Turbulência à vista, de novo | Valor Econômico http://www.valor.com.br/cultura/4415048/turbulencia-vista-de-novo# 29/01/2016 às 05h00 Turbulência à vista, de novo Cultura & Estilo Últimas Lidas Comentadas Compartilhadas Por Diego Viana | Para o Valor, de São Paulo "O PT chamou o urso para dançar" 05h00 Os países desenvolvidos não enfrentaram os problemas revelados pela crise em 2008 e, por isso, estão expostos a um novo estouro de bolha, afirma o economista coreano Ha-Joon Chang, PhD por Cambridge, onde ensina na Faculdade de Economia e no programa de estudos do desenvolvimento. Quanto Chang lamenta que o Brasil não tenha aos temores do mercado com a tomado atitudes contra a desindustrialização desaceleração chinesa e a queda da bolsa que o país atravessa há três décadas, assim pondo a perder fatores de inovação e em Xangai, Chang afirma que uma produtividade recessão na China é improvável, mas o tombo financeiro deverá afetar a economia real. Vírus zika e microcefalia, a batalha que começa perdida 05h00 Avant-première 05h00 O Brasil de Wesley Safadão 05h00 Ver todas as notícias À mesa com o Valor Veja a entrevista em vídeo Entrevistas MIA COUTO "Quando eu fui uma história, então, nasci" 05/02/2016 às 05h00 DJAVAN O homem que falava 'djavanês' 29/01/2016 às 05h00 JOHN PIZZARELLI 0:00 / Sintonia brasileira 5:54 22/01/2016 às 05h00 No ano passado, Chang publicou no Brasil "Economia - Modo de Usar" (Companhia das Letras, 464 págs., tradução de Isa Mara Lando e Rogério W. Galindo), em que discute os principais conceitos da teoria econômica em um quadro de referências das diferentes linhas de pensamento econômico - que, para ele, são "pelo menos nove". Conhecido como membro da escola institucionalista, Chang defende o uso simultâneo de diversas tradições intelectuais, porque cada uma ilumina um aspecto diferente da realidade. CLAUDIO LOTTENBERG O executivo que nasceu da festa 15/01/2016 às 05h00 Chang lamenta que o Brasil não tenha tomado atitudes contra a desindustrialização, que já se desenrola há três décadas. Para o economista, a indústria manufatureira continua sendo a principal fonte de inovação e produtividade, que em seguida se espalha para os demais setores. PEDRO BIAL Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista, concedida ao Valor, em São Paulo, onde Chang esteve para ministrar duas palestras na Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). 08/01/2016 às 05h00 Valor: A desaceleração da economia chinesa e a queda dos preços das commodities colocam o Ocidente de volta ao centro do crescimento no mundo nos próximos anos? O Big Brother no confessionário Blue Chip Ha-Joon Chang: As economias mais avançadas ainda não resolveram seus próprios problemas. Quase dez anos depois da crise, metade desses países 1 de 5 05/02/16 10:52 Turbulência à vista, de novo | Valor Econômico http://www.valor.com.br/cultura/4415048/turbulencia-vista-de-novo# não recuperou nem a renda per capita de 2007. Muito do que conseguiram foi só o resultado da liquidez excessiva bombeada no sistema por bancos centrais. No Reino Unido, promoveram investimentos em imóveis, com desonerações de impostos e subsídios. Recriaram o boom imobiliário, que foi parte da causa da crise. Os mercados de ações nos Estados Unidos e outros países ricos estão extremamente inflados. Criaram outra bolha especulativa, já que não estavam dispostos a reestruturar a economia e crescer de modo mais sólido. Pode não acontecer este ano, mas haverá outra crise financeira. Valor: Na sua opinião, que consequências pode ter o aumento dos juros americanos nesse cenário? Chang: Por enquanto, é um aumento bem pequeno, e sempre podem voltar atrás. Não vejo como um grande obstáculo agora. O maior problema é que superaram essa crise financeira criando, acima de tudo, mais uma bolha. E se essa estourar, aí não se dispõe nem de munição para lutar contra outra crise. Os juros estão praticamente em zero e muitos governos estão sobrecarregados de dívidas. Não podem fazer políticas fiscais keynesianas. Esses países podem se ver em apuros ainda maiores do que os países em