrière Hospital, University Pierre and Marie Curie and IHU ICAN1, Paris, France; Department of
Cardiology, University Heart Centre, University Zurich2, Zurich, Switzerland
Originalmente publicado por Oxford University Press em nome da Sociedade Europeia de Cardiologia no European Heart Journal [Komajda
M, Ruschitzka F. The year in cardiology 2015: heart failure. Eur Heart J. 2016 Feb 1;37(5):437-41]
Introdução
Vários estudos realizados na insuficiência cardíaca com
fração de ejeção reduzida e preservada foram apresentados
e publicados em 2015. A maioria deles foi neutra e não
demonstrou qualquer benefício sobre os resultados dos
fármacos/procedimentos testados. No entanto, eles trazem
importantes e novas informações sobre a pesquisa de
novos medicamentos ou procedimentos no manejo da
insuficiência cardíaca.
Servoventilação adaptativa na insuficiência cardíaca e
apneia central do sono: é prejudicial?
Os distúrbios respiratórios do sono são comuns em
pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção
reduzida. Dois tipos diferentes de anormalidade foram
descritos: apneia obstrutiva do sono e apneia central do
sono. A prevalência de apneia central do sono, que pode
se manifestar como respiração de Cheynes-Stokes, aumenta
com a gravidade da insuficiência cardíaca e essa condição
está associada a resultados adversos.
O objetivo do SERVE-HF foi avaliar os efeitos da
servoventilação adaptativa (SVA), que oferece suporte à
pressão inspiratória servo-controlada sobre a pressão positiva
expiratória nas vias aéreas em pacientes com insuficiência
cardíaca moderada a grave e uma fração de ejeção < 45%
que tinham predominantemente apneia central do sono.1
Nesse estudo, 1.325 pacientes foram incluídos e randomizados
para ASV (666) ou terapia de controle (659). Os pacientes eram
predominantemente Classe III da New York Heart Association
(NYHA) e foram adequadamente tratados com as terapias
recomendadas. A incidência do desfecho primário composto
consistindo em morte por qualquer causa, intervenção
cardiovascular emergencial, ou hospitalização não planejada
Palavras-chave
Insuficiência Cardíaca / complicações; Apneia do
Sono Obstrutiva / terapia; Apneia do Sono; Tipo Central/
terapia; Respiração com Pressão Positiva; Doenças
Cardiovasculares / mortalidade.
Correspondência: Michel Komajda •
Department of Cardiology, Pitié-Salpêtrière Hospital, University Pierre and
Marie Curie and IHU ICAN, Paris 75013, France
E-mail: [email protected]
DOI: 10.1093/eurheartj/ehv720
por insuficiência cardíaca não diferiu significativamente entre
os dois grupos (RR = 1,13; IC 95%, 0,97-1,31; p = 0,10).
A surpresa foi a observação de um aumento significativo de
mortalidade por todas as causas (RR = 1,28; IC 95%, 1,06‑1,55;
p = 0,01) e de mortalidade cardiovascular (RR = 1,34;
IC 95%, 1,09-1,65; p = 0,006) no grupo ASV.
Os achados do estudo SERVE-HF contrasta com as
evidências de estudos anteriores menores, que sugeriam
uma melhora na função ventricular esquerda, qualidade de
vida e mortalidade. Uma possível explicação para o aumento
da mortalidade cardiovascular é que a apneia central do
sono pode ser um mecanismo compensatório, e, portanto,
reduzir esse padrão respiratório adaptativo por SVA pode ser
prejudicial. A outra explicação apresentada por Cowie et al.,1
é que a aplicação de pressão positiva nas vias aéreas pode
prejudicar a função cardíaca, particularmente em pacientes
com baixa pressão capilar pulmonar em cunha. O momento
da morte e se os eventos fatais ocorreram quando os pacientes
estavam sob SVA serão, portanto, importantes para determinar
o potencial mecanismo de dano.
Uma implicação importante dos resultados negativos
do estudo SERVE-HF é que esse procedimento não deve
mais ser recomendado para pacientes com insuficiência
cardíaca e fração de ejeção reduzida e apneia central do
sono e interrompido nesses pacientes atualmente tratados
por esse procedimento. Isso, no entanto, não se aplica à
apneia obstrutiva do sono.
