Marcadores Biológicos e Etiopatogenia do Líquen

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Artigo de Revisão / Review Articie
Marcadores Biológicos e Etiopatogenia do Líquen
plano bucal
Oral lichen Planus: Etiopathogenesis and Biomarkers
Betania Fachetti Ribeiro1, Ana Carolina Lyra de Albuquerque2, Keila Martha Amorim Barroso3, Sérgio Henrique Gonçalves de Carvalho4, Maria Sueli Marques Soares5
Doutoranda em Estomatologia pela UFPB, Mestre em Patologia Oral pela UFRN e especialista em Radiologia Oral pela
UNESA
2
Doutoranda em Estomatologia pela UFPB, Mestre em Diagnóstico Bucal pela UFPB
3
Mestranda em Diagnóstico Bucal pela UFPB
4
Mestrando em Diagnóstico Bucal pela UFPB
5
Doutora em Técnicas Clínicas em Odontoestomatologia pela Universidade de Barcelona (2003), Professora do Curso
de Odontologia e da Pós Graduação da Universidade Federal da Paraíba - UFPB
1
Descritores:
Resumo
Doença auto-imune; líquen plano
bucal, citocinas
O Líquen Plano Bucal (LPB) é uma doença mucocutânea inflamatória crônica que clinicamente apresenta-se
de variadas formas como reticular, atrófica ou eritematosa e erosiva. Sua etiologia é desconhecida, embora
seja considerada como uma doença auto-imune. As citocinas produzidas e liberadas por células do infiltrado
inflamatório presentes no LPB são importantes para o recrutamento de novos linfócitos para o local da lesão e
são capazes de estimular e inibir produção de novas citocinas sendo essenciais para exacerbação e perpetuação do LPB. O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão de literatura sobre os marcadores biológicos e a
etiopatogenia do LPB.
Uniterms:
Abstract
Autoimmune disease; oral lichen
planus; cytokines
The Oral Lichen Planus (OLP) is a chronic inflammatory mucocutaneous disease that clinically presents
itself in many ways as reticular, atrophic or erythematous and erosive. Its etiology is unknown, although it
is considered as an autoimmune disease. Cytokines produced and released by inflammatory cells present
in the OLP are important for the recruitment of lymphocytes to the lesion site and are able to stimulate and
inhibit production of new cytokines are essential for the perpetuation and exacerbation of OLP. The objective
of this study is to review the literature on biological markers and the pathogenesis of OLP.
Correspondência para / Correspondence to:
Maria Sueli Marques Soares
Universidade Federal da Paraíba - Departamento de Odontologia, Programa de Pós-Graduação Odontologia
Cidade Universitária CEP - 58059-900 João Pessoa/PB - Brasil
e-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
O Líquen Plano Bucal (LPB) é uma doença mucocutânea inflamatória crônica, afetando de 1% a 2 % da população. Clinicamente pode apresentar-se de variadas formas
como reticular, atrófica ou eritematosa e erosiva. O LPB
caracteriza-se histologicamente por exibir degeneração da
camada basal e formação de projeções epiteliais alongadas
e delgadas em direção ao tecido conjuntivo subjacente. A
camada espinhosa do epitélio pode apresentar-se com espessura variada. Evidencia-se um intenso infiltrado inflamatório crônico subepitelial disposto em banda. A presença de
corpos apoptóticos, denominados de Corpúsculos de Civatte,
pode ser visualizada na interface epitélio-conjuntivo12,13.
A etiologia do LPB é desconhecida, embora seja considerada como uma doença autoimune, resultante da resposta imune mediada por células T contra antígenos ainda desconhecidos, apresentados pelos ceratinócitos que sofrem
apoptose. As citocinas produzidas e liberadas por células
do infiltrado inflamatório do LPB têm importante ação no
recrutamento de novos linfócitos para o local da lesão e também são capazes de estimular e inibir a produção de novas
citocinas, sendo essenciais para exacerbação e perpetuação
do LPB10,16,28.
Este trabalho tem por objetivo proceder a uma revisão
de literatura sobre os marcadores biológicos e a etiopatogenia do LPB na tentativa de relacionar a utilização desses
marcadores como prognóstico da doença.
