a imunidade tributária dos partidos políticos sob a égide do

Propaganda
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS PARTIDOS
POLÍTICOS SOB A ÉGIDE DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
THE TRIBUTARY IMMUNITY OF THE POLITICAL
PARTIES UNDER THE AEGIS ON THE DEMOCRATIC
STATE OF LAW
Franco Aurélio Brito de Souza1
RESUMO
O estudo em foco aborda a questão da imunidade tributária
dos partidos políticos, prevista no art.150, VI, c, da Constituição
brasileira de 1988, propondo a discussão a respeito da incidência
ou não do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) em
relação a tais agremiações por ocasião da confecção e divulgação de
propaganda política. Analisando o ordenamento jurídico de forma
sistêmica, o autor descortina o tema da imunidade dentro do sistema
tributário nacional, relacionando-o com a realidade socioeconômica,
sem perder de vista as diretrizes basilares que preenchem o conteúdo
do Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, balizam a vida
em sociedade na República Federativa do Brasil.
Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Imunidade
Tributária. Partidos políticos. Imposto sobre serviços de qualquer
natureza.
1
Mestre em Direito do Estado – UNAMA. Professor e membro do NDE –
Núcleo Docente Estruturante - curso de Direito da Faculdade de Belém – FABEL. E-mail:
[email protected]
74
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
ABSTRACT
The study focused approaches the question of tax immunity of
political parties, under art.150, VI, c, of the Constitution of 1988,
proposing the discussion about whether or not the incidence of tax on
services (ISS) in regarding such associations during the preparation
and dissemination of political propaganda. Analyzing the legal
system in a systemic way, the author reveals the theme of immunity
within the national tax system, relating it to the socioeconomic
reality, without losing sight of the basic guidelines that fulfill the
content of the democratic rule of law and, therefore, life guiding
society in the Federal Republic of Brazil.
Keyword: Rule of Law. Tax immunity. Political parties.
Service tax of any nature.
1. INTRODUÇÃO
O estudo em questão enfrenta o tema da imunidade tributária,
sob o prisma do Estado Democrático de Direito, com destaque à
imunidade dos partidos políticos, prevista no art. 150, VI, c, da
Constituição Federal de 1988.
Em princípio, far-se-á uma breve explanação acerca da evolução
estatal a partir do século XVIII até o modelo hodierno – Estado
Democrático de Direito, com o intuito de descortinar suas diretrizes
para fins de aperfeiçoar a compreensão sobre o cerne do trabalho.
Nessa esteira, a discussão a respeito das limitações
constitucionais ao poder de tributar no âmbito do Sistema Tributário
Nacional, bem como as implicações socioeconômicas da imunidade
das agremiações políticas serão objeto de análise sob a perspectiva
da deferência à democracia e da valorização da dignidade da pessoa
humana.
75
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
2. ESTADO DEMOCRÁTICO
SINGELOS APONTAMENTOS
DE
DIREITO:
É evidente que democracia, entendida como consecução de
valores de convivência e inter-relação humana (igualdade, liberdade
e dignidade da pessoa humana), é conceito mais abrangente do que
o de Estado de Direito, o qual adveio como expressão jurídica da
democracia liberal.
Ocorre que com a superação do liberalismo emergiu também
certa desarmonia entre Estado de Direito e aquela sociedade dita
democrática. Assim, a evolução histórica desmascarou a insuficiência
desse Estado, promovendo o surgimento do conceito de Estado Social
de Direito, que nem sempre teve conteúdo democrático.
Agora, vale frisar que se está diante do Estado Democrático de
Direito, conforme a atual Constituição brasileira afirma em seu artigo
1º, caput: “A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos”.
Pois bem, apesar de transparecer certa facilidade no que tange
ao entendimento desse conceito chave da organização jurídico-política
adotada pelo Brasil, principalmente pela verificação de que o Estado
Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e
do Estado de Direito; na verdade, não é tão simples assim.
Dessa maneira, é indispensável compreender que pelo fato de
Estado Democrático de Direito ter intrinsecamente um componente
revolucionário de transformação do status quo, isso faz com que ele seja
um conceito absolutamente novo, distanciando-se da simples reunião
dos elementos do Estado Democrático com os do Estado de Direito.
É pelo exposto que a passagem revisional pela evolução e
peculiaridades dos elementos que o compõe se faz importantíssima,
justamente para se chegar à síntese e se aproximar do conteúdo que
carrega a expressão “Estado Democrático de Direito”.
76
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
2.1 ESTADO DE DIREITO
É de conhecimento notório que o Estado de Direito é um
conceito tipicamente liberal. Por isso, fala-se em Estado Liberal de
Direito, cujas características nos dizeres de Silva são:
[...] Submissão ao império da lei, que era a nota
primária de seu conceito, sendo a lei considerada
como ato emanado formalmente do Poder
Legislativo, composto de representantes do povo,
mas do povo-cidadão; divisão de poderes, que separe
de forma independente e harmônica dos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, como técnica
que assegure a produção das leis ao primeiro e a
independência e imparcialidade do último em face
dos demais e das pressões dos poderosos particulares;
enunciado e garantia dos direitos individuais [...](
SILVA, 2003,p. 112-2).
Nota-se que tais exigências ainda são postulados maiores do
Estado de Direito, configurando uma grande conquista da civilização
liberal. Não se pode olvidar, todavia, que ao longo dos tempos,
concepções deformadoras do conceito de Estado de Direito foram
pronunciadas em virtude de o seu significado estar diretamente
associado ao que se entende por Direito. Para facilitar a análise, notase, v.g., que se houver compreensão no sentido de Estado de Direito
estar para Estado de Justiça (concepção formal), esta sendo um
conceito absoluto, abstrato, idealista, espiritualista, tem-se a própria
fundamentação da concepção do Estado fascista (SILVA, 2003, p. 113).
