Sociologia: uma ciência das revoluções A tentativa de compreender a sociedade e suas relações sociais sempre foi, ao longo da história, uma preocupação de autores, filósofos e pensadores. Não é dificil encontrar obras, em diferentes momentos, que dediquem suas páginas para falar a respeito de como os homens, as organizações e os agrupamentos sociais se comportam. No entanto, após as revoluções burguesas do século XVIII, essa necessidade tomou-se uma obrigação inevitável. As revoluções Industrial e Francesa abalaram definitivamente as estruturas da Europa, mudando suas concepções e práticas da vida social, econômica, filosófica e política. A sociologia, como ciência, nasceu da discussão sobre os problemas sociais resultantes das transformações econômicas, políticas e culturais ocorridas no século XVIII, com as revoluções Industrial e Francesa. A sociologia surgiu no século XIX como forma de entender esses problemas e explicá-los. O nascimento da sociologia ocorreu numa época em que a industrialização e a urbanização estavam transformando as próprias bases da sociedade. Dentre os séculos XVII e XVIII, o aperfeiçoamento das técnicas de produção, visando a produzir cada vez mais com menos gente, possibilitou a invenção de máquinas que aumentassem significativamente os lucros, substituindo gradativamente a produção manufatureira pela maquino fatura. Desse modo, apareceram as máquinas de tecer, a máquina de descaroçar algodão, bem como se iniciou um processo de aplicação industrial da máquina a vapor e de tantos outros inventos destinados a aumentar a produtividade do trabalho. Aqueles trabalhos, antes realizados por homens, passaram a ser feitos por meios de máquinas, e tal fato elevou em muito a quantidade de mercadorias produzidas. No entanto, a Revolução Industrial significou mais do que a utilização da máquina a vapor no processo de produção das mercadorias. Ela representou a ascensão do capital industrial, controlado pelo empresariado industrial, que foi paulatinamente concentrando as máquinas, as terras, as ferramentas e as mentes sob o seu controle, convertendo grandes massas humanas em simples trabalhadores despossuídos e explorados. Esse momento histórico correspondeu à consolidação da sociedade capitalista, caracterizada essencialmente pela divisão de seus membros em classes sociais: a burguesia (donos dos meios de produção), o proletariado (possuidores apenas de sua força de trabalho), e funcionários do Estado e uma classe média (profissionais liberais e pequenos produtores rurais). O desenvolvimento do capitalismo industrial trouxe conseqüências imensas aos pequenos proprietários rurais e aos artesãos independentes, levando ao seu quase desaparecimento e impondo uma carga intensiva de trabalho Tais modificações trouxeram uma nova realidade social, econômica e política para o homem da época, rompendo radicalmente as formas tradicionais de vida de milhões de pessoas. A Revolução Francesa também provocou algumas alterações significativas no modo de a sociedade se organizar e se compreender. Os ideais iluministas surgidos ao longo do século XVII ganhavam espaço na forma & o homem conceber o mundo e sua existência, resultando em uma nova concepção de desenvolvimento humano. Como conseqüência da forte participação popular e das massas no processo revolucionário de 1789, o indivíduo foi trazido para o centro da discussão política, e sua participação nas decisões da nação ganhou outra dimensão. Isso porque as lutas que precederam e desencadearam a Revolução Francesa envolveram muita gente; as guerras napoleônicas mobilizaram as massas populares, e os homens do povo foram obrigados a pensar sobre questões políticas que antes eram discutidas apenas por uma elite, mas que naquele período estavam invadindo a esfera da vida cotidiana de quase todo o mundo. Assim, a idéia de existência de uma liberdade e de uma igualdade (lema da Revolução Francesa) permitiu ao homem questionar os antigos valores e modelos da sociedade e exigir o estabelecimento & uma nova concepção de vida social. Dessa forma, a partir da concepção iluminista de racionalização do mundo para a compreensão de seu funcionamento, fazia-se necessária a criação de uma ciência responsável por sistematizar e entender o funcionamento dessa nova sociedade que se erguia como fruto das revoluções. As transformações ocorridas durante o século XVIII foram importantes para o surgimento da sociologia, pois colocavam