3.2 Evolução das ideias sobre o Universo e as forças no Universo O modelo naturalista de Aristóteles Desde o surgimento do Homo Sapiens, há cerca de 30 000 anos, que as comunidades humanas mais evoluídas tentam compreender o Cosmos — que é «tudo o que existiu, que existe e que existirá», na definição do astrofísico norte-americano Carl Sagan. No século IV a.C., Aristóteles (384-322 a.C.), filósofo grego, sistematizou os conhecimentos da sua época. A sua visão do Universo traduz uma perspectiva naturalista (ou seja, baseada na observação atenta da Natureza), com um discurso de senso comum (ou senso do dia a dia). Acreditava num Universo geocêntrico (geo = Terra, em grego), isto é, um Universo em que a Terra estava no centro, e geoestático, quer dizer, a Terra estava parada. Aristóteles (384-322 a.C.) À volta da Terra, giravam os seis corpos celestes então conhecidos (Lua, Sol, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno), situados em esferas transparentes. E à volta de todos, situava-se a esfera exterior, também transparente, a esfera das estrelas fixas. Todas as esferas rodavam em torno da Terra com movimento circular uniforme — o movimento circular era, para o filósofo grego Platão (427-347 a.C.), o movimento perfeito, próprio dos objectos celestes e «incorruptíveis» (que não se transformam). Quanto à interpretação dos movimentos, Aristóteles deduziu de uma observação correcta — um corpo em repouso, numa mesa por exemplo, é incapaz de se pôr em movimento por si próprio — uma ideia incorrecta: um corpo só pode estar em movimento se for actuado por forças. Aristóteles classificou os movimentos em dois tipos: • naturais, ou seja aqueles em que os corpos se movem de acordo com a natureza dos seus «elementos»: o mais pesado por baixo do mais leve; • forçados ou violentos, isto é, aqueles em que os corpos se movem enquanto uma força actuar, cessando o movimento logo que a força deixe de actuar. O universo de Aristóteles, na visão medieval do poeta italiano Dante — a esfera exterior das estrelas fixas era movida por um motor de natureza espiritual… designado Primum Mobile! 167 Na cosmologia de Aristóteles, os corpos celestes não seriam formados por nenhum dos chamados quatro elementos básicos (terra, água, ar e fogo), transformáveis, mas por um elemento não transformável (ou incorruptível), designado por «quinta essência». E os movimentos circulares dos objectos celestes seriam, além de naturais, eternos… Estes conceitos sobre objectos e movimento e algumas das suas consequências, como, por exemplo, «os corpos pesados caem sempre mais rapidamente do que os corpos leves», «o vazio não existe, porque a Natureza tem horror ao vácuo», etc., perduraram até ao século XVII! Deve-se ao italiano Galileu (1564-1642) a ultrapassagem de algumas concepções aristotélicas. Galileu é um dos fundadores da ciência moderna: foi com ele que as especulações científicas passaram a fundamentar-se na observação, na experiência controlada, na concepção de experiências ideais e na formulação de teorias. O modelo ptolomaico do universo geoestático Ptolomeu (90-168 d.C.), membro da escola de Alexandria (então uma colónia grega no Egipto), matemático, astrónomo e geógrafo, retomou, aperfeiçoou e desenvolveu a cosmologia aristotélica. Ptolomeu condensou todo o conhecimento astronómico dos gregos no célebre tratado Almagesto (esta palavra significa «o muito grande» — de facto, a obra era, ela própria, muito grande: 13 volumes!). Foi a «bíblia» dos astrónomos até ao século XVI! Como explicava Ptolomeu os movimentos dos astros? Em particular, como explicava o movimento dos planetas? Os planetas (palavra que significa errante) eram vistos a mover-se ora num sentido ora no sentido contrário… Ptolomeu criou um modelo segundo o qual os planetas descreviam epiciclos. Estes resultavam de um movimento uniforme ao longo de circunferências, movendo-se os centros destas, por sua vez, sobre uma circunferência maior 1 de Dez. planeta epiciclo Terra deferente Modelo de Ptolomeu para explicar as «laçadas» dos planetas, observadas da Terra. 