UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR DEPARTAMENTO DE ENGª ELECTROMECÂNICA CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS EM SISTEMAS BIOLÓGICOS APONTAMENTOS DAS AULAS TEÓRICAS J OÃO P AULO DA S ILVA C ATALÃO SETEMBRO 2010 Índice Capítulo 1 Introdução ..............................................................1 Capítulo 2 Electromagnetismo ....................................................4 2.1 Introdução .......................................................... 2.2 Campo Electromagnético .......................................... 2.3 Indução Electromagnética ........................................ 4 4 11 2.4 Equações de Maxwell .............................................13 2.5 Energia Electromagnética .........................................15 2.6 Campos Electromagnéticos e Radiações ......................... 16 2.7 Espectro das Frequências Electromagnéticas .....................17 2.8 Materiais Biológicos ..............................................20 2.9 Campos Electromagnéticos e Riscos para a Saúde ...............21 Capítulo 3 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas .......................................... 23 3.1 Fontes Geradoras ..................................................23 3.2 Efeitos Biofísicos dos Campos Electromagnéticos ...............26 3.3 Estudos Epidemiológicos..........................................31 3.4 Normas de Segurança e Regulamentação.........................33 Capítulo 4 Radiação de Rádio-Frequência ....................................36 4.1 Fontes de Radiação ................................................36 4.2 Bioelectromagnetismo.............................................39 4.3 Efeitos Biofísicos da Radiação de Rádio-Frequência ............43 4.4 Estudos Humanos e Epidemiológicos ............................44 4.5 Normas de Segurança e Regulamentação.........................44 Bibliografia ............................................................................48 Anexo ...................................................................................49 Introdução Capítulo 1 – Introdução Até finais do Século XIX, o ambiente electromagnético terrestre provinha de fontes naturais – isto é, do sol, da electricidade estática gerada pelas trovoadas, e do campo magnético terrestre. Desde o início do Século XX, com a construção dos mais variados equipamentos, desde radares, telefones fixos e comunicações móveis, aos modernos sistemas utilizados em medicina, que o magnetismo natural coexiste com os campos electromagnéticos artificiais. O Electromagnetismo é uma força básica da natureza, assim como a força da gravidade e a energia nuclear. A Radiação Electromagnética é uma forma de energia que é transmitida sob a forma de ondas às quais correspondem variações no espaço e no tempo do campo eléctrico e do campo electromagnético. Recentemente, tem vindo a ser comentado publicamente que as ondas electromagnéticas geradas quer por linhas de transporte de energia eléctrica (baixa frequência), quer pelas comunicações móveis sem fios (muito altas frequências), podem originar o aparecimento de um conjunto significativo de doenças graves, incluindo carcinomas. Pelo que, torna-se importante estudar os potenciais efeitos nocivos das radiações electromagnéticas. As primeiras investigações levadas a cabo com a finalidade de se concluir dos efeitos nocivos das radiações electromagnéticas, tiveram lugar um pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, devido à invenção do radar, que opera em onda curta e transmite feixes intensos de radiação. 1 Introdução No final de 1940, iniciaram-se experiências com coelhos, tendo-se constatado que contraíam glaucoma após uma exposição de 10 minutos, com os seus olhos sujeitos a ondas curtas com uma densidade de potência de 3000 mW/cm2. Em Outubro de 1951 surgiram os primeiros casos de inflamação da retina e de glaucoma em técnicos de radar, e, em 1953, os engenheiros da Bell Labs recomendaram que o nível de segurança a adoptar deveria ser de 0,1 mW/cm2. Contudo, em 1955 todos os países da NATO, por indicação dos Estados Unidos, adoptaram o limite de 10 mW/cm2. Ainda na década de 1960, iniciaram-se na ex-União Soviética as pesquisas relacionadas com os possíveis perigos inerentes às radiações não-ionizantes, isto é, radiações que não provocam a ionização dos átomos dos meios sujeitos a essas radiações. Em 1996, foi criado o International Electromagnetic Fields (EMF) Project, com a finalidade de se estudarem os efeitos ambientais e de exposição a campos eléctricos e magnéticos estáticos e variáveis no tempo, numa gama de frequências de 0 a 300 GHz, com a finalidade de se desenvolverem regras e linhas de conduta internacionais sobre os limites de exposição. Um outro aspecto bastante interessante dos efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos consiste nas suas propriedades terapêuticas por exemplo no tratamento de doenças como o cancro, as fracturas ósseas e a osteoporose. Hipócrates foi o criador do bio-electromagnetismo, tendo tentado a cura de determinados tipos de cancro através das radiações solares. Dois mil anos mais tarde, Galvani tentou curar tumores, aneurismas e hemorragias por aplicação da electricidade e, em 1840, Recamier e Pravaz apresentaram um método de destruição do cancro do colo do útero através da electricidade. A partir de 1891, d’Arsonval utilizou a auto-indução, em sessões de 20 minutos com correntes até 450 mA, na cura de reumatismos e artrites. Outros utilizadores dos efeitos terapêuticos da rádio-frequência foram Nikola Tesla e Thomson, e, em 1926, os cirurgiões ingleses e americanos iniciaram as rádiofrequências em operações delicadas ao cérebro e à próstata, para tratarem hemorragias, e para controlarem a multiplicação precária de células. 2 Introdução Efectivamente, os campos electromagnéticos de frequências extremamente reduzidas são utilizados com fins terapêuticos, no tratamento de fracturas, da osteoporose, e da esclerose múltipla, sendo, por sua vez, os efeitos terapêuticos relacionados com o aquecimento derivado da energia das radiações de rádio-frequência, utilizados no tratamento e ablação de determinados tipos de tumores e carcinomas. Todavia, os mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos ainda estão por explicar. 3 Electromagnetismo Capítulo 2 – Electromagnetismo 2.1 Introdução O Espaço Electromagnético, definido pela primeira vez pelo cientista escocês James Clerk Maxwell, representa todo o espaço físico onde, por sua vez, em todos os seus pontos se manifestam fenómenos eléctricos e magnéticos, quantificados essencialmente através dos vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético, sendo o Campo Electromagnético a interacção entre esses dois vectores. Sob determinadas circunstâncias, os campos electromagnéticos produzem ondas, que radiam a partir das suas fontes, daí a existência do vocábulo Radiação Electromagnética ou simplesmente Radiação. Por exemplo: a radiação provocada pelas antenas de comunicações móveis e de rádio e televisão. A interacção entre os campos eléctrico e magnético é descrita através das denominadas Equações de Maxwell, que permitem estudar e analisar todos os fenómenos, estáticos e variáveis no tempo, que se manifestam no espaço electromagnético. 2.2 Campo Electromagnético No nosso meio ambiente, existem campos electromagnéticos de origem natural, como o campo magnético terrestre, as tempestades com trovoadas, e as auroras boreais, provocadas pela interacção entre o vento solar e o campo magnético terrestre. 4 Electromagnetismo Os campos electromagnéticos criados artificialmente encontram-se sempre presentes onde quer que existam equipamentos eléctricos, sejam electrodomésticos, antenas, ou equipamentos médicos. Apesar do campo electromagnético existir, não é possível ver nem sentir de forma directa a existência de campos eléctricos e de campos magnéticos, sendo no entanto possível medi-los e avaliá-los. A energia electromagnética interage não só com outros equipamentos geradores de ondas similares, podendo provocar anomalias – daí a importância crescente dos estudos sobre incompatibilidades electromagnéticas (veja-se a influência dos telefones celulares sobre os pacemakers cardíacos) –, mas também sobre os sistemas biológicos. Quanto às grandezas que caracterizam o campo electromagnético, elas são as seguintes: r • Vector densidade de fluxo eléctrico ou vector deslocamento eléctrico D . r • Vector densidade de corrente J . r • Vector densidade de fluxo magnético B . r • Vector intensidade do campo eléctrico E . r • Vector intensidade do campo magnético H . • Constante dieléctrica, ou permitividade, do meio (material) dieléctrico ε. • Condutividade eléctrica do meio (material) condutor σ. • Permeabilidade magnética do meio (material) magnético μ. Na unidade curricular electromagnetismo é canónico efectuar-se o estudo da electrostática (cargas eléctricas e campo eléctrico invariantes no tempo), da corrente eléctrica estacionária (corrente contínua, em que as grandezas intervenientes são invariantes no tempo), da magnetostática (campo magnético gerado por corrente contínua, sendo as grandezas intervenientes igualmente invariantes no tempo), e dos campos eléctricos e magnéticos variáveis no tempo. Estes estudos têm todos eles como base as 4 Equações de Maxwell. 