Se outras técnicas utilizadas para diminuir a respiração de
Cheynes-Stokes, tais como a estimulação do nervo frênico,
são benéficas ou prejudiciais, permanece uma questão em
aberto até que os resultados do estudo em andamento que
testa a estimulação do nervo frênico estejam disponíveis.
Agentes redutores da glicose e risco de insuficiência
cardíaca: resultados novos e tranquilizadores
Inibidores da dipeptidil peptidase 4 (DPP4) têm sido
utilizados por vários anos no manejo da diabetes mellitus
tipo 2. Em 2013, a publicação do estudo SAVOR-TIMI 53
suscitou preocupação sobre a segurança dessa classe em
relação à ocorrência de eventos de insuficiência cardíaca.2
Esse grande estudo de desfecho incluindo pacientes com
diabetes mellitus e evento cardiovascular prévio ou com alto
risco cardiovascular mostrou que a segurança cardiovascular
geral da saxagliptina foi boa, exceto por um aumento de
27% no risco do primeiro evento agravando a hospitalização
por insuficiência cardíaca. Não houve nenhuma explicação
87
Komajda & Ruschitzka
O ano em cardiologia 2015: insuficiência cardíaca
Editorial
biológica plausível para essa observação. No entanto, isso
aumentou a preocupação sobre o dano potencial, ainda
mais que outro estudo, EXAMINE, realizado em pacientes
com diabetes mellitus e com síndrome coronária aguda,
sugeriu um sinal não-significativo para o aumento do risco
de insuficiência cardíaca com outro inibidor de DPP4, a
alogliptina (Tabela 1).3
A publicação do estudo TECOS, outro grande estudo
incluindo 14.671 pacientes era, portanto, há muito
aguardada.4 Os pacientes incluídos tinham diabetes mellitus
tipo 2, 50 anos de idade ou mais, e doença cardiovascular
estabelecida e uma HbA1C basal de 6,5-8%. Eles foram
randomizados para receber o inibidor de DPP4 sitagliptina
ou tratamento controle.
Após 3 anos de seguimento, não foi observada nenhuma
diferença na ocorrência do desfecho composto de mortalidade
cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal, acidente
vascular cerebral não fatal, ou hospitalização por angina
instável (RR = 0,98; IC 95%, 0.88- 1,09; p < 0,001 para
não inferioridade). É importante destacar que a incidência
de insuficiência cardíaca foi semelhante nos dois braços, com
uma razão de risco de 1,00 (IC 95%, 0,83-1,20; p = 0,98).
A explicação para o efeito diferencial da sitagliptina e da
saxagliptina em eventos de insuficiência cardíaca permanece
incerta: é improvável que diferenças nas populações avaliadas
nos dois estudos desempenhem um papel, uma vez que o
perfil clínico dos pacientes era bastante semelhante.
Diferenças na afinidade dos dois inibidores aos vários
substratos de DPP4 são uma potencial explicação.
Finalmente, a probabilidade de acaso não pode ser excluída
nesse grande estudo. Seja qual for a explicação subjacente,
os resultados desse grande estudo de desfecho em diabetes
mellitus tipo 2 descarta um efeito de classe dos inibidores da
DPP4 em eventos de insuficiência cardíaca e são, portanto,
tranquilizadores a respeito da segurança da sitagliptina em
pacientes com insuficiência cardíaca pré-existente ou em
alto risco de insuficiência cardíaca.
Outro estudo, EMPA-REG OUTCOME, testou duas doses de
um inibidor de co-transportador sódio-glicose 2, empagliflozina
vs. placebo em 7.020 pacientes com diabetes tipo 2 com
alto risco cardiovascular.5 Após uma mediana de tempo de
observação de 3,1 anos, o desfecho primário de morte por
causas cardiovasculares, infarto do miocárdio não-fatal ou
acidente vascular cerebral não‑fatal foi significativamente
reduzido em 14% no grupo de empagliflozina agrupado.
É interessante destacar que hospitalizações por insuficiência
cardíaca e o desfecho composto hospitalização por insuficiência
cardíaca ou morte por causas cardiovasculares, dois desfechos
secundários, também foram significativamente reduzidos em
35% (p = 0,002) e 34% (p < 0,01), respectivamente, sugerindo
que esse novo agente antidiabético adicionado à terapia
padrão não é somente seguro, mas também benéfico para a
prevenção de hospitalizações por insuficiência cardíaca em
diabetes mellitus tipo 2.
