Uma análise histórica do desenvolvimento do capitalismo no Brasil

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Uma análise histórica do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, EUA,
Alemanha e Rússia, e a intervenção estatal nesse processo
Por Ticiane Lorena Natale - Resenha 3
A presente resenha encerra o módulo I do curso "Direito e subdesenvolvimento: o
desafio furtadiano", sob o nome de “Raízes teóricas do subdesenvolvimento: EUA,
Alemanha, Rússia e Brasil”, do segundo semestre de 2009.
Introdução
Não é acurado dizer que o sistema capitalista é, de tempos em tempos, acometido por
crises de enormes proporções; na verdade, as crises fazem parte de sua natureza,
interferindo nas condições de vida das pessoas em maior ou menor grau de acordo com
a liberdade que a racionalidade desse sistema toma. Na última crise global, a liberdade
era grande – a lógica do capital sempre em busca da sua acumulação ia desenfreada, em
tempos de políticas neoliberais. Surge, assim, um momento propício para analisarmos a
conformação econômica que o capitalismo trouxe para a Rússia, os EUA, a Alemanha e,
principalmente, o Brasil, sem deixar também de revermos a importância de um Estado
democrático como poder para organizar os atores econômicos em busca do
desenvolvimento do país como um todo. Este assunto é recorrente tanto nos textosobjeto da minha primeira resenha (com as ideias de Antônio Sagasti, Álvaro Vieira
Pinto, entre outros), como nos desta, que tem por base quatro grandes pensadores, cujas
análises são feitas sobre a história de diferentes países, e a interferência dos Estados
para o desenvolvimento deles – são eles:
Celso Furtado, economista estruturalista brasileiro, que no livro Formação Econômica
do Brasil (concebido em 1959) nos dá muitas respostas acerca da inserção do nosso país
em âmbito mundial numa condição de subdesenvolvimento.
Alexander Hamilton, estadista estadunidense responsável por Report on Manufactures,
de 1791. Neste relatório, ele expõe os argumentos em prol da construção de um forte
aparato estatal voltado ao pleno desenvolvimento da economia capitalista americana,
com base no incentivo e proteção à industrialização. Chama a atenção o contexto em
que ele apresentou tais ideias, quando o mundo era seduzido pelas políticas liberais de
Adam Smith.
Friedrich List, economista alemão que, ao escrever o Sistema Nacional de Economia
Política em 1841, tinha como inspiração as ideias de Alexander Hamilton. Utilizo-me
aqui do capítulo I ao XVI daquele livro.
Vladimir Ilitch Lenin, grande estadista russo, o qual analisa o sistema econômico russo
pré-revolução de 1905/07 em O desenvolvimento do capitalismo na Rússia - o processo
de formação do mercado interno para a grande indústria (1899), do qual tratarei de
seuprimeiro capítulo (Os Erros Teóricos dos Economistas Populistas).
Infância brasileira – primeiras determinações econômicas
A inserção do Brasil no mercado mundial se deu com o cultivo de suas terras,
diferentemente do que ocorrera com as outras colônias americanas – fato de suma
importância como pontua Celso Furtado: "De simples empresa espoliativa e extrativa
(...) a América passa a constituir parte integrante da economia reprodutiva européia"1
De qualquer maneira, o Brasil nasce para o resto do mundo como uma colônia de
exploração, fundada sobre grandes latifúndios, alta concentração de renda2, mão de obra
escrava e com a produção voltada para servir ao mercado externo. Situação bem
diferente era a das colônias americanas setentrionais, as quais muitas eram voltadas para
o povoamento, com pequenas propriedades e produção para o mercado interno,
inclusive com a existência de manufaturas. Sua economia estava voltada para si, embora
essas colônias ainda não fossem independentes.
Ao contrário, a colônia portuguesa era especializada na exploração agrícola, a qual se
mostrou uma atividade muito rentável para a metrópole – até que o monopólio da
produção açucareira em larga escala foi quebrado por outras colônias tropicais. A
economia brasileira vivia em função da metrópole, submetida a seus caprichos e na
1
Formação econômica do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, p. 8. Isso por si só já
desconstrói o "boato" de que o país era quase feudal, já que estava era "um caso extremo de
especialização econômica. Ao inverso da unidade e feudal, ela (a unidade escravista) vive totalmente
para o mercado externo”, p.50.