5 Electromagnetismo Quando os electrões (cargas eléctricas negativas) se movimentam no interior dos condutores e cabos eléctricos, tem-se a conhecida corrente eléctrica; porém essas cargas podem-se movimentar no espaço de um local para outro, criando assim a denominada electricidade estática. Sempre que existam cargas eléctricas em movimento no interior de um condutor, ou quando há cargas eléctricas de sinal contrário, separadas entre si, existirá um vector r intensidade do campo eléctrico E , que permite definir e avaliar a diferença de potencial, ou tensão eléctrica, U, devida a essa separação de cargas. Esta tensão eléctrica, expressa em J/C, equivalente em termos dimensionais ao V, representa o trabalho necessário para mover uma unidade de carga eléctrica entre dois pontos. Os campos eléctricos podem ser representados de uma forma gráfica, como se mostra na Figura 2.1. Figura 2.1 – Linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico: (a) – devidas a uma única carga eléctrica (b) – devidas a duas armaduras paralelas (condensador). Na Figura 2.2 mostra-se o campo eléctrico na zona envolvente do coração humano, destacando-se as linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico assim como as linhas equipotenciais, isto é, as linhas cujos pontos se encontram todas elas ao mesmo potencial. 6 Electromagnetismo Figura 2.2 – Linhas de força do campo eléctrico e linhas equipotenciais no coração humano. As linhas equipotenciais são perpendiculares às linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico e, além disso, quanto mais próximas essas linhas equipotenciais se encontram das respectivas cargas mais elevado é o valor do potencial eléctrico. Cargas eléctricas com sinais contrários atraem-se, enquanto cargas com o mesmo sinal repelem-se. O fenómeno de atracção ou de repulsão entre condutores percorridos por correntes eléctricas foi pela primeira vez descoberto e explicado pelo físico e matemático francês André-Marie Ampére, em 1820. Assim, quanto mais próximo nos encontrarmos de linhas áreas de transporte de energia eléctrica, de alta e muito alta tensão, mais intensos são os campos eléctricos, daí os eventuais riscos inerentes da exposição a esses campos eléctricos. Na Figura 2.3 mostram-se as linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico electrostático, bem como as respectivas linhas equipotenciais, abaixo de uma nuvem de trovoada, carregada de cargas eléctricas. Nesta mesma figura desenhou-se uma figura humana assim como uma trincheira no solo. Constata-se, por um lado, que o campo eléctrico no fundo da trincheira é inferior a 2000 V/m, enquanto na cabeça do humano é sensivelmente igual a 100000 V/m. Por conseguinte, durante a trovoada, o risco de electrocussão do humano, ao manter-se em pé, é elevadíssimo, ao passo que, deitandose no chão da trincheira, é praticamente nulo. 7 Electromagnetismo Figura 2.3 – Mapa das linhas de força do campo eléctrico electrostático (verticais), e das equipotenciais (horizontais, na perpendicular), debaixo de uma nuvem de trovoada. Em electrostática, tendo-se um meio dieléctrico com uma constante dieléctrica ε, onde existam cargas eléctricas estáticas, a relação entre a intensidade do campo eléctrico E (V/m) e a densidade de fluxo eléctrico, ou deslocamento eléctrico, D (C/m2), é dada pela seguinte expressão vectorial: r r D =ε E Quanto à constante dieléctrica, é ainda usual definir-se a constante eléctrica relativa εr, adimensional, tomando como referência a constante dieléctrica do vazio, ou seja: εr = ε ε0 Para a maioria dos materiais biológicos, os valores desta constante relativa situa-se entre 1 (como para o vácuo) e cerca de 80. Conforme se salientou anteriormente, o movimento de cargas eléctricas no interior de um condutor origina o aparecimento de uma corrente eléctrica. 8 Electromagnetismo Assim sendo, a relação entre a intensidade do campo eléctrico e a densidade de corrente no interior do meio condutor é dada através da seguinte expressão: r r J =σ E r O vector intensidade do campo magnético H é devido às cargas eléctricas em movimento no espaço ou no interior de condutores. Este vector, cujo módulo é H, expresso em A/m, é perpendicular à direcção da corrente eléctrica, e descreve círculos concêntricos em torno do eixo longitudinal do condutor, como se esquematiza na Figura 2.4. Figura 2.4 – Linhas de força circulares do vector intensidade do campo magnético, originadas pela corrente eléctrica que circula no interior do condutor. Por conseguinte, sempre que existam condutores percorridos por correntes eléctricas, estacionárias ou variáveis no tempo, existirão igualmente campos magnéticos no espaço envolvente, também estacionários ou variáveis no tempo. Ou seja, quem estiver próximo de linhas aéreas ou subterrâneas de transporte de energia, ou mesmo em instalações domésticas ou industriais, estará exposto a campos magnéticos e, consequentemente, aos seus possíveis efeitos adversos. Em geral, os campos electromagnéticos são bastante intensos junto às fontes que lhes dão origem, e diminuem bastante à medida que nos afastamos dessas fontes. as pessoas não sentem directamente a presença dos campos electromagnéticos, todavia, quando a sua intensidade é elevada, podem causar uma sensação visual tremeluzente, temporária, denominada magnetophosphenes, que desaparece assim que a fonte do campo magnético é removida. 9 Electromagnetismo Quando um campo magnético, caracterizado pelo vector intensidade do campo magnético, penetra através de uma superfície seccional de um meio (material) magnético, de permeabilidade μ, o vector densidade de fluxo magnético através dessa superfície é dado pela seguinte expressão: r r B=μH em que a densidade de fluxo é expressa em Wb/m2, unidade esta que é equivalente ao T, em homenagem ao físico e engenheiro Nikola Tesla. Tal como em relação à constante dieléctrica, é usual definir-se a permeabilidade magnética relativa, tomando como base a permeabilidade magnética absoluta do vazio, ou seja: μr = μ μ0 Do ponto de vista do seu comportamento face aos campos magnéticos, os materiais são classificados em 3 categorias distintas: • Materiais diamagnéticos: A sua permeabilidade relativa é ligeiramente inferior à unidade, como é o caso do bismuto (0,99983), da prata (0,99998), e do cobre (0,999991). • Materiais paramagnéticos: A sua permeabilidade relativa é ligeiramente superior à unidade, como é o caso do ar (1,0000004), do alumínio (1,00002), e do palladium (1,0008). • Materiais ferromagnéticos: A sua permeabilidade relativa é bastante elevada, como é o caso do níquel (600) e do ferro (5000). O fluxo magnético φ, expresso em Wb, através de uma superfície de área S, expressa em m2, conforme se representa na Figura 2.5, é definido como sendo a totalidade da densidade de fluxo magnético através dessa superfície S. 10 Electromagnetismo B área S Figura 2.5 – Linhas de força do vector densidade de fluxo magnético B através de uma superfície de área S. Supondo que as linhas de força do vector densidade de fluxo magnético são perpendiculares à superfície, tem-se: φ =BS = μ H S 2.3 Indução Electromagnética A magnetostática representa o estudo do campo magnético com origem na corrente eléctrica estacionária, isto é, na corrente contínua. Em 1831, em Londres, o físico inglês Michael Faraday descobriu que os campos magnéticos variáveis no tempo geram correntes eléctricas em circuitos fechados, também variáveis no tempo, desde que esses circuitos se encontrassem sujeitos à acção desses campos magnéticos. Este mesmo fenómeno, conhecido por indução electromagnética, foi igualmente constatado, quase em simultâneo mas de uma forma independente, pelo físico americano Joseph Henry, em Albany, no Estado de New York. Na prática, esse fenómeno é conhecido universalmente por Lei de Indução de Faraday. 11 Electromagnetismo Considere-se uma espira de condutor eléctrico, de forma rectangular, com um comprimento total s e com uma área total S, conforme se esquematiza na Figura 2.6, sujeita à acção de um campo magnético variável no tempo, caracterizado pelo fluxo φ, perpendicular à superfície. φ S s Eind Figura 2.6 – Esquematização da Lei de Indução de Faraday. Atendendo a que o campo magnético é variável no tempo, gera-se um vector intensidade do campo eléctrico no interior do condutor da espira, de módulo E também variável no tempo. O valor instantâneo da força electromotriz induzida na espira, f.e.m., é dado pela seguinte expressão, que traduz, na sua forma original, a Lei de Indução de Faraday: E ind = − dφ dt sendo: φ =BS ter-se-á, finalmente: E ind = − d (BS ) dt 12 Electromagnetismo Analisando esta expressão geral da lei de indução, conclui-se que: • Se B for invariante no tempo, e se a espira for mecanicamente indeformável (S constante), a f.e.m. induzida é nula. • Se B for variável no tempo e se a espira não se deformar, existe f.e.m. induzida. E ind = − S dB dt 2.4 Equações de Maxwell Como se estudou anteriormente, um campo eléctrico produz sempre um campo magnético e, inversamente, um campo magnético variável no tempo produz sempre um campo eléctrico. Os fenómenos electromagnéticos são traduzidos matematicamente pelas 4 Equações de Maxwell que, na forma diferencial, são dadas por: r r ∂B ∇×E = − ∂t r r r ∂D ∇×H = J + ∂t r ∇ •B =0 r ∇ •D = ρ Nestas equações, ∇ é um operador vectorial, representando ∇ • um produto interno ou escalar (divergência) e ∇ x um produto externo ou vectorial (rotacional). Por outro lado, ρ representa a densidade de cargas eléctricas estáticas em volume, expressa em C/m3. 