IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 ÁGUA E SOCIEDADE: O QUE ABORDAM OS LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL? WATER AND SOCIETY: ADDRESSING TEXTBOOKS OF ELEMENTARY SCHOOL? Bianca Miceli1, Laísa Freire2 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Ecologia Instituto de Biologia, Laboratório de Limnologia, [email protected] 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Ecologia Instituto de Biologia, Laboratório de Limnologia, [email protected] RESUMO A educação ambiental (EA) surgiu no cenário educacional recentemente, devido às discussões sobre problemáticas ambientais. Diante disto, as discussões relativas ao uso e gestão das águas apresentam grande relevância e já são alvo de conflitos ambientais. O trabalho apresenta uma análise preliminar dos conteúdos sobre água e EA em livros didáticos de Ciências do Ensino Fundamental. Selecionamos coleções de livros didáticos distribuídos nas escolas brasileiras e por meio da metodologia de análise de conteúdo identificamos enfoques atribuídos essa temática em cada série/ano. Observamos se apenas questões científicas são levadas em consideração ou se os conteúdos conceituais relacionam a água em seus aspectos socioambientais e políticos. As conclusões parciais indicam que na maioria dos livros analisados, predominam os conhecimentos biológicos/ecológicos sobre a questão da água, embora possamos observar que em alguns livros as questões de cunho social e ambiental são discutidas e problematizadas. Palavras-chave: educação ambiental, água, livros didáticos ABSTRACT Environmental education emerged in the educational scene recently due to discussions on environmental issues. In this context, the discussions concerning to the use and management of water have great relevance and are subject to environmental conflicts. This communication presents a preliminary analysis of the contents of water and environmental education in Science textbooks of elementary school. We selected some collections of textbooks distributed in Brazilian schools and, through the methodology of content analysis, we identified approaches attributed this theme. We observed how is exposed scientific issues and contents relate to water in their environmental and social aspects. Partial findings indicate 1 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 that, in most textbooks , scientific approaches still prevail on the issue of water, though we can observe that certain books already bring social and environmental issues discussed and problematized. Keywords: environmental education , water, textbooks INTRODUÇÃO O estudo é parte do projeto "A água como elemento discursivo no ensino de Ciências e suas relações com a formação de professores em Educação Ambiental" financiado pelo CNPq. Buscamos apresentar um estudo preliminar de conteúdos relacionados à água e à Educação Ambiental (EA) em livros didáticos de Ciências do Ensino Fundamental e investigar como o tema “água” é abordado em coleções de livros didáticos. Selecionamos o Ensino Fundamental por ser um segmento menos conteudista, quando comparado ao Ensino Médio, e por abordar questões de cunho mais social e cultural, enquanto que o Ensino Médio pauta questões mais acadêmicas, normalmente. A EA surgiu no cenário educacional por volta de 1970, devido às discussões acerca das problemáticas ambientais devido a sanções econômicas da época. É considerada um instrumento para a formação das pessoas acerca das questões ambientais e permitiu que novas políticas de gestão ambiental fossem criadas. Diante de toda a problemática ambiental, as discussões relativas à água apresentam grande relevância, por ser um recurso fundamental para o equilíbrio e futuro do nosso planeta (ESTEVES, 1998). A questão da água é de cunho social e ambiental, já que este recurso vem sofrendo ameaças constantes ao longo de muitos anos. Além disso, é um assunto amplamente abordado uma vez que está intrínseco a outros temas como poluição, saneamento básico e gestão. Nosso estudo está baseado na contribuição dos currículos para a formação dos estudantes como cidadãos ativos e críticos. Assim como Selles & Ferreira (2004), acreditamos que os livros didáticos são de grande importância para esta análise uma vez que refletem o currículo atual e geralmente abordam questões envolvidas em embates atuais entre pesquisadores, governo ou professores. Dessa maneira, selecionamos algumas coleções de livros didáticos que são amplamente distribuídos nas escolas brasileiras para investigar de que maneira a questão da água está sendo abordada e analisamos o enfoque que é dado a essa temática em 2 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 cada