2
Idem, p. 45. "90 % da renda gerada pela economia açucareira dentro do país se concentrava nas mãos da
classe de proprietários de engenho e plantações de cana".
dependência de bens importados para as mais variadas necessidades, com uma política
de acordo unicamente com os interesses da Coroa. Assim, com a perda cada vez
maior de poder, Portugal decidiu aliar-se estrategicamente à Inglaterra ainda no séc.
XVII, o que para o Brasil não significou grande diferença na sua condição, posto que
gradativamente ele deixava de ser dependente economicamente de um país para ser de
outro3.
Porém, quando da nossa Independência, a qual se deu sem um processo de real ruptura e
envolvimento popular, a ligação firmada outrora com a Inglaterra foi determinante: "A
forma peculiar como se processou a independência da América portuguesa teve
consequências fundamentais no seu subsequente desenvolvimento. Transferindo-se o
governo português para o Brasil sob a proteção inglesa e operando-se a indpendência
sem descontinuidade na chefia do governo, os privilégios econômicos de que se
beneficiava a Inglaterra em Portugal transferiram-se automaticamente para o Brasil
independente." Este fato torna-se especialmente importante para esta resenha quando se
nota a nossa situação de extrema vulnerabilidade: nosso poder central já nascia atrelado
a interesses escusos e antinacionais, nosso mercado interno era tímido e carente de todos
os tipos de bens, e a nossa estrutura econômica pouco se alterara (por quase quatro
séculos), com uma forte elite escravocrata, acomodada com o lugar que o Brasil possuía
na divisão intenacional do trabalho (na qual, aliás, lucrava bastante) e acostumada a
mudanças “extensivas” para aumentar o crescimento da produção, o que era muito mais
fácil do que aumentar a produtividade na mesma área. Assim, "sendo uma grande
plantação de produtos tropicais, a colônia estava intimamente integrada nas economias
européias, das quais dependia. Não constituía, portanto, um sistema autônomo, sendo
simples prolongamento de outros maiores. 4"
Não obstante a aliança com a Inglaterra, com o crescimento do cultivo de café que se
mostrava agora o mais promissor depois da decandência na exploração do açúcar e do
ouro o Brasil estreita laços com os EUA; à época, este país também possuía uma
industrialização já bem consolidada, sendo que logo no início séc. XX terá um poder
para fazer valer seus interesses comparado ao inglês.
3
Até mesmo a Revolução Industrial inglesa foi em grande parte financiada pelo ouro brasileiro,
principalmente devido ao Tratado de Panos e Vinhos (Tratado de Methuen) entre Portugal e Inglaterra.
4
Idem, pp. 95. Na Austrália, a título de comparação, a decadência da exploração aurífera fez com que
surgisse a consciência de que uma política protecionista era necessária, o que deu ensejo a uma precoce
industrialização. No nosso caso, enquanto a região das minas regredia para uma economia de
subsistência, arranjava-se outra solução no setor primário.
Uns estados unidos por um objetivo comum
Nos Estados Unidos da América, Hamilton teorizou e previu um programa político que
foi defendido com sangue na Guerra de Secessão (1861-1865), sendo mais tarde
apropriado pelos Estados vencedores para ditar os rumos do país como um todo, o que
garantiu o sucesso das indústrias ianques; embora, é verdade, os interesses das elites
agrárias não fossem de todo esquecidas. Cabe lembrar, também, que a industrialização
americana já ia avançada desde a segunda metade do século XIII5, constituindo "um
capítulo integrante do desenvolvimento da própria economia européia6”, tendo sido
adotado o protecionismo muito depois (meados do séc. XIX). De qualquer forma, temos
dois fatos de enormes dimensões – não foi por acaso que os Estados Unidos da América
tornaram-se a potência mundial que é.
Além disso, em Report on Manufactures, seu principal relatório como 1º secretário do
tesouro dos EUA, encontra-se não só um manifesto em prol do protecionismo, mas
também de medidas positivas (subsídios, incentivos fiscais, etc) para a indústria,
provando, por exemplo, que esta é mais rentável para o país do que a agricultura (que
gera produtos de menor valor agregado); ademais, a indústria pode vender seus produtos
a crédito incentivando o consumo, mesmo que este tenha um papel secundário para o
capitalismo, já que o que o move são os meios de produção, ou seja, a lógica é "a
produção pela produção7” – mas isso os ianques só descobrirão, empiricamente, em
1929, após uma onda liberal.