REVISÃO DE LITERATURA
ETIOPATOGENIA
O LPB é uma doença mucocutânea relativamente frequente em que linfócitos T citotóxicos induzem apoptose de
células epiteliais, conduzindo a uma inflamação crônica10,20.
Na cavidade bucal, o LPB acomete a mucosa bucal,
língua, gengiva e palato. As mulheres com idade acima de
40 anos são mais acometidas que os homens na proporção
de 3:27,13,27.
As lesões bucais são classificadas em reticular, atrófica ou eritematosa e erosivo. A forma reticular é a mais
comum delas, geralmente assintomática, porém as lesões
podem se tornar erosivas. Clinicamente, apresenta linhas
brancas que se entrelaçam, denominadas de estrias de Wickham, ou se apresentam como pápulas esbranquiçadas.
As formas atrófica e erosiva apresentam-se como lesões
branco-eritematosas e são dolorosas, podendo apresentar
sensação de queimação e irritação. Clinicamente a forma
erosiva exibe um aspecto mais irregular, com uma placa fibrinosa ou pseudomembranosa, recobrindo a lesão e a peOdontol. Clín.-Cient., Recife, 9 (1) 19-23, jan./mar., 2010
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riferia, apresentando as estrias de Wickham distribuídas de
forma radial13,24,25.
A etiopatogenia do LPB ainda não é definida, sendo
considerada uma doença autoimune mediada por linfócitos
T contra antígenos epiteliais24,25. De acordo com Sugerman25,
a patogênese do LPB envolve mecanismos antígeno específicos e não específicos. Os mecanismos antígeno-específicos
estão associados à apresentação de antígeno pelos ceratinócitos da camada basal e à morte dos ceratinócitos provocada pelos linfócitos T CD8 citotóxicos. Os mecanismos
não específicos incluem a degranulação de mastócitos e a
ativação de metaloproteinases de matriz (MMP) nas lesões
do LPB.
Os ceratinócitos da camada basal são destruídos,
promovendo a perda de continuidade desta camada. Essa
destruição ocorre a partir da apresentação de um antígeno
que pode ser do próprio organismo ou um antígeno externo,
o qual provavelmente é reconhecido pelos linfócitos T CD8.
Os linfócitos T, uma vez ativados, têm a capacidade de promover a apoptose dos ceratinócitos, assim como de liberar
citocinas responsáveis por atrair mais linfócitos e outras células do sistema imune, que atuam no desenvolvimento da
lesão. A degeneração da camada basal facilita a invasão de
células inflamatórias no epitélio, principalmente da célula T
CD8. Estas células promovem a apoptose dos ceratinócitos,
levando a cronicidade da lesão14,25,27.
O linfócito T CD8 secreta o fator de necrose tumoral-α
(TNF-α), que se liga ao seu receptor na superfície do ceratinócito (TNF-α R1), causando a apoptose dessa célula.
Outros mecanismos que levam à apoptose do ceratinócito
também são considerados: o CD95L (Ligante de Fas), presente na superfície do linfócito T CD8, se liga ao CD95 (Fas)
da superfície do ceratinócito e através da entrada de granzima B secretada pelo linfócito T nos ceratinócitos via poros
de membrana induzidos por perforina. Esses mecanismos
ativam a cascata das caspases no interior do ceratinócito,
levando à apoptose da célula7,25,27.
O TNF-α também tem a capacidade de estimular os
linfócitos T a secretar MMPs, entre elas a MMP-9. Esta metaloproteinase é uma gelatinase que degrada o colágeno IV da
camada basal, levando ao rompimento desta e facilitando a
passagem dos linfócitos T CD8 para o epitélio25,27.
O linfócito T CD 4 auxiliar está presente em maior
quantidade no infiltrado inflamatório subepitelial e também
contribui para o desenvolvimento da lesão. Essas células ao
serem ativadas produzem interleucina-2 (IL-2) e interferon-α
(INF-α), que, por sua vez, ativam o linfócito T CD8 que levará à apoptose dos ceratinócitos. A produção local de INF-α
mantém a expressão do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) de classe II nos ceratinócitos, o que também contribui para a cronicidade da lesão25.