Não é exclusivamente Estado submetido ao Poder Judiciário,
visto que tal marca traduz-se unicamente em elemento relevante
daquele. Assim, Estado submetido ao juiz, é Estado cujos atos
legislativos, executivos, administrativos e também judiciais ficam
sujeitos ao controle jurisdicional, tanto de constitucionalidade como
de legalidade.
77
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
Por outro lado, nota-se Estado de legalidade quando se
concebe o Direito apenas como um conjunto de normas definidas
pelo Legislativo. É de fácil percepção que isso é uma redução
extremamente deformante, porque o princípio da legalidade, não
obstante ser elemento importante do conceito de Estado de Direito,
não o preenche por completo.
Outra corrente jurídica que também contribuiu para deformar
o conceito de Estado de Direito foi àquela ligada a concepção de
Kelsen1, a qual entende Estado e Direito como conceitos idênticos.
Em verdade, macula qualquer ideia de Estado de Direito, uma vez
que converte este em mero Estado Legal. Ora, a percepção de Direito
como norma pura, desvinculada de qualquer conteúdo, implica em
uma noção formalista do Estado de Direito, que concorre muitas vezes
para interesses ditatoriais. Por isso, não há espaço para confundir
Direito com mero enunciado formal da lei, sem comprometimento
com a realidade política, social, econômica e ideológica.
2.2 ESTADO SOCIAL DE DIREITO
Com a marca do individualismo e do abstencionismo ou
neutralismo do Estado liberal que provocou imensas injustiças,
revelando a insuficiência das liberdades burguesas, não houve outra
saída senão os movimentos sociais propugnarem veementemente por
justiça social. Com isso, o Estado de Direito assumiu uma conotação
intervencionista, adotando o financiamento e a administração de
programas de seguro social sem olvidar ao primado do direito.
Apesar dessa nova forma de Estado ter como característica a
pretensão de compatibilizar capitalismo e consecução do bem-estar
social geral, a insuficiência da concepção do Estado Social de Direito
ainda é gritante. Isto porque a palavra “social” é dotada de notória
ambiguidade, como assinala Bonavides nos termos:
78
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
[...] A Alemanha nazista, a Itália fascista, a Espanha
franquista, Portugal Salazarista, a Inglaterra de
Churchill e Attle, a França, com a Quarta República,
especialmente, o Brasil, desde a Revolução de 30
foram “Estados Sociais”, o que evidencia que o
Estado social se compadece com regimes políticos
antagônicos, como sejam a democracia, o fascismo
e o nacional-socialismo [...] (BONAVIDES, 1996,
p. 205-6).
Depreende-se, pois, que inúmeras ideologias, exceto a
marxista, que não confunde o social com socialista, com sua própria
visão do social e do Direito, podem acolher uma concepção do Estado
Social de Direito. Além disso, verifica-se que o ideal não é o ‘social’
qualificar o Estado, e sim o Direito, em busca de significativo bemestar e justiça social.
2.3 ESTADO DEMOCRÁTICO
Neste momento, mister se faz ratificar que o Estado de Direito,
quer como Estado Liberal de Direito quer como Estado Social de
Direito, nem sempre caracteriza Estado Democrático, haja vista este
ter como precípuo a soberania popular, muitas vezes marginalizada
naqueles, conforme observa Bonavides (1996, p. 16): “a ideia essencial
do liberalismo não é a presença do elemento popular na formação da
vontade estatal, nem tampouco a teoria igualitária de que todos têm
direito igual a essa participação ou que a liberdade é formalmente
esse direito.”
É por isso que o Estado Democrático vai de encontro ao que
o Estado de Direito pregava com relação à ideia de que a igualdade
defluiria exclusivamente da lei. Pelo contrário, aquele tem o fito de
realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos
fundamentais da pessoa humana, buscando instaurar um processo
de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle
79
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
das decisões e de participação concreta desse nos rendimentos da
produção.
Nota-se, agora, que as diretrizes do Estado de Direito, na
concepção clássica, não tem mais guarida na vida concreta, visto que
seu fundamento puramente formal e abstrato, qual seja, generalidade
das leis, perdeu terreno para o clamor das camadas desfavorecidas da
sociedade em prol de mudanças substanciais e radicais na disposição
e finalidade estatal.
2.4
CARACTERIZAÇÃO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
DO
ESTADO
Já se enfatizou que no artigo 1º, da Carta Magna de 1988,
o constituinte originário definiu que a República Federativa do
Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito. Partindo
dessa premissa, não há como negar a extrema importância em se
tentar caracterizar o Estado Democrático de Direito, haja vista que é
pressuposto basilar para a compreensão do ordenamento estatal como
um todo.
Em princípio, a falsa ideia de se alcançar o significado de Estado
Democrático de Direito somente unindo formalmente os conceitos
de Estado Democrático e Estado de Direito deve ser abandonada. Tal
acepção consiste, de fato, “na criação de um conceito novo, que leva
em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera
na medida em que incorpora um componente revolucionário de
transformação do status quo” (SILVA, 2003, p. 119).
Nessa senda, este “novo” Estado tende a realizar a síntese do
processo contraditório do mundo contemporâneo, ou seja, superar o
Estado capitalista opressor e segregador, para configurar um Estado
fomentador de justiça social, o qual as “democracias populares”
(socialismo real) não foram capazes de construir em virtude do
personalismo e monismo político.
80
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
Ressalta-se que não quer dizer que a nossa Constituição
prometeu em suas linhas a transição para o socialismo a partir da
inauguração do Estado Democrático de Direito. O que houve foi a
indicação para transformação social profunda, baseada na prática de
direitos sociais e no exercício real da cidadania, perseguindo a justiça
social, sempre conexa com a dignidade da pessoa humana.