13 Electromagnetismo A primeira equação relaciona o rotacional do campo eléctrico num ponto do espaço com a variação da densidade de fluxo nesse mesmo ponto do espaço. Fisicamente, esta equação corresponde à forma diferencial da lei de indução de Faraday. A segunda equação relaciona o rotacional do vector intensidade do campo magnético num ponto do espaço, com a densidade de corrente nesse mesmo ponto, compreendendo o segundo membro duas parcelas, representando a primeira o vector densidade de corrente de condução num meio condutor, e a segunda, a densidade de corrente de deslocamento num meio dieléctrico (lei de Ampere). A terceira equação exprime a continuidade do fluxo magnético, isto é, diz-nos que as linhas de força do campo magnético fecham-se sobre si próprias (lei de Gauss para o campo magnético). A quarta equação relaciona a divergência do vector densidade de fluxo eléctrico com a densidade volumétrica de cargas estáticas (lei de Gauss para o campo eléctrico). Adicionalmente, existem ainda mais 3 expressões, já expostas e analisadas anteriormente, e que representam as denominadas equações de constituição dos meios (materiais), respectivamente isolantes, condutores e magnéticos: r r D =ε E r r J =σ E r r B=μH sendo de salientar que a segunda das equações representa a Lei de Ohm na forma diferencial. 14 Electromagnetismo 2.5 Energia Electromagnética A potência P é igual ao produto da tensão eléctrica U pela intensidade da corrente eléctrica I. Como a potência representa a taxa de variação da energia por unidade de tempo, a sua unidade, W, corresponde ao J/s. r r A energia electromagnética está associada directamente aos vectores E e H . r A potência é contabilizada através do vector de Poynting P , definido através do produto vectorial entre os vectores campo eléctrico e campo magnético, associados a uma onda de energia electromagnética: r r r P = E ×H A sua unidade é o W/m2, sendo a sua direcção igual à da onda electromagnética. Este vector, perpendicular ao plano definido pelos vectores campo eléctrico e campo magnético, representa a densidade de potência vectorial instantânea associada aos campos electromagnéticos num determinado ponto. Para que o vector de Poynting não seja nulo, ou seja, para que a potência transmitida através do campo electromagnético exista, as direcções dos campos eléctrico e magnético não podem ser paralelas, sendo essa potência máxima quando os campos forem perpendiculares. Na prática, a potência transmitida é igualmente nula quando um dos campos não existe, como sucede na vizinhança de cargas eléctricas estáticas, devido à não existência de campo magnético. A absorção de energia por um meio (material) é definida como sendo a taxa específica de absorção, conhecida universalmente por specific absorption rate SAR, e que é igual ao quociente entre a taxa de energia transferida e a massa do material, sendo a sua unidade o W/kg. A SAR total de um corpo é obtida por média aritmética dos valores das SAR calculados para todos os pontos do corpo. 15 Electromagnetismo 2.6 Campos Electromagnéticos e Radiações r r Para campos electromagnéticos variáveis no tempo, os vectores E e H são dependentes entre si, podendo contudo ser independentes em determinadas situações. Na prática, para frequências de 20 - 30 kHz e superiores, os campos eléctricos e magnéticos não podem ser entendidos separadamente, ou seja, deverão ser estudados como um todo, que é a onda electromagnética. As ondas electromagnéticas de baixa frequência (tempo de período e comprimento de onda elevados) são usualmente referidas como sendo campos electromagnéticos, enquanto as ondas electromagnéticas de muito alta frequência (tempo de período e comprimento de onda muito reduzidos) são designadas por radiação electromagnética ou simplesmente por radiação. As ondas electromagnéticas contêm um campo eléctrico e um campo magnético perpendiculares à direcção de propagação das ondas, como se esquematiza na Figura 2.7, propagação essa que, no vácuo e aproximadamente no ar, se faz à velocidade da luz, sendo a velocidade de propagação mais reduzida noutros materiais como por exemplo os tecidos biológicos. Quanto mais reduzido é o comprimento de onda, mais elevada é a frequência, e mais elevada é a quantidade de energia que é transferida para objectos similares em dimensão ao comprimento de onda. Figura 2.7 – Onda electromagnética, com os seus campos eléctrico e magnético, a deslocar-se ao longo do eixo z. 16 Electromagnetismo 2.7 Espectro das Frequências Electromagnéticas O espectro das frequências electromagnéticas é apresentado na Figura 2.8. Figura 2.8 – Espectro das frequências electromagnéticas. 17 Electromagnetismo O espectro anterior é dividido em duas zonas: radiação não ionizante, e radiação ionizante, encontrando-se a separação na zona da radiação ultravioleta. A radiação não ionizante é caracterizada pelo facto de não possuir energia suficiente para causar a ionização em sistemas vivos. Em geral, o sector não-ionizante do espectro das frequências electromagnéticas encontra-se dividido em três gamas principais: a) Campos electromagnéticos de frequências extremamente reduzidas: estes campos englobam todos aqueles cujas frequências não ultrapassam 3 kHz. Para esta gama de frequências, os comprimentos de onda no ar são bastante elevados – 6000 km a 50 Hz – e, além disso, os campos eléctricos e magnéticos são independentes uns dos outros, sendo igualmente medidos separadamente. b) Radiação de rádio-frequência: esta radiação, que é constituída por ondas electromagnéticas que se propagam no ar e no vácuo, e cujas frequências se situam entre 3 kHz e 300 GHz, são utilizadas em radar, comunicações por satélite, em rádio e televisão, em navegação aérea e marítima, em comunicações móveis sem fios, e em comunicações móveis celulares. A frequência de 2,45 GHz é reservada para aplicações industriais, médicas e científicas, e para fornos microondas. c) Radiação óptica não coerente: a radiação óptica é outra componente do espectro de frequências electromagnéticas em relação à qual os olhos humanos são bastante sensíveis, e compreende a radiação ultravioleta (UV) e a radiação infra-vermelha (IV). Os raios ultravioletas encontram-se presentes na luz solar, sendo igualmente gerados por diversas fontes artificiais, e, como é do domínio público, podem originar reacções fotoquímicas que conduzem a queimaduras graves e mesmo a cancros de pele (melanomas), quando a exposição é prolongada. Contudo, em doses de exposição muito reduzidas, têm efeitos benéficos na medida em que são responsáveis pela produção de vitamina D3, essencial à vida humana para se evitar o raquitismo. A radiação infra-vermelha inclui a radiação térmica, como sucede com o carvão em combustão, que não emite luz mas sim IVs, os quais são sentidos como calor. 18 Electromagnetismo A radiação ionizante comporta uma energia suficiente para conseguir remover electrões das suas órbitas atómicas, transformando os átomos em iões, daí a sua designação. Incluídos neste tipo de radiação, têm-se os raios X e os raios gama. Esta radiação de alta frequência, superior a 1015 Hz, é caracterizada por apresentar comprimentos de onda reduzidos e elevada energia, e pode causar alterações no equilíbrio químico das células, com consequências graves para os materiais genéticos. A radiação ionizante tem assim a capacidade de expelir electrões das órbitas atómicas, daí que seja extremamente perigosa para os seres vivos – cria radicais livres, aumentando assim os riscos de anomalias cromossómicas que poderão conduzir ao aparecimento de cancros. Enquanto que os átomos, por serem electricamente neutros, não são nocivos, os iões, devido ao seu desequilíbrio eléctrico, são muito mais activos quimicamente que os átomos, daí que a radiação dita atómica – raios alfa, beta e gama –, é extremamente perigosa, podendo causar problemas de saúde a médio e longo prazo, em várias gerações, e causar a morte ao fim de muito pouco tempo. a) Raios X: Estes raios, também designados por raios Roentgen, em homenagem ao seu descobridor, têm um comprimento de onda situado entre 10-9 m e 10-11 m, possuem energia elevada, e têm um largo poder de penetração, sendo produzidos quando os electrões situados num tubo de vácuo reagem com os átomos de metais pesados, usualmente o tungsténio. Os raios X possuem a capacidade de penetrarem nos tecidos vivos, assim como em diversos metais, daí as suas aplicações em electromedicina (radiografias). b) Raios Gama: Possuem os comprimentos de onda mais reduzidos do espectro das frequências electromagnéticas, situados entre 10-10 m e 10-14 m e, simultaneamente, são os que têm mais energia, sendo gerados por átomos rádio-activos e em explosões nucleares, apresentando um poder de penetração bastante superior ao dos raios X. Estes raios conseguem atravessar totalmente o corpo humano ou serem absorvidos pelos tecidos, causando por conseguinte a morte de células em todo o corpo. Contudo, o facto de possuírem a capacidade de matarem células vivas é aproveitado pela medicina oncológica para, em doses muito reduzidas, eliminarem as células cancerosas – quimioterapia e radioterapia. 