As citocinas são pequenas proteínas produzidas por
vários tipos celulares, principalmente linfócitos e macrófagos ativados bem como por células do endotélio, epitélio e
tecido conjuntivo. As citocinas modulam a função de outros
tipos celulares, além de participarem das respostas imunológicas celulares e possuírem efeitos adicionais importantes
tanto na inflamação aguda quanto na crônica11,8.
As células T auxiliares podem ser classificadas em Th1
e Th2, baseadas na sua produção citocinas. As Th1 são caracterizadas pela produção de IL-2, INF-α, fator de necrose
tumoral-β (TNF-β) na imunidade celular e as células Th2 pela
produção de interleucina-4 (IL-4), interleucina-5 (IL-5), interleucina-6 (IL-6) e interleucina-13 (IL-13) na imunidade humoral. As citocinas produzidas pelas células Th1 e Th2 determinam as suas funções efetoras, além de participarem no
desenvolvimento e expansão das suas respectivas subpopuOdontol. Clín.-Cient., Recife, 9 (1) 19-23, jan./mar., 2010
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lações. São responsáveis, também, pela regulação cruzada
das citocinas de cada subpopulação, através de uma ação
antagonista, que determinará as características da resposta
imune e seu desenvolvimento1,15,18.
CITOCINAS
TNF-α
O TNF-α é uma citocina multifuncional, que desempenha um papel importante na resposta imunológica
do paciente à infecção, estimula a angiogênese, influencia
na remodelação tecidual e toma parte na regulação da proliferação e diferenciação célular14 . Para Sugerman et al.25 e
Pezelj-Ribaric et al.14, o TNF-α tem sido implicado ao LPB e
deve ter um papel chave na iniciação, exacerbação e perpetuação dessa doença.
Pezelj-Ribaric et al.14 encontraram altos níveis de
TNF-α em todas as amostras de saliva obtidas dos pacientes com lesões ativas de LPB em comparação com o grupo
controle. Além disso, verificaram que as concentrações de
TNF-α na saliva variaram em diferentes tipos clínicos de LPB,
sendo particularmente elevado nos casos da forma erosiva e
atrófica da doença.
Rhodus et al.17 acompanharam 13 pacientes com LPB
do tipo erosivo-ulcerativo, em tratamento com dexametasona a 0,1% por seis semanas. Nesse estudo, encontraram
uma significativa redução nos níveis de citocinas pró-inflamatórias, incluindo o TNF-α na saliva, após o uso do bochecho da dexametasona.
Zhang et al.29 avaliaram a saliva e o soro de 30 pacientes com diagnóstico clínico e histopatológico de LPB.
As análises mostraram que a concentração de TNF-α, IL-6
e interleucina-8 (IL-8) no soro e na saliva dos pacientes com
LPB foi maior do que a encontrada no grupo controle. Os
resultados do estudo sugerem que o ensaio salivar pode ser
o método mais sensível para refletir a produção de citocinas
relacionadas com a doença em pacientes com LPB.
Interleucinas
As interleucinas são citocinas produzidas por leucócitos e outros tipos celulares, que atuam na imunidade inata
e adaptativa1.
É de grande importância ressaltar que há citocinas
que atuam estimulando as células de defesa, produzindo a
inflamação, seja diretamente, seja pelo estimulo à produção
de outras citocinas. Destas podemos citar a IL-6 e IL-8 e o
TNF, as quais são denominadas citocinas pró-inflamatórias.
Por outro lado, há outras citocinas que inibem as células
de defesa produtoras da reação inflamatória, entre elas as
interleucina-10 (IL-10) e IL-13, denominadas citocinas antiinflamatórias19.
Estudo realizado por Rhodus et al.16 demonstrou que
citocinas dependentes do fator nuclear-kappa B (NF-κB),
como TNF- α, IL-1α, IL-6 e IL-8, são detectadas em concentrações mais elevadas na saliva não estimulada, na mistura
de saliva com solução salina isotônica e em transudato de
tecido lesional de pacientes com LPB, quando comparados
ao grupo controle. A avaliação prática dessas técnicas é de
grande importância, pois estabelecem uma monitoração e
manejo clínico adequado da doença durante o tratamento.