Ao contrário do que muitos pessimistas divulgam sobre
Estado Democrático, tentando fomentar a ideia de que a democracia
é utópica, visto os percalços que a história encarregou-se de mostrar;
essa maneira de o Estado funcionar é um ideal possível de se atingir,
desde que seus valores e sua organização sejam adequadamente
manipulados. Dallari esclarece a verdadeira ideologia que está por
trás dessa tendência pessimista:
[...] O povo, julgado incapaz de uma participação
consciente, deveria ser afastado das decisões, ficando
estas a cargo de indivíduos mais preparados, capazes
de escolher racionalmente o que mais convém ao
povo. A liberdade é considerada um mal, porque é
fonte de abusos, devendo, portanto ser restringida,
a bem da ordem e da paz social. A igualdade, por
sua vez, não poderia ser aceita, pois os governantes,
que sabem mais do que o povo e trabalham para
ele, devem gozar de todos os privilégios, como
reconhecimento por seus méritos e sua dedicação.
Quanto à organização do Estado e do governo, é
preciso que exista uma forma rígida, para que se
assegure o máximo de eficácia do Estado. Mas,
evidentemente, a aceitação desses argumentos
representa a rejeição da democracia e a aceitação da
ditadura. E a experiência já comprovou amplamente
que a melhor ditadura causa mais prejuízos do que
a pior democracia [...]. (DALLARI, 1998, P.256-7).
81
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
Diante disso, é absolutamente necessário explicar os
pressupostos para que de fato o Estado Democrático de Direito
vigore para toda a sociedade. São eles: eliminação da rigidez formal;
supremacia da vontade do povo; a preservação da liberdade e da
igualdade.
No âmbito da eliminação da rigidez formal, Estado
Democrático de Direito é, necessariamente, contrário à exigência de
uma forma preestabelecida. Tanto uma estrutura capitalista quanto
uma socialista podem ser democráticas ou totalitárias, o mesmo
ocorrendo quando o poder é formalmente dividido ou concentrado,
quando o governo é parlamentar ou presidencial, monárquico ou
republicano.
É bem verdade que os aspectos formais podem favorecer ou
prejudicar as verdadeiras condições substanciais, as quais o Estado
Democrático necessita para que o seja de fato. No entanto, não
se confundem com estas. O que se quer dizer com isso é que pela
circunstância do Estado Democrático precisar atender à concepção
dos valores fundamentais de certo povo em uma dada época, e como
essas concepções são dialeticamente variáveis de povo para povo, e de
época para época, é natural que o Estado deva ser flexível, justamente
para se adequar as realidades consideravelmente mutantes.
Quanto à supremacia da vontade do povo, é evidente que
se constitui em um dos elementos substanciais da democracia
a prevalência da vontade popular sobre a de qualquer grupo ou
indivíduo. É por isso que, quando um governo, por mais bem
intencionado, competente e eficiente que seja, coloca sua vontade
acima de qualquer outra, não há democracia na plenitude. Nesta, os
próprios governados decidem sobre as diretrizes políticas básicas do
governo (autogoverno).
Aliás, deve-se considerar também que o povo é uma unidade
heterogenia, sendo extremamente relevante preencher alguns
requisitos para que se alcance sua vontade autêntica. É nesse contexto
82
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
que surge o princípio da liberdade de escolha como pilar democrático,
assim tratado nas lições de Dallari:
Em primeiro lugar essa vontade deve ser livremente
formada, assegurando-se a mais ampla divulgação de
todas as ideias e o debate sem qualquer restrição, para
que os membros do povo escolham entre múltiplas
opções. Em segundo lugar, a vontade do povo deve
ser livremente externada, a salvo de coação ou vício
de qualquer espécie. É indispensável que o Estado
assegure a livre expressão e que os mecanismos de
aferição da vontade popular não deem margem à
influência de fatores criados artificialmente, fazendose esta aferição com a maior frequência possível [...]
(DALLARI, 1998, p. 258).
Além disso, e com certeza não menos importante, emerge
concomitantemente o direito de divergir, o qual deve ser assegurado
a todos, e que, por sua vez, acarreta outra questão ímpar, a saber,
o fundamento do predomínio da vontade da maioria, cujo
fundamento está na ideia de que a vontade de todos os indivíduos é
substancialmente igual em valor.
O raciocínio não é complexo. Em virtude de todo homem ser
um ser racional dotado de inteligência e vontade, é natural que sejam
capazes de emitir juízos muitas vezes distintos sobre os fatos que
presenciam e afetam seus interesses.
Acerca do tema, Rosa ressalta:2
Sendo a democracia o governo de todos e o governo
da liberdade, o Estado democrático assegura a todos
a livre manifestação do pensamento, mesmo às
minorias. É o regime da maioria, no qual devem ser
respeitadas as decisões das maiorias. Essa maioria,
porém, precisa aprender a conviver com a minoria,
a ouvir suas opiniões, naquilo que se chama de ideal
democrático da convivência dos contrários, segundo,
83
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
aliás, o que já proclamavam os gregos: aquele que
quiser dar um bom conselho ao Estado, que avance e
fale. (ROSA,1998,p. 525).
Nesse diapasão, é imprescindível que a liberdade seja concebida
tendo em vista o homem social, que não existe sozinho, pelo contrário,
é parte de um todo. A liberdade humana é uma liberdade social,
situada, contextualizada, que deve ser vislumbrada tendo em conta a
inter-relação dos indivíduos, o que, sem dúvida alguma, gera deveres
e responsabilidades.
No que tange à preservação da igualdade, que também é um
princípio basilar da democracia, materializa-se semelhante necessidade
de reformulação na própria concepção desse valor fundamental da
pessoa humana. Mais uma vez o individualismo exacerbado é alvo
de censura, haja vista que afirmou a igualdade como um valor, sem
se preocupar em convertê-la em real possibilidade, limitando-se a
caracterizá-la como direito.
Como consequência, a igualdade se dava de maneira apenas
formal, porque o próprio exercício dos direitos fundamentalmente
assegurados era inviabilizado, juntamente com o acesso aos bens
produzidos pela sociedade. Tudo isso em nome da liberdade, que
gerava profunda e severa desigualdade social.