1 de Jan. 1 de Maio 1 de Fev. 1 de Abril 1 de Nov. 1 de Out. Posições do planeta Marte em 1992-1993, face às estrelas «fixas». As «laçadas» descritas pelos planetas intrigaram os Antigos… 168 (deferente). Além desta hipótese, teve de acrescentar outras para explicar o facto de os planetas não se moverem uniformemente. Para Ptolomeu, o seu sistema era simplesmente um modelo do Universo e não, necessariamente, uma representação verdadeira. Seguia o ideal grego de construir um modelo que permitisse prever as observações astronómicas, naquele tempo realizadas a olho nu… Simulação computacional do movimento de um planeta em torno da Terra, segundo o modelo de Ptolomeu. Neste exemplo, o planeta descreve sete epiciclos, dos quais seis estão visíveis. Pode perguntar-se: como é que um modelo tão complexo perdurou mais de 13 séculos? Podemos indicar algumas razões. A primeira é que o modelo estava em conformidade com o senso comum e as concepções existentes. Por exemplo: a Terra está em repouso e todos os outros astros giram em volta da Terra; os movimentos dos astros são circulares, perfeitos; tudo o que existe foi feito para o ser humano desfrutar… A segunda é que o modelo permitia prever os movimentos celestes com precisão suficiente para aquela época. A terceira é que o modelo era flexível: permitia a introdução de novos epiciclos e outros artifícios, se fosse necessário ajustá-lo a novas observações. A Terra, centro imóvel do Mundo — uma ideia que foi caindo… Diagrama sobre a teoria de Ptolomeu, num livro de 1472. Ecfanto de Siracusa (séc. IV a.C.), discípulo de Pitágoras, Heráclides do Ponto (séc. IV a.C.), da escola de Platão, em Atenas, e Aristarco de Samos (séc. III a.C.), da escola de Alexandria, sugeriram que a Terra podia ter movimento de rotação diário, em torno do seu eixo. Aristarco acrescentou mesmo que a Terra também podia descrever, durante um ano, uma órbita em torno do Sol. Estas ideias, porém, não vingaram — não estavam de acordo nem com as ideologias nem com as religiões daquele tempo. Aristarco de Samos, o que mais avançou, foi mesmo condenado depois de acusado de «impiedade!» Todavia, à medida que as observações astronómicas aumentaram de precisão — no século XV já se efectuavam com incerteza inferior a 10 minutos de grau! —, o modelo de Ptolomeu e a física de Aristóteles depararam com dificuldades crescentes. A quantidade de epiciclos acrescentados era tal que o rei de Leão e Castela, Afonso X, O Sábio, teria comentado: «se Deus me tivesse consultado ao fazer o mundo, o resultado não seria tão complicado!»… A partir de 1512, o monge e astrónomo polaco Nicolau Copérnico (1473-1543) começou a defender um modelo helioestático (hélio = Sol), que expôs na sua obra As Revoluções das Orbes Celestes, publicada só em 1543, ano da sua morte… Neste modelo, os planetas movem-se em torno do Sol, «fixo» na proximidade do centro da esfera das estrelas fixas. Nicolau Copérnico (1473-1543). 169 Tal como Ptolomeu, também Copérnico explica os movimentos dos astros à custa de epiciclos, embora em número menor. Mas, no modelo de Copérnico, explicam-se mais facilmente: • a sucessão dos dias e das noites, uma consequência do movimento de rotação da Terra; • a inversão do movimento dos planetas sem ter de recorrer a epiciclos. Copérnico construiu a primeira escala das distâncias dos planetas ao Sol, tomando para unidade de medida a distância Sol-Terra, e determinou o período de revolução de cada planeta em torno do Sol. Os valores que encontrou são próximos dos valores actualmente aceites. Com os raios e os períodos, conseguiu fazer previsões de posições futuras dos planetas. Mas a física de Copérnico era ainda a física de Aristóteles. Por isso, não pôde, por exemplo, responder satisfatoriamente às seguintes questões: O sistema helioestático de Copérnico tal como é representado numa gravura da época. • Porque roda a Terra em torno do seu eixo? Argumentar que a rotação é própria dos corpos esféricos não passa de uma forma de tornear a questão, uma vez que não explica nada! • Porque anda a Terra à volta do Sol? Afirmar que a translação ao longo de uma circunferência é própria dos astros é também uma maneira de fugir à pergunta. • Porque motivo uma pedra abandonada do cimo de uma torre não vai cair fora da base da torre? Então a terra em movimento não vai fugindo por baixo do ponto de lançamento? O modelo helioestático afirma-se com Kepler Ainda no século XVI, o astrónomo dinamarquês Ticho Brahe (1546-1601) e seus colaboradores determinaram, durante cerca de 20 anos, as coordenadas dos astros com erros inferiores a dois minutos de grau! Foi uma autêntica proeza com os meios de que dispunham. Com estes dados, surgiram problemas que nem o modelo de Ptolomeu nem o modelo de Copérnico conseguiram resolver. Ticho Brahe era um sábio conservador e tentava conciliar os dois modelos, uma síntese que se revelou impossível. Assim, aceitava que a Terra estivesse fixa no centro do Universo e que os planetas girassem à volta do Sol, mas punha este a rodar à volta da Terra… Não queria ferir a «majestade da Terra»! Giordano Bruno (1548-1600), padre e filósofo italiano, defendeu na altura que o Universo era infinito e que a Via Láctea era formada por inúmeros sóis, não havendo centro em parte alguma. 