O tratamento da insuficiência cardíaca com fração de
ejeção preservada continua a ser um dilema clínico
O tratamento clínico da insuficiência cardíaca com fração
de ejeção preservada (ICFEP) continua a ser um desafio, e
nenhum medicamento demonstrou um benefício claro sobre
a morbidade e mortalidade nessa população (Figura 1).
O estudo SUPPORT avaliou se um tratamento adicional
com um bloqueador do receptor da angiotensina, a
olmesartana, reduz a mortalidade e morbidade em pacientes
com hipertensão e insuficiência cardíaca crônica, tratados
com inibidores da enzima conversora da angiotensina
(iECA), beta‑bloqueadores, ou ambos. Esse estudo aberto,
randomizado e prospectivo incluiu 1.147 pacientes. 6
A fração de ejeção média era de 54%. Durante um período de
seguimento médio de 4,4 anos, não houve diferença estatística
na ocorrência do desfecho primário compreendendo morte
por todas as causas, infarto do miocárdio não-fatal, acidente
vascular cerebral não-fatal, e hospitalização por piora da
insuficiência cardíaca entre os dois grupos (RR = 1,18;
IC 95%, 0,96-1,46; p = 0,11), enquanto um aumento
significativo foi observado na piora da função renal.
A adição de olmesartana aos pacientes tratados com a
combinação de inibidores da ECA e beta-bloqueadores foi, no
entanto, associada a um aumento significativo na ocorrência
do desfecho primário (RR = 1,47; IC 95%, 1,11‑1,95;
p = 0,006), morte por todas as causas e disfunção renal.
Esses achados levam à conclusão de que a terapia
combinada de inibidores de ECA, antagonistas do receptor
da angiotensina e beta-bloqueadores não é recomendada
em ICFEP, uma vez que está associada ao aumento do risco
cardiovascular e aumento do risco de disfunção renal.
Em 2013, o estudo RELAX realizado em 216 pacientes
idosos com ICFEP mostrou a ausência de efeito da
fosfodiesterase tipo 5 (sildenafil) na capacidade máxima
de exercício, teste de caminhada de 6 min, estado clínico,
qualidade de vida, remodelamento ventricular esquerdo
ou função diastólica após 24 semanas de seguimento.7
Estes resultados estavam em contraste com um estudo
anterior de centro único, o qual mostrou benefício na
Tabela 1 – Eventos de insuficiência cardíaca em ensaios recentes com medicamentos hipoglicemiantes
Estudo
Medicamento
N. de Pacientes
Seguimento (anos)
Hospitalização por
insuficiência cardíaca (RR)
Valor de p
SAVOR
Saxagliptina
16.492
2,1
1,27 (IC 95%, 1,07–1,51)
0,007
EXAMINE
Alogliptina
5.380
1,5
1,07 (IC 95%, 0,79–1,46)
0,66
TECOS
Sitagliptina
14.671
3,0
1,00 (IC 95%, 0,83–1,20)
0,98
Empagliflozina
7.020
3,1
0,65 (IC 95%, 0,50–0,85)
0,002
EMPA-REG
88
Arq Bras Cardiol. 2016; 107(2):87-92
Komajda & Ruschitzka
O ano em cardiologia 2015: insuficiência cardíaca
Editorial
Figura 1 – Curva de Kaplan Meier para o desfecho composto primário (morte por todas as causas, infarto do miocárdio não fatal, acidente vascular cerebral não fatal
e hospitalização por piora da insuficiência cardíaca) na população global do estudo SUPPORT.6
Essa Figura foi reimpressa com permissão da Oxford University Press, em nome da Sociedade Europeia de Cardiologia.
hemodinâmica medida de forma invasiva, variáveis
ecocardiográficas, e qualidade de vida em pacientes com
hipertensão pulmonar relacionada à ICFEP.8
Outro estudo de centro único realizado por Hoendermis
et al.,9 recentemente publicado no European Heart Journal,
no entanto, lança outras dúvidas sobre o uso do sildenafil
em pacientes com ICFEP e hipertensão pulmonar associada.
Cinquenta e dois pacientes com ICFEP e hipertensão
pulmonar pós-capilar predominantemente isolada foram
randomizados para sildenafil ou placebo. Após 24 semanas,
o sildenafil não reduziu a pressão arterial pulmonar e não
melhorou outros parâmetros hemodinâmicos ou clínicos
invasivos, confirmando assim as conclusões do supracitado
estudo RELAX, no qual os pacientes com ICFEP e hipertensão
pulmonar associada não se beneficiaram do tratamento com
esse medicamento.