série/ano. O objetivo do trabalho foi analisar conteúdos sobre água e EA em livros didáticos de Ciências do Ensino Fundamental identificando de que modo os textos articulam os aspectos científicos aos aspectos ambientais e sociais, como os da gestão, quando do tratamento do tema água. OS LIVROS DIDÁTICOS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Os livros didáticos são compreendidos como produções escolares que expressam os sentidos das práticas curriculares, produzem significados sobre o que se ensina, como se ensina e qual a formação docente deve ser desenvolvida, resultando em uma complexa estrutura de produção que abrange várias instâncias educacionais (SELLES & FERREIRA, 2004). Nessa perspectiva, os livros didáticos são investigados como construções curriculares que resultam de diversos contextos (GOMES, 2013), influenciados por órgãos do governo, os próprios autores, as editoras, os professores, os coordenadores e até mesmo os alunos. A estruturação do que e como ensinar proposta nesses materiais forma um conjunto padronizado de enfoques relacionados às finalidades do ensino de Ciências, que vem sendo construída pelos grupos sociais envolvidos desde 1930 (GOMES, 2013). Os livros didáticos muitas vezes estruturam a disciplina escolar Ciências, por estabelecer um padrão de estabilidade, resultado de forças que operam na evolução do currículo (GOODSON, 1997). Nessa perspectiva, os livros didáticos são materiais didáticos que refletem o currículo que deverá ser ensinado aos alunos e são utilizados pelos professores como um embasamento teórico, metodológico e pedagógico para ministrar suas aulas. Dessa maneira, os livros acabam por ditar uma estabilidade do currículo pelas séries, fazendo com que a abordagem dos conteúdos se pareça algo imutável. Apesar de parecerem materiais imutáveis, os livros didáticos sofrem mudanças constantemente. Ao longo dos anos, eles sofreram padrões de estabilidade e mudança (GOODSON, 1997). São as estruturas externas que vão criar espaço para que ocorra a valorização de outros conteúdos a serem passados para as futuras gerações. Sendo assim, os cientistas e pesquisadores apresentam fundamental importância na valorização de certos assuntos, fazendo com que o enfoque nos livros didáticos possa ser alterado. Contudo, além das discussões do campo do currículo, a linguagem do livro didático foi posta em discussão por Sutton (1992 apud MARTINS, 2012) que observou um distanciamento 3 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 entre a linguagem dos livros didáticos e a linguagem dos cientistas. Martins (2006) entende que o texto do livro didático reflete as complexas relações entre ciências, cultura e sociedade no contexto da formação de cidadãos e se constitui a partir de interações situadas em práticas sociais típicas do ensino na escola. Goodson (1983) sustenta ainda que as disciplinas escolares são construídas a partir de finalidades vinculadas a três tradições: as utilitárias, relacionadas aos interesses cotidianos; as pedagógicas, relacionadas à aprendizagem; e as acadêmicas, que refletem os interesses da formação universitária. Sendo assim, devemos considerar que as finalidades educacionais são alteradas ao longo da história e isso reflete em mudanças nas estruturas disciplinares (CHERVEL, 1990). Baseado nos trabalhos de Layton (1973), as finalidades utilitárias e pedagógicas exercem grande influência na ascensão de uma disciplina escolar. Isso irá refletir na linguagem que o autor utilizará para abordar determinada temática em um material didático de acordo com seu enfoque. Situando nosso foco de estudo, que é a problematização da linguagem presente nos livros, relacionamos os movimentos de transformação dos livros didáticos com relação às questões ambientais e mais especificamente ao processo da EA que adentrou as escolas muito relacionado às demandas sociais que a partir da década de 1970 geraram discussões sobre o futuro do planeta e nossa sobrevivência neste planeta. Interesses sociais e utilitários fizeram com que a EA passasse a ser muito debatida entre os grupos sociais. Como consequência, esta temática passou a fazer parte de movimentos sociais, da escola, das universidades, tornou-se objeto de pesquisa e de políticas públicas etc. Como consequência, os livros didáticos passaram a incorporar conteúdos relacionados ao tema. Sendo assim, esses materiais sofreram mudanças com relação aos seus conteúdos e passaram a abordar de maneira mais ampla questões de cunho social, educacional e ambiental como a questão da água, por exemplo. O enfoque à Ecologia, em alguns livros didáticos reflete transformações a partir de questões sociais e a importância de se preservar