170 Ticho Brahe (1546-1601). Bruno escreveu: «consideremos a evidência como prova do verdadeiro, e, se a evidência falta, saibamos duvidar». Foi preso e julgado pela Inquisição, em Roma, pois a Igreja interpretava à letra a descrição bíblica do Génesis, o primeiro livro da Bíblia, como se nele estivessem escritas verdades científicas. Giordano Bruno recusou-se a negar as suas convicções e a recuar nas suas afirmações: foi queimado na fogueira… Urgia resolver o «puzzle» da harmonia do Sistema Solar. Essa tarefa foi levada a cabo pelo físico e astrónomo alemão Johannes Kepler (1571-1630). Discípulo de Ticho Brahe, Kepler analisou os dados coligidos por este, exaustiva e… pacientemente, pois nesse tempo não dispunha nem de calculadoras nem de computadores! As leis de Kepler Desta sua análise persistente, Kepler induziu as três leis que sintetizam os movimentos do Sistema Solar. As duas primeiras foram publicadas em 1609 e a terceira em 1618. Essas três leis são as seguintes: 1.a Lei das órbitas Sol A semi-eixo menor Cada planeta descreve uma órbita elíptica na qual um dos focos é ocupado pelo Sol:, C As órbitas no Sistema Solar são elipses de pequena excentricidade (a excentricidade, e, mede a distância de um foco ao centro, tomando para unidade de comprimento o semi-eixo maior: e = AC/CD, na figura). As órbitas dos planetas são, pois, praticamente, circunferências. Simulação computacional do Sistema Solar, à escala, entre 1 de Outubro de 1996 e quase um ano depois. Com excepção de Mercúrio e Plutão, os planetas do Sistema Solar têm órbitas de pequena excentricidade — praticamente circunferências. planeta semi-eixo maior B Um processo simples de desenhar uma elipse: o bico do lápis descreve uma elipse se o fio se mantiver esticado. Os pregos indicam a posição dos dois focos da elipse. O centro da elipse está na posição intermédia entre os dois focos. D Terra Júpiter Mercúrio Sol Vénus Marte 171 2.a Lei das áreas O vector-posição, que vai do Sol ao planeta, varre áreas iguais em intervalos de tempo iguais: ∆t2 = ∆t1 ∆t1 planeta Software para computadores IBM compatíveis: ∆t2 Kepler (exploração das leis da gravitação). Sol Editor: SoftCiências (Projecto conjunto das Sociedades Portuguesas de Física, Química e Matemática), Dep. Física, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 3000 COIMBRA. Desta lei conclui-se que o valor da velocidade do planeta é tanto maior quanto mais perto o planeta estiver do Sol, porque percorre arcos cada vez maiores no mesmo tempo. A velocidade tem, pois, o valor quadrado do período, T2 (ano2 ) máximo no periélio (per = perto + hélio = Sol) e o valor mínimo 1000 no afélio (af = longe + hélio = Sol). 3.a Lei dos períodos T a 3 B Júpiter 100 Os quadrados dos períodos de revolução (T 2) são proporcionais aos cubos dos semi-eixos maiores das órbitas (a3): 2 10 B Marte 1 = constante B 0.1 Esta lei aplica-se a todos os planetas do Sistema Solar, assim como aos satélites de Júpiter, descobertos por Galileu, e aos demais satélites dos diversos planetas. O valor da constante é diferente para cada caso (depende do astro com maior massa, em cada sistema). 172 B Saturno B Terra Vénus B Mercúrio 0.01 0.01 Planeta Período, T (em anos) Semi-eixo maior, a (em UA) Mercúrio 0,24 0,39 Vénus 0,61 0,72 Terra 1,00 1,00 Marte 1,88 1,52 Júpiter 11,86 5,20 Saturno 29,46 9,54 0.1 1 10 100 1000 cubo do semi-eixo maior, a3 (UA3 ) Representação da proporcionalidade directa entre os quadrados dos períodos de revolução e os cubos dos semi-eixos maiores das órbitas, num gráfico de escalas logarítmicas. UA é a unidade astronómica, distância média da Terra ao Sol. A contribuição de Galileu Galileu, contemporâneo e correspondente de Kepler, aderiu calorosamente ao modelo de Copérnico-Kepler, só não aceitando as órbitas elípticas, porque não estavam de acordo com a circunferência, a tal linha «perfeita» que devia ser seguida pelos corpos celestes… Um resíduo das ideias antigas, de que não se conseguiu