É envolto a essa situação que emerge a discussão sobre o princípio
da “igualdade de oportunidade”, igualmente pilar democrático.
Surge esse princípio com a função precípua de criar alternativas para
a desastrosa desigualdade social que aflige a sociedade.
[...] A concepção da igualdade como igualdade de
possibilidades corrige essas distorções, pois admite
a existência de relativas desigualdades, decorrentes
da diferença de mérito individual, aferindo-se este
através da contribuição da cada um à sociedade. O
que não se admite é a desigualdade no ponto de
partida, que assegura tudo a alguns, desde a melhor
84
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
condição econômica até o melhor preparo intelectual,
negando tudo a outros, mantendo os primeiros em
situação de privilégio mesmo que sejam socialmente
inúteis ou negativos [...] (DALLARI, 1998, p. 259)
Então, a igualdade de oportunidade ou possibilidade não se
fundamenta num critério artificial, admitindo realisticamente que
existem diferenças entre os seres humanos, mas exigindo também
que as desigualdades sociais não advenham de fatores não naturais.
3. AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO
PODER DE TRIBUTAR SOB A ATMOSFERA DO
SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
Com o fito de atender às exigências da sociedade, o Estado carece
de recursos, cuja fonte prioritária advém da arrecadação de tributos.
Essa realidade consubstancia-se pelo exercício da competência
tributária outorgada pela Constituição. No entanto, a história é
pródiga em indicar que é necessário limitar a atuação tributária do
Estado em prol da coletividade, tendo em vista a notória voracidade
do Fisco. Por isso, a existência de limitações àquela competência em
sede constitucional.
Nesse diapasão, a Constituição Federal, não somente como um
instrumento político de formação e organização de uma sociedade
institucionalmente edificada, mas também como um organismo
jurídico de sistematização, por intermédio de princípios e regras
balizadores, torna imprescindível o controle político e jurisdicional
do sistema, que, em ambiente tributário, garante ao Estado a sua
legítima manutenção e, sobretudo, o emprego de meios válidos para
a consecução de seus fins.
Partindo do pressuposto que a República Federativa do Brasil
tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
85
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
e o pluralismo político, e persegue a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; a erradicação da
pobreza e marginalização, assim como das desigualdades regionais;
e a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; sendo
o poder emanado do povo e exercido por meio de representantes
eleitos (CF/88, arts. 1º e 3º), tem-se que, de regra, não é possível a
diferenciação tributária viger entre os brasileiros.
Todavia, isso não corresponde ao fato de ser impossível,
dentro do sistema, haver critérios lógicos e finalísticos fulcrados, por
exemplo, na própria soberania, democracia, ou mesmo na capacidade
contributiva, que justifiquem tratamento distinto a determinadas
pessoas que a Carta Magna assim consagrou.
É envolto a esse contexto (Sistema Constitucional Tributário
brasileiro) que emergem as limitações ao poder de tributar, sendo
meios pelos quais o constituinte procurou resguardar garantias
constitucionais, indispensáveis à estruturação e materialização das
peculiaridades do Estado Democrático de Direito.
4. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
Não obstante ser o ponto central das limitações em comento,
as imunidades tributárias não é objeto de análise pacífica e consensual
pela doutrina no que concerne a sua natureza jurídica. Para o que
almeja o estudo aqui esboçado, relevante é o ensinamento de Carvalho
ao caracterizar a imunidade como:
A classe finita e imediatamente determinável de
normas jurídicas, contidas no texto da Constituição
Federal, e que estabelecem, de modo expresso,
a incompetência das pessoas políticas de direito
constitucional interno para expedir regras
86
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
instituidoras de tributos que alcancem situações
específicas e suficientemente caracterizadas
(CARVALHO,2003,p. 181)3.
Sendo uma limitação constitucional ao poder de tributar, vez
que por seu intermédio certos fatos, situações, bens ou pessoas são
subtraídos da esfera reservada ao exercício da competência tributária,
com o intuito de impedir que as normas de tributação incidam
sobre os fatos imunizados, certo é que o conceito das imunidades
foi atribuído pela Constituição Federal de 1988, a qual incluiu na
condição de alcançar o benefício os entes governamentais federados,
as fundações dos partidos políticos e os sindicatos de trabalhadores.
Além disso, determinou a ausência de finalidade lucrativa
das entidades assistenciais e de educação para efeito de imunidade e
ainda estabeleceu a imunidade recíproca das fundações instituídas e
mantidas pelo poder público (C.F., 1988, ART. 150, VI).
A imunidade tem por escopo, pois, proteger o imune contra
qualquer forma de imposto, impedindo que, por meio deste, o
Estado macule, v.g., a liberdade, a democracia e a forma federativa,
marginalizando assim, valores consagrados na Constituição e que são
sustentáculos do Estado Democrático de Direito.
A existência de atividades imunes à tributação implica em
reconhecer que sua implementação deve atender às finalidades
dispostas na Constituição. E que tais fins devem ser alcançados por
estas instituições/atividades ao lado e em conjunto com o próprio
Estado. Isto é, desonera-se de impostos porque a atuação de partidos
políticos, escolas, sindicatos é valiosa para atingir aos objetivos da
sociedade (constitucionalmente fundados), em união de esforços com
a própria máquina estatal. O Estado e tais instituições/atividades são
coadjuvantes, e não adversários, na consecução dos objetivos sociais
estabelecidos na Constituição da República (SCAFF, 2006, p. 6).
87
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
5. A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA DA IMUNIDADE NOS DIAS ATUAIS
A indicação da imunidade para qualquer dos entes relacionados
no tópico constitucional referente às limitações ao poder de tributar
traz consigo, impreterivelmente, a razão de ser de cada pessoa ali
delineada. O manejo da capacidade de tributar, e de não tributar,
e suas consequências, é uma célebre maneira de distinguir pessoas
e atividades e de implementar políticas econômicas e fiscais. Isto
porque, ressalta Scaff (2006, p. 3) que “a Imunidade Tributária (...)
deve ser considerada não apenas em sua perspectiva individual, mas
como uma garantia de cidadania para todos, considerados coletiva e
difusamente, de forma a permitir também o regular desenvolvimento
das futuras gerações”.