os recursos do planeta Terra. Um desses recursos de grande valor ao planeta é a água. Em 1992, a Organização das Nações Unidas instituiu o dia 22 de março como ‘Dia Mundial da Água’, destinado à discussão sobre os mais variados temas relacionados a esse recurso. O objetivo era chamar a atenção de todos os indivíduos para questões de escassez de água potável e apresentar medidas e sugestões para a preservação desse recurso. Com base nos conhecimentos de Ecologia, visaram trazer aspectos do ciclo da água mostrando que, apesar da água ser um recurso renovável no planeta, o 4 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 processo de transformação da água em água potável é lento e custoso e deve ser utilizado com parcimônia. Ademais, em 1997 foi sancionada no Brasil a “Lei das Águas”, que se baseia no principio de que a água é um bem de domínio publico e que precisa ser assegurada às gerações futuras, além de integrar a gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental. O tema água, ao ser trabalhado no ensino básico, pode ter várias interfaces, exigindo um diálogo entre diferentes áreas do conhecimento. Ao envolver a gestão das águas, o tema deixa de ser um conteúdo somente de ciências, referenciado em questões como a química da água, o ciclo hidrológico, porcentagem de água nos seres vivos entre outros, e assume uma dimensão política e social. Neste sentido, o tema passa também a ser visto como questão sociocientífica indispensável às atividades econômicas de mercado, considerando as questões de disputa social e ordenamento do Estado (LOUREIRO & GOMES, 2012). PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Analisamos coleções de livros didáticos amplamente distribuídos e utilizados nas escolas brasileiras no Ensino Fundamental, compreendido entre o 6° e o 9° ano. Dentre as coleções analisadas, citamos: Projeto Araribá (2006); Projeto Radix (2011), dos autores Leonel, Karina e Elisangela; coleção Ciências- Novo Pensar (2012), dos autores Demétrio Gowdkak e Eduardo Martins; e coleção Ciências (2013), dos autores Carlos Barros e Wilson Paulino. A análise inicial das coleções se deu através dos sumários de cada livro didático, onde selecionamos as unidades e os capítulos onde o tema “água” era abordado ou citado. Esse levantamento inicial nos permitiu compreender a estruturação dos conteúdos em cada livro didático. Quadro 1: Coleções analisadas e unidades e capítulos que tratam o tema “água”. COLEÇÃO Ciências Novo Pensar- Ed renovada 1° edição, 2012 Editora FTD Ciências- O meio ambiente 5° edição, 2013 Editora Ática AUTORES Demétrio Gowdkak e Eduardo Martins Carlos Barros e Wilson Paulino Ciências- Os seres vivos 5° edição, 2013 ANO 6° 7° 8° UNIDADE “A Água” “Ecologia” “O corpo humano em atividade” “Ecologia” 9° “Noções básicas de Física” “Ecologia” “Os seres vivos e o ambiente” “A água no ambiente” “Desequilíbrios ambientais” 6° 7° - CAPÍTULO 11 ao 15 12 4 12 15 19 e 20 5 13, 14 e 15 18 - 5 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 Editora Ática Ciências- O corpo humano 5° edição, 2013 Editora Ática 8° “As funções da nutrição” Ciências- Química e Física 5° edição, 2013 Editora Ática 9° “Estados físicos da matéria” “Temperatura e calor” Ciências- Projeto Araribá 1° edição, 2006 Editora Moderna Ciências: Projeto Radix 1° edição, 2011 Editora Scipine 3 9 obra concebida e desenvolvida pela Editora Moderna Leonel Delvai Favalli, Karina Alessandra Pessôa e Elisangela Andrade Angelo 5° 6° 7° 8° 6° 7° 8° 9° “A água na Terra” “Interações entre os seres vivos” “O registro da diversidade da vida” “A nutrição: alimentos, nutrientes e digestão” “Energia, temperatura e calor” “Estudando a água” “Água e saúde” “Conhecendo a Biosfera” “Alimentos e digestão” “Conceitos básicos de Física e Química” “Física: calor, eletricidade e magnetismo” 1 ao 6 4 5 10 3e6 1a3 1e2 1 1 3 1 Posteriormente, partimos para uma investigação mais detalhada, na qual selecionamos a coleção e detalhamos como o tema “água” era abordado em cada ano, comparando as coleções entre si. Quadro 2: Conteúdos relacionados ao tema água distribuídos do 6º ao 9º ano em cada coleção analisada. Materiais analisados Ciências Novo Pensar- Ed renovada Demétrio Gowdak e Eduardo Martins 1° edição, 2012 Editora FTD Ciências Carlos Barros e Wilson Paulino Conteúdos 6° ano: relação água-terra, composição da água, ciclo da água, fases da água, propriedades da água, água potável e saneamento básico, água e saúde 7° ano: biomas aquáticos 8° ano: funções da água no corpo humano, degradação ambiental, o ambiente urbano (lixo, saneamento, poluição) 9° ano: transferência de calor, dilatação térmica, calorimetria, o ambiente agredido, poluição e saúde (poluentes