libertar! O entusiasmo de Galileu aumentou quando, a partir de 1609, passou a utilizar sistematicamente o telescópio, através do qual pôde observar as montanhas da Lua, os quatro satélites de Júpiter, as fases de Vénus (semelhantes às da Lua), as manchas solares (afinal, o Sol não era um objecto celeste perfeito), etc. Galileu Galilei (1564-1642) Galileu, apesar da sua amizade com o Papa Urbano VIII, também foi julgado pela Inquisição em 1632, sendo obrigado a renunciar publicamente às suas ideias. Com 68 anos e fragilizado, conhecedor do que sucedera a Giordano Bruno, cedeu à exigência do tribunal, tendo-lhe sido então imposta prisão domiciliária. Em 1979, o Papa João Paulo II reabilitou publicamente Galileu. Foi em casa e após o julgamento que o físico Galileu, quase cego e acompanhado apenas por alguns discípulos, concluiu a sua obra científica principal: estabeleceu a lei da queda dos graves, combinou a dedução lógica com a indução experimental, sujeitou os dados à análise matemática, etc. E para descrever o movimento acelerado, «esse movimento que a Natureza utiliza», escolheu a aceleração e não a velocidade como o conceito mais adequado. Com Galileu nasceu uma nova física. Mas não chegou à gravitação, porque ainda não estava na hora! Escolher entre o modelo de Ptolomeu e o modelo de Copérnico-Kepler foi durante algum tempo uma questão de simples preferência. Mas, depois de Galileu, a opção pelo modelo heliocêntrico tornou-se uma necessidade intelectual. A evidência experimental a favor do modelo de CopérnicoKepler foi-se acumulando de forma impressionante. O telescópio, instrumento aperfeiçoado por Galileu, desempenhou um papel fundamental nas suas descobertas. À esquerda: capa do livro Diálogo dos Dois Grandes Sistemas do Mundo, de Galileu. Este livro foi escrito na forma de diálogo entre três personagens; duas delas, Simplício e Salviatti, representam, respectivamente, as ideias de Aristóteles e Galileu. A terceira, Sagredo, é um leigo interessado. À direita: manuscrito de Galileu representando as diferentes posições dos satélites de Júpiter mais próximos, numa série de observações com o telescópio. 173 3.3 A teoria newtoniana da gravitação Vamos apresentar, esquematicamente, uma sequência lógica dos passos que conduziram à lei da gravitação universal de Newton. Trata-se da sequência lógica e não da sequência histórica, porque nesta houve aproximações e erros, avanços e recuos. Segundo a lenda, foi uma maçã que viu cair de uma árvore, quando tinha 23 anos, que fez despertar em Newton as suas ideias… Uma coisa é segura: não havia explicação dos movimentos no Sistema Solar mas, sim e apenas, uma descrição. Quem a concebeu foi Newton, que nos legou um produto final elegante — a sua Mecânica, sistematizada na obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, publicada em 1687. Filosofia Natural era o estudo dos fenómenos da Natureza. A força central… Ao confrontar a lei das órbitas dos planetas, descoberta por Kepler, com a lei da inércia, a 1.a lei do movimento formulada por ele próprio, Newton inferiu: se um planeta descreve uma órbita elíptica, actua nele uma força. Esta força devia ser central, isto é, devia estar permanentemente dirigida para um ponto fixo (ou centro). planeta Sol A força central actua continuamente. Para analisar o movimento do planeta, Newton considerou intervalos de tempo a tender para zero (∆t → 0). Para isso, utilizou o Cálculo Infinitesimal, que ele próprio inventou — ver Manual de Actividades. Newton concluiu também que, sendo os corpos actuados por forças centrais, movem-se de acordo com a lei das áreas, a 2.a lei de Kepler. 174 Isaac Newton (1643-1727). Às datas do calendário gregoriano (ou Novo Estilo) correspondem outras datas do calendário juliano (ou Velho Estilo), que diferem de 11 dias. Como a Inglaterra só adoptou o novo calendário em 1752 e Newton nasceu a 5 de Janeiro de 1643, segundo o calendário novo, e a 25 de Dezembro de 1642, segundo o calendário antigo, alguns livros indicam o ano de nascimento pelo calendário antigo. Qual é a força central que actua nos planetas? r v Nos seus primeiros estudos, Newton começou por considerar órbitas circulares. Elas são uma aproximação razoável às órbitas elípticas no Sistema Solar, dada a pequena excentridade das órbitas planetárias, e são mais simples. Mais tarde, utilizando o Cálculo Infinitesimal, mostrou que os resultados obtidos se mantinham no caso de órbitas elípticas quaisquer. m r ac Suponhamos então que um planeta, de massa m, descreve uma órbita circular, de raio r, em torno do Sol, com movimento uniforme (m.c.u.). Assim, quer a força gravitacional quer a aceleração são centrípetas. Como vimos na Unidade 2 e no 10.