19 Electromagnetismo 2.8 Materiais Biológicos Todos os seres humanos são formados por um conjunto de biliões de células vivas. As células são constituídas, de uma forma geral, por uma fina membrana, que envolve toda a célula, pelo citoplasma, que é como que uma matéria gelatinosa encerrada na célula, e pelo núcleo. Contudo, nem todas as células possuem um núcleo, como acontece com as células que constituem os glóbulos vermelhos do sangue. As células biológicas, além de serem estruturas muito complexas, possuem ainda cargas eléctricas de elevada energia, que podem alterar a sua orientação e o seu movimento, quando sujeitas à acção de campos eléctricos exteriores, como se ilustra na Figura 2.9, onde se constata que, devido ao campo eléctrico E, as cargas eléctricas positivas alteram a sua distribuição, concentrando-se fortemente na zona da célula mais próxima da acção desse campo. Por conseguinte, as interacções entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos são analisadas através das células. Figura 2.9 – Estrutura eléctrica da célula humana, e influência da acção de um campo eléctrico exterior (a) – distribuição de cargas eléctricas, em situação normal (b) – redistribuição de cargas eléctricas, devido ao campo eléctrico E O núcleo das células contém a maioria da informação hereditária contida nos genes e nos cromossomas, sendo os genes, como é sabido, constituídos pelo ADN (ácido desoxirribonucleico), que apresenta a forma de uma hélice. 20 Electromagnetismo As células crescem, alteram-se e reproduzem-se através de um processo contínuo, denominado mitose. Uma vez que a mitose compreende diversos processos que podem ser afectados pela exposição a campos electromagnéticos, é dada uma grande importância no que respeita aos cuidados a ter pelas grávidas, relativamente a essa exposição. De facto, o estudo dos efeitos dos campos electromagnéticos sobre as diversas actividades dos cromossomas durante as quatro fases da mitose, deverá representar uma área muito importante de investigação, na medida em que, conhecendo-se os mecanismos de interacção, será possível combater os efeitos nocivos daqueles campos sobre o organismo humano. Os tecidos humanos são materiais biológicos que resultam do agrupamento de células entre si, ou da sua combinação com outros materiais. Existem quatro tipos básicos de tecidos: epiteliais, conectivos, musculares e nervosos. 2.9 Campos Electromagnéticos e Riscos para a Saúde Será que a exposição a campos electromagnéticos acarreta riscos mais ou menos graves para a saúde? Será que os riscos que se correm compensam todos os benefícios colhidos? Estas são algumas questões importantes relacionadas com os campos electromagnéticos em sistemas biológicos. A controvérsia que tem vindo a ser gerada assenta no pressuposto de que os níveis de radiação são perigosos, podendo causar várias doenças e anomalias, mais ou menos graves, incluindo o cancro. Durante bastante tempo, as grandes preocupações da opinião pública diziam respeito aos riscos inerentes aos operadores de radar e à utilização de fornos microondas em ambientes residenciais e, mais recentemente, as grandes preocupações situam-se nas telecomunicações e no transporte de energia a muito alta tensão. Presentemente aceita-se que os modernos fornos microondas são inofensivos, enquanto que, em relação aos radares, foram identificados alguns efeitos térmicos, tendo sido adoptadas medidas de precaução. 21 Electromagnetismo Efectivamente, os efeitos nocivos sobre a saúde relacionados com a exposição a campos electromagnéticos variam de pessoa para pessoa, havendo umas bastante mais afectadas que outras, devido às suas diferenças naturais físicas e bioquímicas. Para terminar, saliente-se ainda que a taxa de absorção específica das radiações electromagnéticas de alta frequência depende fortemente da orientação do campo eléctrico em relação à maior dimensão do corpo humano. 22 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Capítulo 3 – Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas 3.1 Fontes Geradoras Fontes de corrente contínua: As grandezas intervenientes no estudo da corrente contínua são estacionárias, isto é, invariantes no tempo. Por conseguinte, a frequência é igual a zero, ou seja, o comprimento de onda é infinito. Assim, apesar de existirem campos eléctricos e campos magnéticos, não há radiação, ou seja, não se verifica a excitação de moléculas que se encontrem próximas de instalações e equipamentos de corrente contínua. Os únicos sintomas palpáveis relacionados com a existência de corrente contínua manifestam-se através da electrização dos cabelos, que ficam ligeiramente em pé, e pela sensação de formigueiro no corpo. a) Magnetosfera: A Terra é uma fonte de campos eléctricos e magnéticos estáticos, tendo o campo eléctrico uma intensidade de cerca de 120 V/m junto ao solo, enquanto que a densidade de fluxo magnético tem um valor de cerca de 50 μT. b) Linhas de transporte de energia eléctrica: A produção e o transporte de energia eléctrica em corrente contínua praticamente não existe, salvo algumas excepções. Um sector de actividade onde a corrente contínua ainda apresenta um grande peso é a tracção eléctrica ferroviária. Nos centros urbanos, devido a questões de segurança, os níveis de tensão são bastante reduzidos, tendo-se 550 V a 650 V nos fios de contacto de carros eléctricos, enquanto que na tracção suburbana e interurbana as catenárias de alimentação possuem uma tensão nominal de 1500 V ou 3000 V. 23 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas c) Imagiologia de ressonância magnética: A obtenção de imagens através de ressonância magnética é, actualmente, um meio de diagnóstico médico de elevada importância, devido à alta resolução conseguida na obtenção de imagens do interior do corpo humano. Os equipamentos utilizados podem sujeitar o corpo humano a densidades de fluxo estacionários, isto é, obtidos a partir da excitação em corrente contínua, de 2000 mT durante curtos períodos de tempo. Acredita-se que esta exposição é inofensiva para os humanos, todavia valores superiores àquele são considerados críticos porque podem afectar a actividade eléctrica do coração. Fontes de corrente alternada: Os campos electromagnéticos gerados por corrente alternada resultam da produção, transporte, distribuição e utilização da energia eléctrica sob a forma alternada sinusoidal, com uma frequência de 50 Hz, exceptuando os Estados Unidos, Canadá, Coreia, e Japão, que utilizam 60 Hz. Saliente-se que, quando se utilizam aparelhos electrónicos, devido à sua não linearidade e aos regimes transitórios que são característicos do seu funcionamento, a forma de onda da corrente não é alternada sinusoidal, mas sim deformada face à sinusóide. Nestas situações, essa forma de onda é composta pela soma da sinusóide de 50 Hz, com outras sinusóides de frequências múltiplas e que podem atingir valores muito elevados. Na prática, a influência dos campos magnéticos enfraquece à medida que aumenta a distância da fonte geradora: a) Condutor simples: Para um condutor eléctrico rectilíneo percorrido por uma corrente eléctrica, a densidade de fluxo magnético é inversamente proporcional à distância r desse condutor. b) Dois condutores paralelos: Para dois condutores rectilíneos paralelos, a densidade de fluxo magnético é inversamente proporcional a r2. c) Enrolamentos (bobinas): Para espiras ou enrolamentos, existentes em máquinas eléctricas rotativas e lineares, a densidade de fluxo magnético é inversamente proporcional a r3. 24 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Como se constata no dia-a-dia, a vida actual seria impossível sem a existência de electrodomésticos. Estes equipamentos, como não poderia deixar de ser, geram campos electromagnéticos. Na Tabela 3.1 apresentam-se os valores das densidades de fluxo associadas aos campos electromagnéticos gerados por alguns tipos de electrodomésticos. Tabela 3.1 – Densidades de fluxo associadas aos electrodomésticos Densidades de fluxo (μT) Electrodomésticos Distância = 30 cm Distância = 90 cm Monitor de computador 0,02 – 13,00 0,001 – 0,9 Máquina de fotocópias 0,005 – 1,80 0,00 – 0,20 Máquina de fax 0,00 – 0,016 0,00 – 0,003 Lâmpada fluorescente 0,50 – 2,00 0,02 – 0,25 Impressora 0,07 – 4,30 0,02 – 0,25 Scanner 0,20 – 2,60 0,009 – 0,30 Máquina de café 0,009 – 0,70 0,00 – 0,06 Máquina de lavar loiça 0,50 – 0,80 0,08 – 0,16 Fogão eléctrico 0,15 – 0,50 0,01 – 0,04 Forno microondas 0,05 – 5,00 0,011 – 0,45 Trituradora 0,05 – 4,00 0,009 – 0,40 Frigorífico 0,01 – 0,30 0,001 – 0,06 Torradeira 0,03 – 0,45 0,001 – 0,05 Relógio analógico 0,18 – 4,10 0,003 – 0,32 Relógio digital 0,03 – 0,57 0,00 – 0,13 Rádio portátil 0,04 – 0,40 0,003 – 0,10 Aspirador 0,70 – 2,20 0,05 – 0,13 Máquina de barbear 0,01 – 10,00 0,01 – 0,30 Secador de cabelo 0,01 – 7,00 0,01 – 0,03 Ventilador 0,04 – 8,50 0,03 – 0,30 Televisão a cores 0,02 – 1,20 0,007 – 0,11 Ferro de engomar 0,15 – 0,30 0,025 – 0,035 Aquecedor portátil 0,011 – 1,90 0,00 – 0,14 Máquina de lavar roupa 0,15 – 3,00 0,01 – 0,15 25 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Conforme se constata dos valores expostos, os níveis das densidades de fluxo reduzem-se significativamente à medida que a distância aumenta. Apesar dos valores apresentados serem insignificantes, sucede que, usualmente, o corpo humano encontrase exposto a diversos equipamentos em simultâneo, por exemplo computadores, impressoras, lâmpadas fluorescentes, televisão a cores, etc., daí que as densidades de fluxo possam aumentar bastante. Adicionalmente aos seus efeitos sobre os sistemas biológicos, os campos electromagnéticos gerados pelos equipamentos podem provocar interferências entre si, afectando por vezes de forma grave e significativa o seu funcionamento. Basta recordar as proibições actualmente em vigor, no que respeita à utilização de telefones celulares, computadores portáteis e jogos de vídeo no interior dos aviões, devido à possível interferência nos sistemas electrónicos de bordo. 