List lembra que, quando da implementação de tais políticas promotoras do
desenvolvimento industrial que Hamilton idealizou, os EUA sofreram duras críticas dos
aclamados teóricos europeus, como se a Inglaterra não tivesse se utilizado delas para
chegar onde estava (já discuti isso noutra resenha, com os ensinamentos de
Hobsbawam). Coloca que "a civilização e o poder - posses mais importantes e mais
desejáveis que a mera riqueza material, como admite o próprio Adam Smith - só podem
ser assegurados e mantidos pela criação de uma produção manufatureira própria"8.
5
Por variados motivos, como: as colônias de povoamento surgiram com imigrantes europeus que já
haviam tido contato com as manufaturas (a maioria eram ingleses), a Inglaterra incentivava a
industrialização de produtos que não competissem com os da metrópole, etc. Quando ela decide ter o
monopólio industrial, já era tarde: os americanos tem forças suficientes para saírem vitoriosos da Guerra
de Independência (em 1776).
6
Idem, p. 100.
7
V.I.LENIN, O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, trad. port. de. Netto, José Paulo, São Paulo,
Abril Cultural, p. 24.
8
Sistema nacional de economia política, trad. port. de. Baraúna, Luiz João, São Paulo, Abril Cultural,
p.78.
Cabe acrescentar que o governo federal americano também investiu fortemente em
infraestrutura (principalmente no setor de transportes, com a construção de ferrovias),
educação (com foco nas universidades), campo militar (com gastos altos em pesquisa e
desenvolvimento - P&D), etc, os quais contribuíram para a industrialização e inovação
tecnológica. Ademais, as instituições políticas do país estavam desenvolvidas o
suficiente para que os interesses dos núcleos de poder estivessem afinados com os
interesses do resto da população (ao menos na medida em que uma democracia formal
permite...).
No século XX, os investimentos estatais naquelas áreas foram reforçados, embora,
como vimos,
a tendência predominante fosse um pensamento liberal/neoliberal
(principalmente na área social que, de qualquer forma, já apresentava boas condições no
geral), após terem se desenvolvido com a maciça intervenção estatal. Celso Furtado nos
conta que a independência em relação à Inglaterra poderia ter trazido as mesmas
consequencias que vimos no Brasil, não fosse o bom direcionamento que o Estado dera
ao novo e intenso fluxo de capitais, ou seja, "na primeira metade do século XIX a ação
do Estado é fundamental no desenvolvimento norte-amerciano"(grifo meu). Assim, "é
somente na segunda metade do século - quando cresce amplamente a influência dos
grandes negócios - que alcança prevalecer a ideologia da não-intromissão do Estado
na esfera econômica"9.
Hoje os EUA, na Nova Ordem Internacional, como maior potência, ora impõem o
Consenso de Washington, ora exigem reforço na propriedade intelectual de seus
parceiros comerciais, agindo de forma contraditória como a Inglaterra fizera outrora,
mas sempre coerente com o "pragmatismo". Aliás, com base no livro de List, entende-se
que é pragmático (além de tantas outras coisas...) para um país desenvolvido ser
partidário do livre comércio, estando em pé de igualdade com os demais e em condição
privilegiada com a periferia, que depende dele.
O american way para os alemães
Georg Friedrich List se inspira em Hamilton e na própria história dos Estados alemães,
na qual reconhece avanços na sua manufatura, além da agricultura, comércio e
educação, provenientes da ação positiva estatal e do protecionismo, além de outros
fatores como a imigração (sendo que parte dela, aliás, foi também incentivada pelo
9
Idem, p.105.
Estado), com avanços incontestáveis10, também demonstrando a importância das
instituições políticas. Assim, diante dos resultados de várias políticas, desde aquelas que
eram liberais até as intervencionistas, ele se convence por estas. Até mesmo o bloqueio
continental de Napoleão deu mostras de ser útil para proteger dos ingleses e promover
toda a indústria alemã.