° ano, num m.c.u. o valor da aceleração é dado por: ac = ac = v2 r v2 r A esta aceleração corresponde, pela 2.a lei do movimento, uma força centrípeta de valor: Fg = m ac =m v2 r m Sendo T o período do m. c. u. planetário (tempo que o planeta demora a dar uma volta completa em torno do Sol), o valor da sua velocidade será distância percorrida numa volta completa 2 π r v= = período de revolução T r Fg Fg = m v2 r Substituindo o valor de v na equação da força, vem: 2 π r T Fg = m r 2 4 π2 r2 =m = T2 r 4 π2m r T2 Esta equação aplica-se a qualquer m.c.u. Num m.c.u., a força é directamente proporcional à massa m e ao raio da trajectória, r, e é inversamente proporcional ao quadrado do período de revolução, T. Newton recorreu então à lei dos períodos de Kepler, T2 r 3 =C ou T 2 = C r3 175 onde C é uma constante que depende apenas do astro-central (ou astro-director) — o Sol para os planetas, Júpiter para os seus satélites, a Terra para a Lua, etc. Substituindo T 2 na equação da força, obtemos: Fg = = 4 π2 m r C r3 4 π2 m C r2 Podemos definir um nova constante, KS = 4π2/C, e escrever, finalmente: Fg = KS m r2 Newton concluiu, então, que a força gravitacional exercida pelo Sol sobre qualquer planeta é: • directamente proporcional à massa m do planeta; • inversamente proporcional ao quadrado da distância r do planeta ao Sol; A constante de proporcionalidade KS tem a ver com o Sol. Por isso se usou o índice S. r F4 r3 r4 r F3 r F2 r2 r1 Sol planeta r F1 A força gravitacional, exercida pelo Sol sobre qualquer planeta, é directamente proporcional à massa, m, do planeta e inversamente proporcional ao quadrado da distância, r, do planeta ao Sol. Finalmente, o grande salto! Subsistia, porém, uma questão: esta força que o Sol exerce nos planetas terá a mesma natureza da força exercida pela Terra sobre a Lua? Terão estas forças a mesma natureza da força que a Terra exerce sobre um objecto que cai para a Terra? É aqui que entra a lenda da maçã… 176 Era necessário um «salto» corajoso: «saltar» dos corpos celestes para os corpos terrestres. Newton teve a coragem de dar esse «salto», afirmando que a força da gravidade terrestre, que atrai uma simples maçã, se estende até à Lua e «obriga» esta a gravitar à volta da Terra. Do mesmo modo, afirmou que a gravidade do Sol «obriga» a Terra e os outros planetas a gravitarem à sua volta. Era uma hipótese que precisava de ser testada. O teste de Newton Newton pôde testar a sua ideia, conhecendo apenas a aceleração da gravidade na Terra, a distância Terra-Lua e o período de revolução da Lua — tudo dados conhecidos no seu tempo. Assim: • aceleração da gravidade na Terra = 9,8 m/s2 ; • distância Lua-Terra = 60 raios terrestres = 60 × 6,37 × 106 m = 3,82 × 108 m; • período de revolução da Lua = 27,3 dias = 2,36 × 106 s. De acordo com Newton, a força exercida pela Terra sobre qualquer corpo, de massa m e à distância r do centro da Terra, tem o valor m Fg = KT Terra r2 onde KT é uma constante, que só depende da Terra, o astro-central. A esta força corresponde a aceleração de valor: Fg a= r F m = KT 1 (1) r2 A aceleração da Lua, aL, é então: r v 1 aL = KT rL Lua 2 Como rL = 60 rT , a aceleração da Lua, na sua «queda contínua» para a Terra, é dada por: aL = KT 1 (60 rT )2 = KT = Que relação há entre a queda da maça à superfície da Terra e a «queda» da Lua? 1 3600 rT 2 1 1 × KT × 2 3600 rT Aplicando a equação (1) ao caso de um corpo M (por exemplo, a maçã…) à superfície da Terra, vem: a M = KT 1 rT 2 Dividindo aL por aM, temos: aL aM 1 1 × KT × 2 3600 rT = 1 KT × 2 rT 177 Simplificando, obtém-se: aL 1 = a M 3600 ou aL = 1 aM 3600 Quer dizer: o valor da aceleração da Lua em torno da Terra devia ser 3600 vezes menor do que o valor da aceleração da maçã à superfície da Terra. Ou seja, a aceleração da Lua devia ser: aL = 1 × 9, 8 m/s 2 = 2, 72 × 10 -3 m/s 2 3600 Como confirmar esta previsão? Basta calcular a aceleração centrípeta da Lua, tendo em conta o seu período de revolução e a distância à Terra: aL = vL 2 rL 2 π rL T = rL = 2 4 π 2 rL T2 Substituindo os dados, vem: aL = = 4 π 2 rL T2 4 × 3, 14 2 × 3, 82 × 10 8 6 2 (2, 36 × 10 ) O valor da aceleração da Lua, no seu movimento em volta da Terra, é 1/3600 do valor da aceleração da maçã quando cai à superfície da Terra. = 2, 70 × 10 −3 m/s 2 um valor muito próximo do anterior. A hipótese acerca da natureza idêntica das forças sobre os corpos à superfície da Terra e sobre a Lua passou no teste e Newton pôde então concluir: A força que mantém a Lua na sua órbita é da mesma natureza da força que a Terra exerce sobre os corpos terrestres. A força que o Sol exerce sobre os planetas é ainda da mesma natureza. Chamou-lhe força de gravitação universal. 