3.2 Efeitos Biofísicos dos Campos Electromagnéticos Os efeitos biofísicos ocorrem quando a exposição a campos electromagnéticos provoca alterações detectáveis ou visíveis em sistemas vivos. Estes efeitos podem causar alterações graves de saúde num curto espaço de tempo – por exemplo, as consequências de uma exposição a raios gama –, ou então originar alterações cujas consequências se manifestarão apenas passados bastantes anos – por exemplo, os problemas de saúde derivados da excessiva exposição aos raios ultravioletas. Apesar dos campos eléctricos e magnéticos ocorrerem, na maioria das situações, em conjunto, tem sido dada maior importância à análise dos efeitos nocivos dos campos magnéticos na medida em que são mais difíceis de anular e têm um maior poder de penetração em edifícios e em seres vivos, que os campos eléctricos. A interacção electromagnética entre materiais encontra-se plenamente estudada, através das Equações de Maxwell. A sua aplicação aos materiais isolantes, condutores e magnéticos é relativamente fácil, na medida em que se consideram como sendo meios homogéneos, isto é, as suas propriedades são iguais em todos os seus pontos. 26 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Contudo, o mesmo não sucede com a sua aplicação aos sistemas biológicos, devido à elevada complexidade e aos múltiplos níveis de organização dos organismos vivos. Têm sido propostos diversos mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos, todavia não completamente estabelecidos, que se descrevem seguidamente: a) Correntes induzidas: Na gama dos campos electromagnéticos de frequências extremamente reduzidas, os materiais biológicos comportam-se como sendo meios condutores. Todos os tecidos são constituídos por células e fluidos inter-celulares, sendo de salientar que estes fluidos possuem uma elevada condutividade eléctrica. Por outro lado, devido à sua membrana, as células comportam-se como meios isolantes, daí que as correntes induzidas nos tecidos devido à acção de campos eléctricos de frequência reduzida circulem apenas nos espaços circundantes das células. b) Biomateriais magnéticos: Todos os organismos vivos são essencialmente constituídos por compostos orgânicos diamagnéticos, todavia contêm igualmente algumas moléculas paramagnéticas – o oxigénio – assim como microestruturas ferromagnéticas – o núcleo da hemoglobina. Estas microestruturas ficarão sujeitas à acção de campos magnéticos exteriores, tendendo a movimentar-se devido à acção das forças magnéticas de atracção, podendo esse movimento causar perturbações biofísicas, que só acontecerão para campos magnéticos entre 2 μT e 5 μT. c) Radicais livres: Os radicais livres são átomos ou moléculas que possuem pelo menos um electrão sem par, que é instável e perigoso, na medida em que estes electrões fazem com que os radicais livres colidam com outras moléculas, que ficarão com a sua estrutura alterada transformando-se por sua vez noutros radicais livres. Este fenómeno pode originar uma reacção em cadeia, destruindo o ADN. Estes radicais livres são marcadamente reactivos, existindo apenas por períodos muito reduzidos, inferiores a 1 ns, porém o seu efeito é devastador devido aos diversos tipos de cancro que provocam, motivados pelos estragos que esses radicais originam no ADN, nas células e nos tecidos. Os campos magnéticos estacionários podem influenciar a taxa de resposta de reacções químicas envolvendo pares de radicais livres. 27 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas d) Membrana celular e ligação química: Julga-se que a membrana celular tem um papel principal nos mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos. Os receptores situados nas membranas são, provavelmente, o local onde têm início as interacções entre os tecidos e os campos electromagnéticos. Outra teoria interessante afirma que os iões, especialmente os iões de cálcio, podem jogar o papel de ligação química entre os campos electromagnéticos e os processos de vida, na medida em que as propriedades eléctricas e a distribuição dos iões à volta das células são condições perfeitas para o estabelecimento de interacções com campos electromagnéticos exteriores. Outras investigações afirmam que os campos eléctricos de baixa frequência podem excitar as membranas das células, causando choques eléctricos ou outros efeitos. Tem vindo a ser dada uma atenção muito especial às possíveis interacções que promovam o aparecimento e o desenvolvimento de carcinomas, devido a ser uma doença particularmente grave. O termo médico cancro é utilizado para descrever cerca de 200 doenças diferentes, todas elas caracterizadas pela destruição incontrolada de células. Esta doença representa o caso de uma mitose incontrolável, em que as células se dividem aleatoriamente, escapando às condições naturais de controlo existentes no corpo humano, ou seja, é essencialmente uma desordem genética ao nível celular. A radiação ionizante possui energia suficiente para provocar cancros de uma forma rápida e fulminante, como sucede com a radiação gama. Em geral, as doenças cancerígenas directamente associadas com a exposição a campos electromagnéticos são a leucemia, o cancro cerebral, e o cancro da mama. A exposição a campos electromagnéticos até 0,1 mT não resulta normalmente em efeitos biofísicos celulares. Todavia, para campos superiores a 0,1 mT é possível haver já alguns efeitos adversos. Outra hipótese possível de interacção, sob investigação, diz respeito ao facto das exposições a campos eléctricos e magnéticos provocarem a supressão de melatonina, que é uma hormona produzida por uma glândula localizada próxima do centro do cérebro. 28 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Esta hormona contribui para a destruição dos radicais livres, ajudado a reparar o ADN. A produção da melatonina é essencial para o sistema imunitário, o qual protege o organismo das infecções e das células cancerígenas, daí que determinados tipos de cancro proliferem quando os níveis de melatonina são baixos. Estudos celulares - efeitos relevantes para o cancro: a) Material genético: Quanto à influência dos campos electromagnéticos sobre o ADN, é possível que os campos com intensidades superiores à do campo magnético terrestre, natural, podem originar problemas na síntese do ADN, e, consequentemente, aberrações nos cromossomas. b) Transporte de cálcio: Os iões de cálcio são partículas carregadas electricamente, e que desempenham um papel fundamental em diversos processos celulares, sendo um dos mensageiros das comunicações intercelulares do corpo e, também, um regulador do crescimento celular. O fenómeno da libertação de iões de cálcio das células devido à acção de campos electromagnéticos pode provocar distúrbios nas actividades hormonais, conduzindo a leucemias e a outros tipos de cancro. c) Actividade enzimática: Uma enzima especial, a ornitina descarboxilase (ornithine decarboxylase ODC) é bastante importante pelo papel que possui na regulação da multiplicação de células, e é, simultaneamente, uma enzima activada durante o processo de carcinogénese, ou seja, um aumento da actividade da ODC representa um sintoma de cancro. A exposição a campos electromagnéticos pode aumentar a actividade das enzimas ODC. d) Hormonas: Diversos estudos demonstram que a diminuição do nível da síntese da melatonina, devido à exposição a campos electromagnéticos, está associada ao aumento do risco de contracção de doenças cancerígenas. e) Comunicações intercelulares: Julga-se que os campos electromagnéticos de frequências extremamente reduzidas podem alterar as propriedades das membranas, modificar as funções celulares, e interferir com a transferência de informação entre células. 