desenvolvimento. Por Angela Klinke Blog sobre tendências de consumo, lifestyle e mercado de luxo. Confira o blog Vídeos Valor: A turbulência nas bolsas chinesas tem levado analistas a ver uma recessão global no horizonte. Como avalia esse risco? Chang: Na China, o problema do mercado de ações é auto-infligido. O governo ampliou o que investidores individuais podem fazer no mercado de ações, cujo valor cresceu por especulação. Fez isso porque já sentia que a economia estava fraquejando. Então, estimulou a atividade. Infelizmente, exagerou, criando uma instabilidade financeira desnecessária, que também afetou a economia real. A América Latina conhece isso: mesmo quando não há um problema nos fundamentos da economia, problemas financeiros podem afetar a economia real. Os investidores param de investir, as pessoas ficam na defensiva, os trabalhadores começam a exigir aumento de salários, porque se preocupam com o futuro. E, infelizmente para o resto do mundo, a economia chinesa ficou tão grande que tem um impacto enorme. Acho que estamos entrando em tempos difíceis. Valor: É voz corrente que as estatísticas chinesas são infladas e o crescimento estaria abaixo dos 6,9% anunciados. Se for assim, os tempos serão ainda mais difíceis? Chang: Há um consenso de que os números são exagerados. E por isso as coisas podem na verdade estar piores do que deveriam se considerados os números oficiais. No entanto, se todos sabem, os demais países deveriam levar o dado em conta, até porque, mesmo sendo a China um país com grande controle do governo sobre a economia, se o governo diz que vai crescer 7% não significa que vai mesmo. Valor: A China poderia estar entrando em uma verdadeira recessão, e não só uma desaceleração? Chang: Acho improvável. O que protege a China é seu mercado de capitais muito fechado. Se fosse aberto, o dinheiro sairia rápido, como aconteceu na Tailândia, Coreia e Malásia nos anos 1990, embora "Economias avançadas não resolveram seus tivessem uma economia saudável no problemas estruturais e agora estão longo prazo e ainda estivessem crescendo expostas a um novo estouro de bolha" a 7%. Algo dá errado, o mercado de capitais é aberto, o dinheiro foge correndo e a economia está em apuros. Isso provavelmente não vai acontecer na China. Mas as coisas lá podem ficar difíceis, porque eles querem liderar a economia global, aumentaram bastante os gastos fiscais e muitos projetos tinham problemas. Valor: E há a questão, sempre latente, de o crescimento menor trazer instabilidade política. Desaceleração da China afeta economia global 29/01/2016 Lançamentos Livros, músicas e filmes CD A Ad deellee,, U Um m ffeen nôôm meen noo iin nccoom mp prreeeen nssíívv eell BBB CD ""TTaam maarreeaarr"" BBB CD ""U Um maa TTeem mp poorraad daa FFoorraa d dee M Miim m"" BBB Livros U Um m aarrttiissttaa iin nccoom mu um mn noo oollh hoo d doo cciicclloon nee AAA Livros ""O OR Reeggrreessssoo"",, ssaaggaa ssoob brree oo p peerrd dããoo BBB Legenda AAA Excepcional BBB Acima da média CCC Baixa qualidade AA+ Alta Qualidade BB+ Moderado C Alto Risco Chang: Mais importante, no longo prazo, é a crescente desigualdade de renda. Isso vai ter enormes consequências políticas. Há apenas 40 anos, todo mundo era pobre na China. Todos eram teoricamente iguais. Hoje, de duas pessoas que eram igualmente pobres, uma está vivendo numa cópia da Casa Branca e a outra está dormindo na rua. Isso foi aceito nos últimos 30 anos 2 de 5 05/02/16 10:52 Turbulência à vista, de novo | Valor Econômico http://www.valor.com.br/cultura/4415048/turbulencia-vista-de-novo# porque, com a economia crescendo a 12%, mesmo o mais pobre está comendo um prato de arroz a mais. É aceitável. Mas, quando a economia desacelera, as pessoas começam a fazer perguntas. Valor: No seu livro, o senhor critica as denominações "ortodoxia" e "heterodoxia". Hoje, a profunda crise da economia brasileira revive os embates centrados nessa divisão. Chang: Isso tem muito a ver com os tipos de ortodoxia e heterodoxia que foram usados no Brasil. Por exemplo, a velha heterodoxia brasileira remonta a Celso Furtado