Rhodus et al.17, em pesquisa avaliando os níveis salivares de citocinas inflamatórias antes e após o tratamento
do LPB com dexametasona tópica, revelaram que os níveis
de TNF-α, IL-1α, IL-6 e IL-8 regrediram de forma significan-
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Ribeiro, B.F.; et. al.
te, após seis semanas de tratamento. Entretanto, os níveis
de IL-1α e IL-8 após o tratamento estabelecido não formam
significantemente diferente, do nível detectado no grupo
controle. Os autores concluíram que a utilização da análise
de citocinas NF-κB dependentes na saliva de pacientes com
LPB é importante na monitoração da resposta terapêutica
da doença.
Rhodus, Cheng e Ondrey18 relatam que estudos foram
realizados para verificar o padrão de expressão das diferentes citocinas e quimiocinas, observando Th1 e Th2, nos tecidos, em cultivo de células e no soro de pacientes portadores
de LPB, incluindo a IL-1, IL-2, IL-4, IL-6, IL-8, IL-10, IFN-α,
TNF-α e fator de transformação do crescimento-alfa (TGF-α).
A partir desses resultados obtidos em diferentes estudos,
Sugerman et al.25 concluíram que LPB é caracterizado pelo
domínio das citocinas Th1.
Porém, de acordo com Rhodus, Cheng e Ondrey18 tal
conclusão não tem sido apoiada pelo estudo sobre a proporção das citocinas Th1/Th2 no LPB, que é um dos indicadores diretos de Th1/Th2 em desequilíbrio. Os referidos
autores realizaram uma pesquisa para verificar o nível de citocinas como TNF-α, IL-1α, IL-6,IL-8 e a proporção de TNF-α/
IL-6, IL-1/IL-6 e IL-8/IL-6 no transudato do tecido lesional de
pacientes portadores do LPB, através da técnica ELISA. Os
resultados mostraram uma maior concentração dessas citocinas nos pacientes com LPB do que no grupo controle. Além
disso, a proporção das citocinas TNFα/IL-6, IL-1/IL-6 e IL-8/
IL-6 teve uma diminuição significativa, quando comparada
com o grupo controle. Os autores afirmam que esses resultados são os primeiros que sugerem que há um predomínio
de citocinas Th2 no LPB e que, portanto, mais estudos são
necessários para uma avaliação cuidadosa antes de uma
conclusão definitiva. Os resultados obtidos nesse estudo associado a outras pesquisas demonstram que há diferentes
padrões de desequilíbrio Th1/Th2 ou um misto de Th1/Th2
que podem estar envolvidas na patogênese do LPB.
O estudo realizado por Zhang et al.29 avaliando a concentração de TNF-α, IL-6 e IL-8 na saliva e no soro sanguíneo
de pacientes portadores de LPB, demonstrou que os níveis
das citocinas estudadas encontravam-se em concentrações
maiores, quando comparados com indivíduos saudáveis participantes da pesquisa, sendo maior na saliva do que no soro
sanguíneo. Ao correlacionar o nível das citocinas com o subtipo de LPB, os autores verificaram na saliva um aumento
significativo da IL-8 no subtipo erosivo em relação ao reticular. Sugeriram uma possível participação dessa citocina na
transformação da forma reticular em erosiva e que a análise
da IL-8 na saliva pode ser utilizada como biomarcador de
severidade do LPB.
Interferon-У (IFN-У)
O INF-У participa da imunidade inata e adaptativa mediada por células, agindo, principalmente, como uma citocina
efetora das respostas imunes. Possui alguma atividade viral,
porém não muito potente1.
O IFN-У possui a capacidade de ativar o MHC de classe
I e aumentar a expressão do MHC de classe II. O aumento de
expressão de antígenos classe II pelas células de Langherans
no LPB sugere que estas estão ativas imunologicamente, podendo atuar no início ou na potencialização da reação imune
local. Também atua na diferenciação das células T CD4 para
subpopulação de Th1 e inibe a proliferação de Th21,11.