29 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas A par das investigações relativas aos efeitos cancerígenos dos campos electromagnéticos, têm igualmente vindo a realizar-se diversos estudos sobre os efeitos não cancerígenos desses campos. A rotação eléctrica das células, assim como a sua fusão, pode surgir sob a acção de campos eléctricos de 10 kV/m, como é o caso das electrocussões a 50 Hz. Estudos em humanos: a) Sistema cardiovascular: O coração é um órgão muscular bioeléctrico, daí que o seu funcionamento seja analisado através dos sinais eléctricos emitidos – electrocardiograma e ecografia cardíaca. Na prática, densidades de corrente da ordem de 0,1 A/m2 podem estimular os tecidos electricamente excitáveis, enquanto que, valores superiores a 1 A/m2 interferem com a acção eléctrica do músculo cardíaco, causando fibrilação ventricular. b) Síndroma da fadiga crónica: Este síndroma é caracterizado pela existência de fadiga debilitante. A exposição a campos electromagnéticos constitui um risco potencial para os pacientes que padecem de anomalias associadas à fadiga crónica, afectando negativamente o sistema imunitário. c) Sensibilidade eléctrica: As pessoas afectadas pela sensibilidade eléctrica são particularmente sensíveis a determinadas frequências eléctricas, reagindo de uma forma exacerbada quando expostas à acção de campos electromagnéticos. d) Choques e microchoques eléctricos: O termo choque eléctrico é utilizado para descrever todas as injúrias graves, provocadas pelas elevadas intensidades de corrente, e que compreendem desde a perda de consciência à electrocussão mortal, enquanto que o termo microchoque eléctrico se refere às arritmias cardíacas produzidas por correntes de intensidades muito reduzidas, ao percorrerem o músculo cardíaco. Para melhor compreensão dos efeitos térmicos causados por um choque eléctrico, considere-se o exemplo de um trabalhador, electricista, que sofre um contacto acidental, directo, numa mão, de um condutor eléctrico de média tensão, a 60 kV. 30 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Considerando que os seus pés se encontram apoiados directamente no solo, ao potencial zero, e sem qualquer protecção isolante, pela lei de Ohm a intensidade da corrente que percorrerá o seu corpo, com um trajecto “mão – braço – peito – pernas”, será, tendo ainda em atenção que a resistência eléctrica média do corpo humano se pode considerar igual a 2000 Ohm (Ω): I= U 60 ×103 V = = 30 A R 2000 Ω valor este que é extremamente elevado, como se prova através da determinação da potência calorífica desenvolvida por efeito de Joule no corpo do trabalhador: P = R I 2 = ( 2000 Ω) × (30 A ) 2 =1800000 W =1800 kW Por sua vez, se o choque eléctrico tiver uma duração de 5 segundos, a energia calorífica desenvolvida pelo corpo da vítima terá o seguinte valor: W = P t = (1800000 W ) × (5 s) = 9000000 J (W s) = 2,5 kWh Ou seja, nos 5 segundos de duração do choque eléctrico, o corpo da vítima desenvolveria uma quantidade de energia calorífica equivalente à que seria libertada por uma resistência de aquecimento de 2,5 kW durante 1 hora. Evidentemente que, nestas circunstâncias, os danos térmicos causados nos tecidos e órgãos do corpo com toda a certeza que conduziriam a uma morte inevitável. e) Sensações visuais: A acção dos campos electromagnéticos, que se reflecte através das correntes eléctricas induzidas na retina, dá origem a tremuras nos olhos que, contudo, não têm quaisquer efeitos degenerativos. 3.3 Estudos Epidemiológicos A maioria dos resultados respeitantes aos efeitos dos campos electromagnéticos sobre os sistemas biológicos são baseados em conjuntos de estudos epidemiológicos, sendo o objectivo desses estudos identificar as associações entre doenças e características ambientais particulares, de modo a ser possível estabelecer uma relação do tipo causa-efeito. Os estudos epidemiológicos permitem ainda estabelecer uma correlação histórica de dados biológicos, para grandes amostras populacionais. 31 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Os estudos epidemiológicos são estudos de caso-controlo (case-control studies), sendo identificados dois grupos de pessoas de uma determinada população: • Os casos (cases), que representam as pessoas com uma determinada doença, encontrando-se em estudo. • Os controlos (controls), que representam as pessoas seleccionadas da mesma população à qual pertencem os casos, sendo similares em tudo excepto no facto de não possuírem a doença. O resultado do estudo epidemiológico é expresso através da seguinte relação, denominada rácio de possibilidades ou de probabilidades (Odds Ratio OR), que representa uma estimativa: OR = possibilidade de pessoas expostas do grupo casos possibilidade de pessoas expostas do grupo controlos Se o valor de OR é igual a 1, não se encontrou nenhuma diferença entre a exposição de pessoas com a doença e as pessoas sem a doença, o que significa que existe uma associação negativa entre a doença e a exposição. Contrariamente, se o valor de OR é superior a 1, as pessoas casos estiveram provavelmente mais expostas que as pessoas controlo, havendo assim uma associação positiva entre a doença e a exposição. Para melhor compreensão, considere-se o seguinte exemplo numérico: • Estudo de 500 cancros (casos), e 500 controlos. • Se 200 casos estiveram expostos aos campos electromagnéticos, os casos não expostos são 500 – 200 = 300, daí que a possibilidade de pessoas expostas do grupo casos será 200/300 = 0,66. • Se 130 controlos estiveram expostos aos campos electromagnéticos, os controlos não expostos são 500 – 130 = 370, daí que a possibilidade de pessoas expostas do grupo controlos será 130/370 = 0,35. 32 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas • Por conseguinte, tem-se OR = 0,66/0,35 = 1,88, ou seja, existe uma associação positiva entre a exposição e o cancro. Atendendo a que os regulamentos de segurança, assim como as linhas directivas de protecção contra as exposições a campos electromagnéticos, fazem uma diferenciação entre ambientes ocupacionais, isto é, locais de trabalho, e ambientes ou locais públicos, apresenta-se de seguida algumas características típicas desses locais, no que respeita aos tipos de fontes geradoras de campos electromagnéticos: a) Locais de trabalho: Estes locais são estudados no contexto de indústrias específicas e de postos de trabalho, particularmente nos casos de fábricas de equipamentos eléctricos, onde a probabilidade dos trabalhadores estarem expostos à acção de campos electromagnéticos é bastante elevada, campos esses gerados não só pelas instalações eléctricas mas também pelas próprias ferramentas com que operam. b) Locais públicos: Os locais públicos onde existem exposições a campos electromagnéticos compreendem as residências, escolas, hotéis, e vias de comunicação rodoviárias e ferroviárias, sendo as fontes geradoras constituídas pelas cabos e as linhas eléctricas de transporte de energia, as subestações e postos de transformação, e diversos equipamentos de escritório e electrodomésticos. 3.4 Normas de Segurança e Regulamentação Uma norma de segurança é um documento que explicita determinados níveis, designados por níveis de segurança, que têm como objectivo assinalar que, por exemplo, acima desses níveis existe risco para a saúde humana. É o caso da exposição a campos electromagnéticos, em que as respectivas normas de segurança indicam quais os níveis máximos de exposição, acima dos quais poderão ocorrer riscos para a saúde. No caso da exposição a campos electromagnéticos, note-se que o nível máximo de exposição representa não uma linha exacta de separação entre perigo e segurança, mas sim um possível risco para a saúde humana, que é tanto mais elevado quanto maior for o afastamento por excesso em relação àquele nível. 33 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Os primeiros regulamentos foram elaborados na União Soviética, em 1975, contudo a norma que conseguiu reunir um consenso mais alargado foi composta pelo Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), em 1991, norma essa aprovada em 1992 pelo American National Standards Institute (ANSI). A norma de segurança ANSI/IEEE recomenda que a exposição média para cada período de seis minutos e para cada secção do corpo humano não deverá exceder 0,614 kV/m para campos eléctricos e 163 A/m (205 μT) para campos magnéticos. O objectivo destes níveis consiste em manter as intensidades das correntes induzidas no corpo humano bastante inferiores ao valor mais baixo correspondente à corrente de excitação das células electricamente excitáveis. Além desta norma, outras instituições de outros países têm vindo a trabalhar, há já bastante tempo, no sentido de estabelecerem a sua própria regulamentação de segurança. É o caso da Austrália, através do Australian Radiation Laboratory (ARL) e do National Health and Medical Research Council (NH & MRC), do Canadá, da Commonwealth of Massachusetts, da North Atlantic Treaty Organization (NATO), da United States Air Force (USAF), e da União Soviética. Na Tabela 3.2, para todos estes regulamentos, mostram-se os níveis de segurança relativos à exposição a campos magnéticos em locais de trabalho e em locais públicos, indicando-se, dentro de parêntesis, as datas de publicação e entrada em vigor dos regulamentos de segurança discriminados. Tabela 3.2 – Normas de segurança e limites de exposição para campos magnéticos Instituição / País Níveis de exposição (μT) Locais de trabalho Locais públicos ANSI/IEEE (1991) 205 205 Austrália: NH & MRC (1989) 500 100 Canadá (1989) 5,01 2,26 Com. of Massachusetts (1986) 1,99 ----- NATO (1979) 3,27 ----- USAF (1987) 1,99 1,99 USSR (1985) 1760 ----- 34 Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Como