O paradigma atual de ICFEP é que uma biodisponibilidade
anormal de óxido nítrico resulta em diminuição do
monofosfato cíclico de guanosina (GMPc) nos miócitos.
Uma explicação potencial da falta de benefícios do sildenafil
é, por conseguinte, que o defeito é mais uma diminuição da
produção de GMPc do que um problema de aumento da
degradação que é inibida por inibidores de PDE5, tais como
o sildenafil. Será, portanto, interessante ver os resultados
dos estudos utilizando um estimulador de guanilato ciclase
solúvel (GCs), como o riociguat, atualmente em fase de
avaliação. Os resultados do estudo SOCRATES-REDUCED,
no entanto, enfatizam os desafios em modificar o conceito
de modulação do GCs, continuando assim a abordar o déficit
relativo de cGMP.10
No estudo SOCRATES-REDUCED, um estudo de dose
adequada de fase 2 em pacientes com insuficiência cardíaca
e fração de ejeção reduzida e piora da IC crônica, o
estimulador GCs oral vericiguat não cumpriu seu desfecho
principal de reduzir o peptídeo natriurético próB N-terminal
(NT-pro-BNP) em 12 semanas, quando todas as doses
foram combinadas, mas foi bem tolerado. Embora a análise
de subgrupo tenha sugerido eficácia e segurança em seu
subgrupo de 10mg, mais estudos são necessários para
determinar o papel potencial dessa classe de medicamentos
para pacientes com piora da IC crônica.
O paradigma atual de que o aumento da biodisponibilidade
de óxido nítrico pode fornecer um benefício clínico
líquido significativo foi ainda questionado pelos resultados
recentemente publicados do estudo multicêntrico,
duplo‑cego, controlado por placebo “Nitrate's Effect on
Activity, Tolerance in Heart Failure with Preserved Ejection
Fraction (NEAT‑HFpEF)”.11
Nesse estudo patrocinado pelo National Heart, Lung, and
Blood Institute, 110 pacientes com insuficiência cardíaca e
fração de ejeção preservada foram aleatoriamente designados
Arq Bras Cardiol. 2016; 107(2):87-92
89
Komajda & Ruschitzka
O ano em cardiologia 2015: insuficiência cardíaca
Editorial
para um tratamento de 6 semanas com doses escalonadas
de mononitrato de isossorbida (de 30 a 60 mg a 120 mg
uma vez por dia) ou placebo, com subsequente troca com
o outro grupo durante 6 semanas. Curiosamente, com cada
uma das doses de nitrato testadas, todos os pacientes com
ICFEP apresentaram níveis mais baixos de atividade e não
apresentaram melhor qualidade de vida ou maior capacidade
de exercício submáximo do que os pacientes que receberam
placebo. Digno de nota, não nenhuma interação foi observada
entre os subgrupos, incluindo por idade, sexo, etiologia da
insuficiência cardíaca, níveis de peptídeo natriurético, ou
pressão arterial.
É intrigante especular se outros doadores de óxido nítrico que
não o mononitrato de isossorbida, tais como o nitrito ou nitrato
inorgânico (que já demonstraram aumentar a biodisponibilidade
do óxido nítrico durante o exercício), poderiam ter produzido
resultados mais benéficos sob as condições do estudo.
Não obstante, os resultados um pouco contra-intuitivos do
estudo NEAT‑HFpEF, mais uma vez enfatiza as diferenças
fisiopatológicas distintas entre ICFEP vs. insuficiência cardíaca
com fração de ejeção reduzida (ICFER). De fato, já que nitratos
de ação prolongada melhoram os sintomas em ICFER, os
resultados do NEAT‑HFpEF, portanto, sugerem que os potenciais
benefícios hemodinâmicos dos nitratos são menos propensos
a ter efeito sob as condições de aumento da rigidez sistólica
ventricular e vascular, disfunção autonômica, incompetência
cronotrópica, e sensibilidade barorreflexa alterada, já que são
comuns em pacientes com ICFEP.