Tal análise advém da constatação da insuficiência das soluções
individuais para a resolução das questões sociais. Ora, a compreensão
dos direitos fundamentais como garantia da sociedade, e não tão só
do indivíduo; aliada a ideia e preocupação com os interesses difusos
e com as gerações vindouras; encerrou uma mudança de paradigma
que, por sua vez, acompanha a diretrizes balizadas pela expressão
“Estado Democrático de Direito”.
O interesse protegido não é o da atual geração,
mas sua preservação para as futuras gerações. Não
é mais um interesse do indivíduo contra o Estado,
ou inerente apenas a certa coletividade, mas um
interesse difuso e que abrange não apenas as atuais,
mas as futuras gerações. Logo, a análise de tais
Direitos, que se encerram em Princípios - dentre eles
as limitações ao poder de tributar -, deve ser efetuada
com os olhos voltados não apenas para o homem no
presente, mas também no futuro, considerado como
um ser integrante de uma espécie que deve ter seus
direitos preservados, por mais difusos que sejam.
88
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
Somos todos responsáveis por tal legado às futuras
gerações. O direito tributário não passa ao largo
destas transformações. As limitações ao poder de
tributar devem ser analisadas de conformidade com
o desenvolver da técnica jurídica e das necessidades
sociais. (SCAFF, 2006, p.3)
Já ciente de que as imunidades promovem garantias
constitucionais, a saber, pluralismo político – ao vedar a tributação
dos partidos políticos; liberdade de culto religioso – ao obstar
a tributação de templos; liberdade de expressão – ao impedir a
cobrança de impostos sobre livros, jornais e periódicos; é de bom
alvitre enfatizar que aquelas não são simples benesses ofertadas pela
sociedade, pelo contrário, representam uma carga de responsabilidade
que as instituições porventura imunes passam a suportar, com
o intento de cumprir os requisitos constitucionais previamente
estipulados para tais atividades.
Por efeito, além dos objetivos gerais apontados para qualquer
atividade/instituição que pretenda fruir da imunidade concedida
pelo corpo social, encontrados no art. 3º, da CF/88, ainda há fins
específicos que devem ser adotados.
No que tange aos partidos políticos e suas fundações, para gozar
da imunidade de impostos sobre seu patrimônio, rendas e serviços
(CF/88, art. 150, VI, c), têm que resguardar a soberania nacional, o
regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais
da pessoa humana; terem caráter nacional; não receberem recursos
financeiros de entidades ou governos estrangeiros ou ficarem
subordinados a estes; prestarem contas à Justiça Eleitoral e terem
funcionamento parlamentar de acordo com a lei (CF/88, art. 17).
Com relação às instituições de educação, sem fins lucrativos
(CF/88, art. 150, VI, c), têm que desenvolver plenamente o
indivíduo, prepará-lo para o exercício da cidadania e qualificá-lo para
o trabalho (CF/1988, art. 205); respeitados os princípios de igualdade
89
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
de condições para o acesso e permanência na escola; a liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a valorização dos
profissionais do ensino; a garantia de padrão de qualidade (incisos
do art. 206, da CF/88), além de precisarem ser cumpridas as normas
gerais da educação nacional (CF/1988, art. 209, I).
Já as entidades sindicais dos trabalhadores (CF/88, art. 150,
VI, c) devem obedecer igualmente ao seguinte: respeito à unicidade
sindical; defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais
da categoria que representa, inclusive em questões judiciais ou
administrativas; reconhecer a liberdade associativa e participar
obrigatoriamente nas negociações coletivas de trabalho (incisos do
art. 8º, da CF/88).
Quanto às instituições de assistência social, sem finalidade
lucrativa, que possuem imunidade de impostos sobre seu patrimônio,
rendas e serviços (CF/88, art. 150, VI, c), necessitam atender aos
objetivos específicos de proteção à família, à maternidade, à infância,
à adolescência e à velhice; amparar as crianças e os adolescentes
carentes; promover a habilitação e a reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e sua integração à vida comunitária (incisos
do art. 203, da CF/88).
Destarte, tendo em vista que o titular da imunidade não é nem
a instituição, muito menos o Estado, e sim a sociedade, a qual situa
no ordenamento jurídico as condições a serem realizadas por quem
aspira ser desonerado de impostos, evidencia-se inconstitucional
qualquer desvio que se valha do manto da imunidade, acarretando
abuso do poder econômico e arranhando os ditames da justiça social4,
gravada no art. 170, da Lei Maior.
As imunidades não insurgem exclusivamente de um artigo
da Constituição, ou da execução dos parâmetros legalmente
estabelecidos. Em sua interpretação devem ser sopesados todos
os valores conclamados na Carta Magna. Afinal, não é sábio, nem
90
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
razoável, destacar um único dispositivo constitucional e dele extrair
o direito de não pagar impostos, sem ao menos coaduná-lo com as
demais normas vigentes na ordem constitucional, a qual reflete os
indicativos do Estado Democrático de Direito, em busca da legítima
intenção da sociedade em assinalar determinada atividade como não
alcançada pelo Fisco.
6. DA TEORIA À PRÁXIS: A QUESTÃO DAS
PROPAGANDAS ELEITORAIS E A ABRANGÊNCIA
DA IMUNIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Chega-se ao ponto extremo deste estudo, precisamente com
o escopo de equilibrar o nexo teórico com as implicações do dia a
dia, para indicar que as palavras não se limitam necessariamente aos
escritos das produções acadêmicas, pelo contrário, podem e devem
ganhar entoação também nas ações cotidianas.