se constata, ao observar-se a Tabela 3.2, os valores diferem significativamente de país para país – por exemplo, 1760 µT na União Soviética contra apenas 1,99 µT no Massachusetts, nos Estados Unidos –, devendo-se essas disparidades exactamente à situação de não existir ainda uma justificação científica universalmente comprovada e aceite no que respeita aos mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos. Em 1989, o International Radiation Protection Association (IRPA) aprovou, interinamente, as linhas de conduta relativas à exposição a campos electromagnéticos de frequências extremamente reduzidas, preparadas pela sua International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection (ICNIRP), estando os limites recomendados expostos na Tabela 3.3, para a frequência de 50 Hz. Saliente-se que estas recomendações resultaram de um trabalho de cooperação com a World Health Organization (WHO), assim como com a United Nations Environment Program (UNEP), sendo o seu objectivo a prevenção das correntes eléctricas induzidas nas células, assim como a estimulação nervosa. Tabela 3.3 – Limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos, a 50 Hz, recomendados pelos organismos internacionais IRPA/ICNIRP Exposição Campo eléctrico (kV/m) Campo magnético (µT) Locais de trabalho Dia inteiro 10 0,5 Período curto (2 horas/dia) 30 5 Membros (braços/pernas) ----- 25 Locais públicos Dia inteiro 5 0,1 Poucas horas diárias 10 1 É de notar que os limites apresentados foram estipulados unicamente para se evitarem riscos imediatos, não tendo sido considerados os riscos inerentes a exposições prolongadas, mesmo de nível reduzido. 35 Radiação de Rádio-Frequência Capítulo 4 – Radiação de Rádio-Frequência 4.1 Fontes de Radiação A rádio teve início em 1909, quando Marconi deu utilização às invenções dos seus predecessores, Hertz e Tesla, ao enviar o primeiro sinal sem fios através do Atlântico Norte, entre Poldhu (Cornualha, Reino Unido) e St. John, na Terra Nova, Canadá. O termo rádio-frequência (RF) refere-se a uma corrente alternada que, se for fornecida por uma antena, gera campos electromagnéticos, campos esses adequados para serem utilizados em comunicações sem fios, rádio, televisão, e outras aplicações industriais, científicas e médicas. De acordo com a definição do IEEE, a radiação de rádio-frequência (na terminologia normalizada anglo-saxónica, radio frequency radiation RFR) é uma banda do espectro electromagnético que abrange uma gama de frequências entre 3 kHz e 300 GHz. Por outro lado, a radiação de microondas (microwave MW) é usualmente considerada como um subconjunto da RFR. Note-se que a rádio-frequência se estende entre 3kHz e 300 MHz enquanto que as microondas ocupam a região espectral entre 300 MHz e 300 GHz. A radiação de rádio-frequência RFR é emitida a partir de três elementos básicos, de qualquer sistema sem fios – gerador, trajecto da transmissão, e antena –, como se esquematiza na Figura 4.1. 36 Radiação de Rádio-Frequência Figura 4.1 – Elementos básicos de um sistema de transmissão sem fios a) Geradores: Estes geradores, também designados por fontes de RF, convertem potência eléctrica em radiação, utilizando determinadas tecnologias tais como os osciladores ou os magnetrões. b) Linhas de transmissão: O objectivo destas linhas consiste em guiar a energia, através das ondas electromagnéticas geradas na fonte, até às antenas de recepção e de propagação. c) Antenas: A antena é o último componente de um sistema de transmissão sem fios, sendo uma estrutura que tem como funções assegurar a transição de uma onda electromagnética guiada, proveniente de uma linha de transmissão, para uma onda electromagnética que se irá propagar no espaço. As antenas são equipamentos recíprocos, isto é, funcionam nos dois sentidos, como emissores ou como receptores. Como emissores, radiam as ondas electromagnéticas para o espaço, e como receptores, fazem a recepção dessa radiação, encaminhando-a para transdutores e cabos de transmissão. As estações de rádio (telefonia) e de televisão transmitem os seus sinais através de antenas de AM e de FM, podendo a gravidade desses sinais no que respeita à exposição a que se encontram sujeitos quer trabalhadores quer o público em geral, ser avaliada através das respectivas frequências da radiação – 535 kHz a 1705 kHz para as transmissões de rádio em AM, e 2 MHz a 806 MHz para rádio em FM e para televisão em VHF (Very High Frequency) e UHF (Ultra High Frequency). 37 Radiação de Rádio-Frequência O termo radar é um acrónimo, utilizado pela marinha dos Estados Unidos em 1942, e significa radio detecting and raging, tendo sido desenvolvido para fins militares. Basicamente, o radar emite sinais de RFR, através de uma antena rotativa de forma a varrer todas as direcções. Estes sinais são, por sua vez, reflectidos por um objecto ou por uma superfície, sendo captados pela mesma antena, o que permite determinar a distância a que os objectos se encontram. Ou seja, a antena emite e recebe sinais alternadamente, aos quais correspondem respectivamente as frequências de 300 MHz e 30 GHz. Os satélites de comunicações em órbita terrestre têm como funções assegurar as comunicações telefónicas globais, contribuir para a previsões meteorológicas, recolher imagens da terra, assegurar transmissões televisivas, e servir de plataforma para o sistema de posicionamento global (global positioning system GPS). Quanto às estações de rastreio terrestres, do interesse público no que respeita às emissões de RFR, consistem em antenas parabólicas de grande dimensão, utilizadas para transmitir ou receber sinais via satélite, Figura 4.2. Figura 4.2 – Sistema de comunicações por satélite Devido às grandes distâncias envolvidas, por exemplo 36000 km para os satélites geoestacionários, os níveis de potência necessários para a transmissão dos sinais são relativamente mais elevados quando comparados com outros sistemas de transmissão terrestres. Uma vez que o diâmetro dos feixes hertzianos é muito reduzido e como estes feixes são altamente direccionais, é praticamente impossível alguém do grande público ficar exposto a essa radiação. 38 Radiação de Rádio-Frequência Os fornos microondas, inventados logo após o final da segunda guerra mundial, utilizam directamente o princípio físico de que a energia de RF possui a aptidão para penetrar profundamente nos materiais utilizados na alimentação humana, gerando calor quase instantaneamente. A frequência de operação é de 2,45 GHz, escolhida pela sua capacidade de penetração em toda a massa dos alimentos. 4.2 Bioelectromagnetismo O bioelectromagnetismo é uma vasta área interdisciplinar que engloba física, engenharia, medicina, e biomedicina, com a finalidade de investigar, entender, e explicar os fenómenos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos. O conhecimento básico das propriedades dos materiais biológicos e da sua variabilidade entre os sistemas vivos poderá providenciar uma base de conhecimentos para a exploração dos mecanismos de interacção. Contudo, esse conhecimento é ainda reduzido quando comparado com o que se sabe acerca das características dos materiais não vivos, como o cobre ou o alumínio. Contrariamente aos materiais inertes, isto é, não vivos, em que se consideram apenas as suas características macroscópicas, no que respeita aos materiais biológicos, devido à sua elevada complexidade, estudam-se os seus modelos microscópico e macroscópico. A um nível microscópico todos os tecidos são constituídos por células e por fluidos extracelulares, sendo as células compostas por duas partes distintas – a interior, com o núcleo e o citoplasma, e a exterior, com a membrana. Por conseguinte, devido à membrana, a célula poderá ser entendida como um isolador eléctrico, daí que praticamente todas as correntes induzidas nos tecidos por campos eléctricos de baixa frequência circulem nos espaços exteriores às células, no fluído extracelular, que possui uma elevada condutividade. 