Angioedema e inibidores da enzima de conversão
da angiotensina
Angioedema é um raro, mas potencialmente fatal efeito
secundário dos inibidores da ECA e não há tratamento
aprovado. Está geralmente relacionado com a inibição da
degradação da bradicinina, dessa forma aumentando a
atividade desse peptídeo. Um estudo de fase 2 comparou
os efeitos de icatibanto subcutâneo, um antagonista seletivo
do receptor de Bradicinina à prednisolona intravenosa além
de um agente anti-histamínico, clemastina, em 27 pacientes
com angioedema do trato aerodigestivo superior induzido
por ECA.12 O icatibanto levou à resolução completa dos
sintomas em 8 h, em média, em comparação com 27 h
com a terapia padrão.
Esses resultados sugerem que o uso de um antagonista
do receptor de bradicinina permite a resolução completa
de angioedema induzido por inibidores da ECA mais
rapidamente do que com a terapia padrão.
Consumo de álcool e risco de insuficiência cardíaca
O consumo excessivo de álcool está associado com disfunção
cardíaca e eventual miocardiopatia alcoólica (Figura 2).
No entanto, a relação entre o consumo moderado de álcool
e risco de insuficiência cardíaca é controversa. O consumo
de álcool auto-relatado foi avaliado em 14.629 participantes
do estudo “Atherosclerosis Risk in Communities” (ARIC) sem
insuficiência cardíaca prevalente basal.13 Durante uma média de
seguimento de 24 anos, insuficiência cardíaca incidente ocorreu
em 1.271 homens e 1.237 mulheres. Homens que consumiam
até 7 doses de bebidas alcoólicas por semana (uma dose = 14 g
de álcool) tiveram um risco reduzido de insuficiência cardíaca
em relação aos abstêmios (RR = 0,80; IC 95%, 0,68‑0,94;
p = 0,006). Esse efeito "protetor" foi menos robusto em mulheres
(RR = 0,84; IC 95%, 0,71-1,00; p = 0,05). Nas categorias de
alto consumo de álcool, o risco de insuficiência cardíaca não
foi diferente dos abstêmios, tanto em mulheres quanto em
homens. Esses resultados sugerem, portanto, que o consumo
moderado de álcool pode estar associado a um menor risco de
insuficiência cardíaca.
Figura 2 – Risco relativo de insuficiência cardíaca incidente como função da ingestão de álcool na linha de base por sexo. Os intervalos de confiança de 95% são
indicados pelas linhas tracejadas. Os modelos são ajustados para idade, diabetes, hipertensão, doença arterial coronariana, índice de massa corporal, atividade física,
colesterol total, nível de escolaridade, tabagismo e infarto do miocárdio incidente como covariável variável no tempo.13
Essa Figura foi reimpressa com permissão da Oxford University Press, em nome da Sociedade Europeia de Cardiologia.
90
Arq Bras Cardiol. 2016; 107(2):87-92
Komajda & Ruschitzka
O ano em cardiologia 2015: insuficiência cardíaca
Editorial
Terapia genética na insuficiência cardíaca crônica: decepção
A regeneração cardíaca utilizando transferência de genes
no miocárdio é uma nova abordagem para o tratamento
da insuficiência cardíaca. O ciclo anormal do cálcio nos
cardiomiócitos é um marco da insuficiência cardíaca moderada
a grave, e um elemento-chave é a expressão e atividade
deficientes da ATPase do retículo sarcoplasmático tipo 2a
(SERCA2a), a molécula que bombeia o cálcio do citosol para
as reservas intracelulares, isto é, o retículo sarcoplasmático.
Estudos pré-clínicos demonstraram que o aumento da
expressão da SERCA2a em cardiomiócitos normaliza o ciclo
de cálcio e que a transferência do gene SERCA2a em grandes
modelos animais pode inverter a disfunção cardíaca. O estudo
CUPID 2 avaliou 250 pacientes com insuficiência cardíaca
grave que receberam por via intracoronária o transgene
(123) ou placebo (127).14 O desfecho primário foi tempo
para hospitalizações recorrentes por insuficiência cardíaca
e piora ambulatorial da insuficiência cardíaca na presença
de eventos terminais, incluindo morte por todas as causas
ou transplante. Não houve diferença entre o braço ativo do
estudo e o convencional para o desfecho primário (RR = 0,93;
IC 95%, 0,53‑1,65; p = 0,81) ou para qualquer um dos
desfechos secundários. Nenhuma questão de segurança foi
levantada durante o estudo.