e ao estruturalismo latino-americano, que enfatizava a importância da industrialização, do investimento e da produtividade. Mas a heterodoxia no governo do PT foi mais centrada em reduzir desigualdade, expandir o bem-estar. Infelizmente, negligenciaram a reconstrução da indústria. O Brasil experimentou uma das desindustrializações mais rápidas da história. Infelizmente, o governo não usou contra isso os recursos que o país obteve graças ao boom de exportações. Para onde foi o dinheiro? Não houve um esforço organizado para reconstruir a indústria. A ortodoxia não tinha nenhum foco em política social, mas, basicamente, em indicadores macroeconômicos. Também negligenciaram o setor produtivo. A economia brasileira está pagando o preço por terem esquecido desse tema nos últimos 30 anos. Valor: Isso explica o fato de que o país poderá perder algo como 7% do PIB em menos de três anos? Chang: Essa é a grande consequência de depender das commodities. Em termos de indústria, o Brasil retrocedeu. Perdeu bastante das suas manufaturas e se tornou cada vez mais dependente de produtos primários. Parte disso era inevitável, porque havia uma demanda enorme da China. Mas, tendo recebido esses recursos extras, o país deveria ter reconstruído a base manufatureira. Provavelmente, estamos entrando na fase depressiva do superciclo das commodities, algo que pode durar 20 anos. O Brasil deveria ter se preparado, mas não o fez. Hoje, a maior fonte de demanda de sua economia, que é a China, está parando. Então, o que mais dá para esperar? É como no livro de García Marquez: "Crônica de uma Morte Anunciada". Valor: As teorias que possuímos sobre construção de base industrial remontam a uma economia muito diferente da que temos hoje. Como reconstruir essa base na economia globalizada, financeirizada, informacional? Chang: Desde a era da Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe], houve muito debate sobre políticas de industrialização, transformação estrutural, produtividade. Sabemos bem melhor o que é uma boa política de industrialização. As políticas cepalinas não enfatizavam de modo suficiente as exportações. Assim que a economia cresce, vem uma crise do balanço de pagamentos e é preciso esfriar a economia, o que reduz o investimento. Os tempos mudaram, é preciso fazer as coisas de outro modo. Mas nada disso significa um mundo pós-industrial, em que a indústria perdeu importância. Ela ainda é a maior fonte de novas tecnologias. E quando se olha para países com alta produtividade em commodities ou serviços, são países que usam as tecnologias desenvolvidas na indústria para elevar a produtividade nos outros setores. A Austrália é muito dependente do setor de mineração, mas tem um setor forte de equipamentos. Valor: Como fazer isso em tempos de cadeias globais de valor e de tratados que não permitem várias políticas dos governos? Chang: Pode-se fazer muito mais do que imaginamos. É claro que, se assinar um tratado bilateral com os Estados Unidos, esqueça. Aí não dá para fazer nada. Fora daí há possibilidades. Não se pode mais exigir conteúdo local, mas é possível impor outras condições, como a transferência de tecnologia. É mais difícil, mas dá. O Brasil ainda tem a vantagem de ter sido um dos principais países industrializados do mundo emergente. Há uma base manufatureira significativa, embora esteja sendo destruída rapidamente. Ainda tem engenheiros e executivos qualificados. Se há um país que pode se reindustrializar é o Brasil. Valor: Que cara terá o mundo em que a atividade econômica é governada por acordos como a TPP [Parceria Transpacífica] e o TTIP [Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos]? 