Considerando Grau (2005), em seu “ensaio e discurso sobre a
interpretação e aplicação do direito”, tem-se que “finalidade” é o criador
de todo o Direito e não existe norma ou instituto jurídico que não
deva sua origem a uma finalidade. Nesse diapasão, pretende-se a
partir de uma situação prática, que versa a respeito da tributação da
propaganda político-partidária, por meio de Imposto Sobre Serviços
de Qualquer Natureza (ISS), instituído e cobrado pelos Municípios e
Distrito Federal, asseverar que a interpretação do Direito tem plena
condição de contribuir para que os ares do Estado Democrático de
Direito vivifiquem-se nas relações intrassociais.
Validar-se-á, dessa maneira, a ideia de interpretação e aplicação
ser uma só operação, constitutiva e não meramente declaratória; a
realidade de o processo interpretativo não se limitar à compreensão
dos textos normativos, mas igualmente dos fatos que compõem o caso
concreto; o fator “pré-compreensão”, que indica que a verdade são
fatos impregnados da subjetividade do intérprete; o entendimento
91
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
a partir do qual o Direito não pode ser interpretado em tiras, e sim,
deve-se caminhar pelo ordenamento em sua completude, observandose sua finalidade e seus princípios; as normas-objetivo, que tem o
condão de reduzir a amplitude da moldura do texto e dos fatos e
mostrar a direção do sistema jurídico.
A relação de oposição e contradição entre princípios, na qual o
julgador só tem condições de transpor tal obstáculo no caso concreto,
procurando aquele que mais assume relevância na própria realidade,
baseando-se desde o texto constitucional até os mais simples atos
normativos; o raciocínio de que as decisões jurídicas são também
políticas vez que não há neutralidade do intérprete, e que o Direito
é precipuamente dinâmico, tendo que ser contemporâneo à realidade
posta, justamente para se tornar efetivo, porque do contrário, sua
interpretação será apenas mera dedução dos textos legais e não
atenderá seu fim maior que é a solução e harmonização dos conflitos
sociais, naturalmente em constante variação no tempo e espaço.
6.1 A SITUAÇÃO PROPOSTA
Sabe-se que a imunidade surge em função da salvaguarda de
determinados valores da sociedade, dentro de um dado contexto
histórico, inclusive inseridos em princípios constitucionais. Por isso,
certos padrões, ideias, valores sociais aceitos ou mantidos, tais como:
políticos, educacionais, sociais, econômicos, religiosos e culturais,
de significativa valia para a sociedade, são o suporte das normas
imunizantes.
Não obstante o munus público, as agremiações políticas são
pessoas jurídicas de direito privado, segundo consta do art. 44, V, do
Código Civil. A imunidade tributária dos partidos políticos decorre,
pois, da imprescindibilidade de sua autonomia, com o intuito claro
de evitar que qualquer forma de imposição fiscal afronte a liberdade
de manifestação que lhes é intrínseca.
92
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
Também é manifesto que os partidos políticos e suas fundações,
para gozar da imunidade de impostos sobre seu patrimônio, rendas
e serviços (CF/88, ART. 150, VI, c), além dos objetivos gerais
elencados no art. 3º, da CF/1988, precisam buscar os alguns objetivos
específicos, quais sejam: resguardo da soberania nacional, do regime
democrático, do pluripartidarismo e dos direitos fundamentais da
pessoa humana; terem caráter nacional; não receberem recursos
financeiros de entidades ou governos estrangeiros ou ficarem
subordinados a estes; prestarem contas à Justiça Eleitoral e terem
funcionamento parlamentar de acordo com a lei (CF/1988, ART. 17).
O partidarismo político é instituição antiga que representa
o meio pelo qual é (ou pelo menos deveria ser) expressa,
fundamentalmente, a democracia. Com raízes nacionais a partir do
século XVIII, ganhou feição constitucional em 1824. Entretanto, sua
imunidade apenas o acompanha a partir da Constituição Federal de
1946, a qual se mantém até os dias hodiernos.
Nessa direção, no supramencionado artigo 17, da CF/88, notase a existência de alguns princípios essenciais que se entrelaçam
com a própria finalidade dos partidos políticos, entre os quais, temse o regime democrático, o pluralismo político, além dos direitos
fundamentais da pessoa humana, que, sem dúvida, reflete a atenção
com a dignidade do ser.
Faz-se mister ressaltar que semelhante ao art. 17 em comento,
encontra-se descrito no art. 1º da Lex Fundamentalis a essência
democrática, tendo o parágrafo único deste artigo respaldado o
partidarismo político, gravando que o Poder emana do povo e que é
exercido por meio de representantes eleitos.
Aliás, não cabe aqui repetir as passagens da Constituição
Federal de 1988 em que os valores democráticos são trabalhados
explicitamente, eis que se teve o cuidado de pormenorizar tal contexto
nas linhas iniciais deste estudo. O que se deve fincar, portanto, é que
se descortinando no Título I “Dos Princípios Fundamentais” e se
93
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
espraiando por toda a Carta Constitucional, o tratamento ofertado
aos partidos políticos os conduz a uma posição diferenciada dentro
do ordenamento jurídico pátrio. E, por conseguinte, a imunidade
dispensada a estes entes não pode ficar a margem dessa análise, haja
vista ser propulsora da singular natureza do Estado Democrático de
Direito5.
Em atenção a esta conjuntura, os “serviços” de que trata o art.
150, VI, c, da CF/1988, referentes aos partidos políticos, em uma
interpretação mais ampla merecem ser considerados como tudo aquilo
que é direcionado para informação e conscientização da população6 ,
pressupostos para o exercício da democracia.
A pluralidade de opinião, que traz em seu bojo uma das questões
centrais dos partidos políticos, somente vigora na plenitude, caso
haja o devido esclarecimento para que a população possa apreender
as ideias (a salvo de influências forjadas) e eleger qual é a melhor
alternativa para a direção e negócios políticos do país. Relacionado
com esse mote, vale relembrar que o princípio da liberdade de escolha
(pilar democrático) carece de a vontade ser livremente formada e
livremente externada (DALLARI, 1988).