e medidas antipoluentes) 6° ano: vida nos ambientes aquáticos, água e a vida, água e seus estados físicos, tratamento de água e 6 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 5° edição, 2013 Editora Ática Projeto Araribá 1° edição, 2006 Editora Moderna Projeto Radix Leonel, Karina e Elisangela 1° edição, 2011 Editora Scipione esgoto, poluição ambiental 7° ano: a água compõe os seres vivos e é necessária para a existência de vida na Terra 8° ano: a água compõe o corpo humano 9° ano: estados físicos e propriedades da matéria, temperatura e calor 5° série: água nos seres vivos e na Terra, estados físicos da água, ciclo da água, propriedades da água, tratamento de água, água e saúde 6° série: ação humana nos ecossistemas, ambiente saúde e doenças emergentes 7° série: doenças do sistema digestório 8° série: dilatação térmica, calorimetria 6° ano: água no planeta Terra, propriedades da água, tratamento da água e doenças relacionadas à água 7° ano: ecossistemas aquáticos 8° ano: a água compõe o corpo humano 9° ano: estados físicos da matéria e calorimetria Futuramente serão selecionados textos específicos de cada ano para analisar aspectos da linguagem. DISCUSSÃO Ao analisarmos os temas pertinentes ao 6° ano, percebemos que a disciplina escolar Ciências é voltada para o conhecimento do planeta Terra, assim como seus componentes: solo, ar, água e vida. Todas as coleções analisadas correspondentes ao 6° ano apresentam uma unidade específica que trata da água. Nos capítulos que compõem essas unidades são abordados temas mais físicos e químicos como as propriedades da água, estados físicos, composição da água, ciclo da água. Há uma construção da água como recurso presente nos seres vivos e de fundamental importância para a existência de vida na Terra. Todos os livros também abordam questões relacionadas à água e saúde, como por exemplo a questão do saneamento básico, e trazem esquemas de estações de tratamento de água e esgoto, explicando sua importância. Além disso, todos trazem questões sobre a contaminação da água, que pode provocar doenças e afetar o equilíbrio do planeta. O livro Ciências- Novo Pensar traz atividades práticas que simulam uma estação de tratamento de água e textos de apoio com curiosidades sobre a questão da água no Brasil. Já o livro do Projeto Radix, além de trazer textos de apoio, convida os estudantes a conhecer formas de economizar água. A diversidade dos seres vivos está presente nos conteúdos do 7º ano. A maioria dos livros deste ano consideram a centralidade do recurso para os primeiros organismos que surgiram na água. Comentam também sobre os ecossistemas aquáticos, que são bastante diversos. 7 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 Somente o livro do Projeto Araribá tem um conteúdo sobre as ações antrópicas nos ecossistemas como a poluição da água por esgoto ou petróleo, provocando a morte de vários organismos. Em outra unidade, sobre micro-organismos, os autores salientam as doenças e mostram que muitas delas são provocadas por seres vivos que habitam água contaminada. No 8° ano o currículo prevê o corpo humano como tema central. Todos os livros são divididos em unidades de correspondem aos sistemas do nosso corpo humano. A questão da água se destaca ao falar sobre sistema digestório, também na perspectiva da sobrevivência humana. Além disso, ao tratar de algumas doenças do sistema digestório, a questão da saúde também é discutida sob o enfoque da doença. A água contaminada é vetor de doenças, em regiões que não apresentam saneamento básico, água potável ou tratamento de esgoto. Somente o livro da coleção Ciências-Novo Pensar traz uma unidade denominada “Ecologia” onde aborda questões sobre a degradação do ambiente pela ação antrópica, que altera a qualidade de vida dos indivíduos. Aborda também o ambiente urbano relacionando-o com os problemas ambientais e com as medidas adotadas para contornar essa degradação e impactar menos o ambiente como o saneamento básico, tratamento de água e esgoto, a questão do lixo, que pode contaminar os lençóis freáticos. Ademais, traz a causa ecológica e a preservação do ambiente, que é do próprio interesse do ser humano. A introdução dessa unidade sobre aspectos ecológicos em uma série na qual a Ecologia não é o enfoque é de fundamental importância para que os alunos entendam que o equilíbrio do nosso organismo está relacionado com o equilíbrio do nosso planeta. Esta proposta parece romper com a tradicional organização dos conteúdos, nos anos de estudo. Além disso, o livro traz questões sobre reciclagem do lixo e reaproveitamento dos materiais, buscando uma discussão contemporânea das questões ambientais. Os livros de 9° ano trazem a