39 Radiação de Rádio-Frequência No modelo macroscópico, considera-se a totalidade do material biológico exposto à acção de campos electromagnéticos, requerendo esta aproximação o completo conhecimento das características eléctricas e magnéticas de todos os materiais biológicos, para que se possam utilizar as equações de Maxwell. Quanto aos materiais biológicos, vistos sob um ângulo macroscópico, as suas propriedades eléctricas podem ser sumarizadas através dos seguintes dois parâmetros: • Condutividade eléctrica σ, que caracteriza o movimento das cargas eléctricas livres nos materiais condutores quando sujeitos à acção de um campo eléctrico. • Permitividade ε, que caracteriza o movimento das poucas cargas eléctricas livres no interior dos materiais isolantes quando sujeitos à acção de um campo eléctrico. Por outro lado, a permitividade e a frequência podem igualmente determinar qual o grau de penetração da radiação electromagnética no corpo humano, fenómeno este que é quantificado através da grandeza profundidade de penetração Dp. Em materiais biológicos, os valores da profundidade de penetração variam com a frequência de RFR. As Tabelas 4.1 a 4.5 apresentam as propriedades dos músculos, dos tecidos adiposos (gordura), dos tumores, da água, e do sangue, em função da frequência de RFR. Note-se que λ0 representa o comprimento de onda da radiação no ar. Tabela 4.1 – Propriedades dos músculos em função da frequência de RFR f (MHz) λ0 (cm) Dp (cm) 13 2307,69 19,65 100 300,00 6,76 300 100,00 3,80 915 32,79 2,50 2450 12,24 1,70 40 Radiação de Rádio-Frequência Tabela 4.2 – Propriedades do tecido adiposo em função da frequência de RFR f (MHz) λ0 (cm) Dp (cm) 13 2307,69 449,40 100 300,00 79,88 300 100,00 39,29 915 32,79 22,87 2450 12,24 13,27 Tabela 4.3 – Propriedades dos tumores em função da frequência de RFR f (MHz) λ0 (cm) Dp (cm) 13 2307,69 15,99 100 300,00 6,25 300 100,00 3,92 915 32,79 2,15 2450 12,24 1,45 Tabela 4.4 – Propriedades da água em função da frequência de RFR f (MHz) λ0 (cm) Dp (cm) 13 2307,69 20596,53 100 300,00 2142,04 300 100,00 240,01 915 32,79 24,62 2450 12,24 3,94 Tabela 4.5 – Propriedades do sangue em função da frequência de RFR f (MHz) λ0 (cm) Dp (cm) 13 2307,69 14,41 100 300,00 5,50 300 100,00 3,99 915 32,79 3,05 2450 12,24 1,94 41 Radiação de Rádio-Frequência A quantidade de energia que um material poderá absorver a partir da radiação a que se encontra sujeito, depende da frequência da radiação, da intensidade do feixe, assim como da duração da exposição. As ondas electromagnéticas que cobrem todo o espectro de frequências interagem com a matéria viva, contudo os mecanismos de interacção são diferentes – para comprimentos de onda inferiores a 250 μm, as moléculas biológicas são ionizadas pela radiação ionizante, enquanto que, para comprimentos de onda elevados, a energia dos fotões das ondas é insuficiente para ionizar as moléculas. As ondas propagam-se através dos tecidos com velocidades reduzidas, sofrendo fenómenos de reflexão (Figura 4.3), refracção (Figura 4.4), e difracção (Figura 4.5) quando encontram heterogeneidades, sendo essas heterogeneidades e as propriedades dos diversos tecidos as responsáveis pela redução de velocidade. Figura 4.3 – Reflexão Figura 4.4 – Refracção Figura 4.5 – Difracção 42 Radiação de Rádio-Frequência Os campos eléctricos e magnéticos E e H interagem com os materiais através de dois modos – no primeiro, exercem forças sobre as partículas carregadas, alterando a estrutura eléctrica que existia anteriormente; no segundo, a estrutura eléctrica ao alterar-se produz campos eléctricos e magnéticos adicionais. Os tecidos biológicos, sob a acção de RFR, comportam-se como soluções de electrólitos que contêm moléculas polares, interagindo essa radiação com esses tecidos através de condução iónica – oscilação das cargas livres –, e da rotação das moléculas polares de água e da relaxação das proteínas. A energia de RF absorvida é transformada em energia cinética adquirida pelas moléculas, que se traduz na prática, por um aquecimento dos tecidos sujeitos a radiação. Para uma determinada profundidade de penetração da RFR, quanto menor for a frequência maior se torna a potência absorvida. Por outro lado, nota-se ainda que, para uma mesma potência absorvida, a profundidade de penetração é tanto maior quanto mais reduzida for a frequência. 4.3 Efeitos Biofísicos da Radiação de Rádio-Frequência A RFR possui a propriedade de interagir com os sistemas biológicos, interacção essa que depende do nível de radiação e do tempo de exposição. A interacção dos campos electromagnéticos RF com os sistemas vivos e, consequentemente, os respectivos bioefeitos, podem ser considerados em vários níveis, incluindo o molecular, subcelular, orgânico, ou mesmo todo o corpo. Os efeitos biofísicos devidos à RFR poderão ser classificados da seguinte maneira: • Efeitos de nível elevado (efeitos térmicos). • Efeitos de nível médio (efeitos atérmicos). • Efeitos de nível reduzido (efeitos não térmicos). 43 Radiação de Rádio-Frequência 4.4 Estudos Humanos e Epidemiológicos Assiste-se presentemente a uma abordagem crescente no que respeita à discussão sobre os potenciais riscos inerentes aos efeitos da RFR, emanada de equipamentos sem fios em geral, e de telefones celulares em particular, devido aos riscos da absorção de energia pelo cérebro e outras partes do corpo humano. Estudos Humanos: a) Percepção auditiva; b) Actividade cerebral; c) Sistema cardiovascular; d) Sistema imunitário; e) Melatonina; f) Cataratas; Estudos Epidemiológicos: a) Exposição em locais de trabalho (pessoal das forças armadas, radares de controlo de tráfego, pessoal de radiodifusão e telecomunicações, exposição em locais industriais); b) Exposição em locais públicos (transmissores de rádio e televisão, telefones celulares). 4.5 Normas de Segurança e Regulamentação Os Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Rússia, e a Ásia-Pacífico, assim como algumas organizações internacionais, elaboraram normas de segurança e regulamentação em relação aos efeitos das RFR, contemplando a frequência, a duração da exposição, a massa do corpo, e a periodicidade da exposição. 44 Radiação de Rádio-Frequência Saliente-se que estas normas são constantemente revistas e actualizadas, em função do aparecimento de novos dados, tornados públicos, que resultam de estudos científicos e epidemiológicos. Normas de seguranças ANSI/IEEE C95.1: Estas normas de segurança têm sido as mais utilizadas nos Estados Unidos, tendo o seu historial remontado a 1940, quando das preocupações sentidas relativamente aos militares norte-americanos que operavam frequentemente com equipamentos de radar, durante a segunda guerra mundial. De acordo com a norma C95.1 – 1992, os limites máximos permissíveis de exposição são dependentes da frequência e do tipo de local, como se mostra na Tabela 4.6. Tabela 4.6 – Níveis de segurança recomendados pela norma C95.1 – 1992 Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Densidade de potência (mW/cm2) Tempo médio de exposição (min) Locais de trabalho 0,003 – 0,1 614 163 100 6 0,1 – 3,0 614 16,3/f 100 6 3,0 – 30 1824/f 16,3/f 900/f2 6 30 – 100 61,4 16,3/f 1,0 6 100 – 300 61,4 0,163 1,0 6 300 – 3000 ----- ----- f/300 6 3000 – 15000 ----- ----- 10 6 15000 - 300000 ----- ----- 10 616000/f1,2 6 Locais públicos 0,003 – 0,1 614 163 100 0,1 – 1,34 614 16,3/f 100 1,34 – 3,0 3,0 – 30 823,8/f 823,8/f 30 – 100 27,5 100 – 300 27,5 300 – 3000 16,3/f 16,3/f 158,3/f 1,668 6 180/f 2 2 f /3 180/f 2 30 0,2 30 0,0729 0,2 30 ----- ----- f/1500 30 3000 – 15000 ----- ----- f/1500 90000/f2 15000 - 300000 ----- ----- 10 616000/f1,2 45 Radiação de Rádio-Frequência O NCRPC (National Council on Radiation Protection and Measurements) é um grupo suportado pelo Congresso dos Estados Unidos, criado com a finalidade de desenvolver documentação e recomendações de segurança, relativamente aos efeitos das radiações ionizantes e não ionizantes. O Relatório nº 86 (1986) designado por Biological Effects and Exposure Criteria for Radio Frequency Electromagnetic Fields, apresenta os resultados de uma avaliação extensiva da literatura disponível sobre os efeitos biológicos dos campos RF, apresentando-se na Tabela 4.7 os respectivos limites recomendados. Tabela 4.7 – Níveis de segurança recomendados pelo relatório NCRP nº 86 Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Densidade de potência (mW/cm2) Corrente de contacto (min) 200 Locais de trabalho 0,3 – 1,34 614 163 100 1,34 – 3,0 614 1,63 100 200 2 3,0 – 30 1824/f 4,89/f 900/f 100 – 300 61,4 0,163 1,0 ----- f/300 ----- 5,0 ----- 300 – 1500 1500 - 100000 3,54 f 194 f / 106 0,515 200 Locais públicos 0,3 – 1,34 614 1,63 100 200 2 200 1,34 – 3,0 823,8/f 2,19/f 180/f 3,0 – 30 823,8/f 2,19/f 180/f2 200 100 – 300 27,5 0,0729 0,2 ----- f/1500 ----- 1,0 ----- 300 – 1500 1500 - 100000 2,59 106 f f / 238 0,23 O ICNIRP publicou, em Abril de 1998, as suas recomendações acerca dos limites a respeitar no que toca à exposição a RFR numa gama de frequências até 300 GHz, limites esses baseados num conjunto relativamente alargado de estudos e relatórios científicos. 46 Radiação de Rádio-Frequência As suas recomendações incluem um factor de redução de 5, no máximo valor da taxa de absorção específica SAR em locais públicos, comparativamente aos valores máximos a observar em locais de trabalho. A razão desse factor de redução prende-se com o facto da forte possibilidade de existirem pessoas bastante sensíveis aos efeitos da RFR, apesar de não haver provas científicas conclusivas. Para frequências até 1 kHz, em locais de trabalho, a restrição relativa a campos eléctricos e magnéticos corresponde a uma densidade de corrente de 10 mA/m2, densidade esta que depende da frequência para valores superiores a 1 kHz. Para locais de trabalho, e para frequências entre 100 kHz e 10 GHz, o limite recomendado é de 0,4 W/kg para uma exposição de corpo inteiro, sendo, para locais públicos, 5 vezes inferior, ou seja, de 0,08 W/kg. 47 Bibliografia Bibliografia Este texto de apoio tem por base as seguintes referências: [1] Riadh W. Y. Habash, "Electromagnetic Fields and Radiation: Human Bioeffects and Safety", Marcel Dekker Inc., New York, USA, 2002. [2] Carlos M. P. Cabrita, "Efeitos Biológicos dos Campos Electromagnéticos e da Radiação", Edição do Autor, DEM/UBI, 2008. 48 Anexo Anexo Portaria n.º 1421/2004 de 23 de Novembro Níveis de referência relativos à exposição da população a campos electromagnéticos 49 Anexo 50 Anexo 51 Anexo 52 Anexo 53 Anexo 54