Muito embora não seja só em períodos eleitorais, verificase que por ocasião dos pleitos é que aumenta consideravelmente a
quantidade de propaganda política gerada por todo o país. Então, é
neste momento que se faz perceptível o fato de que para ser veiculada
e assimilada pela sociedade, a publicidade política necessita, por
exemplo, de edição, feitura e encomenda da arte e produção da
propaganda, seja televisiva ou por meio de adesivos, folhetos,
banners7 .
Ocorre que pelo que dispõe a lista de serviços anexa à Lei
Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, tais serviços seriam
tributáveis por meio de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
(ISS), de competência dos Municípios e do Distrito Federal.
94
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
O exame que se deve fazer é se os partidos, quando solicitam
a confecção dessas propagandas políticas, estariam inclinados ao
pagamento do ISS, ou não, tendo em vista a imunidade do art. 150,
VI, c, da Constituição Federal.
Para se alcançar com clareza a ideia aqui defendida, mister se
faz prima facie realizar um paralelo com a questão da extensão da
imunidade recíproca8 do Imposto sobre produtos industrializados
(IPI) e do Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS),
frente ao fenômeno da repercussão tributária9.
Ora, no que concerne ao IPI e ao ICMS, válido é o juízo de que
os entes estatais não estariam sujeitos as suas tributações haja vista
que, além da não cumulatividade (sobreposição de incidências) que
gira em torno desses impostos, faz-se imprescindível a salvaguarda da
federação, bem como do patrimônio público. O acerto desta assertiva
advém da ocorrência de que haverá ônus atribuído e suportado pelos
contribuintes de fato10, que, por sua vez, tem o condão de ferir de
morte a imunidade conferida àqueles.
Partindo desse pressuposto, tem-se que a situação em discussão
referente à tributação dos partidos através do ISS, quando da
organização e divulgação de propaganda política, indubitavelmente,
afronta a Constituição Federal, pois ao pagarem tributo ligado
à prestação de seus serviços essenciais (propagação de informação)
tais instituições são de certa forma tolhidas de exercer seu mister
constitucional.
Isto porque as agremiações partidárias ao encomendarem a
reprodução de qualquer material de campanha eleitoral não estão
realizando nada mais do que um serviço à democracia (própria razão
de ser do partido político), consubstanciado no fomento da soberana
vontade popular. Repita-se, as atividades destas instituições estão
umbilicalmente relacionadas à deferência aos princípios e garantias
fundamentais da pessoa humana e, por consequência, a concretização
das peculiaridades do Estado Democrático de Direito.
95
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
Sob essa ótica, a encomenda de material de propaganda eleitoral,
que é tributado pelo ISS, seguramente, é feita em quantidade menor
se comparada àquela onde o custo seria mais reduzido em virtude da
não tributação. O que, logicamente, macula a plenitude da formação
e externalização da vontade do povo.
Esses motivos, expostos sucintamente, conduzem ao raciocínio
a partir do qual se deva afastar o Imposto Sobre Serviço (ISS) da
tributação dos partidos políticos, por ocasião de encomenda do seu
material publicitário, em respeito à imunidade garantida no art.
150, VI, c, da CF/1988, não olvidando que a função democrática
por eles exercida constitui-se primado constitucional. É patente que
a agremiação política, ainda que considerada contribuinte de fato,
irá suportar o ônus tributário, ferindo assim, o dispositivo em baila
originado pelo constituinte.
Imperioso se faz ressaltar que a existência dessa imunidade,
conforme dito anteriormente, não é privilégio concedido aos
partidos políticos, pelo contrário, deve ser entendida como elemento
de propulsão para fins de que tais instituições, de braços dados
com a engrenagem estatal, atinjam da melhor forma possível os
desígnios da sociedade e, por conseguinte, façam vigorar em terras
brasileiras aquilo que foi fincado na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, a saber, o sinal distintivo do Estado
Democrático de Direito.
7. CONCLUSÃO
Ao compulsar a Constituição Federal de 1988, nota-se, de pronto,
que o constituinte originário apontou no art. 1º deste Diploma que a
República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático
de Direito. Portanto, qualquer análise que se pretenda realizar sobre
o ordenamento jurídico pátrio deve ter as bases intelectivas firmadas
no conteúdo sui generis deste modelo de Estado.
96
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
Nesse diapasão, este formato estatal tende a cumprir a síntese
do processo contraditório do mundo contemporâneo, isto é, suplantar
o Estado capitalista opressor e segregador para então edificar um
Estado fomentador de justiça social, o qual as “democracias populares”
(socialismo real) não se mostraram aptas a construir em virtude do
personalismo e monismo político.
Sob o prisma do Sistema Constitucional Tributário brasileiro,
as limitações ao poder de tributar são consideradas mecanismos pelos
quais o constituinte buscou salvaguardar garantias constitucionais,
imprescindíveis para a solidificação das características do Estado
Democrático de Direito.
Como tal, tendo a imunidade a função de contribuir para que a
sociedade alcance seus objetivos de convivência harmônica, segundo
os preceitos que ela mesmo gizou e sem eventuais empecilhos
estabelecidos pelo Estado, esse instituto constituir-se como uma
desoneração tributária constitucionalmente qualificada, fruto da
estrutura socioeconômica do país.
Percebe-se, pois, que as imunidades não são meras benesses
doadas pela sociedade, mas sim, encargos que as instituições
porventura imunes têm que lidar, com o escopo de preencher os
requisitos constitucionais previamente estipulados para certas
atividades. Assim, além dos objetivos gerais dispostos no art. 3º,
da Carta Magna de 1988, a atividade/instituição que deseje gozar
da imunidade conferida pela sociedade deve levar em consideração,
também, fins específicos balizados constitucionalmente.