Física e a Química como assuntos centrais, uma vez que o currículo propõe que os alunos conheçam aspectos físicos e químicos da matéria. Todos os livros tratam das propriedades físicas e químicas da água, que serve como exemplo quando os livros abordam questões de calorimetria, uma vez que a água possui maior calor especifico. Os livros propõem também experimentos para que os alunos possam visualizar a passagem de calor entre uma água quente e fria. O livro da coleção Ciências-Novo Pensar traz mais uma vez uma unidade denominada “Ecologia” com dois capítulos: um sobre o ambiente agredido e outro sobre poluição e saúde. No capitulo sobre o “Ambiente agredido”, o livro didático traz as alterações que o ambiente vem sofrendo como chuva ácida, efeito estufa. Já no capítulo sobre “Poluição e saúde” existe um tópico sobre poluentes da água, onde são abordadas as 8 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 questões do esgoto domiciliar, dos fertilizantes, dos agrotóxicos, dos detergentes não biodegradáveis, dos ácidos, dos metais pesados e do petróleo. Além de trazer o levantamento dessas questões ambientais, o livro também traz medidas antipoluentes que visam controlar a poluição das águas como o tratamento do esgoto, mostrando aos alunos que medidas podem ser tomadas pelos órgãos públicos a fim de minimizar os efeitos da poluição sobre as águas. A partir do levantamento das coleções didáticas, percebemos que apesar de haver uma corrente de maior valorização e enfoque à Ecologia e às questões ambientais através da EA, são poucos os livros didáticos, cerca de três dentre os quinze livros analisados, que trazem essas questões ambientais e sociais em seu conteúdo de maneira mais detalhada. Porém, algumas coleções mais recentes, a partir de 2011, já apresentam um enfoque maior a essas questões, como podemos observar no Projeto Radix e na Coleção Ciências-Novo Pensar. Contudo, apresar da presença do tema nos materiais, é importante aprofundar a análise considerando de que modo os temas são tratados. Que articulações de conteúdos são realizadas etc. A seguir são apresentados alguns trechos, retirados de textos que geralmente não apresentam enfoque social, nos quais o tema água foi encontrado. Saneamento Básico: “Além de tratar a água, é muito importante, no saneamento básico, o recolhimento da água usada(...). Há dois problemas em relação a água servida: . Os componentes químicos, que podem ser tóxicos, como sabão, a soda, os removedores, os desinfetantes e outros. . Os micro-organismos e vermes que estão nas fezes A solução para estes problemas está na construção de redes de esgoto” (Projeto Radix, 6° ano, 2011, 1°edição, p.215 e 216) Neste trecho, os autores enfatizam a importância da construção de redes de esgoto e de um saneamento básico eficaz para evitar a contaminação das águas por resíduos tóxicos e esgoto. Este conteúdo relaciona a temática da água com a saúde. Sabendo que a saúde e ambiente são temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) podemos inferir que o livro busca responder a esta demanda e integrar esses diferentes campos do conhecimento. A água no mundo: “Já em 2025, metade da população mundial sofrerá com a escassez de água, ainda segundo a ONU. Porém a humanidade parece não se convencer de que num mundo de água possa faltar esse precioso líquido. [...] Entretanto, apesar do empenho de especialistas preocupados com 1,4 bilhão de pessoas que hoje sofrem com a falta de recursos hídricos, ainda encontramos sinais de descaso e de violência contra os ambientes aquáticos” (Ciências Novo Pensar, 6° ano, 2012, 1° edição, p. 222) 9 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 O exemplo acima, presente na seção 14 “Água e saneamento básico” nos mostra o modo como os autores abordaram a questão da escassez de água no mundo e o descaso para as questões ambientais que envolvem este recurso. Neste caso, os atores sociais citados estão em posições e possivelmente tem papéis diferentes na sua relação com a água. A ONU e os especialistas são os que proveem as informações e fazem as predições. As “pessoas” são consideradas vítimas da ausência do recurso. Tais “vitimas” são caracterizadas de diferentes modos ao longo do texto: metade da população mundial, humanidade, 1,4 bilhão de pessoas para qualificar este ator social. Há também um ator não citado, mas que é caracterizado como um agente omisso e/ou que gera impactos aos ambientes aquáticos. Neste trecho a gestão da água é construída com base no argumento científico – o que apontam os especialistas – e há dois grandes grupos: as vítimas e os agressores. Esta gestão passaria pelo “convencimento” da humanidade em preservar os recursos