Enquanto isso, neste mesmo século, nosso país flertava com a doutrina liberal na
economia11, embora o Estado fosse politicamente centralizado. O economista alemão
List pontua que essa doutrina muito formosamente se encaixa numa "economia
cosmopolítica", num mundo imaginário, o qual não é dividido em países com interesses
nacionais, onde há um intercâmbio honesto entre todos eles. Assim, pensando na
situação desigual e cada vez mais desvantajosa12, principalmente em relação aos seus
maiores parceiros comerciais, para a Alemanha de List, assim como para nós, havia que
se pensar numa verdadeira "economia política", nacionalista, voltada antes para o seu
desenvolvimento endógeno com o fortalecimento de seu mercado interno através da
industrialização e, assim, antes de tudo, encetar uma relação mais equilibrada. Como
não há país capitalista sem comércio exterior – nos ensina Lênin – já que o capitalismo
resulta de uma circulação de mercadorias, toda nação capitalista necessita de mercado
externo, o não isolamento seria possível com políticas protecionistas que permitessem
equilibrar a relação comercial.
Olhai os sinais do campo
List nos conta que a Rússia passou por um processo parecido com o da Alemanha, entre
idas e vindas com os sistemas liberal e intervencionista, sendo que com esta obteve
sucesso ao desenvolver um mercado interno e independência dos produtos ingleses (na
medida do possível), embora muitos países da época entendessem seu atraso em muitos
aspectos como uma evidência de seu insuperável feudalismo.
10
Um exemplo é o da "Prússia (que) conseguiu colocar-se entre as potências européias não tanto pelas
suas conquistas como pela sua política sábia na promoção dos interesses da agricultura, da indústria e
do comércio, e pelo seu progresso na literatura e nas ciências"; "Nesse meio tempo, todo o resto do
território germânico havia durante séculos estado sob a influência do comércio livre (...) em toda parte
houve mais retrocesso do que progresso." Idem, p. 64.
11
Mas com o Estado intervindo apenas para proteger os interesses da elite agrária, como por exemplo,
modificando a taxa de câmbio quando conveniente para manter os lucros com as exportações.
12
O progresso técnico nos países industrializados não parava, enquanto que o Brasil se mantinha preso a
uma estrutura econômica praticamente igual a que o Brasil apresentava no seu tempo de colônia, o que só
fazia aumentar seu atraso. Já sabemos, de resenhas passadas, o quanto a questão tempo importa ao
desenvolvimento tecnológico de um país, principalmente no tocante à inovação, devido ao seu inerente
caráter cumulativo.
No primeiro capítulo de “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, Lênin, ao
analisar o desenvolvimento russo até 1905, demistificou o "caráter natimorto do
capitalismo" naquele país, posto que da concentração dos meios de produção que ali
estava ocorrendo, com muitos camponeses sendo destituídos de suas terras (embora
uma pequena parcela estivesse enriquecendo se apropriando de mais terras), criava-se o
mercado interno e diferenças de classe; não havia mais como se manter numa economia
de subsistência, já que cada vez um número maior de camponeses só possuía sua força
de trabalho para sobreviver, necessitando da troca mercantil. Aliás, era crescente o
número de pessoas que se tinham que se dirigir para as cidades, a fim de trabalhar na
indústria (para muitos, vendendo a única coisa que lhes restava, o trabalho), em
detrimento do quantidade populacional no campo. Assim, recrudescia uma divisão
social do trabalho (e, consequentemente, a alienação) tornando evidente que o
capitalismo tem características fundamentais que se manifestavam tanto lá, um país
predominantemente agrário, como na Europa ocidental.
Com esse panorama, Lênin viu duas possibilidades de desenvolvimento da antiga
propriedade fundiária: ou sua estrutura era conservada e se transformava lentamente em
capitalista, mantendo-se as antigas estruturas de poder (os interesses da burguesia e
nobreza iriam prevalecer); ou uma revolução (que ainda não seria socialista) a destrói
para dar espaço à pequena propriedade, na qual as forças produtivas podem se
desenvolver mais rapidamente, cumprindo assim a missão histórica do capitalismo. Por
este caminho, o papel de dirigente seria dado ao proletariado, com o apoio dos
camponeses e, enfim, do seio das contradições capitalistas, dar-se-ia condições a uma
"transformação socialista”, que mais tarde a História veio a comprovar.