178 E, a culminar, a lei! Decorreram 21 anos entre os primeiros trabalhos científicos de Newton, em 1666, e a publicação dos seus Princípios. O 3.° tomo, intitulado O Sistema dos Mundos, é o primeiro grande tratado de Mecânica Celeste. O raciocínio do seu autor deve ter sido o seguinte. A força gravítica exercida por um astro, como o Sol, sobre um planeta de massa m, à distância r, é uma força central inversamente proporcional ao quadrado da distância, ou seja Fg = K m r2 A constante K depende da massa do Sol. Pela lei da acção-reacção, actua uma força simétrica no Sol (o planeta também atrai o Sol). Estas duas forças simétricas dependem, por isso, das massas do Sol e do planeta, bem como da distância entre eles. E, assim, Newton deu o «salto» final, que traduziu no enunciado seguinte, também conhecido por lei da atracção universal ou lei da gravitação universal: Dois corpos quaisquer, no Universo, exercem entre si forças cuja intensidade é directamente proporcional ao produto das suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. Representemos agora a massa do planeta por m 2 e a massa do astro-central por m 1 . A constante K, porque depende da massa do astro-central, será K = G m1, onde G é a constante de gravitação universal. Escreve-se, finalmente: Fg = G m1 m2 r2 Podemos também escrever as forças de gravitação recíprocas entre dois astros sob a forma vectorial. Para isso, utilizamos o versor (vector unitário), r e , na direcção da recta que passa pelo corpo de massa m1 e pelo corpo de massa m2, e a apontar para fora: r m m r F12 = G 1 2 2 e r e r m m r F21 = − G 1 2 2 e r A lei da atracção universal contribuiu para alterar o modo de pensar o Universo. A Terra deixou de ser vista como o centro do Universo. Foram eliminados os «privilégios» de alguns corpos celestes: todos os corpos do Universo obedecem à lei da atracção universal. m2 r m1 r e r F21 r F12 179 A constante de gravitação universal A constante de gravitação universal, G, é uma das constantes da Natureza, tal como a velocidade da luz no vácuo. O seu valor foi estimado por Newton, a partir de um valor aproximado da densidade da Terra e do raio médio da Terra. A densidade média da Terra foi estimada em 5,0 g/cm3 = 5,0 × 103 kg/m3, que é um valor pouco diferente do actualmente conhecido. Para o raio da Terra, tomou um valor próximo do actualmente aceite: rT =6,37×106 m. Considerando a Terra uma esfera, o seu volume é dado por: V= = 4 π rT 3 3 4 × 3, 14 × 6, 37 × 10 6 3 ( ) 3 (SI) = 1, 08 × 10 21 m 3 Tendo em conta a densidade média da Terra, a massa da Terra é: mT = densidade da Terra × volume = 5, 0 × 10 3 × 1, 08 × 10 21 (SI) = 5, 4 × 10 24 kg A força gravítica exercida sobre um corpo à superfície da Terra é Fg = m g. Comparando as duas fórmulas para calcular a força gravítica exercida sobre um objecto de massa m, à superfície da Terra, vem: mg =G mT m rT 2 Resolvendo esta equação em ordem a G, e substituindo valores, obtém-se: G= = g rT 2 mT ( 9, 8 × 6, 37 × 10 6 5, 4 × 10 24 ) 2 (SI) = 7 , 4 × 10 −11 m 3 s −2 kg ±1 Este valor é da ordem de grandeza do valor experimental actualmente aceite, G = 6,67 × 10–11 m3 s–2 kg–1 A constante G também pode exprimir-se nas unidades N m2 kg–2 , uma vez que 1 N = 1 m s–2 kg e, portanto: 1 m3 s–2 kg–1 = 1 (m s–2 kg) m2 kg–2 = 1 N m2 kg–2 180 Newton estimou o valor da constante de gravitação universal a partir da estimativa da densidade da Terra, utilizando o valor do raio da Terra, já conhecido na altura. A balança de Cavendish ou… balança «pesa-mundos»! O físico britânico Henry Cavendish (1731-1810), no final do século XVIII, cerca de 100 anos após a publicação dos Princípios, mediu experimentalmente a constante de gravitação universal, G. Cavendish utilizou um dispositivo que é conhecido por balança de torção. A fotografia ao lado mostra uma balança de torção, semelhante à usada por Cavendish, mas utilizando tecnologia actual. A balança é constituída