Simark-Mattsson et al.22 realizaram um estudo para
investigar o possível envolvimento das células produtoras
de INF-У na patogênese do LPB. Através da técnica de hibridização in situ, detectou-se a presença do mRNA do INF-У
em células localizadas na membrana basal na maioria dos
pacientes. Em alguns casos, essa presença foi observada,
circunscrevendo o infiltrado inflamatório, sendo raramente encontrada no centro da lesão. Os autores sugeriram
que a ativação de linfócitos T e a produção de citocinas
ocorrem localmente e não refletem no sangue periférico.
A localização das células positivas indica que os peptídeos
antigênicos estão presentes na periferia do infiltrado inflamatório de células mononucleares e que, além disso, a baixa frequência de células positivas nas lesões sugere que a
doença é conservada por um pequeno número de células T
antígeno-específicas.
Na pesquisa realizada em 1999, Simark-Mattsson et
al.22 investigaram a presença de mRNA das citocinas IL-2,
IL-4, IL-10 e TNF-У e TGF-У1 no LPB, utilizando a técnica
da hibridização in situ e a expressão do INF-У, IL-10 e IL-4
em cultura de linfócitos T da lesão através da técnica de
reação em cadeia da polimerase (PCR). A presença de células, expressando o mRNA para IL-2, IL-4, IL-10, TNF-α e
TGF-ß1 foi encontrada em todas as biópsias estudadas. Na
cultura da linhagem de células T, mensagem para IFN-У foi
detectada em todos os pacientes analisados. Os resultados
da pesquisa sugerem que o mRNA de citocinas pró e anti-inflamatórias é produzido simultaneamente por um número
limitado de células, geralmente situadas na periferia da
lesão crônica do LPB.
Poucos estudos têm utilizado detecção simultânea
de citocinas no tecido lesionado e na saliva para determinar se o nível de citocinas salivares realmente reflete a manifestação clínica do tecido lesionado26.
No estudo realizado por Tao et al.26, verificou-se o nível de IFN-У e IL-4, simultaneamente, em lesões e na saliva
de pacientes com várias formas clínicas de LPB. Os autores
observaram que, nos tecidos lesionais de LPB do subtipo
eritematoso/ulcerativo, os níveis de INF-У e de IL-4 foram
significantemente mais elevados do que no grupo controle. Na saliva, detectou-se um aumento significativo apenas
do INF-У na variante eritematosa/ulcerativa em relação ao
grupo controle. Houve uma correlação entre as citocinas
detectadas na saliva e no tecido lesional, o que sugere que
a análise da saliva possivelmente reproduz a condição local
da lesão. Não se observou diferença significativa na proporção INF-У/IL-4 nos pacientes com LPB e no grupo controle,
o que leva os autores a acreditarem que seus resultados
não suportam a hipótese de que o desequilíbrio de Th1/Th2
está envolvido no desenvolvimento do LPB. Eles acreditam
que as respostas de Th1 e Th2 co-existem na patogênese
do LPB e que alterações dessas citocina pró-inflamatórias
na saliva podem refletir o estado da lesão de LPB.
TRANSFORMAÇÃO MALIGNA
O LPB é considerado uma lesão cancerizável de acordo
com a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS),
com potencial de transformação maligna de 0,5 a 2%. Ainda
não há fatores claramente associados à malignização dessa
lesão, sendo essa transformação controversa. Visando investigar a transformação maligna do LPB, estudos têm sido desenvolvidos para verificar possíveis alterações no controle do
ciclo celular. A expressão de moléculas envolvidas neste processo como p53, p63, PCNA, Ki67 tem sido estudada2,5,6,9,21.
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p53
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A p53 é uma proteína supressora de tumor responsável por manter a integridade do genoma. Atua como importante mecanismo protetor, uma vez que é ativado após o
DNA da célula sofrer algum dano. A p53 possui a capacidade
de reparar o DNA danificado e estimular apoptose de células alteradas. Quando essa proteína está ausente ou sofre
mutação, as células replicam-se com o DNA danificado, levando a rearranjos cromossomais. Mutações na p53 são os
defeitos moleculares mais comuns encontradas em lesões
malignas2,5,8,9.