A consolidação do padrão econômico de nossa pátria mãe tão distraída
Com relação ao início do século XIX, Furtado nos alerta de que só é possível o
desenvolvimento da economia do país com uma condição básica (até mesmo para dar
ensejo a uma política industrialista): a expansão das exportações, já que a economia do
país era em sua maior parte sustentada por elas. O mercado interno tornar-se-ia mais
desenvolvido apenas se houvesse certa autonomia tecnológica, o que não fazia parte da
nossa realidade. A industrialização dos parceiros comerciais estrangeiros não afetavam
nossa estrutura produtiva, pois comprávamos bens que não meios de produção.
Assim, "a causa principal do grande atraso relativo da economia brasileira na
primeira metade do século XIX foi, portanto, o estancamento de suas exportações"
sendo a região do café (sudeste) a única que possuía um certo dinamismo, pois estava
valorizado no mercado mundial, provinha de um capital que tínhamos em abundância, a
terra, entre outros fatores; esta região passsará a ser o centro da economia nacional13. O
café também encetará o surgimento de uma nova elite, formada inicialmente por
homens do comércio local, mais progressista que aquela formada no período colonial,
tornando-se cada vez mais forte. Por outro lado, no final do século XIX, com a abolição
da escravatura, a antiga elite agrária nordestina perdeu parte da sua sustentação,
enfraquecendo-se.
Nesta segunda metade do século, o desenvolvimento do café foi grande, porém não foi o
suficiente para que o progresso atingisse efetivamente o Brasil. Furtado explica que esse
fenômeno deve-se ao fato de que na época anterior o nosso país não conseguiu
"integrar-se nas correntes em expansão do comércio mundial durante essa etapa de
rápida trasnformação das estruturas dos países mais avançados14”. Como aprendemos
com o economista Carlos Alonso Barbosa de Oliveira, a história econômica brasileira
nos coloca como um país de capitalismo atrasado. Em decorrênca disso, como vimos,
o Brasil tornou-se dependente economicamente, com uma soberania fragilizada e
desigual socialmente.
É por essa época que o governo imperial intervém fortemente na economia, não em
busca de desenvolvimento, mas em prol dos interesses da elite emergente supracitada,
desvalorizando nossa moeda para beneficiar os grupos exportadores. Rapidamente
surgem as consequências nocivas das políticas adotadas para corrigir o desequilíbrio na
balança de pagamentos, as quais transferiam os prejuízos para toda a sociedade. Esse
quadro nos permite entender a importância que List dá ao desenvolvimento das
instituições políticas, pois, quando de uma desencentralização republicana, interesses de
outros grupos devem ser contemporizados e abarcados, enquanto que o povo como um
todo deve ter seus interesses assistidos acima de qualquer outro (ao menos na medida
em que uma República Café com Leite nos permite...).
Por essa época, o Estado passou a seguir uma política de valorização do café mais
agressiva a qual, além de satisfazer a elite exportadora, também satisfazia uma elite de
13
FURTADO, Formação econômica do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, pp. 107-143. As
desigualdades regionais de hoje refletem a conformação da economia ao espaço na época: "O
desenvolvimento da segunda metade do século passado não se estendeu a todo o território do país (...)
convém dividir o país em três setores principais. O primeiro, constituído pela economia do açúcar e
algodão e pela vasta zona de economia de subsistência a ela ligada, se bem que por vínculos cada vez
mais débeis. O segundo, formado pela economia principalmente de subsistência do sul do país. O
terceiro, tendo como centro a economia cafeeira."
14
Idem, p. 150.
industriais15. Assim, por sorte, nos anos da grande depressão (iniciada com a Crise de
1929) "praticou-se no Brasil, inconscientemente, uma política anticíclica de maior
amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos países
industrializados", o que aumentou a renda e trouxe rápida recuperação para a nossa
economia, a qual "não se deve a nenhum fator externo e sim à política de fomento
seguida inconscientemente no país e que era um subproduto da defesa dos interesses
cafeeiros16”.