por duas esferas pequenas, fixas nas extremidades de uma barra horizontal, suspensa de um fio comprido e fino. Este fio torce-se devido à interacção gravitacional entre as esferas pequenas e as esferas grandes. O raio laser e o espelho permitem medir o ângulo de torção. Para determinar o valor de G, mede-se: • a distância r entre as esferas de tamanho diferente, de massas m1 e m2, quando o binário das forças atractivas equilibra o binário de torção do fio; • a intensidade da força necessária, F, para produzir a torção de um ângulo α, o ângulo correspondente à distância r; • o valor das massas m1 e m2. A interacção gravitacional entre as esferas grandes e as esferas pequenas torce um fio do qual estão suspensas. O ângulo de torção é determinado a partir do ângulo de rotação do espelho, ligado ao fio e à barra, desviando um raio laser. Resolvendo em ordem a G a equação que traduz a lei da gravitação universal F=G m1 m2 r2 obtém-se: G= F r2 m1 m2 α Todas as variáveis do lado direito desta equação são determinadas experimentalmente. O valor de G que Cavendish obteve era da mesma ordem de grandeza do valor que tinha sido proposto por Newton, o que confirmou a validade da lei da atracção universal. O valor da constante de gravitação foi utilizado no século XVIII para determinar a massa da Terra, sem necessidade de estimar a sua densidade. Para tal, aplicou-se a equação que traduz a lei da gravitação universal para a força de atracção entre um corpo de massa conhecida e a Terra, quando o corpo se encontra à superfície da Terra. Considerando um corpo de massa 1,0 kg (o raio da Terra é 6,37 × 106 m), vem: F=G mT m r2 9, 8 = 6, 67 × 10 −11 mT 1, 0 6 2 (6, 37 × 10 ) mT = 5, 96 × 10 24 kg (SI) 181 Mais ainda: o valor da constante de gravitação permitiu também calcular a massa do Sol, assim como a de qualquer planeta, desde que se conhecessem o raio da órbita e o período de revolução da Terra ou de qualquer outro planeta em torno do Sol! Recordamos que Copérnico já tinha estabelecido uma escala de distâncias no Sistema Solar, tomando a distância Terra-Sol como unidade, e já conhecia os períodos de revolução dos principais planetas. Considerando, com razoável aproximação, que o movimento de um planeta em torno do Sol segue uma trajectória circular, a força centrípeta responsável por esse movimento é a força gravitacional: Fc = Fg Como a aceleração centrípeta pode ser calculada pelo quociente v2/r, temos, para um planeta de massa m: m mm v2 =G 2S r r Uma vez que o valor da velocidade v do planeta pode ser calculado tendo em conta a distância percorrida numa revolução (2 π r) e o tempo que demora (isto é, o período T do planeta), vem: 2 π r T m r 2 =G m mS r2 Simplificando esta equação e resolvendo-a em ordem à massa do Sol, obtemos, sucessivamente: 4 π2 r2 T2 r 4 π2 r2 2 T r 4 π2 r T2 =G mS =G mS =G mS mS = r2 r2 r2 4 π2 r3 GT2 Quer dizer: para calcular a massa do Sol, basta conhecer a distância r de qualquer planeta ao Sol, o respectivo período de revolução T e, claro, a constante de gravitação G. Nem sequer é necessário conhecer a massa da Terra ou de qualquer planeta… A medida de G na balança de torção permitiu, portanto, conhecer quer a massa do Sol quer a massa da Terra. Foi por isso que alguém com humor deu à balança de Cavendish o nome pitoresco de «balança pesa-mundos»! É fácil «pesar» o Sol… com a lei da gravitação! 182 Êxitos e limitações da teoria newtoniana da gravitação A teoria de Newton teve êxitos após êxitos desde o século XVII até ao final do século XIX. Entre esses êxitos conta-se a explicação das marés (devidas às forças de gravitação entre a Terra e a Lua, principalmente), a explicação da precessão dos equinócios e a previsão das órbitas dos cometas — ver Manual de Actividades. Foi também graças à teoria da gravitação universal que se previu a existência de mundos… antes de serem descobertos. Foi o que sucedeu com o planeta Neptuno, cuja existência foi prevista (devida à interacção gravitacional com outros planetas) antes de ser observado em 1846. Foi também deste modo que se previu a existência de Plutão (em 1930), o planeta do Sistema Solar mais afastado do Sol. Quando os astrónomos apontaram os telescópios para os sítios indicados pelos cálculos, os planetas estavam «lá»! Neptuno, um planeta descoberto antes de ser visto, graças à lei da gravitação universal. Quando os astrónomos apontaram os telescópios para os sítios indicados pelos