3 de 5 05/02/16 10:52 Turbulência à vista, de novo | Valor Econômico http://www.valor.com.br/cultura/4415048/turbulencia-vista-de-novo# Chang: Esses acordos são apresentados como acordos de comércio, mas o comércio não é o ponto central. Especialmente no caso da TTIP, entre Estados Unidos e a União Europeia. Eles já têm tarifas baixíssimas entre si. Esses acordos aumentam o poder das corporações, como nessa cláusula infame, o mecanismo de solução de disputas entre Estados e investidores. Isso permite que empresas processem governos, e não é nem em alguma corte pública internacional, como deveria ser, mas através de um júri de três pessoas. O mundo é cada vez mais dominado pelo poder das corporações, mas não vamos esquecer que todos esses tratados podem ser reescritos, abolidos, renegociados. Valor: Isso exigiria uma enorme mobilização social, e em muitos países ao mesmo tempo. Chang: É preciso pensar numa perspectiva de longo prazo. Há 30 anos, o ambientalismo era visto como um movimento cripto-comunista, gente que queria destruir o capitalismo ao restringir sua habilidade de crescer. Hoje não é mais assim. É possível mudar o tom dos debates. Valor: Uma coisa notável é que, mesmo depois da crise, o poder corporativo e financeiro sobre a política americana segue intocado. De onde vem tanta resistência? Chang: Eles têm muito dinheiro à disposição. Mesmo depois de tudo que aconteceu, podem usar esses recursos "Provavelmente, estamos entrando na fase para ajudar políticos, influenciar a mídia, depressiva do superciclo das commodities. enfraquecer a mobilização. Wall Street O Brasil deveria ter se preparado, mas não o fez" gastou muito dinheiro em lobbies para enfraquecer a regulação da lei Dodd-Frank (promulgada em 2010 pelo presidente Barack Obama para se fazer a reforma do sistema financeiro e dar proteção ao consumidor). Nos últimos 35 anos, conseguiram mudar as percepções das pessoas. É quase uma lavagem cerebral. A cabeça das pessoas foi tão distorcida por 35 anos de campanha incessante sobre as virtudes absolutas do mercado livre que vai demorar para mudar. Valor: O senhor menciona a existência de nove escolas de teoria econômica... Chang: Pelo menos nove! Valor: Mas houve grandes esforços dos economistas para unificar a teoria, como é o caso dos neoclássicos. Essa diversidade revela uma fraqueza? Chang: É uma fraqueza se quisermos algo como a química ou a física, que tem um corpo teórico principal capaz de explicar mais ou menos tudo. Mas estudar a economia ou a sociedade é estudar o mundo humano, que é bem mais complexo que o mundo natural, formado de partículas subatômicas que não pensam por si próprias, não têm desejo nem ideologia. Mas os humanos, sim. Dada essa realidade, ter muitas teorias diferentes é uma vantagem. As diferentes teorias se concentram em coisas diferentes. Todas têm certas forças e fraquezas. Então, conhecer mais teorias ajuda a conhecer o mundo melhor. Valor: Economistas são acusados de ter uma atitude de espírito imperialista sobre outras ciências sociais. Como avalia o diálogo de economistas com sociólogos, politólogos e antropólogos? Chang: Acredito na abordagem interdisciplinar. Quando analisamos a economia, a não ser que usemos uma visão neoclássica muito estreita, precisamos levar em conta a interação social, a psicologia, os temas políticos. Não são todos os economistas que agem assim, mas muitos têm essa atitude conhecida como imperialismo do economista. Valor: O senhor concorda com a comparação entre o pensamento econômico fechado em padrões hoje dominantes e crenças de natureza religiosa? Chang: Tem algo correto nessa analogia. Não 100%, mas tem. Há mesmo um elemento religioso em muito da teoria econômica, quando se acredita que há uma verdade única que deve ser aceita por todos. Há também, sobretudo 4 de 5 05/02/16 10:52 Turbulência à vista, de novo | Valor Econômico http://www.valor.com.br/cultura/4415048/turbulencia-vista-de-novo# entre neoclássicos, a ideia de que os valores econômicos são os mais importantes. Vemos muito disso no mundo atual, em que governos querem parar de financiar departamentos de literatura e antropologia porque não trazem receita. E terceiro, em termos práticos: o conhecimento está protegido das pessoas, com toda a matemática, os modelos, o jargão, muitas coisas que nem eu entendo. Assim, a economia neoclássica é como a igreja católica medieval, que recusava a tradução da Bíblia para línguas vernaculares. Recomendar 5 de 5 586 Tweet Share 1 0 Assine o Valor () 05/02/16 10:52