Em consequêcia desse processo, o mercado interno passa a ser mais dinâmico que o
exportador, o que incentivava a industrialização. Celso Furtado conclui que a expansão
do setor exportador possibilita uma alta capitalização e progresso técnico, não sendo
este setor reduzido pelo crescimento econômico, porém ele muda de papel conforme a
capacidade produtiva do país se desenvolve. De qualquer forma, esse desenvolvimento
é desigual entre as regiões brasileiras, como vimos (fenômeno que, na verdade, é
universal, inerente ao processo natural do capitalismo e aos fatores ambientais da
região), quadro que não pode ser revertido sem uma intenção, sem uma ação consciente
do Estado.
Considerações finais
Como - no sistema de reprodução ampliada do capital em que estamos inseridos - "para
um ganhar, outro necessariamente precisa perder", a partir da história de formação
econômica desses países, vemos a conformação de um modelo centro-periferia, no qual
o centro submete economicamente a periferia com a venda de produtos diversificados e
de alto valor agregado, enquanto que a outra se especializa em poucos produtos de
baixo valor agregado (além de existir heterogeneidade em seus setores produtivos).
Dessa forma, cria-se já de início uma relação de dependência econômica e subordinação
política (quando esta já não é criada com a violência concreta do imperialismo), entre
outros tristes resultados. Com o tempo, as relações econômicas e características dos
países tornam-se mais complexas e muitas vezes chega-se a perder de vista o início do
processo. Muitas vezes, esse modelo é mesmo visto como algo superado, com o
argumento de que o crescimento econômico em determinados países é reflexo do seu
desenvolvimento; hoje, só se fala que o Brasil é um país “em desenvolvimento”, um
país “emergente”. Na verdade, o país está envolvido num panorama de crescimento
15
16
Embora, muitas vezes, essas duas elites fossem compostas pelas mesmas pessoas.
Idem, p. 192 e 193.
desigual e combinado universal; e que, apesar de muitos avanços, o Brasil está longe de
ter uma parcela significativa da produção mundial de tecnologia de ponta, que para
Celso Furtado é a maior arma de dominação dos tempos contemporâneos.
Embora essa realidade seja inerente a uma racionalidade do sistema capitalista, do qual
(por ora!) não podemos fugir, vimos que ela é conformada em sua forma mais perfeita
quando as forças internas do país sucumbem ou, pior, são coniventes a ela, que muitas
vezes vai ao encontro dos interesses das elites dominantes e, na maioria esmagadora
das vezes, vai ao encontro também do subdesenvolvimento.
Um ponto importante para nosso estudo deve ser mencionado: List lembra que na
Alemanha a evolução das forças materiais deu-se somente depois de um satisfatório
progresso em educação (e consequente melhoria nas condições de vida da população),
ao contrário do ocorrido nas outras potências capitalistas já existentes na época. Ora, em
reflexões anteriores dos textos do Curso ficou claro que, para nós brasileiros, a ordem
das etapas não pode ser aleatória - não quando se pensa no desenvolvimento do país
como um todo. A partir da nossa condição (país de capitalismo atrasado enquanto que a
Alemanha é de capitalismo apenas tardio), podemos dizer que a evolução das forças
materiais do país levará tão-só a um aumento na concentração de renda, mantendo-se a
condição de subdesenvolvimento já que os mecanismos de acúmulo de capital e
socialização das perdas estão superdesenvolvidos. Logo, há que se reclamar, antes, por
uma mudança na estrutura social e também de poder do país – sem querer ser repetitiva,
vale lembrar de Sagasti: "É necessário um conjunto de transformações sócioeconômicas
antes
das
capacidades
científico-tecnológicas
endógenas
17
serem
desenvolvidas com o fim de sair das condições de subdesenvolvimento ." (grifo meu)
17
Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo, São Paulo, Perspectiva, 1986, p.
BIBLIOGRAFIA
FURTADO, Celso, Formação econômica do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras,
2007.
SAGASTI, Francisco, Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo, São
Paulo, Perspectiva, 1986.
HAMILTON, Alexander, Report on manufactures, Works of Hamilton, 1791.
LIST, Georg Friedrich, Sistema nacional de economia política, trad. port. de Baraúna,
Luiz João, São Paulo, Abril Cultural.
LÊNIN, Vladimir Ilitch, O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, trad. port. de.
Netto, José Paulo, São Paulo, Abril Cultural.
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