Estes resultados decepcionantes não têm nenhuma explicação
clara e são, em particular, contraditórios em relação a um
pequeno estudo anterior (CUPID), que sugeriu que a injeção
intracoronária do transgene SERCA2a estava associada com um
efeito dose-dependente benéfico sobre a função ventricular,
bem-estar do paciente, e biomarcadores aos 6 e 12 meses e
que os resultados apresentaram melhora depois de 3 anos em
pacientes tratados com a dose elevada. Explicações potenciais
para o insucesso incluem a dose do transgene, o modo da
injeção, a durabilidade do efeito, tipo de vetor (nesse caso,
um adenovírus) e o promotor (citomegalovírus), ou o alvo.
Espera-se que esses resultados negativos não desestimulem a
investigação nessa área e que diferentes abordagens, incluindo
mais promotores cardio‑específicos, o modo de injeção, ou
vetores sejam testados para melhor avaliar o papel potencial da
transferência de genes para a regeneração cardíaca.
Tratamento de cardiomiopatia chagásica com benznidazole
A doença de Chagas é uma doença parasitária comum na
América Latina e é responsável pela forma mais comum de
cardiomiopatia não isquêmica nessa área. A cardiomiopatia
chagásica desenvolve-se em 25% dos pacientes infectados
por T. cruzi 20-30 anos após a infecção aguda. O papel da
terapia tripanocida no estágio da cardiomiopatia chagásica
não está provada.
O estudo “Benznidazole Evaluation for Interrupting
Trypanosomiasis (BENEFIT)” avaliou os efeitos sobre os resultados
do uso de benznidazole oral, um agente tripanocida vs.
placebo em 2.854 pacientes com evidência de cardiomiopatia
chagásica.15 A droga foi administrada durante 40-80 dias
e os pacientes foram acompanhados para uma média de
5,4 anos. O desfecho primário foi o tempo até a morte,
taquicardia ventricular ressuscitada, implante de marca-passo
ou cardioversor-desfibrilador implantável, transplante cardíaco,
nova insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral ou outro
evento tromboembólico. Embora a terapia tripanocida com
benznidazole tenha reduzido significativamente a detecção de
parasitas no soro pela reação em cadeia da polimerase, não
houve efeito significativo sobre o desfecho primário (RR = 0,93;
IC 95%, 0,81-1,07; p = 0,31). Possíveis explicações para esses
resultados negativos incluem variações genéticas do T. cruzi,
período insuficiente de observação e tratamento tardio, em
fase de doença cardíaca avançada.
Contribuições dos autores
M.K. e F.R. redigiram o manuscrito e fizeram a revisão crítica
do manuscrito em relação ao conteúdo intelectual principal.
Potencial Conflito de Interesse
M.K. declara ser membro da diretoria da Novartis, BMS,
AstraZeneca, e Menarini; honorários de consultoria da
Servier e Amgen; e recebimento de honorários da Servier,
Sanofi, AstraZeneca, BMS, MSD, Menarini e Novartis. F.R.
declara subsídios da SJM e honorários da Servier, Zoll,
AstraZeneca, e HeartWare.
Direitos autorais
Publicado primeiramente pelo European Heart Journal
[Volume 37, Nº 5, 1º fevereiro de 2016, DOI: 10.1093/
eurheartj/ehv720] e reproduzido com permissão da Oxford
University Press, em nome da Sociedade Europeia de
Cardiologia. Todos os direitos reservados. © O Autor 2016.
Se você deseja reproduzir, reutilizar ou distribuir este
artigo, de alguma forma, por favor, entre em contato com
[email protected] para solicitar permissão.
Tradução
A Oxford University Press, e a Sociedade Europeia de
Cardiologia não são responsáveis ou de qualquer outra forma
responsabilizáveis pela precisão da tradução. A Sociedade
Brasileira de Cardiologia é a única responsável pela tradução
nesta publicação.
Arq Bras Cardiol. 2016; 107(2):87-92
91
Komajda & Ruschitzka
O ano em cardiologia 2015: insuficiência cardíaca
Editorial
Referências
1. Cowie MR, Woehrle H, Wegscheider K, Angermann C, D’Ortho MP,
Erdmann E, et al. Adaptive servo-ventilation for central sleep apnea in systolic
heart failure. N Engl J Med. 2015;373(12):1095-105.