hídricos. Porém, cabe discutir como que essa humanidade seria convencida. Seria através de processos educativos dentro e fora da escola? Através de debates nos meios de comunicação? Será necessário existir alguém que “convença” o restante da humanidade ou esta seria “convencida” sozinha? A água neste trecho é tratada como recurso hídrico e também como ecossistema (ambientes aquáticos). É interessante notar que na frase existem duas abordagens para a água: uma é mais social/antropocêntrica (voltado para o recurso e sua disponibilidade/escassez hídrica para a humanidade), e outra mais ecológica. Essas abordagens são muito comuns nos livros didáticos e refletem a preocupação em preservar um recurso, pelos serviços que prestam ao ser humano em uma visão antropocêntrica. A causa ecológica: “O ser humano é parte da natureza e sua sobrevivência depende da preservação dela. [...]. O desenvolvimento da consciência ecológica, com a consequente mudança de hábitos, é o caminho para impedir a degradação ambiental e o rebaixamento da qualidade de vida [...]. Medidas de preservação e cuidados com o ambiente podem ser tomadas pelos governos, pela sociedade como um todo e pelas pessoas, consideradas individualmente [...]”. (Ciências Novo Pensar, 8° ano, 2012, 1° edição, p. 309) O fragmento acima foi retirado do livro de 8° ano, cujo currículo não prevê enfoque as questões ecológicas, mas apenas a temática do corpo humano. Porém, é possível observar que nessa coleção Ciências Novo Pensar, os autores buscaram trazer abordagens que se relacionam com a qualidade de vida, que reflete no bom funcionamento do corpo. Nessa 10 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 perspectiva, no final do livro, os temas relacionados à Ecologia como poluição, consciência ambiental, saneamento básico são apresentados, diferentemente do observado em outros livros do mesmo ano analisados. Ao afirmarem o ser humano como parte da natureza, os autores levam em consideração a relação entre ser humano e natureza e a necessidade de se conscientizar sobre os problemas ambientais que ameaçam o futuro do planeta. Essa conscientização vem da percepção de cada indivíduo sobre a importância da mudança de hábitos e comportamentos, adquirida através da EA. Denotando uma vinculação a visões mais conservadoras da EA. Dilatação e contração térmicas: “A maior parte das substancias se contrai à medida que a temperatura diminui. A água, porém, ao ser resfriada entre 4°C e 0°C, se dilata (...)” (Projeto Araribá, 8° série, 2006, 1° edição, p.95) No fragmento acima, retirado de um livro de 9° ano, na seção de Calorimetria, é possível observar uma visão da Ciência, na qual o conhecimento cientifico está relacionado à questão da água. Nesse trecho, os autores utilizam a água para exemplificar o tema “contração e dilatação térmica”, e não trazem uma abordagem mais crítica, social e ambiental da questão da água. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base nas analises aqui feitas, concluímos parcialmente que os conteúdos dos livros didáticos refletem modos de pensar e fazer Ciências. Diante do advento da EA e de um tema que norteia as discussões mundiais acerca do ambiente, a questão da água passou a apresentar grande relevância social e educacional. Observamos nos livros didáticos a presença de fragmentos que relacionam as questões ambientais às sociais, ainda que estas questões estejam permeadas por uma visão antropocêntrica, como a preocupação com a saúde, com a limitação do recurso para uso humano, com a poluição e suas consequências. Apesar de ainda existir um enfoque científico escolar nos conteúdos trazidos pelos livros didáticos, é preciso ressaltar que há um diálogo em tensão e construção com temas que vem de demandas sociais. Acreditamos que essas mudanças são repletas de rupturas no texto, mas que acrescentarão no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, uma vez que podem abrir espaços para a construção em sala de aula de novos olhares sobre a questão ambiental. 11 Campus Praia Vermelha/UFF IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente Niterói/RJ, 2014 Como próximas etapas deste estudo, escolheremos textos específicos de determinadas seções dos livros para analisarmos, buscando relacionar os conteúdos com as práticas sociais, construindo pontes entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa, Teoria & Educação, Porto Alegre, n.2, 1990. ESTEVES, F.A. Fundamentos de Limnologia. 2° Ed. Rio de Janeiro: Interciencia, 1998. GOMES, M. M.. Currículo de Ciências: estabilidade e mudanças em livros didáticos, Educação e Pesquisa, São Paulo, v.39, n.2, p.477-492, 2013. GOODSON, I. 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