cálculos, encontraram-no «lá»! Ainda hoje a lei da gravitação é muito utilizada. Por exemplo, com base nesta lei calculam-se as órbitas dos satélites artificiais e fazem-se as previsões dos eclipses e da passagem de cometas nas vizinhanças da Terra. Apesar de todos estes sucessos, a lei da gravitação de Newton deixa muitas questões por resolver. A primeira é que a lei da gravitação apenas traduz o que se passa e como se passa, mas nada interpreta: é omissa quanto ao porquê, isto é, nada diz quanto ao mecanismo do que se passa. Newton sentiu este ponto fraco e chegou a admitir a existência de um «éter», preenchendo o espaço e desempenhando o papel de transmissor das forças gravitacionais… Mas era uma afirmação que não podia demonstrar com factos. E nada escreveu sobre esta hipótese… Entre os problemas que nunca foram resolvidos com a teoria da gravitação de Newton contam-se pequenas variações na órbita do planeta Mercúrio, descobertas ainda no século XIX. Estes problemas só foram resolvidos com a Teoria da Relatividade Geral, formulada por Einstein em 1916. Esta teoria, que descreve o campo de gravitação por «deformação do espaço-tempo», tem sido confirmada em muitas situações. Um dos maiores triunfos da teoria de Einstein foi a explicação do desvio dos raios luminosos quando passam na vizinhança de uma estrela (a primeira verificação deste facto foi realizada em 1919, numa expedição científica inglesa à ilha do Príncipe, então uma colónia portuguesa na África Ocidental). A Teoria da Relatividade Geral não veio invalidar, de modo algum, a teoria newtoniana: é uma teoria mais avançada e abrangente, que contém a teoria newtoniana como caso particular. A lei da gravitação é utilizada, por exemplo, para prever as trajectórias de satélites artificiais e de naves espaciais. 183 Inércia e massa inercial, gravitação e massa gravitacional A massa inercial de um corpo é, como vimos no 11.° ano e na Unidade 2 deste livro, a quantificação da sua inércia ou resistência à mudança de velocidade. É medida pelo quociente m= r a m Fres a r Fres Para medir a massa inercial de um corpo medem-se as forças aplicadas nele e as acelerações que produzem no seu movimento. Como o quociente é constante para cada corpo, deve dizer respeito a uma propriedade característica desse corpo. Em particular, num corpo em queda livre, a força que actua nele é a força gravítica, F g , e a aceleração com que cai é a aceleração local da gravidade, g. Portanto a massa inercial é: m= Fg r g m g r Fg Vimos também no 11.° ano e nas secções anteriores que a massa gravitacional de um corpo é a massa que «produz» e «responde» à força de gravitação, de acordo com Newton. Quer dizer: é a propriedade do corpo que aparece na lei da gravitação, expressa pela fórmula: Fg = G m mT r2 Esta equação, resolvida em ordem a m, fica: m= Fg r 2 G mT Como este quociente é constante para cada corpo, deve também dizer respeito a uma propriedade característica desse corpo. Um modo prático e simples de medir a massa gravitacional é o que recorre à balança de dois pratos. Quando os dois corpos do lado direito ficam em equilíbrio com o corpo do lado esquerdo (uma vez que são iguais, nesta situação, as forças gravíticas que actuam em ambos os pratos da balança), a massa gravitacional do corpo da esquerda é igual à soma das massas gravitacionais dos objectos da direita (que são «massas marcadas» e calibradas da caixa de massas). 184 Pois bem: todas as experiências feitas mostram que as medidas das duas massas do mesmo corpo, a inercial e a gravitacional, são iguais! É um facto algo desconcertante, por se tratar de propriedades de natureza diferente: a inércia e a gravitação, respectivamente. Esta igualdade, notada por Newton, foi verificada no início do século XX, com a precisão de 1 em 107 pelo físico húngaro Roland Eötvös (1848-1919). A igualdade entre os valores da massa inercial e da massa gravitacional impressionou fortemente Einstein e conduziu-o ao chamado princípio da equivalência, no qual fundamentou a sua Teoria da Relatividade Geral. Nesta teoria, a igualdade entre os valores da massa inercial e da massa gravitacional é um ponto de partida essencial. Na linguagem científica corrente, deixou de se distinguir entre massa inercial e massa gravitacional. Fala-se simplesmente em massa. m2 m1 Numa balança de pratos e braços iguais, quando as forças gravíticas se equilibram a massa do corpo (m2) é igual à soma das massas calibradas (m1).