2. Scirica BM, Bhatt DL, Braunwald E, Steg G, Davison J, Hirshberg B, et al;
SAVOR-TIMI 53 Steering Committee and Investigators. Saxagliptin and
cardiovascular outcomes in patients with type 2 diabetes mellitus. N Engl J
Med. 2013;369(14):1317-26.
3.
White WB, Cannon CP, Heller SR, Nissen SE, Bergenstal RM, Bakris GL, et al;
EXAMINE Investigators. Alogliptin after acute coronary syndrome in patients
with type 2 diabetes. N Engl J Med. 2013;369(14):1327-35.
4.
Green JB, Bethel MA, Armstrong PW, Buse JB, Engel SS, Garg J, et al; TECOS
Study Group. Effect of Sitagliptin on cardiovascular outcomes in type 2
diabetes. N Engl J Med. 2015;373(3):232-42.
5.
Zinman B, Wanner C, Lachin JM, Fitchett D, Bluhmki E, Hantel S, et al; EMPAREG OUTCOME Investigators. Empagliflozin, cardiovascular outcomes, and
mortality in type 2 diabetes. N Engl J Med. 2015;373(22):2117-28.
6. Sakata Y, Shiba N, Takahashi J, Miyata S, Nochioka K, Miura M, et al;
SUPPORT Trial Investigators; SUPPORT Trial Investigators. Clinical impacts
of additive use of olmesartan in hypertensive patients with chronic heart
failure: the supplemental benefit of an angiotensin receptor blocker in
hypertensive patients with stable heart failure using olmesartan (SUPPORT)
trial. Eur Heart J. 2015;36(15):915-23.
7. Redfield MM, Chen HH, Borlaug BA, Semigran MJ, Lee KL, Lewis G, et al;
RELAX Trial. Effect of phosphodiesterase-5 inhibition on exercise capacity
and clinical status in heart failure with preserved ejection fraction: a
randomized clinical trial. JAMA. 2013;309(12):1268-77.
8.
92
Guazzi M, Vicenzi M, Arena R, Guazzi MD. Pulmonary hypertension in heart
failure with preserved ejection fraction: a target of phosphodiesterase-5
inhibition in a 1-year study. Circulation. 2011;124(2):164-74.
Arq Bras Cardiol. 2016; 107(2):87-92
9. Hoendermis ES, Liu LC, Hummel YM, van der Meer P, de Boer RA, Berger
RM, et al. Effects of sildenafil on invasive haemodynamics and exercise
capacity in heart failure patients with preserved ejection fraction and
pulmonary hypertension: a randomized controlled trial. Eur Heart J.
2015;36(38):2565-73.
10. Gheorghiade M, Greene SJ, Butler J, Filippatos G, Lam CSP, Maggioni
AP, e al; SOCRATES-REDUCED Investigators and Coordinators. Effect of
vericiguat, a soluble guanylate cyclase stimulator, on natriuretic peptide
levels in patients with worsening chronic heart failure and reduced
ejection fraction: the SOCRATES-REDUCED randomized trial. JAMA.
2015;314(21):2251-62.
11. Redfield MM, Anstrom KJ, Levine JA, Koepp GA, Borlaug BA, Chen
HH, et al; NHLBI Heart Failure Clinical Research Network. Isosorbide
mononitrate in heart failure with preserved ejection fraction. N Engl J Med.
2015;373(24):2314-24.
12. Baş M, Greve J, Stelter K, Havel M, Strassen U, Rotter N, et al. A randomized
trial of icatibant in ACE-inhibitor-induced angioedema. N Engl J Med.
2015;372(5):418-25.
13. Gonçalves A, Claggett B, Jhund PS, Rosamond W, Deswal A, Aguilar D, et
al. Alcohol consumption and risk of heart failure: the Atherosclerosis Risk in
Communities Study. Eur Heart J. 2015;36(15):939-45.
14. Greenberg B, Butler J, Felker GM, Ponikowski P, Voors AA, Desai
AS, et al. Calcium up-regulation by percutaneous administration of
gene therapy in cardiac disease phase 2b (CUPID 2): a randomised,
multinational, double -blind, placebo - controlled trial. Lancet.
2016;387(10024):1178-86.
15. Morillo CA, Marin-Neto JA, Avezum A, Sosa-Estani S, Rassi A Jr, Rosas F, et
al; BENEFIT Investigators. Randomized trial of benznidazole for chronic
Chagas’ cardiomyopathy. N Engl J Med. 2015;373(14):1295‑306.
Download