A respeito dos partidos políticos e suas fundações, para gozarem
da imunidade de impostos sobre seu patrimônio, rendas e serviços
(CF/88, art. 150, VI, c), necessitam, por exemplo, resguardar a
soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os
direitos fundamentais da pessoa humana; terem caráter nacional; não
receberem recursos financeiros de entidades ou governos estrangeiros
ou ficarem subordinados a estes; prestarem contas à Justiça Eleitoral e
terem funcionamento parlamentar de acordo com a lei (CF/88, art. 17).
97
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
Com isso, e por todos os elementos discutidos alhures, o
Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza não merece guarida
na tributação dos partidos políticos por ocasião da confecção e
difusão de suas propagandas, haja vista a imunidade prevista no art.
150, VI, c, da CF/1988, a qual enaltece a razão de ser democrática
das agremiações em destaque e o seu mister ímpar na conjuntura
constitucional brasileira.
Ciente de que ninguém carrega consigo a verdade absoluta, o
exposto aqui não tem a pretensão de esgotar a matéria. Pelo contrário,
espera-se, fielmente, que o enveredar pela evolução estatal a partir do
século XVIII até o descortinar do ambiente hodierno advindo com
o Estado Democrático de Direito, concomitante à discussão sobre as
imunidades no âmbito do Sistema Tributário Nacional, bem como
a análise pontual de uma situação prática envolvendo o tema; tenha
sido mais uma contribuição no sentido de ressaltar àqueles que até
aqui caminharam com o debate, o quão é valioso se interpretar/
aplicar o Direito de maneira sistêmica.
__________________________
NOTA:
1 Hans Kelsen
2 Só a título de esclarecimento, a exclusão dos indivíduos mentalmente inaptos
não macula o sistema, pois estes não estão na plenitude do uso da inteligência e
da vontade. Entretanto, mesmo essas exclusões devem ser fruto de inequívocas
decisões do próprio povo, com o devido cuidado para não haver excesso.
3 Martins (1991, p. 152) afirma que “na imunidade, não há nem o nascimento
da obrigação fiscal, nem do consequente crédito, em face de sua substância
fática estar colocada fora do campo de atuação dos poderes tributantes,
por imposição constitucional”. Já Baleeiro (1990, p. 283), indica que
imunidade funciona como “imunidades fiscais, isto é, disposições da lei
maior que vedam ao legislador ordinário decretar impostos sobre certas
pessoas, matérias ou fatos, enfim situações que define. Será inconstitucional
a lei que desafiar imunidades fiscais”.
4 Sobre a relação entre Direito e Justiça Social ver: SOUZA, Franco Aurélio
Brito de. Ainda há esperança de o direito ser justiça social. Revista do Programa
98
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
de Pós-Graduação em Direito da Unama. v. 3, jun. 2007, p. 107-28.
5 Machado (2003), inclusive, afirma que as imunidades conferidas aos
partidos políticos seriam cláusulas pétreas, tendo em vista fazerem parte da
própria soberania estatal.
6 Percebe-se que interpretar é buscar o alcance e o conteúdo da norma
jurídica. Na norma imunizante, em específico, quando houver lacuna ou
dúvida, caminha-se pela interpretação ampliativa. O porquê disto, é que
seu objeto, conforme comentado outrora, visa preservar valores sociais.
Scaff (2006, p. 8) diz que “Dentre as finalidades essenciais de um partido
político está a divulgação das ideias políticas de seus filiados. Portanto,
tudo que for efetuado dentro deste desiderato, estará incluso no conceito de
imunidade, como por exemplo, a realização de seminários, divulgação de
revistas e panfletos etc.”
7 Neste caso, não se trata da veiculação da propaganda através do horário
eleitoral gratuito, garantido pela Lei nº 9.504/1997, e sim da situação
em que o partido político encomenda a uma agência de propagandas ou
a outro profissional, a elaboração e feitura dessa publicidade, mediante o
pagamento pelo respectivo serviço.
8 A imunidade recíproca pretende assegurar e ratificar o equilíbrio
federativo do País. “É uma decorrência pronta e imediata do postulado da
isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do
Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios” (STF – AgRg 174.808,
Rel. Min. Maurício Corrêa).
9 Segundo Sabbag (2011, p. 164), a repercussão tributária trata-se de
fenômeno de transferência de encargos, nos tributos indiretos, como o
ICMS ou o IPI, isto é, o ônus tributacional repercute sobre o ocupante da
fase seguinte numa operação plurifásica, não sendo assumido por aquele
que deu ensejo à circulação originária. A repercussão é a passagem do ônus
tributacional ao contribuinte de fato, não recaindo sobre o contribuinte
de direito. O contribuinte de direito realiza o fato gerador, mas quem
paga o imposto de modo indireto é o contribuinte de fato. Dessa forma, a
repercussão tributária representa a transferência do encargo ao contribuinte
de fato, não sendo assumido o ônus pelo realizador do fato gerador contribuinte de direito.
10 O fenômeno do contribuinte de fato têm sua existência e reconhecimento
pacificados no ordenamento jurídico brasileiro. Ver art. 166 do CTN e
súmula nº 546 do STF.
99
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
REFERÊNCIAS
AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva,
1997.
AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do estado. 39. ed. São Paulo: Globo, 1998.
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1990.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 1996.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988. 44. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 15. ed. São Paulo,
Saraiva, 2003.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 20. ed. São
Paulo: Saraiva, 1998.
FALCÃO, Amílcar de Araújo. O fato gerador da obrigação tributária. 2.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional
contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2003.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação e aplicação do
direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo:
Malheiros, 2003.
MARTINS, Ives Granda da Silva. Sistema tributário na Constituição de 1988.
3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
ROSA, Antônio José Miguel Feu. Direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
1998.
100
PESQUISA-AÇÃO
Promovendo a Prática à Ciência
SABBAG, Eduardo de Moraes. Elementos do direito tributário. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
SCAFF, Fernando Facury. Cidadania e Imunidade Tributária. São Paulo, 01
jun. 2006. Disponível em http://www.apet.org.br. Acesso em: 23 jul. 2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São
Paulo: Malheiros, 2003.
101
Download