Em lesões malignas como o carcinoma de células escamosas e em outros tipos de câncer, já foram detectadas
perda da função e expressão alterada dessa proteína. O
mesmo pôde ser verificado em lesões displásicas, sugerindo
que a superexpressão da p53 tem um papel na fase inicial
da carcinogênese bucal9.
Diversos estudos têm verificado a expressão da p53 no
LPB2,5,9. Geralmente há superexpressão dessa proteína em
lesões de LPB, quando comparado com o tecido normal.
Lee et al.9 encontraram elevada expressão da p53 no
LPB, quando comparado com a mucosa bucal normal, através da técnica imuno-histoquímica. Em relação à displasia
epitelial e ao carcinoma de células escamosas, a expressão
da p53 é menor no LPB do que nestas lesões.
Ao comparar a expressão da p53 em LPB e lesões liquenoides bucais, Acay et al.2 observaram maior expressão
dessa proteína nos casos de LPB. Os autores acreditam que
a elevada expressão da p53 no LPB pode estar associada à
presença do infiltrado inflamatório.
Gonzalez-Moles et al.6 verificaram expressão elevada da
p53 em pacientes com LPB e acreditam que essa proteína está
atuando no reparo de DNA durante o ciclo celular, contribuindo
para que o mecanismo de vigilância seja eficaz, uma vez que a
taxa de transformação maligna do LPB é baixa.
p63
O gene p63 decodifica seis diferentes proteínas que
são essenciais para o desenvolvimento de estruturas ectodérmicas, como a mucosa oral, glândulas salivares, dentes
e pele. Cada proteína possui função e característica diferentes. Sua expressão é aumentada em lesões malignas, como
por exemplo, o carcinoma de células escamosas. No soro/
sangue, anticorpos contra a p63 já forma evidenciados em
pacientes com LPB3,4.
No LPB, Ebrahimi et al.3 verificaram uma expressão diminuída da p63 no LPO, quando comparado com a mucosa
bucal normal através da técnica de imuno-histoquímica.
PCNA
O PCNA é uma proteína nuclear sintetizada durante o
ciclo celular, nas fases G1 tardia e S precoce. Possui importante papel na síntese e no reparo do DNA, sendo utilizado
como marcador de proliferação celular9,21.
Silva Fonseca e Carmo21 encontraram maior expressão do PCNA em lesões de LPB, quando comparadas com
mucosa bucal normal e ceratose, através da técnica imunohistoquímica. O mesmo pôde ser observado na detecção das
regiões organizadoras nucleolares de prata (AgNOR) no LPB.
Essas regiões estão associadas à síntese proteica, sendo
seus níveis elevados, quando há maior proliferação celular. Os autores sugerem que a proliferação celular no LPB é
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maior do que na ceratose e na mucosa normal e acrescentam que o infiltrado inflamatório presente no LPB provavelmente influencia a proliferação celular nessa lesão.
De forma semelhante a p53, Lee et al.9 verificaram
alta expressão do PCNA quando comparado com a mucosa
bucal normal. Ao comparar com o carcinoma de células escamosas, a expressão dessa proteína foi menor no LPB.
Ki67
O Ki67 é uma proteína presente nas fases do ciclo celular, sendo um marcador de proliferação celular2. A presença
do Ki67 foi verificada por Acay et al.2 em LPB e lesões liquenoides. A elevada expressão desse marcador pode ocorrer
devido à maior proliferação celular existente em decorrência
ao dano causado nos ceratinócitos pelas células do infiltrado
inflamatório.
CONCLUSÕES
A presença de marcadores biológicos tem sido relatada como uma possível forma de monitor as lesões de LPB.
Estudos específicos são necessários para se verificar a eficácia destes marcadores na monitoração e no prognóstico
da doença.
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Recebido: 23/03/09
Aceito: 20/06/09
Odontol. Clín.-Cient., Recife, 9 (1) 19-23, jan./mar., 2010
www.cro-pe.org.br
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