a sociedade num plano de análise, ou seja, ela passava a se constituir em “problema”, em “objeto” que deveria ser investigado. Alguns dos primeiros sociólogos viam a industrialização do mesmo modo como viam a ciência: um meio pelo qual os problemas que assolavam a humanidade seriam eliminados. Pobreza, doença, fome, até a guerra, seriam extintas. Nesse sentido, a sociologia no século XIX e início do século XX foi uma tentativa de vários intelectuais para entender e esclarecer essas mudanças profundas. O filósofo francês Auguste Comte foi o primeiro a mencionar a necessidade de se estabelecer uma ciência responsável pela compreensão da sociedade. Em seu curso de filosofia positiva, em 1839, recorreu à utilização do termo sociologia para se referir ao estudo da sociedade. No entanto, foi apenas no final do século XIX que a sociologia apareceu como disciplina e ganhou status de ciência, como francês Émile Durkheim. Em seu livro Ás regras do método sociológico, de 1895, entre outras propostas, Durkheim estabeleceu e delimitou quais deveriam ser os objetos de estudo da sociologia na análise da sociedade. Vale destacar que, inicialmente, a sociologia foi pensada como um instrumento para a promoção “da ordem e do progresso social”, bem como uma ciência aplicada no planejamento e reformulação da vida social. No entanto, o interesse pelo estudo da sociedade também serviu aos interesses das potências imperialistas do século XIX. Como o capital financeiro necessitava de novos mercados para poder crescer, fora dada a largada à corrida para a conquista de novos territórios, que significava a conquista da Ásia e da África. Os europeus depararam-se com civilizações com modelos de organização social totalmente diversos dos seus: o politeísmo, a poligamia, formas de poder tradicionais, castas sociais sem qualquer tipo de mobilidade, economia de subsistência. Nesse sentido, os conquistadores europeus tiveram que moldar essas regiões à imagem e semelhança de suas sociedades para que pudessem viabilizar seus planos de colonização. A civilização ocidental fora imposta mesmo a contra gosto dos povos dominados, como forma de “elevar” a população dessas regiões e permitir a superação do seu “estado primitivo” para o mesmo estágio de desenvolvimento da Europa. Para isso, os colonizadores europeus lançaram mão da produção teórica de cientistas e pensa dores do século XIX para justificar a atuação das potências colonialistas européias na Ásia e na África. As idéias de Charles Darwin a respeito da evolução das espécies animais foram as mais proeminentes para a proposta de “civilização” européia. Tais idéias, transpostas para a análise das culturas e das sociedades, deram origem ao chamado darwinismo social, que consistiu numa tentativa de se aplicar os mesmos princípios que regem a evolução das espécies naturais à explicação da origem e evolução das sociedades. Segundo o darwinismo social, as sociedades se modificariam e se desenvolveriam num mesmo sentido, e tais transformações seguiriam a passagem de um estágio inferior para outro superior, em que o organismo social se mostraria mais evoluído, seria também o mais apto e completo. Em linhas gerais, as sociedades mais “desenvolvidas” seriam as mais fortes e evoluídas. Assim, os primeiros sociólogos inspiraram-se nessas concepções influenciadas pelo darwinismo social. No entanto, essa transposição de conceitos das ciências físicas e biológicas para a compreensão das sociedades e das diferenças entre elas foi alvo de muitas criticas de sociólogos e antropólogos do século XX. A dimensão cultural da vida humana confere princípios diferentes daqueles existentes na natureza. A transposição automática e mecânica da teoria da evolução das espécies serviu como justificativa para a dominação européia, sem levar em consideração uma análise critica daquilo que representaria o “mais forte” ou “mais evoluído”. Mesmo que a sociologia tenha apresentado essa vinculação inicial com a política imperialista do século XIX, a sociologia foi a primeira ciência a preocupar-se com a complexa rede de instituições sociais e grupos que constituem a sociedade, em vez de estudar-lhes um aspecto particular. Foi a primeira ciência a preocupar-se com a vida social como totalidade. Sua concepção básica é a de estrutura social: família, parentesco, religião, moral, estratificação social, vida urbana, enfim, todos esses aspectos da vida social como objetos da reflexão .